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Aventura

  • Uma Breve História dos Heróis

    História dos personagens 

    Essa é um pouco da história dos heróis apresentados até aqui, uma breve história de suas vidas antes de se tornarem heróis.
    John Evans
    John nasceu em São Paulo em 4 de abril de 1970, seu pai era um agente da polícia federal de Pindorama a APF e foi um dos fundadores da AIP em 1978, em 1988 com 18 anos perdeu seus pais em um acidente de carro, desde pequeno John já era muito inteligente, se formou no ITF (Instituto de Tecnologia de Fortwhait) aos 15 anos e aos 21 anos fundou as Indústrias Evans que viria a se tornar a maior empresa de tecnologia do país e do mundo, em 2008, Jonh criou o reator enérgico a partir da bateria enérgica que foi criada por seu pai e logo veio a se tornar o Vigilante de Ferro, John é considerado uma das mentes mais brilhantes do mundo, com Ph. D. em Física e Engenharia Elétrica pelo ITF já criou muitas tecnologias extremamente avançadas, John é egocêntrico e arrogante, mas tem um bom coração sempre ajudando e fazendo o bem.
     Rick Thomson 
    Rick Thomson nasceu em Itaquera na Zona Leste de São Paulo em 4 de julho de 1981, sua mãe Sarah Thomson morreu quando John ainda era uma criança ele foi criado por seu pai Joseph que trabalhava muito, Rick ficava muito tempo sozinho e era constantemente espaçando por valentões na escola e na rua, até que conheceu James Oliver que sempre o defendia desses valentões, logo uma grande amizade começou. Em 1999 ao completar 18 anos Rick e James se alistaram no exército de Pindorama e logo se destacaram, em 2006 os dois já eram capitães e foram convidados a fazerem um teste para trabalharem na AIP (AGÊNCIA DE INTELIGÊNCIA DE PINDORAMA) James aceitou, mas Rick quis continuar no exército, foi através de James que Rick Conheceu Elizabeth Montenegro agente da AIP e logo começaram a namorar, em 2009 Rick perde seu pai que morre de parada cardíaca, alguns meses depois, Elizabeth e James saíram em uma missão para AIP e desapareceram sendo dados como mortos, Rick entrou em depressão e desanimado de tudo resolve se inscrever para uma teste de um soro que aumenta as habilidades físicas das pessoas, John é selecionado por seu excelente histórico, o resultado é um sucesso e Rick se torna o super-herói, Capitão Pindorama, Rick nunca superou a morte da amada e do melhor amigo, mas resolve seguir em frente e deixar o passado para trás.
    Lea
    Lea Nasceu em Santiago em 12 de agosto de 1986, sempre foi muito esperta e inteligente, após se formar no ensino médio, Lea estudou Física Nuclear Na Universidade do Atacama, Lea sempre gostou de se divertir, ela é alegre e extrovertida, mas sempre tendo responsabilidade nos estudos e no serviço, até que um dia ela sofre um acidente e precisando de uma transfusão de sangue, recebe o sangue do ex marido de sua tia a qual era o único compatível, mas ele era descendente de uma antiga raça de lobisomens, Lea então se torna a Lobanil. 
    Titã e Os Nosgardianos
    Os Nosgardianos existem desde o princípio do universo quando um deus  chamado Our, esculpiu do gelo das Terras Nordicas o primeiro Nosgardiano, Pã. Este então teve um filho chamado Tétis que casou-se com Minerva. Por fim, o casal teve três filhos nomeados como Deve, Reia e Dione conhecidos como os Aesiros, Deve se tornou rei de Nosgard e casou-se com Lyly e tiveram Titã e Jápeto o mago, o príncipe Titã nasceu a mais de mil anos atrás, e lutou em muitas guerras depois de muitos anos de paz a maior ameaça ressurge para os Nosgardianos, e Titã tem a missão de guiar os guerreiros de Nosgard para a batalha.
    Paggy Kuliak
    Paggy nasceu na antiga União Soviética em 22 de novembro de 1984, sua mãe a entregou para a adoção, com três anos, com cinco anos Paggy foi selecionada pela KGB para se tornar uma Gata Negra que eram as agentes de mais alto nível e foi levada para a câmera vermelha para um rigoroso treinamento, com o fim da KGB em 1991, as Gatas Negras passaram a agir como espias para o governo russo, Paggy se tornou uma Gata Negra em 2002 aos 18 anos, depois de fazer várias missões secretas se tornou uma das melhores agente do governo, mas não concordando com as missões e os métodos empregados se desligou em 2005 e fugiu para Pindorama, Jeremy Marstom que na época era um mercenário criminosos foi contratado pela Agência russa para matar Paggy, mas ao invés disso salvou sua vida, jurando fidelidade a Marston os dois se tornaram grandes amigos e aliados desejando largar a antiga vida os dois se juntam a AIP em 2006, Paggy hoje é uma das melhores agentes da agência e tem um grande coração ela está sempre pronta a dar sua vida para salvar seus amigos.
     Jeremy  Marston 
    Jeremy Nasceu em Berlim Alemanha em 7 de janeiro de 1981, foi criado em um circo por seus pais e desde pequeno era uma das atrações do circo, um dia o circo onde vivia foi queimado e seus pais morreram, Jeremy sobreviveu e foi criado por um espadachim chamado de Dorianzurin, que era líder de um grupo de mercenários criminosos, Jeremy treinou muito arco e flecha e manuseios de armas brancas se tornando um grande especialista, com 17 anos ele descobriu que Dorianzurin foi o responsável por queimar o circo onde ele vivia, Jeremy tenta matar Dorianzurin mas poupa sua vida, Jeremy se torna um implacável assassino de aluguel, um dia recebe uma missão, matar uma Gata Negra chamada Paggy Kuliak, mas ao invés disso ele salva a vida dela e os dois se tornam grandes amigos. 
    Os Defensores da Galáxia
    Zizel – Zizel que significa Príncipe das Estrelas no idioma do planeta Gor onde ele cresceu, é um terráqueo que foi raptado ainda bebê por piratas espaciais para ser vendido como escravo, aos 10 anos de idade ele fugiu do planeta onde vivia como escravo em uma nave velha que ele mesmo concertou e se juntou a um grupo de saqueadores espaciais.
    Mir – conhecida como filha de Thauros, ela nasceu no planeta Guil, quando seu planeta foi invadido pelo Clã das Trevas, Thauros viu um grande potencial na pequena Mir e viu que ela podia se tornar uma grande guerreira, Mir então foi levada para fazer parte do Clã das Trevas, enquanto que toda sua família foram mortos, Mir cresceu e se tornou a membra do Clã das Trevas mais temida do universo, uma assassina implacável, mas ela se arrepende e abandona sua antiga vida, se torna uma heroína e passa a fazer o bem e ajudar as pessoas, mas seu passado sombrio a persegue.
     Beru – Beru é um brutamontes do planeta Galegue um planeta da galáxia de Andromeda que foi destruído pelo  Clã das Trevas, Beru foi um dos poucos sobreviventes, mas teve que enterrar sua esposa e seus filhos, Beru se tornou um criminoso temível na galáxia, e sempre teve em seu coração o desejo de vingança, se juntou aos Defensores da Galáxia, mas ainda pretende se vingar de Thauros.
    Druxe – um alienígena da raça Fure, uma raça de seres sem inteligência que vivem na lua Sila que órbita o planeta Sueri, Druxe passou por experimentos que lhe deu inteligência, a partir daí se tornou um saqueador, junto de Liu seu grande amigo.
    Liu – Liu é um robô construído para ser segurança da família real do planeta Sueri, ele foi roubado por Druxe que o programou para ser seu segurança, mas Liu ganhou sentimentos e vê Druxe como seu irmão, junto de Druxe Liu se torna um saqueador e passam por grandes aventuras juntos pela Galáxia de Andromeda.
     
     

     

  • Uma Crônica Carioca

    Este livro é uma obra de ficção que se passa numa versão ficcional do municipío de Nilópolis, na baixada Fluminense do Rio de Janeiro; qualquer semelhança com pessoas, eventos ou locais reais é mera coincidência.
    A cultura local foi usada para compor esta obra, o autor é um morador de Nilópolis, logo tudo que encontrará aqui foi inspirado por uma vivência real.
    Tenha uma boa leitura. 
                Capítulo 1
       Nossa cidade, nosso orgulho 
    Pedro vinha pela Via Light sentido Nilópolis as seis da noite, estava voltando da festa de aniversário de oito anos de seu sobrinho Vitor, não porquê a festa acabou e sim porquê Pedro fez uma merda, ele tentou pegar a cunhada da sua irmã.
    Sintonizado na rádio 102.1 (Mix FM) enquanto dirige seu Fiat Uno 2005 vermelho, batucando seus dedos no volante.
    Lê lê lê lê lê Lá em casa! 🎶
    Lê lê lê lê lê Na cama! 🎶
    Lê lê lê lê lê lê Tirando a roupa toda! 🎶
    Mesmo ao som incondicional da voz de Thiaguinho (cantor que gosta muito), Pedro não consegue tirar da sua cabeça o que aconteceu na festa:
    No quintal estavam os adultos bebendo e conversando enquanto crianças corriam molhadas e pulavam na piscina, com os pais sempre atentos e uma ou outra mãe maluca gritando pro seu filho parar de tentar se matar; Pedro estava odiando isso, mesmo amando sua irmã ele sabia que uma hora ou outra iria embora antes de cortar o bolo; A festa era na casa dela e do esposo, em Nova Iguaçu, e apesar de gostar da cidade, ele detesta os “riquinhos” (Pedro se perguntava se poderiam ser chamados de ricos quem mora até mesmo no mais caro dos apartamentos de Nova Iguaçu) que moram nela, gente meio babaca sabe?
    Ninguém falava do que tinha acontecido no episódio de ontem de ‘Avenida Brasil’, Carminha tinha descoberto que a sua empregada era a Nina, a menininha que ela havia abandonado no lixão; Pedro nem curtia muito novela (segundo ele) mas porra, isso foi foda pra caralho, e esses Nova Iguaçus? Novaguanos? Sei lá, esses caras estão falando do carro novo da Ford?! Fala sério…
    Ao chegar em casa e pesquisar, Pedro descobriu que quem mora em Nova Iguaçu são Iguaçuano.
    No meio da festa e no papo ruim ele viu uma loirinha super gostosa, não viu aliança no dedo então foi falar com ela (não que isso o impedisse de verdade, mas na festa do sobrinho não seria uma boa ideia), e ao abordá-la e rirem um pouco no canto da casa, Pedro mandou a clássica: 
    — Tá afim de sair dessa festa?
    — E ir pra onde? — Ela disse rindo, bom sinal.
    — Pro meu apartamento, podemos ver o Shrek lá —Isso não parece uma boa cantada mas foi, a conversa deles por incrível que pareça havia chegado no gosto dela por Shrek três, que Pedro não curte muito, acha a história do Arthur muito brocha, mas gosta bastante do primeiro e do segundo, acha uma boa trilogia (ele ignora o quarto filme).
    — Queria muito, mas meu noivo tá olhando pra gente.
    Noivo?! Caralho! — Ele pensou.
    — Noivo?! Cadê sua aliança!?
    — Ele não comprou ainda — Ela respondeu com um leve desdém, dando de ombros. Pedro olhou ao redor procurando o noivo dela, mas não achou ninguém.
    Voltou a olhar para ela e pensou se valia ou não a pena falar “Foda-se seu noivo, se fosse macho mesmo tu já estaria com aliança na mão e talvez até casada, vem na minha”, isso poderia dar uma merda do caralho (o que deu) mas a loira era muito gostosa, então ele mandou:
    — Foda-se seu noivo, se fosse macho mesmo tu já estaria com aliança na mão e talvez até casada, vem na minha.
    A loirinha olhou pra ele como se não acreditasse no que estava ouvindo, mas ainda assim gostando; antes que ela pudesse responder, seu noivo pegou Pedro pela gola da camisa e jogou no chão, a festa inteira parou na hora.
    Pedro se levantou e tentou apaziguar a situação, o que não deu muito certo, entre palavrões e ameaças próximas da beira da piscina o corno nada mansotentou dar um soco no rosto de Pedro que apenas saiu da frente e o deixou cair na água (com um empurrãozinho e uma perna na frente), depois é só confusão, gritaria e briga.
    Pedro nem é um cara bonito, nem feio, só bem normal, tem um cabelo curtinho, pele morena, um bigode fino junto de uma barba mal raspada e veste camisa amarela e calça jeans, mas sua lábia com as mulheres é invejável.
    ••
    Pedro segue na Via Light quando entra na direita e vê a entrada de Nilópolis, uma pedra retangular num planalto escrito “Nilópolis” e abaixo: Nossa cidade, nosso orgulho!
    Enquanto olha a placa pela segunda vez hoje, um cara numa Doblò passa do seu lado e grita “Freio tá ruim!”, e já é o terceiro a te falar isso desde que saiu da sua irmã.
    Puta merda… dia tá bom pra caralho…
    Ele aproveita o caminho e vai direto para seu mecânico, segue a principal, passa pela escola laranjinha lá que ele nunca lembra o nome, grita “Tonin!” Quando passa pela ‘Aviário, loja de frangos’ (bom nome), segue em frente ao cristal, passa direto pelo posto, quis evitar ouvir um monte de especialistas em porra nenhuma falar do seu problema no carro e vira a esquina na Av. Carmela Dutra, em direção a praça do chafariz.
    A praça do chafariz é o lugar favorito de Pedro, mas se sente um pouco envergonhado por não saber quem é o cara da estátua.
    É um maluco de bigode e roupa meio militar, devia ser alguém bastante importante e Pedro sente um pouco de pena por seu monumento estar meio pichado, e principalmente pela praça ser mais conhecida por seu chafariz do que pela memória do cara… mas não se dá o trabalho de procurar no Google.
    Mais à frente, logo depois da LifeFit e antes da passarela do trem (a perigosa, não a segura), Pedro entra no seu mecânico, um armazém aberto pra cacete com peças de carro pra tudo quanto é lado, e com os funcionários mais gente boa do mundo.
    — Fala aí Marcão! — Grita Pedro pro seu amigo, o dono — Boa tarde aí pessoal!
    — Fala piroca! — maldito seja o dia que te contei essa história — o que houve aí?!
    — Porra cara, tava voltando da minha irmã e uns dois caras me avisaram que o carro tava fazendo barulho ou sei lá — Pedro não entende nada de carros, se sente meio burro por causa disso e até inseguro em visitar mecânicos, só confia no Marcão.
    Marcão analisa o carro, manda um funcionário por no levantador pra verem por baixo e depois da uma olhada no motor.
    — Porra piroca, teu carro tá todo zoado, vai ter que trocar o alternador.
    Pedro nem pergunta o porque pois é um ignorante, o que Marcão falar ele acredita.
    — Quanto da isso aí?
    — Cara, um alternador pra tua carranca tá custando uns setecentos a oitocentos reais por ai, vai dar um preju pra tu.
    Porra…
    — Porra… — Pedro lamenta.
    — Pra alimentar o sistema — Diz Marcão tentando explicar — vou ter que trocar teu alternador, ele tá muito fudido.
    — Peguei a visão… — Mente Pedro — Mas eu consigo andar com ele ainda?
    — Cara… já consertamos o freio aqui então consegue, mas recomendo trocar logo o alternador porquê se der merda na rua vai ter que chamar o reboque, quando tu consegue comprar?
    — Essa semana ai, até quarta eu consigo sim.
    — Show cara, vou nem te cobrar a instalação.
    — Que isso Marcão.
    — Isso mesmo ‘cah’, tu é parceiro, faço isso aí de graça pra tu.
    “De graça” é como Marcão chama “Enganar otário”, de fato a instalação foi de graça mas alguns dias depois, após ir pro cinema e voltar pra casa, o carro de Pedro começou a dar problema de novo, e dessa vez Marcão cobrou pra consertar um problema que ele mesmo havia inserido, mas Pedro jamais desconfiou disso. Não deveria confiar tanto em Marcão.
    Voltando para aquele dia, o da confusão na festa e do alternador quebrado:
    — Brigadão cara, — Disse Pedro — qualquer coisa eu volto aí, e aí, tu continua jogando na loto? 
    — Sempre, tô sabendo que o próximo prêmio passa de cinquenta milhões, mas nunca ganho né cara, tá difícil!
    — Faz o seguinte cara, todo jogo teu, tu aposta duas vezes.
    — Porquê?
    — Porquê tu vai ganhar mais, porra!
    — Não faz sentido isso!
    — Não faz?! Se sair pra três ganhadores tu fica com quanto?
    Após pensar alguns segundos Marcão concluiu: 
    — Realmente…
    — Tô te falando garotão, se tu ganhar eu quero um milhão!
    — Só se tu passar o número das piranhas!
    — Que piranha Marcão? Pego ninguém não!
    Após algumas risadas Pedro foi embora com o sentimento de “tá andando tá bom”, mas receoso disso não durar muito tempo, e ao olhar pra praça do chafariz ele fica ainda mais.
    Vamo lá garota — Ele pensa enquanto esfrega sua mão no volante de forma carinhosa — não me deixa na mão, não na noite das viúvas!
                                  Capítulo 2
               A noiva do Carlinhos
          
    Eu não sou a porra da noiva do Carlinhos — Pensa Paulinha enquanto olha pra mulher que acabou de te chamar disso ao encontrá-la saindo do seu trabalho no Bob’s
    — Eu me separei dele tem seis anos, sou Paula, noiva de ninguém — Diz tentando não soar incomodada.
    — Ah sim, — Disse a dona — sabia que tinha te reconhecido, frequentei muito a escola dele lá, meus pêsames pela perda.
    — Ok, obrigada, tenha uma boa noite — Disse e saiu andando, a senhora claramente tinha mais coisas para falar mas Paulinha odeia quando a reconhecem por “noiva do Carlinhos”.
    Carlos Guimarães Luiz de Souza (Carlinhos) foi um dono de escola de samba em Mesquita, a “Barreirense de Mesquita”, Paulinha o conheceu num ensaio, na época que a escola ainda estava começando; Eles passaram meses namorando e se ajudando, ele pagando pra Paulinha suas dívidas e ajudando sua mãe, e ela o auxiliando na administração dos ensaios da escola.
    O relacionamento de Paulinha e Carlinhos começou a ruir quando ele fez algo que ela desprezou, tomou o terreno de uma senhora idosa pra si. 
    A senhora morava num terreno logo abaixo do viaduto de Mesquita, na Estrada Feliciano Sodré, ela dizia que seu marido havia trabalhado na construção do viaduto e por isso havia ganhado aquele terreno para viver com ela na juventude do casal, mas após o marido falecer e a senhora começar a ficar cega, bandidos a viram vulnerável e não demorou para invasões acontecerem, até que a escola de Samba de Carlinhos concretizou a tomada por completo, se instalando dentro do terreno da idosa e realizando seus ensaios e shows ali.
    A idosa foi tentar reclamar com Carlinhos que na frente de todos disse “A senhora não tem ninguém e está cega, daqui a pouco você vai morrer e a gente vai ficar com tudo, sinta-se feliz por deixarmos você com sua casa!”.
    Uma semana depois do término, Carlinhos já assumiu outra, uma piranha qualquer, e um ano após isso Carlinhos morreu, depois de se envolver com milicianos, sua escola foi saqueada por invasores e o que restou está lá até hoje, junto da senhorinha cega.
    ••
    Paulinha desce a escada rolante da praça de alimentação para o primeiro andar do shopping, saindo logo à frente da ‘Casa&Video’.
    O shopping de Nilópolis é o shopping mais humilde dos demais shoppings daquela região do Rio de Janeiro, três andares de um edifício não muito grande e com lojas sem grande conglomerados por trás, exceto o Bob’s que no ano seguinte iria sair dali e trocar de lugar com o Burger King, fazendo os nilopolitanos ganharem uma profunda admiração por um restaurante de fast food levemente menos fastque o anterior e tão gorduroso quanto; O shopping de Nilópolis também possui um cinema com três salas que possuem uma qualidade de som duvidosa e uma telona que não casa bem com seu projetor, Paulinha descobriu isso no dia que foi num encontro com um cara, o encontro foi péssimo e talvez isso tenha sido o motivo dela ser tão crítica com a sessão.
    Paulinha desceu a escada rolante novamente para o térreo onde na porta automática do shopping esperava sua melhor amiga: Brenda.
    Diferente de Brenda, Paulinha era gorda, não tão gorda mas o suficiente pra não aguentar se olhar no espelho; Diferente de Brenda, Paulinha era branca e também loira de cabelos meio longos, e também diferente de Brenda, Paulinha não dirigia, por isso sempre pegava carona na Shineray Jet 125 azul de sua amiga na volta pra casa.
    — Tudo pronto? — Pergunta Brenda, já com o capacete e com a moto preparada esperando sua amiga em frente à entrada do shopping que conectava com a Rua Professor Alfredo Gonçalves Figueira, que ia direto pro centro do calçadão.
    — Sim, ‘vambora’! — Ela responde colocando o capacete e se sentando atrás da sua parceira.
    Brenda acelera e entra na Alberto Teixeira da Cunha, parando no sinal logo à frente da padaria Topázio, o trânsito hoje está cheio (como sempre) e Brenda não espera sinal verde para ultrapassar os carros parados e ir embora, ela vira na esquina na subida da Avenida Getúlio Vargas e vira à esquerda na Antônio João Mendonça, passando com sua moto por cima de uma poça d’água fazendo Paulinha dar um grito de empolgação.
    Elas atravessam o viaduto (o velho do centro, não o novo lá de Nova cidade) e viram na esquina do Aydano, onde Paulinha mora.
    Paulinha mora nos prédios gêmeos de frente a frente no fim da rua, bem próxima ao Fantasy (casa de festas infantis bastante renomada e cara pra caralho), ela desce da moto de Brenda e devolve o capacete para a amiga.
    — Brigadona amiga — Diz a abraçando e beijando na bochecha — Me liga assim que chegar lá, tenho um negócio pra te falar.
    — Tem haver com homem?!
    — Porra, tem isso também!
    — Já estou ansiosa, beijos.
    — Beijos.
    Brenda espera Paulinha fechar o portão da portaria para poder ir.
    Paulinha sobe as escadas, justamente por odiar andar ela escolheu o primeiro andar para morar, seu apartamento é o 06, seu sofá é onde ela depositou suas economias, nele e em sua cama, o resto ela economizou ao máximo, seu sofá é bem próximo à porta da frente, que por sua vez fica ao lado direito da televisão de 40 polegadas (dada pela sua mãe), seu banheiro é com porta de correr (aquelas que fazem barulho infernal) e o resto é como você pode imaginar, simples e meio desarrumado.
    Paulinha liga sua televisão que está passando a novela das seis: Amor Eterno; Ela aumenta o volume e vai direto pro banheiro.
    Já durante a novela das sete: Cheias de Charme, Paulinha estava fumando seu cigarro Hollywood quando Brenda ligou:
    — Demorou pra caralho hein! O que houve?!
    — Tive que buscar o Fernando na casa da Bianca, tavam fazendo um trabalho de escola lá
    — Sei… — esse muleque vai engravidar essa menina ainda — Já tomou banho?
    — Sim, já tô na cama, o que você queria me contar?
    — Uma piranha me reconheceu quando saí do trabalho, me perguntou “Você é a noiva do Carlinhos?!” Com a cara lavada.
    — Meu deus, ainda? 2012 e essa gente comentando coisas de outra vida.
    — É porquê são um bando de filhos de uma puta isso sim, ainda me disse “meus pêsames”, pêsames o cacete, espero que ele esteja no quinto dos infernos, vou ter pêsame por ‘homi’ que me traiu com piranha?! Com vagabunda?!
    Brenda ri, já esta acostumada a ouvir absurdos.
    — E o tinder? — Brenda tenta mudar de assunto — Como ficou?
    — Tô ganhando curtidas aqui, mas a são tudo feio demais pra mim, ou é feio ou é negão — Paulinha não curte dormir com o que ela chama de “escurinhos”, não tem preconceito, só não rola — Tô numa maré de azar quanto a isso, mas tô conversando com um cara legal… — Ela diz essa última parte com mais desânimo.
    — De onde ele é?
    — Nova Iguaçu, tem carrão, é engraçado, acho que vai dar certo.
    — Tô na torcida — Brenda respondeu enquanto bocejava — Vou lá amiga, tô cheia de sono, amanhã a gente se vê.
    — Tudo bem minha linda, boa noite.
    — Beijinhos.
    Grande amiga…
    Após a chamada, Paulinha abre o tinder e checa suas curtidas, que continuavam no zero.
                          Capítulo 3
           O professor de kickboxing
    Brenda chegou em casa com seu filho às seis e cinquenta, eles moravam na ‘Rua do Valão’, como os moradores chamam a Avenida Periperi, por conta do rio imundo que corre no meio da rua e que os moradores nem sentem mais o cheiro.
    As sete e quinze ela saiu de seu banho, a casa de Brenda é bem mais arrumada que o apartamento de Paulinha, além de bem maior com um andar sendo somente para os quartos, e Brenda seu filho e seu irmão que acabou de chegar às sete e vinte se juntaram a mesa para um jantar em família (miojo).
    — Como foi no trabalho hoje, Marcos?
    — Um cliente lá levou o carro com problema no freio, fui dar uma olhada no motor e o alternador dele tava ‘ferradasso’!
    — Qual cliente? — Perguntou Fernando.
    — O piroca.
    — Que tipo de apelido é esse? — Disse Brenda.
    Após algumas risadas, Marcos explicou por alto:
    — É uma história que ele me contou de uma parada que ele fez, um dia eu conto com mais calma, — Olhou pro Fernando e levantou o tom de voz para um mais hostil e brincalhão — e tu muleque?! Tô sabendo que tava na casa da namorada né! Fazendo o que lá?!
    — Que namorada o que! — Disse o garoto, Fernando tem quinze anos, idade propicia a garotos, quando atraentes, a namorar, e Fernando não era feio, era um dos mais inteligentes da classe e estava estudando pra entrar num preparatório militar, e Brenda, como uma mãe extremamente protetora que é, já disse várias vezes que bateria em qualquer “Vagabunda que tentasse pegar meu filho”, no fundo isso não é tão verdade, mas ela jamais deixaria de compor essa personagem:
    — Acho bom não ser namorada mesmo! Se não meto a porrada nos dois!
    Marcos riu e Fernando corou.
    — E tu irmãzinha, — Disse Marcos — Como foi no trabalho?
     O de sempre…
    — Foi legal… o de sempre.
    Brenda trabalha numa loja de perfumes baratos no térreo do shopping, logo abaixo das escadas rolantes, começou como um bico mas a comodidade de ser próximo do colégio de Fernando e duas subidas do trabalho de Paulinha a manteve ali, Brenda queria ser rica (como toda boa Nilopolitana) e esse pensamento a levou a mudança repentina de assunto:
    — E a ‘loto’? Fez o jogo? 
    — Só comprei o Rio de Prêmios, — Disse Marcos — registra o número lá depois Fernandin!
    — ‘Jaé’
    — Pô falando nisso — Disse Marcos — sabe o que eu realizei hoje? Se jogar o mesmo jogo duas vezes, tu ganha mais se sair pra mais de um ganhador, tipo, pra três ganhadores, eu tendo dois jogos ganho mais!
    — Isso já não era óbvio? — Perguntou Fernando.
    — Porra muleque! — Voltando a fala hostil e brincalhona — tá me chamando de burro?!
    — Óbvio!
    Depois de rirem bastante, Fernando aproveitou o alto astral que sua mãe estava pra mandar:
    — Mãe, pode me colocar no karatê ali perto da Vila?
    — Fernando, já te falei que quando acharmos um barato eu te coloco
    — Mas lá é barato.
    — Não tanto quanto era na vila olímpica!
    — A vila era de GRAÇA mãe!
    — Vai esperar e acabou, Fernando.
    Com esse fim de janta frustrado e com Marcos lavando a louça Brenda foi para seu quarto, pequeno e mal iluminado, deitou em sua cama King Size e ligou para Paulinha, mas enquanto escuta sua amiga falar da vida, fica lembrando com certo rancor o porquê de Fernando não poder mais fazer kickboxing na vila olímpica.
    ••
    Algumas semanas atrás, Paulinha foi com ela buscar Fernando assim que ele acabasse a aula, elas estavam levando para ele um headset novo para entregá-lo de presente na frente dos colegas, o que seria bastante especial para ele certamente (a ideia foi da Paulinha), entretanto, elas chegaram mais cedo do que o previsto.
    A vila olímpica de Nilópolis é um dos locais mais famosos do município, sendo um ótimo lugar para lazer e esportes, o problema é que está localizada muito próxima da vila de Mesquita (que é bem melhor, mas não diga isso pra nenhum nilopolitano).
    As aulas acontecem dentro do pequeno edifício bem na entrada da vila, Paulinha e Brenda passaram pela entrada gradeada e quando entraram no salão de treinamento elas viram a merda: O professor estava dando uma banda pra machucar o Fernando.
    — Que porra é essa?! — Gritou Paulinha antes de Brenda pensar em dizer algo — É assim que você ensina seus alunos?!
    O professor corou na hora e os demais alunos ficaram observando a malucona loira gritar com ele.
    — Minha senhora, eu só estava mostrando pra ele como ele NÃO deveria fazer, ele havia feito errado o movimento, machucando o colega e eu só estava o corrigindo.
    — Não machucou não mestre — o “colega machucado” o corrigiu — E eu que atrapalhei o movimento, eu te falei.
    — Silêncio quando os adultos estão falando, Guilherme!
    — Silêncio nada! — Gritou Paulinha — fala mais aí Guilherme, o que houve?!
    A confusão atraiu a atenção de funcionários e outros pais que esperavam do lado de fora.
    Guilherme nem teria falado mais nada, mas os olhares de todos acabaram o fazendo dizer:
    — O… o Fernando tava… tava fazendo o movimento em mim mas eu acabei me desequilibrando e ele me derrubou da forma errada… o mestre veio intervir e repetiu no Fernando o que ele fez…
    Paulinha andou pelo tatame até o Fernando que estava ainda no chão e o levantou:
    — Tá tudo bem Fernando?! Vem, ‘vumbora’! — Disse puxando ele pra junto da Brenda.
    Ok, Brenda ficou puta, ela não gostou de saber que o professor tava fazendo isso com o Fernando, mas ela tava disposta a esquecer tudo aquilo e apenas dar uma bronca no cara, mas Paulinha foi longe demais…
    A verdade é que o professor havia descoberto naquele dia mais cedo de que estava sendo corno, sua esposa tava se encontrando com um cara na sua casa já fazia algumas semanas, ele nunca soube quem era o cara, mas tinha suas suspeitas; Ele levou a raiva pro trabalho e na primeira oportunidade que viu acabou descontando a raiva nos alunos, mas porra, tinha que ser justamente no aluno com uma tia maluca?!
    Ele tentou puxar o Fernando de volta pra continuar a aula e Paulinha soltou sua mão dele.
    — Tá maluco porra?! Tira a mão dele!
    Paulinha deu um empurrão no cara e jogou Fernando pra perto da Brenda.
    Porra — Pensou o cara — foi só uma banda caralho, quem é essa maluca?!
    E depois pensou:
    Caralho, eu não posso apanhar de uma loira gordinha na frente dos pais e alunos, eu sou a porra do mestre desses muleques!
    E quando Paulinha foi colocar a segunda empurrada com sua mão, ele usou uma técnica para virá-la de costas e empurrou levemente Paulinha pra trás para evitar confusão (tarde demais) dizendo:
    — Pra trás senhora, não quero te machucar.
    Agora sim, mandei bem — Ele pensou.
    Esse cara tá fudido — Pensou Paulinha.
    O que ele não sabia, era que Paulinha treinou boxe pela maior parte de sua vida, tento sido campeã de uma competição estadual em 2004, e outra coisa que ele não sabia, era que Paulinha amava pra caralho bater em homem.
    Paulinha virou pra trás num movimento rápido dos pés e se pôs em movimento de combate, com os pés justos e mãos levantadas, naquele momento o professor sabia que ela não era uma gordinha maluca… ok, ela não era SÓ uma gordinha maluca.
    Paulinha meteu um jab direto no cara, seguido de um cruzado esquerdo, o professor sentiu o sangue caindo sobre seu queixo: quem é essa mulher?!
    Paulinha meteu um jab direito mas ele esquivou, dando nela um jab esquerdo, e isso era exatamente o que Paulinha queria, ela tinha essa tática de fazer o óbvio para seu inimigo realizar um jab direito ou esquerdo, e ela sempre aproveita muito bem:
    Ela abaixou seu tronco e levantou com um uppercut direito, que deixou o professor desequilibrado, prontinho pro golpe final: a porra de um gancho bem dado.
    Paulinha foi com toda sua força num gancho bem no queixo do mestre de meia tijela, lançando o homem de quarenta anos e mais de 100 quilos no chão.
    — Me machucar é o caralho — Disse ela antes de ir embora com Brenda e Fernando, deixando o professor no chão, desacordado e com os alunos sem saber o que fazer; Desde então Fernando nunca mais pisou na vila olímpica… e nem Paulinha.
    ••
    — Vou lá amiga, tô cheia de sono, amanhã a gente se vê — Brenda não estava com sono, só lembrou da raiva que ficou de ter perdido o kickboxing de graça do Fernando e quis parar de falar.
    — Tudo bem minha linda, boa noite.
    — Beijinhos.
    No fim, até que é uma grande amiga…
                     Capítulo 4
                 A noite das viúvas
    Pedro sai da sua casinha humilde, entra na sua carranca já arrumado pra noite das viúvas: Jaqueta de couro, camisa branca com gola V, calça jeans e tênis da adidas.
    Ele da partida no carro e segue viagem, Pedro passa devagar sem abusar da segunda marcha pelas ruas de Nilópolis pois ele gosta de ver a cidade acordando a noite, e deixa eu te contar uma parada leitor: Nilópolis a noite é bonita pra caralho…
    Lua brilhando no céu sem nuvens, luzes dos postes batendo nos carros parados nas calçadas, lojas fechadas ou prestes a fechar com os portões já fechados mas com portinholas abertas atendendo os últimos clientes, o vento movendo os papéis de vereadores e prefeitos da eleição passada, poças de água parada nos buracos das principais, padarias e bares abertos com dezenas de cadeiras vermelhas de plástico com pessoas dos mais diferentes gabaritos conversando e bebendo, o som de televisões ligadas passando o jogo ou algum programa de tv aleatório e o cheiro confortável da brisa pós um gramado molhado, isto são as noites de Nilópolis.
    Pedro passa pela Mirandela, vira a esquina na Avenida Getúlio Vargas (a principal), segue reto até virar novamente na Antônio Mendonça e passa pelo viaduto, do viaduto da para ver grande parte do centro, de ambos os lados da linha do trem, o grande prédio amarelo do shopping, a primeira e a segunda estação de trem (a perigosa é a mais próxima), o prezunic, a rodoviária com suas colunas gigantescas e também a praça do chafariz, local para onde Pedro se desloca.
    Após o viaduto Pedro vira a esquina na Avenida Francisco Nunes, subindo o (Morro da cedae) onde ele vai virar à direita e descer a rua Senador Fernando Mendes e finalmente entrar à direita, abaixo do viaduto, e seguir até a praça do chafariz, onde está tocando bem alto ‘Aí se eu te pego!’ de Michel Teló, mas Pedro não identifica de onde o som está vindo exatamente.
    Ele deixa seu Uno vermelho 2005 na esquina da LifeFit e vai andando até a praça do chafariz, se senta num dos bancos de pedra que estava sem ninguém que ficam logo abaixo de um pequeno teto de madeira, e com seus óculos escuros ele analisa qual será seu primeiro alvo.
    Bem do outro lado da rua está o bar e Pedro sabe que ali está cheio de cornos em potencial, ele sabe identificar cornos, uma boa maneira que ele desenvolveu pra detectar dos do tipo motoqueiros por exemplo é pelo tipo de moto que ele usa, as que fazem barulho são pra avisar a esposa de que estão chegando, quanto mais barulhenta a moto mais chifrudo o cara é.
    Mas depois de uma merda que deu algumas semanas atrás com um professor da vila olímpica ele evita esse tipo de problema.
    Viúva não tem marido pra me bater 
    Observando as mulheres sentadas nos bancos da praça, a maioria com seus namorados ou só amigos, algumas até com crianças, Pedro procura alguma que esteja sozinha.
     Demora bastante pra encontrar, tenta olhar na direção de onde fica a rampa de skate, mas só acha mães esperando seus filhos pararem de tentar se matar (Pedro acha skate muito perigoso), olha pro quiosque em sua frente mas só encontra mulheres acompanhadas, olha pro bar e, porra, no bar eu não vou achar nada, e depois de alguns minutos de concentração ele encontra uma coroa.
    Ela é morena, parece ter uns quarenta anos, sem aliança e com uma boa bunda (típico de solteironas nessa idade).
    Segundo ele, as coroas são as mais fáceis principalmente as viúvas, pois:
    Elas já passaram por casamentos longos com um homem, por isso estão doidas por uma pica nova, um novo frescorEstão velhas e no fundo toda mulher quer um homem pra terminar sua vida ao seu lado, e quanto mais velhas menos oportunidades surgem, por isso o filtro delas é bem mais liberadoQuanto mais velha mas exige um homem homem mesmo, nada de fresquinhos e duros, elas querem homens que usam jaqueta de couro, óculos escuros e que tenham uma carreta da boa, tipo minha uno!
    Essa morena aí que eu vou carcar!
    Ela está de pé ao lado do chafariz, bebendo um copo de cerveja e mexendo no celular, poderia estar esperando alguém mas porra, vale arriscar.
    — Boa noite — Diz Pedro tirando seus óculos e colocando na gola — está esperando alguém?
    Ela não virou o rosto pra evitar o contato, o que para Pedro é um ponto positivo, apesar dela não sorrir:
    — Não estou não, só aproveitando a noite.
    — Noite bonita mesmo, ai, sabe de onde essa música tá vindo?
    Ela faz uma cara de “Porra, pior que não sei” e diz:
    — Porra, pior que não sei!
    Ela xingou, só preciso acompanhar.
    — Nem eu, estacionei meu carro ali e vim ouvindo essa caralha e sem saber de onde tava vindo!
    Ok, agora eu sou o cara que acompanhou o raciocínio dela e tem carro, tá mandando bem Pedrão, tá mandando bem!
    — Estranho mesmo. — Ela disse.
    — Mas e aí, qual é a do contemplar a noite sozinha, faz bastante isso?
    — Na verdade não, comecei recentemente.
    — Recentemente? — tem história aí — Porquê?
    — Eu… sei lá, só comecei.
    Mandou mal Pedro, isca errada! Isca errada!
    — Eu faço isso às vezes também, só começo as coisas… acho que veio com a idade sabe? Tentar coisas novas, sair da rotina… — Pega essa isca aí! Minhas iscas são verídicas porra! 
    Ela deu um sorriso:
    — Sabe, você deve tá certo, vem com a idade mesmo, — Consegui — Quantos anos você tem? 
    — Quinze — cinquenta e um
    Ela riu:
    — Sei, e eu tenho quatorze — Quarenta e um, gostei
    — Estamos na flor da idade! Qual seu nome? — Disse erguendo a mão direita e apertando a mão dela com força (só o bastante pra passar rigidez, não pra machucar).
    Isso aí foi seu pai que o ensinou, Pedro tinha realmente quinze anos quando seu velho o pegou batendo uma no quarto a noite.
    Eles ficaram um olhando para o outro com o pequeno Pedro sem ter mais como disfarçar, o cara entrou no meio da parada! Bate na porta porra!; Até que o velho disse:
    — Trate mulheres como se elas fossem as coisas mais interessantes do mundo, mesmo quando não forem, principalmente quando não forem, pergunte sobre elas e seja um cara gente boa e engraçado, antes de se apresentar faça ela ter uma palhinha de como você é, do seu senso de humor e de como você pensa, mas não o suficiente pra quebrar o mistério, e depois disso, quando for se apresentar, aperte a mão dela com força, a força que ela vai ter quando for pra cama, é sempre mostre sua força pra elas, mulher gosta de força, faça ela saber que se te trair, vai sentir sua força sem o carinho da cama, faça ela saber que tu é o macho alfa dessa porra, pra ter um bom aperto treine com um hand grip de academia e não com sua pica, tendo uma boa mulher não vai precisar mais bater punheta toda noite achando que nós não sabemos disso… sua mãe tá chamando, jantar está na mesa — e fechou a porta; O pai de Pedro faleceu divorciado e sozinho.
    Pedro aperta a mão dela com rigidez e ela diz:
    — Helena, o seu?
    — Pedro, Pedro Cunha — Porquê eu disse meu sobrenome?!
    Pedro comeu ela naquela noite, lá no motel Fluminense, próximo a Chatuba (a vendedora de materiais de construção, não o bairro de Mesquita), e depois de deixar ela em casa e voltar pro seu lar pra tomar um bom banho, seu carro deu pau na calçada,Você foi guerreira garota, obrigado por resistir até o fim, até a noite das viúvas acabar.
                         Capítulo 5
                Sobre arroz e feijões
    Paulinha era muito gostosa a uns dez anos atrás, desde novinha era a loira mais linda da baixada, vivia andando pra cima e pra baixo com as amigas e os ‘contatinhos’.
    Aos dezessete anos quando estava com as amigas numa festa na beija-flor conheceu um cara chamado Alexandre, mas todos o chamavam apenas de “Tinho”, e eles ficaram durante a festa; Após ficarem mais alguns dias, começaram a namorar, a mãe de Paulinha não aprovava isso, mas ela e sua mãe nunca tiveram uma relação tão boa.
    Na festa de aniversário de dezoito anos de Paulinha estavam todos bêbados, suas amigas Michele, Anjelica, Eduarda, Camila e Brenda (outra Brenda) estavam jogando o jogo da garrafa com os rapazes enquanto Paulinha lavava a louça.
    A festa estava ocorrendo na sua casa, e era pequena, sua mãe havia concordado com a festa em uma condição: A louça estar sempre limpa.
    Enquanto as amigas e amigos estavam na sala, Paulinha fechou a torneira e começou a reparar na água indo pelo ralo, ela não sabe bem o que te chamava atenção ali, apenas gostava de observar, foi quando percebeu que não estava ouvindo a voz de Tinho que deveria estar rindo com os outros enquanto os demais jogavam o jogo.
    Paulinha saiu da cozinha e viu todos sentados quietos em frente a tv de sua mãe, menos Tinho e Michele.
    — Cadê o Tinho?
    As amigas olharam umas pras outras e os caras riram, Paulinha deu uma corrida para o corredor dos quartos até que abriu a porta do seu e viu Tinho beijando Michele.
    ••
    Ela odiava essa memória, mas estava com ela em mente agora enquanto olhava a água da pia do Bob’s descer pelo ralo, até que seu celular vibra em seu bolso:
    — Oi, Brenda.
    — Vai vir ou não? Vamos almoçar ali no ‘sefieselvi’ em frente a Cacau-Show.
    Paulinha ri da amiga por não conseguir falar “self-service” e responde:
    — Tô indo.
    Elas saíram do shopping e cortaram caminho por dentro da Leader, Brenda ficava sendo chamada pelas roupas mas sempre tinha que ser rápida em acompanhar Paulinha que detestava esperar por causa de roupas caras.
    Elas passaram pela calçada do Bradesco e Itaú (que ficam lado a lado) e entraram no restaurante; Pegando a comida, Paulinha sempre reparava que o feijão vinha antes do arroz na fila, o que pra ela não fazia sentido nenhum!
    Após prepararem e pesarem seus pratos, escolheram uma mesa e começaram a conversar:
    — Devíamos ter ido lá no coxinha, lá eles não colocam o feijão antes do arroz.
    — Você sempre diz isso e eu nunca entendo o porquê.
    — Porquê isso tá errado! Não faz sentido nenhum você por um alimento sólido por cima de um líquido, vira uma sopa bizarra no seu prato!
    — O que propõe? — Brenda diz dando uma garfada numa banana frita.
    — O certo.
    — Que é?…
    — O arroz por baixo do feijão, isso molha o arroz sem o transformar numa sopa bizarra.
    — Mas após misturar, eles ficam do mesmo jeito.
    — Mas antes da mistura você pode escolher se vai ter um monstro no seu prato ou um alimento minimamente estruturado!
    — Eu acho que você tá exagerando, além do mas, você pode escolher pegar o arroz antes.
    — Posso, mas irritando o maldito que está atrás de mim na fila, “Foi mal aí gente, voltem a fila aí, é que eu não quero comer que nem uma filha da puta por causa do imbecil que colocou a porra do arroz depois da caralha do feijão!”
    Brenda ri pra cacete antes de mandar um:
    — Porra eu te amo, amiga!
    Paulinha da um sorriso e da uma garfada no seu nhoque de frango com gosto de purê gelado, e diz:
    — E a viagem, vai rolar?
    — Pra Rio das Ostras?
    Paulinha diz um “uhum” com a boca cheia.
    — Vai sim, já falei com o Antônio e ele disse que pode ir todo mundo, o problema é o dinheiro.
    — Tá apertada?
    — Poxa Paulinha, tô sim… eu não aguento mais esse emprego.
    Paulinha se sente meio culpada por ela ter arrumado o trabalho ali no shopping e a presença dela ter meio que prendido Brenda lá.
    — Já falou isso com seu irmão? Fala com o Marquinhos, ele conhece uma porrada de gente, com certeza consegue pra tu uma entrevista.
    — Ele já sabe, falei com ele ontem a noite depois de ligar pra você.
    — E aí?
    Brenda evitou dar detalhes, ela detesta preocupar sua amiga sobre essas coisas, a verdade é que depois de dizer:
    — Beijinhos — Pra Paulinha e desligar o telefone, ela chorou, depois de lembrar da parada do kickboxing e de não ter dinheiro pro karatê, Brenda começou a chorar no travesseiro, pensando na vida, pensando no seu emprego que odeia e pensando se seria forte suficiente pra ajudar Fernando depois que terminar o ensino médio, foi quando Marcos entrou no quarto com uma jarra de suco quebrada e viu sua irmã com os olhos molhados: 
    — O Fernando quebrou a ja… Que foi irmã?
    Entrou e fechou a porta, e disse:
    — O que houve? Aconteceu algo com a Paulinha?
    — Meu emprego Marcos, meu emprego é uma merda! 
    Marcos viu que era seríssimo quando ouviu a irmã xingando(Para Brenda, ‘Merda’ era palavrão); Ele colocou a jarra no chão e se sentou ao lado dela na cama.
    — Vai ficar tudo bem, eu… eu vou arrumar alguma coisa pra você.
    — Arrumar em que?! Eu não tenho estudo, não tenho nada!
    — Tu tem sua garra mulher, tem seu irmão pra te ajudar e seu filho pra te dar força, relaxa, vai dar tudo certo, tu vai conseguir um emprego melhor e vai conseguir pagar o karatê do muleque, eu vou te ajudar pow, olha pra mim, para de olhar pra baixo e olha pra mim… vai dar tudo certo. — E Brenda o abraçou.
    Foi isso que aconteceu, mas Brenda apenas disse pra Paulinha:
    — Ah, ele disse que vai ver.
    — Vai dar tudo certo pow, sei que vai…
    Paulinha era péssima em confortar, por isso acabou mudando de assunto:
    — E a loto hein? Viu quanto vai ser? Cinquenta milhões!
    — Vi sim, Marcos ficou de comprar hoje, tu acredita que ele descobriu só ontem que se apostar duas vezes no mesmo jogo tu ganha mais se sair pra mais de dois ganhadores?
    Elas riram e Paulinha disse:
    — Só teu irmão mesmo.
    — Da uma chance pra ele!
    — Sabe que eu não curto neguinhos, sem preconceito.
    — Sei… — Disse Brenda, sorrindo.
    — Mais aí — Deu uma pausa pra beber um gole do seu guaraná antártica — o que tu faria se ganhasse cinquenta milhões?
    — Compraria uma casa pra mim e uma pro Marcos, investiria na educação do Fernando e nunca mais trabalharia na vida.
    — É, é um bom sonho.
    — Sonho não, possibilidade… mas e você? O que faria com cinquenta milhões, ‘loirona gostosa’?!
    — Ninguém me chama assim a anos! Ah… acho que eu… nunca pensei nisso.
    — Sério?
    — Sim… sei lá, compraria um carro e… não sei, não sei o que faria, acho que só daria pra você e iria morar na sua casa nova.
    Elas riram da resposta e após acabarem o almoço voltaram pro trabalho, Paulinha deixou Brenda no térreo na lojinha de perfume e subiu as escadas rolantes pro seu trabalho; Assim que entrou no Bob’s o gerente disse:
    — Já tava quase te demitindo por justa causa! Bota seu avental e vai trabalhar!
    Vai se fuder seu filho da puta!!! — Foi o que ela quis dizer, ao invés disso, apenas ficou em silêncio.
    Quando chegou no seu armário e pegou o avental, seu celular vibrou de novo, e era uma notificação do Tinder: It’s a Match!
                            Capítulo 6
                    A vila olímpica
    Depois da noite das viúvas e de ter deixado seu carro quebrado na calçada, Pedro entrou em casa para tomar seu banho; Sua casa é pequena e humilde, não tem muitos cômodos e possui pouquíssima mobília, o que é típico de um homem solteiro. Na sala, há somente um rack onde está a enorme e pesada TV de tubo que sintoniza apenas dois canais: Rede Globo e Canal Oração.
    Ao entrar em casa, ele deixa sua jaqueta no sofá velho, os tênis sobre o pano de chão e o seu revólver .38 na cômoda (ele costuma deixá-lo no porta-luvas durante o dia e na cômoda da sala à noite), depois segue para o banheiro para tomar seu banho.
    No banheiro, ele liga a torneira da banheira e o rádio que está sobre o espelho. Ele sintoniza na 89.0, a Rádio Rock!, que está transmitindo "Your Love" dos The Outfield, justo na parte do refrão:
    I Just Want to use your Love Tonight 🎶
    I Don’t Want to lose your Love Tonight 🎶
    Pedro da uma dançada com o refrão e enquanto a banheira ainda enche ele vai até a cozinha, pega do congelador uma caixa já aberta de nuggets e põe numa forma, coloca no fogão (sem tirar as panelas sujas de dentro) e aquece a duzentos graus; No banheiro ele tira sua roupa e desliga a torneira, se deita em sua banheira fazendo a água subir até quase a borda e começa seu banho, enquanto a rádio agora toca ‘Blue Suede Shoes’ versão de Carl Perkins da clássica do Elvis.
    Após o banho Pedro comeu seu nuggets em seu sofá enquanto assistia ‘Chacrinha: O Velho Guerreiro’ no SuperCine; Pedro foi dormir as duas da manhã sabendo um pouquinho a mais sobre o Chacrinha.
    ••
    No dia seguinte, chamou o reboque pra levar seu carro até o Marcão, que disse para ele “Te falei que ia dar merda” e Pedro respondeu “Tô ligado Marcão”, o carro ficou na oficina enquanto Pedro teria que arrumar um jeito pra conseguir a grana do material, de algum modo tava aliviado por Marcão também não cobrar a instalação (o que teria suas consequências mais tarde), e por conta de perder sua maior companheira, a Uno vermelha 2005, ele decide ir andando até em casa.
    Pedro saiu do Marcão e foi andando o caminho de volta, passou pela estação da praça do chafariz, passou pelo calçadão de Nilópolis e quando chegou na Mirandela, na calçada das Lojas Americanas que viu fechando na noite anterior, ele já estava cansado pra caralho.
    Caralho… tô enferrujado… 
    Pedro sabia que seu eu de quinze anos atrás, quando ainda estava no exército, com certeza nem soaria ao voltar pra casa, até mesmo correndo, mas o eu de agora que só anda de carro pra cima e pra baixo e que trabalha cortando cabelos dia sim dia não tá zoado pra cacete.
    Preciso ir correr na vila olímpica…
    Pedro pegou um dos táxis do ponto ali da rua e foi até sua casa, vestiu sua roupa de exercícios que não usava a muito tempo:
    Camisa regata verde Short azul escuro da NikeMeias brancasTênis preto da Olympikus
    E com essas roupas, pegando sua carteira e chave e deixando o revólver em casa, Pedro partiu pra vila olímpica… de táxi.
    ••
    Ao redor do campo de futebol da vila olímpica tem um circuito onde algumas pessoas estavam andando, Pedro começou na pista de caminhada, deu cinco voltas e então entrou na pista de corrida, no final da primeira ele já estava respirando pesado e seu suor já estava entrando em seus olhos e ardendo levemente, demonstrando algum esforço ele limpou a testa e permaneceu correndo tentando pelo menos realizar mais duas voltas, mas ao chegar na metade do caminho ele tornou a andar, e foi assim que terminou o circuito.
    No bebedouro ele encheu um copo descartável de água gelada e deu três goles, deixando um restinho para jogar no rosto, e foi depois de sentir a água gelada em sua pele que ele viu Antônio… o professor de Kickboxing.
    Porra, esqueci completamente.
    Pausa aqui, tenho que lhes contar uma história: Pedro já foi dono de um bar!
    ••
    Em 2008 ele havia começado sua nova empreitada logo depois de ser suspenso do exército por uma outra merda, na época do bar o Pedro não sabia absolutamente nada sobre empreendedorismo, tanto que o bar faliu no mesmo ano, foi o que o fez virar barbeiro, mas o bar rendeu a ele algumas experiências, principalmente na “arte” de pegar mulher casada.
    Ficar atendendo vários homens casados o dia inteiro deu pro Pedro a chance de ouvir suas conversas, dentre as falácias sobre o Neymar ser o melhor jogador do Brasil (Pedro sempre foi muito mais fã do Hugo Souza, “esse muleque tem futuro” ele sempre diz), e conversas sobre seus trabalhos, eles sempre comentavam sobre suas esposas, claro que muitos falavam bem das patroas e sobre como gostavam de ser casados, Pedro respeitava esses, mas sempre tinham os que reclamavam e falavam de como as manias delas os incomodavam; Logo Pedro chegou a seguinte conclusão:
    Se eles não querem, tem quem queira! — Ele diz que foi ele quem inventou essa frase, mas provavelmente apenas viu alguém dizer no ‘Amigos de Nilópolis’.
    Em algumas semanas Pedro sabia os horários de serviço dos seus clientes, sabia os horários que eles bebiam e sabia quando suas esposas estavam sozinhas em casa, porra, sabia até do que elas gostavam!
    Ele contratou um garoto pra ficar atendendo por ele sempre que ele precisava “sair”, e nessas saídas ele sempre ia nas ‘casadas carentes’; Pedro comeu muitas bucetas nessa época, já fugiu pela janela centenas de vezes, já se escondeu em baixo da cama dezenas de vezes e já apanhou algumas vezes.
    Depois da ultima surra ele tinha prometido a si mesmo que nunca mais pegaria casada, por coincidência foi na mesma semana que o bar faliu.
    Ao abrir seu salão de beleza, algumas casadas que ele já tinha comido iam até ele pra “fazer o cabelo”, depois de comer mais algumas bucetas novamente, um corno foi lá e deu uma merda enorme.
    “Ok! Dessa vez acabou!” ele disse pra si mesmo num espelho, “Você não vai mais pegar casada nenhuma seu imbecil de merda! Tá me ouvindo seu imbecil de merda?! Hein! Você é um imbecil sim! Comeu bucetas até a porra do seu bar falir! FALIR PORRA! Você é um imbecil de merda que não arruma mulher nenhuma e vive sozinho na porra de uma casa desarrumada! É ISSO MESMO QUE VOCÊ É! Tem inveja da sua irmã é?! FODASE!”
    Naquele dia, ele havia bebido demais, mas seu discurso “motivacional” realmente funcionou… por algum tempo.
    De vez em nunca ele pegava uma casada, mas tomando bem mais cuidado, nesse meio tempo ele criou o prazer por viúvas, entretanto algumas semanas atrás ele conheceu uma loirinha sensacional lá na praça do DPO, ela não era muito inteligente nem nada, mas era uma baita duma gostosa, mas ele descobriu que ela tava namorando um professor da vila olímpica.
    Ok, Deu pra mim mas ela continuou ligando pra ele, chegou num ponto que ele não aguentou mais e foi pra cima, foi pra casa dela e pegou ela lá, supostamente ela havia pedido um tempo pro namorado, mas Pedro veio a descobrir que o cara não tinha interpretado dessa maneira.
    E foi ali, só de cueca samba-canção escondido no banheiro de um apartamento barato no centro de Nova Cidade (bairro de Nilópolis) que Pedro estava ouvindo a discussão:
    — Você é minha, Rebeca!
    — Eu pedi um tempo, Antônio!
    — Um tempo é pra você pensar na vida, pensar no que vai fazer, e não sair dando pros outros por aí!
    — Eu faço o que eu quiser da minha vida cara! Quem é você pra me dizer o que fazer?!
    — Eu sou o homem que tá pagando seu apartamento, caralho!
    Pedro sabia que o cara tava errado, sendo um controlador do cacete e tal, mas porra, ele entende o lado dele:
    O cara tá pagando o apê?! Pelo menos a mina tinha que ser clara em terminar logo né?!
    — Tá pagando porque você quer! Eu não te pedi nada!
    — Ou eu pagava ou você era expulsa! Tu não arruma emprego em lugar nenhum porque é uma burra do caralho! Uma inútil!
    Pegou pesado
    — CALA A PORRA DA BOCA!
    — ALGUÉM TEM QUE TE DIZER A VERDADE! SE NÃO VAI SER AQUELA MERDA DA SUA MÃE, VAI SER EU!
    — QUER SABER! EU DEI SIM, EU DEI PRO SEU MELHOR AMIGO, TAVA DANDO PRA ELE AGORA ALI NAQUELA CAMA QUE VOCÊ PAGOU!
    Agora ela pegou pesado, eu nem conheço o cara, golpe baixo, foi então que Pedro ouviu o barulho de um tapa, tava quase abrindo a porta pra ajudar ela quando ouviu o cara dizer:
    — Bate em mim mesmo, pode bater, bate no único homem que te ajudou nessa vida!
    Ah, foi ela que bateu!
    — Vai embora Antônio!
    Pedro tirou o ouvido da porta e instintivamente colocou a mão na maçaneta e quase abriu, Que merda que eu fiz?!
    — Quem tá aí?! Tem alguém no banheiro?! — Pedro ouviu o cara dizer. Nesse momento ele correu pra janela, abriu e pulou!
    A queda não era muito grande, só doeu o ombro pra cacete, correu pro seu carro, pegou a chave que escondia presa em cima do pneu, deu partida e foi embora ouvindo o cara dizer lá atrás: “Volta aqui seu ‘fela da pulta’!”
    E esse cara, era o Antônio, professor de kickboxing da vila olímpica que suspeitava do Pedro desde que o viu na mesma uno vermelha parado em frente a fábrica da Moleka, e que agora estava o vendo beber água no seu ambiente de trabalho.
    ••
    — Bom dia — Disse Pedro.
    — Boa tarde — Antônio o corrigiu.
    — Já passou de meio dia? Nem reparei…
    — Já… se exercitou bastante?
    — Sim, um pouquinho, sabe como é, tentando voltar a ativa.
    — Sei… você era do exército né? Dez anos atrás?
    — Sim, porquê?
    — Ouvi o pessoal falar por aí… foi dispensado?
    — Na verdade eu quis sair, tava cansado da vida lá.
    — Saquei… mas não é isso que falam.
    — Eu sei o que falam, não acredita neles não!
    Os dois ficaram se encarando, Pedro tava quase falando “Então vou lá, valeu valeu” quando Antônio disse:
    — Tu dirige uma uno vermelha né?
    Porra…
    — Dirijo sim.
    — Não vi ela por aí, veio a pé?
    — Sim.
    — Porquê?
    — Minha caranga tá quebrada, deu merda no motor, tenho que arrumar uma grana pra consertar, sabe como é.
    — Ah sim… gosta muito dela?
    — De quem?
    — Do seu carro.
    — Sim! Gosto muito, adoro ela, meu carro, ele, adoro ele.
    — Hum… qual seu nome? 
    — Pedro.
    — Prazer Pedro, sou Antônio.
    Apertaram as mãos e Antônio apertou com bastante força.
    — Prazer cara, é professor aí né?
    — Sou sim, sabe lutar?
    Pior que não
    — Pior que sim, manjo um pouco de karatê.
    — Que bacana… porquê não fica pra uma aula? Da uma olhada, só um teste pra testar seus músculos e tal, é de graça!
    Esse cara quer me encher de porrada
    — Não, valeu, quem sabe outro dia? Hoje eu tô bem cansado.
    — Que isso pow, é só um treininho, fazer um alongamento antes e tá joia, até pras crianças verem como é uma luta com artes marciais diferentes.
    — Não, valeu, fica pra próxima.
    — Tem certeza?
    — Tenho.
    Um silêncio constrangedor pairou até um faxineiro dizer:
    — Ô da água na cara! Tenta não machucar nosso professor, a gordinha loirinha já feriu ele bastante!
    Gordinha loirinha? A Rebeca era loirinha mas gordinha? Os padrões de beleza hoje tão muito bizarros…
    — Há há há! — Disse Antônio para as risadas que se seguiram dos colegas de trabalho.
    — Mas sério, valeu, quero não, tudo de bom aí professor! Boa aula! — Disse passando pelo portão e indo embora.
    Escapei de uma das boas agora… acho melhor eu andar só lá na mata por enquanto.
             
                              Capítulo 7
                Loirão gostoso
    Camila havia tido um péssimo dia, ela e seu namorado Jhonatan (ambos de dezessete anos) brigaram naquela mesma manhã por um motivo super idiota.
    Eles haviam feito uma descoberta sensacional de foda na noite anterior no drive-thru do Mc Donalds ali de Anchieta (na Rua Cardoso de Castro), enquanto ele dirigia e ela escolhia o pedido na placa, Camilla teve uma ótima ideia: 
    Se escolhermos um hambúrguer simples e pedirmos pra aumentar as quantidades e adicionar ingredientes, será que conseguimos montar um Cheddar McMelt sem ter que pagar o preço de um Cheddar McMelt?
    E levou essa dúvida para seu companheiro:
    — Jhon! — Ela disse fazendo ele desviar o olhar dos atendentes do outro lado do vidro para ela — Se escolhermos um hambúrguer simples e pedirmos pra aumentar as quantidades e adicionar ingredientes, será que conseguimos montar um Cheddar McMelt sem ter que pagar o preço de um Cheddar McMelt?
    A pergunta fez ele erguer as sobrancelhas em surpresa:
    — Porra, será?! Nunca pensei nisso!
    — Faz todo sentido né? A gente pede um Cheddar normal, pedimos pra adicionar mais cebola, mais carne, mais… mais tudo! Cada extra é só um real a mais, sai mais barato que o Cheddar McMelt!
    — Puta que pariu, por isso que eu te amo, vamos ver se dá certo!
    Deu certo.
    — Caraaaalho! Deu certo! — Ele gritou no carro, na volta pra casa — Isso foi genial!
    — Sim!!! — Disse ela rindo — imagina o que podemos fazer?! Tipo, um Quarteirão num DUPLO Quarteirão!
    — Duplo quarteirão?! Camila, eu tô falando de um Mc Lanche feliz num B-I-G M-A-C!
    Ela começou a rir com a ideia:
    — Sim!!! Vamos fazer isso! — Pegou o celular — Deixa eu falar isso pro pessoal!
    — Não faz isso não.
    — Porquê?
    — Pra ser uma sabedoria nossa, mô.
    — Saquei, saquei! 
    Camila continuou mexendo no celular.
    — Tá fazendo o que? — Perguntou Jhonatan.
    — Mexendo no insta…
    — Hm… tá falando com ninguém sobre isso não né?
    — O que? Eu acabei de falar que saquei.
    — Tudo bem.
    — Não confia em mim?
    — Confio.
    — Então porquê me perguntou isso?
    — Só pra checar.
    — Checar o que? Se eu tô mentindo pra você?
    — Camila…
    — Não vou mandar cacete, vai ser nosso segredinho idiota.
    — Idiota? Como assim idiota?
    — Saber como manipular o Mc Donalds é idiota.
    — É uma parada nossa, não fale simplesmente que é idiota!
    — “Parada nossa”? Parada nossa não é saber o preço das coisas do Mc Donalds.
    — Eu acabei de falar que é!
    Quando ele a deixou em casa ainda estavam discutindo, ela bateu a porta do carro e entrou; Na manhã seguinte ela havia ido na ‘Mata’ (como chamam o Park do Gericinó), onde Jhonatan estava andando de Skate com os amigos, ele a viu e correu pra abordá-la.
    — Porquê me bloqueou no zap? — Ele perguntou.
    — Porquê não tava afim de discutir.
    — Essa briga foi muito idiota Cah, vamos conversar? Parar com isso?
    Camila estava prestes a perdoa-lo quando ele disse:
    — Hein, Caro-Camila?
    — Quem é Carol?
    — Colega da gente que anda de Skate, foi sem querer desculpa.
    — Desculpa o caralho, sai de perto de mim — E seguiu andando sozinha a passos rápidos pela pista que leva ao mais fundo da mata.
    — Camila! — Disse Jhonatan chegando de skate nos pés — desculpa bebê!
    Camila se virou, empurrou ele e gritou:
    — Vai de skate lá pra Carol! Enfia o skate no rabo e vai andar sentado!
    E foi assim que Camila foi parar andando sozinha nos fundos da mata, com raiva e cansada.
    Ela havia acabado de passar pelo ‘Pau do Jacaré’ (apelido de uma trilha fechada na mata) quando um cara loiro e muito bonito a abordou.
    — Bom dia, tudo bem?
    — Ah… oi, tudo sim.
    — Eu acho que me perdi, estava procurando…
    Carol parou de prestar atenção no que o cara tava falando depois que ele disse “procurando”, ele era gostoso pra cacete, loirão de uns trinta e poucos, talvez trinta e cinco, alto e vestindo uma regata branca e jeans, com tênis da Nike.
    — Eh… sim, o que deseja?
    Ele sorriu e disse:
    — Me ajuda a sair daqui?
    — Claro! pode me seguir.
    Depois de alguns passos ele mandou:
    — Tu mora por aqui?
    — Moro aqui do lado, por isso venho sempre que posso.
    — Ah sim…
    — Gosta daqui?
    — Curto sim, é a segunda vez que venho, é bem bonito.
    — Demais né? Ver o sol se pôr aqui é muito rei leão.
    Ele riu e disse: “Tudo que o sol toca…”
    — Sim! — Ela exclamou rindo — eu amo demais.
    — É incrível mesmo, minha irmã tatuou o Simba bebê no braço.
    — Que lindo! Eu queria tatuar mas… meus pais são muito duros.
    — Ainda mora com eles?
    — Sim… tenho dezenove — mentiu — moro com eles ainda.
    — Bem, isso é ruim mesmo mas enquanto tu morar no teto deles, é melhor seguir as regrinhas, depois que envelheci vi que da adolescência pra cima, morar com os pais é o mesmo que morar de favor.
    — É uma merda mesmo, você mora sozinho?
    — Moro sim, em Nova Iguaçu.
    — Adoro lá.
    — Sério?
    — Sim, sei lá, parece ser tudo mais chique do que aqui, é a maior cidade da baixada né?
    — Deve ser… porquê tu tá andando sozinha por aqui?
    — Como assim?
    — Não quero me intrometer em nada, mas seu semblante é de alguém chateado, brigou com alguém e por isso tá aqui sozinha?
    — Cara… sim, briguei sim.
    — Hm…
    — Foi com meu namorado, meu ex namorado, ele fez merda atrás de merda aí eu só me desliguei dele.
    — É complicado isso mesmo, os caras perdem demais as oportunidades de não fazer merda, imagina perder uma mulher como você?
    Ela riu e disse: 
    — Obrigada, mudando de assunto, o que tu tava fazendo por aqui?
    — Vim arrumar meu esconderijo.
    — O que?
    — É, eu fui do exército há alguns anos, tenho bunker por aqui, mas admito que fazem anos que não visitava a mata, por isso me perdi depois que sai dele.
    — Pow que maneiro, mas o que faz nesse esconderijo? É pra algum ataque nuclear ou sei lá?
    Ele riu e disse:
    — Não não… só pra dar uma dormida, ouvir uma música em paz, assistir Rei Leão, essas coisas.
    — Poxa, que foda… posso ver?
    — Quer ver o bunker?
    — Um bunker na mata com música, cama e televisão? Claro, posso entrar lá?
    — Pode sim, vamos lá.
    — Pera, qual seu nome?
    — Jailson das Graças.
    — Eu sou Carol do Nascimento, prazer.
    — Nome bonito, prazer Carol.
    Ela riu antes de dizer: “Obrigada”
    — Bem, — ele disse — Só me seguir que eu mostro o caminho.
    Carol nunca mais foi vista.
                
                         Capítulo 8
               Tigres e esquilos
    Brenda deixou Paulinha em casa, a amiga loirinha havia dito que iria se arrumar pra sair com um cara novo do tinder, “Neguinha, eu vou transar!” ela gritou quando Brenda a deixou em seu prédio, fazendo Brenda corar por baixo do capacete preto.
    Ás 18:45 Brenda deixou sua moto em casa e entrou no carro de seu irmão para irem ao mercado, chegando no cristal as 18:47 (é bem do lado da casa deles), Marcos estacionou seu Palio ali no estacionamento em frente ao cristal.
    Brenda segurava a lista de compras que havia feito na noite anterior, logo após chorar no ombro do irmão e lembrar que precisava organizar as compras de amanhã, enquanto Marcos levava o carrinho.
                           “Lista de compras”
    Ovos (no sacolão é mais barato?)
    Batata pro purê com ovos
    Feijão e arroz
    Omo
    Amaciante da ipê
    Duas giletes
    Batata frita
    Dois óleos
    As caixas de leite
    1k de picanha (no cristal tá mais barato)
    Se sobrar dinheiro: Sucrilhos do Fê
    Brenda e Marcos já haviam completado a maior parte da lista quando finalmente chegaram na carne; Brenda havia ouvido alguns murmúrios dos clientes sobre o preço, uma senhora que estava conversando com uma amiga no telefone enquanto comprava biscoitos disse “O quilo da carne tá quarenta reais!” E também havia ouvido um casal discutindo depois de voltar do açougue “Cinquenta reais é um absurdo!” “Sim, demais”, e também havia ouvido um senhor dizer pra ela quando estava pegando as batatas e colocando na sacola:
    — A carne tá cara, absurdo isso, como que pode né?
    — Sim, absurdo… quanto está a carne?
    — Não viu? Meu sobrinho disse que tá sessenta reais o quilo!
    A verdade é que ninguém havia de fato visto o preço da carne, apenas murmurado a partir da reclamação de uma cliente de mais cedo que havia perdido sua carteira e se queixou da “falta de humildade” dos funcionários ao não abaixar o preço para ela ou vender fiado, mas diferente dos outros, Brenda foi ver o preço.
    — Trinta reais o quilo, senhora. — Disse o açougueiro.
    Ok, não é tão caro quanto quarenta ou cinquenta ou até mesmo sessenta, era um preço que Brenda e Marcos poderiam pagar, mas ainda assim não sobraria mas nada na carteira.
    — Vamos levar? — Perguntou Marcos.
    Brenda quer levar a carne, quer fazer o purê de batatas com ovos mexidos acompanhados de picanha pro almoço em família, mas ao mesmo tempo… fazia alguns meses que Fernando não comia sucrilhos, ele adorava desde mais novo os cereais com leite que aprendeu a comer com seus tios, antes do tio Aldemir falecer; Brenda esperava que dessa vez sobrasse dinheiro para comprar, ela até tirou seu hidratante da lista pra conseguir levar o cereal.
    — Irmã?
    — Ah… não, vamos comprar salsichas e o sucrilhos do Fernando.
    Marcos olhou para ela, olhou para a carne e tornou a olhá-la nos olhos e deu de ombros.
    Eles levaram o cereal.
    Ás 19:48 eles chegaram em casa, Fernando ainda não tinha chegado da casa da colega de trabalho.
    Marcos foi tomar banho enquanto Brenda ficou de guardar as compras; Batatas fritas no congelador, batatas normais no pote pra descascar, ovos na geladeira, feijão e arroz em seus respectivos potes, leite no armário… Fernando chegou.
    Da cozinha Brenda escutou ele fechando o portão e colocando a chave na porta de casa, ela pegou o sucrilhos da sacola e escondeu dentro do fogão. Na sala ela se apoiou nas costas do sofá enquanto Fernando abriu a porta e colocou as chaves sobre a estante.
    — Boa noite, sumido.
    — Boa noite, mãe. — Ele disse meio frustrado.
    — O que houve?
    — Nada não.
    — Nada não nada, o que houve? 
    — Nada mãe, vou tomar banho.
    —ok— Melhor não pressionar, pelo menos não agora — Fiz as compras.
    — Que legal. — Ele disse antes de virar o corredor e fechar a porta do banheiro.
    Adolescentes sabem ser irritantes…
    Terminou de guardar as compras enquanto ele tomava banho, ligou a televisão na Record e ficou ouvindo o jornal enquanto via stories de famosas fazendo coisas cotidianas; Fernando saiu do banho e subiu as escadas, sem olhar para ela…
        …Brenda foi atrás, quando abriu a porta ele estava com um short de dormir e passando desodorante.
    — O que houve? — Ela perguntou fechando a porta.
    — Nada.
    — Eu não vou sair desse quarto até você me dizer o que houve… foi a…
    — …A quem? Não tem ninguém, não tem menina nenhuma, não tem nada, já disse.
    Foi ela.
    — Sou sua amiga, sabe disso né? Além de sua mãe sou sua amiga, se você não me conta as coisas como eu poderei te ajudar?
    — Não quero ajuda.
    Você acha que não, sempre acham que não.
    — Ok… vou te deixar dormir, comprei seu sucrilhos!
    — O do tigre?
    — Tigre?
    — sucrilhos é o nome de uma marca que tem um tigre na embalagem, o nome do alimento em si é cereal, a senhora comprou o que tem o tigre?
    Brenda ficou em silêncio, não tinha visto tigre nenhum na embalagem apenas pegou um dos que apareceram, um com um esquilo ou algo parecido, e então disse:
    — Não, peguei um mais barato.
    A decepção nos olhos dele foram claras.
    — Ok, obrigado.
    Ela fechou a porta com o coração um pouco mais partido.
                       Capítulo 9
                   O espelho
    Paulinha se arrumou pro encontro, ao chegar em casa tomou um banho mais esforçado que o normal, enquanto ouvia em seu celular deixado em cima da pia, com o som virado para o chuveiro: ‘Hoje a Noite é Nossa’ do Jeito Moleque.
    Depilou as axilas e seu órgão, lavou o cabelo, bochechou a boca com o Listerine que comprou depois que saiu do trabalho (fazendo Brenda esperar do lado de fora da Pacheco bem na principal), passou ele antes e depois de escovar os dentes.
    “Só por precaução” pensou.
    Experimentou várias roupas do seu armário (e descobriu que odiava todas é que teria que fazer compras… o que também odiava) e acabou escolhendo seu vestido preto, foi com ele é uma sandália preta.
    Se olhou no espelho e pela primeira vem em algum tempo se achou gostosa.
    “Caramba, eu tô gostosa, até eu me comeria agora!”
    E se sentou no sofá para esperar pelo cara; faz tempo desde a última vez que Paulinha ficou com alguém, há oito meses ela saiu com um colega de trabalho, o Júlio, na época ele trabalhava com ela na montagem dos hambúrgueres, ela já havia reparado que ele olhava pra ela com certa luxúria, olhando pros peitos e pra suas coxas, ela ignorava o máximo que podia mas após algum tempo cansada de ficar recebendo as encaradas, ela disse pra ele “Seguinte Júlio, não quero você olhando pra mim, tô ficando incomodada” e a resposta dele foi um sorriso safado e os dizeres: “É difícil parar de olhar, são tão lindos”, nesse momento ela decidiu que daria uma chance pra ele.
    Eles saíram umas três vezes, na primeira, no hotel Fluminense, na segunda na casa dela e a terceira foi na escadaria do shopping, em todas as vezes Júlio gozou rápido demais; o que fez Paulinha parar de sair com ele e se afastar na hora do serviço, chegando até a trabalhar como faxineira pra se afastar do cara (não queria sair do trabalho, talvez por inércia, talvez pela amiga estar no mesmo prédio, talvez por não acreditar que trabalharia em outro lugar, ela não sabe ainda porque não saiu de lá).
    No mês seguinte a ela ir para as faxinas, Júlio virou gerente, trouxe ela de volta para a montagem de hambúrgueres e começou a cobrar ainda mais empenho dela, é um filho da puta.
    Mas isso foi a oito meses, desde então Paulinha tá no tinder mas só dá match em conta de adolescente punheteiro que ela acaba curtindo quando passa muito rápido e em idosos estranhos, mas finalmente deu match num cara agradável, pensa ela, num cara que pode ser aquele cara; e ele acaba de chegar no prédio.
    ••
    Paulinha passa o batom na boca mais uma vez e desce as escadas, quando chega no saguão e vê o cara parado ao lado do porteiro ela se anima:
    Quarentão, branco, cabelos castanhos bem arrumados, olhos pretos, gordo/forte, ombros largos, queixo protuberante e nariz largo, um homem bruto, charmoso e bem macho.
    — Boa noite rainha — Diz ele beijando as bochechas dela — vamos?
    “Não disse que estou linda…”
    — Boa noite meu rei, vamos sim.
    Ela se sentou no banco da frente, um HB20 branco, e seguiram viagem, ele a levaria até um restaurante de comida japonesa em Mesquita chamado ‘Jappa Temakeria’, haviam poucos pratos que Paulinha gostava da culinária nipônica, mas aceitou sem dizer nada pois o cara parecia entusiasmado em levá-la lá.
    — E ai, animada pra essa noite? — Ele perguntou meio que dando de ombros.
    — Aham, faz tempo que não como comida japonesa — Ela comeu um temaki há três semanas quando Brenda comprou um por entrega e deu pra ela provar e achou horrível, tempo faz é que ela não sai com alguém — tô com saudades.
    — Vai adorar o lugar.
    — Espero que sim, você parece animado em ir pra lá.
    — É, eu gosto bastante.
    — Hum…
    A viagem foi silenciosa, na verdade, o silêncio era muito confortável para Paulinha, ela gostaria mesmo de um companheiro que falasse pouco, mas… sentia que não era isso que estava precisando agora, ele falava bem mais no tinder, será que não gostou de mim?
    Como toda pessoa feia, Paulinha usava fotos antigas em suas redes sociais, talvez nem tão antiga assim mas fotos que elas se sentem “menos feias”, e Paulinha sentia que isso talvez fosse um problema nesse caso: “Ele me viu diferente da foto, viu como na verdade sou horrorosa, com essa banha, essa barriga grande e horrível, essa bochecha gorda e essa cara feia, quem gostaria de alguém assim? Deve estar se sentindo mal por isso…”
    Eles chegaram no restaurante, era um lugar pequeno, um restaurante de beira de rua, sem muitos lugares e meio apertado… mas a comida era realmente boa, ele escolheu todos os pratos do rodízio e Paulinha gostou de tudo que provou, não sabia o nome de nenhum deles e a forma como ela pronunciava virou uma piada entre os dois, uma piada que apesar de Paulinha rir, ficava super incomodada em ser ridicularizada.
    — Como descobriu esse lugar? — Ela perguntou entre uma risada e outra.
    — Meu amigo me trouxe aqui uma vez no aniversário da prima, achei meio pequeno mas a comida sempre me trouxe de volta — Na verdade ele comia uma funcionária, havia conhecido ela no tinder e vinha sempre pra cá buscar ela depois do trabalho, depois que terminaram ele ficou com receio em voltar a frequentar (terminaram mal) mas ao saber que ela havia saído decidiu que seria um bom lugar pra levar mulheres no primeiro encontro, mas essa história não pega bem não é? — gostou daqui?
    — Sim, a comida é ótima e acho que por ser pequeno, os funcionários podem atender mais rápido os clientes.
    — Poxa, não tinha pensado nisso, você tem razão.
    — Claro que tenho — Ela respondeu com um sorriso fechado, não mostrando os dentes “horrorosos! Horríveis! PÉSSIMOS!!”
    Ele sorriu de volta, um sorriso cheio, vivo, talvez sincero; eles conversaram sobre muitas coisas naquela noite, Paulinha contou a história do professor de kickboxing, contou sobre seu pai ter ensinado a ela o Boxe é incentivado ela a treinar, diferente de sua mãe que nunca gostou disso, e contou sobre seu trabalho, pulando a parte do gerente abusador.
    Foi uma noite agradável, comida boa, risadas, sorrisos… “e agora vem a melhor parte.”
    Após ele pagar a conta, entraram no carro e seguiram em direção a Nilópolis, novamente numa viagem silenciosa, tirando um ou outro comentário sobre a noite que ela fazia e ele concordava, passaram pelo centro de Nilópolis, Paulinha já estava preparada para entrar em um dos motéis da região quando ele passou direto, “pra casa dele então!”
    Ele passou pelo viaduto com ela, foi até a rua que ela mora e então… parou em frente a seu prédio.
    — Pode estacionar aqui na rua, ninguém vai multar não.
    — O que? Não não, eu tô indo, só vim de trazer.
    — O que?!
    — Vim te deixar em casa.
    — Você tá falando sério?
    — Como assim?
    — Não gostou da noite?
    — Adorei.
    — Não gostou de mim?
    — Gostei.
    — Teve um dia aborrecido?
    — Não, foi tudo bem.
    — Então porquê não quer me comer?
    Aquilo o deixou sem resposta.
    — Foi a foto não foi? Me achou diferente.
    — Não é iss—
    — Fala logo o que é! — Ela o interrompeu.
    — Olha, você é uma mulher engraçada, gente boa, inteligente, a noite foi ótima, mas… 
    — Mas?
    — Mas eu achei que você era diferente.
    “Não.”
    — Na foto você tá diferente — Ele continuou — Não é que eu não gostei de você, só esperava outra pessoa mais…
    “Gostosa.”
    — Diferente. — Ele concluiu.
    Paulinha ficou olhando para ele pensando “é claro que isso ia acontecer, era óbvio, sempre foi, ninguém fica com alguém gorda e feia que nem você, NINGUÉM, quando aprenderá isso?!”
    Ela então disse: 
    — Ok, boa noite.
    Saiu do carro, entrou no prédio e subiu as escadas.
    ••
    Na manhã seguinte ela acordou com seu despertador para o trabalho, dormiu sem tomar banho, de baixo da coberta estava nua, a roupa que foi para o encontro estava jogada pelo chão da casa e seu espelho estava todo quebrado e espalhado pelo chão.
    Ela desligou o despertador e se levantou, sua coberta caiu no chão quando ela se ergueu para se sentar na cama e enquanto olhava para seus seios e rosados e estrias na barriga, pensava em Tinho.
    “Eu deveria ter o perdoado, deveria ir até ele agora”.
    Ela se cobriu novamente e voltou a dormir.
                           Capítulo 10
                     Excentric
    Durante a noite de encontro de Paulinha e a ida as compras de Brenda, Pedro estava em casa assistindo novela enquanto pensava na vida sem sua caranga.
    Havia comprado o carro a sete anos e desde então foi seu novo melhor amigo, ele que ouvia suas lamentações, que ouvia seus desejos, seus segredos, que o levava até as casadas, até as baladas, até as festas de aniversário do sobrinho, ele que escondia sua arma! Seu revólver que agora fica sem segurança na prateleira de sua sala.
    Obviamente não foi a primeira vez que ele deu problema, Marcão já disse para ele diversas vezes que deveria trocar de carro, ‘Essa bicha é muito velha, Piroca!’ mas Pedro sempre ignorava seus conselhos, tinha carinho pelo carro, ainda tem.
    A novela tava boa quando Pedro decidiu que queria ir na balada no centro de Nilópolis, a Excentric; uma casa noturna com muita música, drogas, sexo e bebidas, tudo de bom! E Pedro tava com saudade de ir lá já havia algum tempo, claro que escolheu um péssimo dia pra matar essa saudade, “justo no dia que a caranga tá ruim?! Porra! “ Mas quem culpa os desejos do coração? ou no caso, os desejos do pau? Tomou um banho, botou uma roupa discreta e foi andando mesmo.
    A Excentric fica próxima ao shopping, na esquina da rodoviária, um prédio grande e bonito, com a faixada de madeira (pelo menos Pedro acha que é) com o nome em prateado; chegou lá as 22h, horário bom pra “observar a floresta.”
    Na fila tem gente de todo tipo, puta, ladrão, estelionatário (ladrão vem vestido), traficante, viciado, mulher bonita e gente de bem; o pai de Pedro havia dito pra ele que uma boa forma de conhecer o povo de uma cidade é olhando pra fila de sua balada, sempre tem um resumo dos moradores lá, é pra Pedro, essa é uma verdade absoluta (assim como muitas das coisas ruins que seu pai havia lhe dito).
    ••
    Não demorou muito para a fila andar e Pedro se deparar com o interior da balada: Som altíssimo, luz baixa, paredes e chão preto, um segundo andar lotado, uma pista de dança no centro menor do que deveria, um sofá preto na parede esquerda (nunca sente lá) com uma esquisita sentada e um barzinho na direita da entrada, “não é a balada que queremos mas é a que merecemos…”
    Dança, álcool e mulher “tudo que há de bom!”, era isso que Pedro queria pra esquecer a briga com a Irmã depois de ter estragado a festa do sobrinho, o muleque não merecia isso mesmo, festa estragada pelo tio vagabundo, ao invés de ir lá e ser um puta tio foda com uma tia tão foda quanto e uma prima gente boa, eu fui lá como um… “Porquê eu tô pensando nisso?! Vamo beber porra!!!”
    E durante uma hora e quarenta e três minutos, após seis cantadas bem sucedidas e dois peitos mamados, Pedro esqueceu seus problemas, esqueceu até mesmo de que não deveria sentar no sofá.
    — Caralho… — Disse numa tentativa de racionalizar a merda que havia acontecido na última hora — Caralho…
    Ele estava balbuciando e voltando a consciência quando olhou pra esquerda e viu aquela mulher esquisita que viu antes; Ela era branca, olhos castanhos escuros, cabelo preto com algumas mechas azuis e vestia preto, deveria ter uns vinte cinco ou trinta anos e tava bebendo cerveja.
    — Boa noite… — Disse Pedro.
    — Boa.
    — Vem sempre aqui?
    — Não.
    — Hm… nem eu, primeira vez…
    Ela permaneceu em silêncio, olhando pro próprio copo.
    — Me diz uma coisa, seu cabelo tá azul ‘memo’ ou são meus olhos?
    Ela sorriu e disse: São seus olhos.
    — Sabia que não podia confiar neles… já me traíram diversas vezes estes pilantras!
    — Deveria procurar um oftalmologista.
    — Um o que?!
    — Um o f t a m o l o g i s t a!
    — Ah, médico de olho! Deveria mesmo, mas já fui enganado por um deles!
    — Sério? Como?
    — No detran! — Pedro odeia o detran — fui fazer o exame pra tirar habilitação e o filho dá puta me fez voltar lá quatro vezes! Quatro! Sessenta reais cada consulta, tudo pro bolso dele!
    — Mais isso aí foi um caso do detran — Disse rindo — outros oftalmologistas não fariam isso.
    — Talvez, mas deixa feia a indústria né?
    — A indústria de médicos…
    — Não, a indústria de médios DE olho! Indústria médica é outra parada.
    — Como assim?
    — Medico de olho não é médico.
    — Ham?! — Ela exclamou, com uma cara de “Me explica isso aí, tiozão”.
    — Medico é o cara que trabalha no corpo todo, se o cara só trabalha com um órgão ele não é médico, no máximo um… mecânico, um pseudo-médico, um médico de olho!
    — Um mecânico! — Ela exclamou rindo pra cacete.
    — É forma de dizer — respondeu rindo também.
    — Tu deve fazer parte da galera que acha que veterinário pode cuidar de uma pessoa.
    — Mais é claro! — Pedro disse sério — Se tu pode cuidar de um macaco tu pode cuidar de humano!
    Ela riu ainda mais e Pedro começou a ver ela com outros olhos.
    “Que sorriso lindo, não tinha reparado nisso… e o cabelo dela é azul mesmo?… ou é a luz?… não, é azul sim.”
    — Qual seu nome? — Ele perguntou.
    — Débora, pode me chamar de Debra.
    — Prazer Débora — Disse extendendo a mão — sou Pedro, pode me chamar de Pedro — Ela não riu, “óbvio, piada de merda!”
    Eles apertaram as mãos e Pedro apertou com firmeza, como seu pai lhe ensinou.
    — E o que você faz, Debra?
    Debra se espreguiçou no sofá e colocou os braços por trás do encosto.
    — Eu sou animadora.
    — Que maneiro! Tu trabalha no que?
    — Faço colorização pra Cartoon Network, mas meu trabalho principal é com tatuagem.
    Pedro reparou que não viu nenhuma tatuagem nela.
    — Nunca vi uma tatuadora sem tatuagem.
    Debra levantou a camisa até a altura dos seios e mostrou na barriga uma tatuagem de uma cobra cercando um mundo, além de reparar na tatuagem, Pedro viu o quanto ela era gostosa, tinha a “barriguinha perfeita” sabe? Nem tão magrinha e nem tão gordinha?
    — Que maneiro! Que bicho é esse aí?
    — É a Jörmungandr!
    — Saúde!
    — Porra — Disse rindo — é a ‘iômungandir’! A cobra da mitologia nórdica que cerca o mundo!
    — Ah, maneiro, muito foda! — Pedro não entendia nada sobre mitologias — ela é gente boa?
    — Depende — Respondeu abaixando a camisa — Tudo depende na mitologia nórdica.
    — Porra, tudo depende até na vida real né.
    — Vida real? — Disse ela franzindo o cenho.
    — Sim ué, vida real.
    — É que pra mim isso é real, a Jörmungandr existe assim como os deuses.
    Pedro ficou chocado e apesar de achar que sim, não conseguiu esconder isso.
    — Você acredita nisso? — Apontando pra barriga dela — Na MITOLOGIA nórdica?
    — Claro, porquê eu tatuaria algo em mim que não acredito?
    — Pessoas tatuam pokemons no corpo e eu duvido de que acreditem que eles sejam reais.
    — Pessoas estranhas.
    — Ok… porquê você acredita?
    — Porquê faz todo sent— Ela se interrompeu com a própria risada — É claro que eu não acredito porra — Disse entre os sorrisos e risadas.
    — Porra — Disse Pedro também rindo muito.
    — Tu levou muito a sério!
    — Você é uma ótima atriz.
    Eles riram tanto que começaram a deslizar pelo sofá até se acomodarem novamente.
    — Graças a deus que tu não acredita nisso, graças a deus.
    Após terminarem as risadas com suspiros de alívios, Debra disse:
    — Eu não acredito em deus.
    — Posso conviver com isso.
    Ela olhou pra ele e completou:
    — Tô falando sério.
    — Eu também.
    Após um silêncio entre ambos que era terrivelmente destruído pelo som da música, danças e risadas da balada, Pedro propôs:
    — Bora no McDonald’s?
    — Bora.
    Pedro e Débora foram lanchar no restaurante que pede moedas para crianças com câncer, ele pediu um BigMac e ela um McChicken por ser vegetariana, após uma longa e divertida discussão sobre se comer animais era ou não imoral (Pedro acredita que imoral não é, mas é de fato ‘zoado’, menos peixes, pois em sua teoria, peixes não tem “alma”), eles foram caminhar pela noite iluminada e badalada do centro de Nilópolis.
    No fim da noite, Pedro a deixou no ponto de ônibus e aguardou com ela o Cabral passar, não tentou dar suas chamadas para motel, não tentou levá-la para seu cafofo, carinhosamente apelidado de “Marmita” e não tentou se convidar para casa de Débora, havia apenas pedido seu número após a conversa sobre peixes terem ou não alma.
                        Capítulo 11
       Uma Cedae abandonada?!
    Paulinha não iria trabalhar hoje, pôs isso em sua própria cabeça, hoje era o dia que começaria sua rotina para se tornar uma linda mulher.
    Ainda sentada em sua cama após acordar se sentindo péssima, ela pegou seu telefone e ligou para seu gerente, demorou um pouco para encontrar pois havia esquecido que tinha salvo o contato como “Demônio maldito” e não seu nome, César.
    — Fala Paula.
    — Bom dia, César. — Não vou dar pra esse cara nenhuma intimidade mínima nessa porra — Hoje eu acordei mal, não poderei ir.
    — Como assim?
    — Tomei uns remédios pra dormir ontem e acordei com dor de cabeça e enjoo, acabei de vomitar meu banheiro todo aqui, sujei tudo, as calcinhas — Íntimo ou não, isso pode convencê-lo — as roupas do varal, tudo tudo tudo! Não tô podendo ir hoje.
    — Pow Paulinha, precisamos de você, não pode ficar faltando assim não.
    — Abre seu computador aí e vê quantas faltas eu tenho cacete! 
    — Acalme-se!
    — Nenhuma! Zero! Nenhuma falta! Tô passando mal, não vem me comprar como se fosse uma funcionária ruim não! Não posso trabalhar hoje e nem pense em me demitir por isso… a meu Deus…
    — O que foi?
    — Vou vomitar.
    Nesse momento ela realmente vomitou, a parte dos remédios e dor de cabeça era mentira, mas a comida japonesa de ontem era verdade suficiente.
    O vômito caiu parte em sua cama parte no chão, sujando o tapete de pano que ela gosta de encostar os pés quando levanta e a fronha que, pra melhorar as coisas, já estava suja.
    — Ah… César… não posso ir, desculpe.
    — Eu ouvi essa… tudo bem, pode ficar em casa, toma um Dramin e se não melhorar vai no Jucelino, melhoras aí.
    — Obrigada, tchau.
    Ele desligou o mais rápido que pode.
    Contornando o vômito, Paulinha se levantou, tentando ao máximo não sujar seu seio esquerdo nem sua barriga com o líquido terrível que saiu de dentro de seu intestino, tocando seus pés no chão frio (bateu saudade do tapete quando limpo), ela foi até o banheiro tomar seu banho antes de sequer pensar em limpar o chão.
    Mais do que muita coisa, Paulinha odiava vômito, seu cheiro, sua aparência viscosa e hedionda, só de ver se sentia suja, e mais do que vômito ela odiava se sentir suja.
    Depois de por a fronha e tapete no lixo e já começar a pensar em comprar novos, Paulinha mandou mensagem para Xandi, seu amigo mototáxi, pedindo para levá-la na mata do Gericinó; Não gostava de lá, por ser muito longe e ter muita natureza pro gosto da Paulinha, mas a vila olímpica estava fora de cogitação.
    Como sempre, Xandi disse que já estava a caminho; Apesar de não curtir pegar um pretinho, Paulinha achava que o real motivo de não ficar com Xandi era esse fato: Ele fazia todas suas vontades, ela gostava de um amigo assim mas alguém pra ser seu homem? “Jamais, um marido que me dê presentes que eu queira seria muito bom, que me leve nos restaurantes mais caros é ótimo, que me leve onde eu gostar de ir e me de as roupas que eu queira seria fantástico, mas literalmente QUALQUER coisa que eu pedir? Como um pau mandado? Não, não curto isso… pelo menos não pra namorar.”
    ••
    Enquanto Xandi passava com sua moto entre os carros com Paulinha sentada na garupa, veio a ela um pensamento: Porquê não ir andando até o Gericinó? Claro que é longe, mas ficar gostosa não era seu objetivo? Talvez andar até lá e lá andar também seja…” não, não faz sentido nenhum, andar lá é o objetivo, andar até lá é suicídio, já é horrível andar com sol quente, pra que andar até lá pra já chegar com vontade de ir embora?”
    Com isso Paulinha chegou à conclusão que fazer exercício para fazer exercício era coisa de idiotas.
    Xandi parou a moto bem na entrada, havia primeiro passado pela entrada lateral, do estacionamento, mas havia inaugurado lá um armazém de peixaria e ele detestava cheiro de peixe, preferiu dar meia volta e vir pela entrada normal.
    Fazia um sol forte nesta manhã e nenhuma das pessoas presentes havia visto que o calor estava a exatos trinta e dois graus.
    — Obrigada, Xandi — Disse ao descer da garupa, ela vestia um short vermelho até o joelho, camisa regata branca e tênis de corrida — quando for embora posso te ligar?
    — Se eu não tiver levando cliente eu venho na hora.
    Pau mandado.
    — Certo, obrigada, tchau tchau.
    — Tchau loirona gostosa.
    Paulinha se virou e foi andando pela entrada gradeada da mata, o caminho sinuoso de asfalto entre a grama aparada e a pequena área de treino logo à frente do edifício de um andar lhe chamaram atenção, ela nunca havia vindo na mata antes? Acha que sim mas não se lembrava, a alameda que se seguia a esquerda era sem fim, com no horizonte um visual bem ‘Rei Leão’, o que já ganhou sua simpatia de cara.
    Enquanto andava pela entrada ao lado do quiosque, viu mais pessoas chegando a pé.
    — Otários… — Resmungou enquanto colocava seu fone e começava sua caminhada.
    Paulinha seguiu pela alameda e viu que o caminho se bifurcava em duas direções, seguiu a da esquerda foi em frente, só parando para trocar de música quando a playlist parava numa chata (e aproveitava esses momentos beeeem devagar, é uma boa desculpa, não?)
    Deem uma folga pra ela, leitores, ela nem sabe que decidiu começar a fazer exercícios no dia mais quente do ano, uma longa pausa pra trocar música é mais do que perdoável.
    Paulinha andou, andou e andou muito, até descobrir que usar camisa branca para isso foi uma péssima ideia, o suor marcava sua pele branca, seu umbigo, sua barriga, suas dobrinhas, tudo; por um segundo ficou preocupada sobre se havia ou não vestido sutiã mas pra sua sorte a Paulinha do passado recente colocou o mais confortável e discreto de todos.
    Neste dia, ela descobriu que havia uma sede da Cedae abandonada por ali, no portão havia uma corrente e o prédio era super sinistro, “daria pra fazer um filme de terror aí fácil fácil” pensou ela, e daria mesmo.
    Quando parou de olhar para a Cedae e olhou para o caminho que teria que fazer de volta… bateu o desespero.
    Calor não definia o que Paulinha sentia, seu corpo estava quente, suas pernas doloridas e sua cabeça não conseguia pensar coisas complexas com clareza, ela só queria beber a água que esqueceu de trazer e pedir pro Xandi… espera… “água que esqueci de trazer?”
    No seu apartamento lá no centro de Nilópolis, próximo ao Fantasy, dentro de sua geladeira da LG, sua água estava gelada, fresquinha e pronta para salvar vidas.
    “Puta que pariu!!!”
    — Ok — Começou a falar em voz alta — Eu posso pedir pro Xandi vir me pegar aqui, talvez possa entrar aqui dentro de moto… faz sentido isso? Entrar aqui de moto? Ah… Paula Guimarães de Mello, você é uma abençoada.
    E começou a andar o caminho de volta.
    Assim como Simba cruzou o deserto para voltar para casa, Paulinha estava cruzando o interminável caminho para chegar a entrada; havia mesmo feito esse mesmo caminho para chegar até ali? Não parecia… estava mais… mais longo.
    Seu joelho estava pouco a pouco se transformando numa máquina enferrujada, movida a poucos movimentos e prestes a quebrar, ela tentava ficar com a cabeça para cima mais sua coluna tendia a posição mais confortável… porquê vim até aqui? Não podia andar até a metade do caminho de e voltar?.. não… todos iriam ver, as mãe com seus cachorros, as crianças com seus skates, as idosas com suas… malditas idosas, como elas conseguem e eu não?
    No meio do caminho Paulinha não aguentava mais, apoiou a si mesma na madeira que separava o além mato do caminho asfaltado, da vida selvagem e a vida civilizada, das aventuras e… espera… Em Senhor dos Anéis, Frodo e seu amigo caminharam de casa até Mordor, (Paulinha não havia lido o livro nem olhado nenhum mapa mas imaginava que a distância deveria ser monstruosa), se aquelas duas crianças conseguiram atravessar um mundo inteiro, eu consigo chegar na entrada do gericinó! Eu consigo!
    ••
    — Um passo de cada vez.. — Era o que Paulinha repetia quase que num sussurro a cada passo dado em direção a salvação (a saída do gericinó), cada passo era mais difícil que o outro, mas pensando em seus personagens favoritos e nos desafios que eles haviam passado, ela continuou andando, andando e andando, até que enfim… chegou na área de treino bem próxima ao portão da entrada, onde uma repórter seguida de uma equipe de filmagem fazia perguntas para alguns transeuntes e pro atendente do quiosque. 
    Paulinha parou para se sentar numa área coberta com duas mesas de Pedra, se sentou na que estava vazia enquanto na outra, adolescentes acompanhavam de longe a reportagem.
    — Aí garotada, — Ela disse — o que tá havendo ali?
    — Uma menina desapareceu, — Disse um menino de cabelo enrolado — dizem que foi por aqui.
    — Com certeza foi por aqui, Daniboy! — Afirmou uma menina magricela de cabelos ruivos — todos viram ela aqui na última vez!
    — Mas ninguém acompanhou ela, pode ter ido embora.
    — Eu também acho que foi por aqui — Disse um meio careca de cabelos platinados — essa mata é muito grande.
    — Tô com o Matheus. — Disse uma branquela de óculos e cabelos negros.
    Ignorando a criançada, Paulinha respirou fundo… um, dois, três… respira… após se acalmar um pouco, pegou seu celular e ligou para Xandi, sem perceber que a bateria estava em 1%, as longas pausas pra música tiveram seu preço, o telefone desligou bem no meio da chamada.
    — O que?! — Disse ao ver a ligação parar de rolar e ao tirar o celular do ouvido e olhar para a tela, viu que seu aparelho salvador havia descarregado.
    Não houve grito de raiva, não houve batida na mesa de pedra e nem mordida no beiço, ela apenas aceitou, com desespero, seu destino.
    — Como cairia bem um sacolé que a Brenda fazia agora… — Disse com uma tristeza genuína.
    Paula Guimarães de Mello se levantou daquele banco como uma nova mulher, uma mulher que seria (teria que ser) capaz de andar todo caminho até sua casa do outro lado da cidade, assim como dois hobbits haviam feito num filme que ela havia assistido.
            Capítulo ‘douze’
                    Malhado
    Pedro acordou com uma chamada de sua irmã, pensou em ignorar novamente, olhou para os lados e percebeu que havia dormido no sofá, quando levantou para se sentar viu umas latinhas de Skol jogadas no chão, “Cara, você é imundo…é, eu sei.”
    O telefone continuava tocando, após uma respirada funda, ele atendeu:
    — Fala mana, bom dia.
    — Bom dia, porquê tá me evitando?
    — Não tô afim de escutar.
    — Ah Pedro… quantos anos você tem? 15?! Não aprendeu até hoje cara? Meio século de idade e continua esse mesmo cara?
    — Era isso que eu não queria escutar.
    — Você tá igualzinho ao papai.
    Isso foi demais pra ele.
    — Ok, tchau mana.
    — Espera… como você tá?
    Observando a latinha de Skol caída no seu tapete, sua arma em cima da cômoda e sua tv desligada na tomada por algum motivo que não se lembra, ele começou a pensar em qual resposta seria a correta, e com um amargor na boca ele respondeu:
    — Indo… e você?
    — Puta, quebrei o carro do Flávio ontem.
    — Cacete, como? — Disse se levantando e caminhando até a cozinha.
    — Fui levar seu sobrinho na pediatra e um cano em baixo carro quebrou.
    — Ué? Como isso? — Disse fechando a porta de seu banheiro no caminho após sentir um cheiro horrível vindo de lá.
    — Eu lá entendo de carro? Flávio levou pro conserto e tão ajeitando lá.
    — Ham… e o Vitinho, como ele tá?
    — Tá bem.
    — Bem mesmo? Pediatra foi para que então? Jogar dama? — Neste momento ele estava com o telefone entre o ombro e a orelha, usando as mãos pra lavar (dar uma molhada boa) na louça.
    — Foi só um exame de rotina, ele vai lá uma vez a cada seis meses… tá com saudade de você.
    — Espero que não só ele.
    — Eu também tô, mas o Flávio ficou meio puto, mais do que eu.
    — Eu também ficaria… quem era o cara?
    — Amigo de trabalho dele, sabe o que aconteceu depois daquela festa?
    — A mulher dele deu uma chave de buceta nele?
    — Quase isso, viajaram pro Caribe, dar uma “Refrescada no noivado” disse ele pro Flávio pelo telefone, noivado? Porquê não casam logo né?
    — O que uma chave de buceta boa não faz, hein? — Disse rindo, ela o acompanhou.
    — Não achei que você fosse dar em cima de alguém na festa.
    — Nem eu, a oportunidade aparece do nada. — Disse secando a louça e abrindo a geladeira, não tinha muita coisa além de meia cartela de ovos, uns saquinhos de hambúrgueres, manteiga quase acabando, metade de um pacote de pão PlusVita e uma caixa de Ades de maçã que ele acabou escolhendo pra matar o amargor na língua.
    — Vem aqui esse final de semana? Bebe uma com o Flávio e eu, assiste um jogo, ficar afastado demais tá parecendo que tu tá com medo de te julgarmos.
    — Eu sei que já julgam, mas relaxa que talvez eu passe ai — De repente se lembrou de Debra na noite anterior — e é… Ana, eu vou poder levar alguém?
    — Desde que não seja uma puta dessas “Boates de Dança” que você visita.
    — Há há, faz anos que não como uma puta.
    — Sei.
    — É sério, pagar é pros fracos — Disse se sentando em seu sofá novamente — Eu conheci uma menina maneira.
    — Menina?
    — Mulher porra — riu — uma mulher maneira, trabalhadora, gente fina…
    — Olha aí, fico feliz com isso, graças a Deus, vai se aposentar com ela?
    Pedro não havia pensado nisso, na verdade, nem gostaria de pensar.
    O que surgiu neste momento em sua cabeça não foi um pensamento de “Me aposentar de comer várias?! Jamais! Solteiro é vida!”, não, longe disso, mas no merecimento; ele merecia uma vida que sua irmã alcançou? Uma família, uma casa, uma mulher que te faça feliz sem que ele a afaste… merece? Fazem anos que não pensa nessa possibilidade.
    Aos 35 ele viu sua irmã se casar, e decidiu que já era hora dele também, porra, já passara da hora; aos 40 viu seu pai morrer, sozinho. A família o amava mas era aquele amor quase que inexistente, entende? Aquele amor que está mais nas palavras do que de fato num sentimento que vem do seu coração, como um primo distante, ou nem distante mas que não mora com você. Você o ama? É seu primo, sangue do seu sangue, mas você o ama? O conhece o suficiente para isso? Sabe de suas ambições, seus desejos, a pessoa que ele é e que construiu para se tornar, seus conhecimentos, preconceitos, maneirismos… saber todas essas coisas e ter um carinho, um afeto por isso, não seria amar? Pedro acredita que sim, e nenhuma dessas pessoas da família realmente sabia sobre seu pai.
    Um homem que afastou sua esposa, seus filhos e parentes, mas que em seu enterro vieram parentes que Pedro nem sabia que tinha, vestidos de preto e sendo gentis com Pedro, sua irmã e mãe, dizendo que os amava e que a família havia perdido uma parte dela, mas que prosseguiria firme e forte após aquele baque; para Pedro, a família nem existe mais, existe uma linha genética bifurcada, com famílias e mais famílias com pequenos núcleos de amor verdadeiro, assim como ele e sua irmã possuem, que sua mãe possuía com eles e que seu pai jamais fez parte.
    “Você está igual o papai… frase cruel de se dizer maninha, cruel.”
    — Espero que sim… vamo vê — Respondeu com um desânimo que veio do nada.
    — Certo, vai trabalhar hoje?
    — Vou, já já vou lá abrir a barbearia.
    — Beleza maninho, vai lá, te amo viu?
    — Também te amo, fala pro Flávio que pedi desculpas pela festa, e diz pro Vitin que na próxima vez que for aí vou levar um presente.
    — Não se promete coisa pra crianças, Pedro…
    — Eu vou levar, relaxa.
    — Ok, beijos.
    — Beijo.
    Desligou seu telefone e ficou sentado olhando pra casinha desarrumada e vazia, como a de seu pai costumava ser.
    ••
    Sua barbearia fica na rua Antônio João Mendonça (em frente ao bar do Sapo Maluco e bem próximo ao gericinó, de onde uma loirona gostosa caminhava para casa); Pedro abriu o salão e deu uma varrida no lugar, por ser seu próprio negócio ele decidia trabalhar só quando quisesse ou precisasse muito, não é uma decisão muito inteligente, mas para um homem que recebe dinheiro do exército por uma aposentadoria acidental, trabalhar quando quer está ótimo.
    O lugar é pequeno, apenas uma cadeira de clientela e cinco bancos de espera, o chão é ladrilhado em preto e branco e o ventilador de teto faz barulho, o que naquele calor de 32° era quase como ouvir o som de uma ambulância, barulhenta mas salvadora de vidas.
    Após arrumar tudo, foi até a entrada e girou a plaquinha para “Aberto” e se sentou no banco de espera aguardando seu primeiro cliente do dia, aquele que irá contribuir para o conserto de sua caranga.
    A clientela apareceu, os muleques de sempre com seus cabelos crespos ou enrolados; Muitas conversas surgiam entre eles e Pedro adorava ouvir e as vezes falar, dizer poucas palavras era o que ele adorava fazer quando cortava cabelo de crianças (com adultos ele mal puxava conversa, a não ser que fossem adultAs), pois dava para elas um ar misterioso, como se Pedro fosse um guru sábio e sempre com boas dicas e poucas (mas ótimas) histórias; elas discutiram sobre os cinquenta milhões da loteria e o que fariam se ficassem milionários, a maioria das ideias era comprar uma mansão, o que para Pedro não teria muito uso, ele não entendia muito bem porquê milionários compravam casas tão grandes, pra quê tanto espaço pra poucas pessoas?! Não precisa ser uma casinha minúscula que ele mesmo mora, mas uma casa maneira com quintal, varanda, talvez um espaço pra piscina, dois ou três quartinhos e uma sala maneira já tá ótimo, sem falar do IPTU que eles devem (ou não) pagar por isso né, mas enfim, ele não quis pensar muito sobre.
    — Pedrão — Perguntou Tiago, um garoto estudioso que morava por ali e que a mãe já havia dado em cima de Pedro — fala aí pra gente, qualé a do teu apelido?
    — Que apelido? — Pedro disse enquanto passava a navalha no pé do cabelo doutro menino — Pedrão? É um aumentativo bem simples.
    — Não se faz de bobo! — Disse um outro rindo como os demais — Tamo falando do Pedro Piroca!
    Alguns riram de soluçar. Pedro terminou em silêncio de cortar o cabelo do menino que já havia quase se cortado de tanto rir e então se virou para lhes contar a história, uma história que ele não se orgulha mas que é até que engraçada e vai dar pra tirar algum aprendizado para esses Zé ruelas.
                    Sub-capítulo
              Muleque piroca
    Seguinte, em 2006 eu tava namorando uma mulher que vou chamar nessa história de… Amendoim. Eu e Amendoim já estávamos ficando desde 2005, mas só assumimos sério mesmo em 2006, quando eu vim a conviver com o…
    “Muleque piroca!”
    Com o filho dela, que vamos chamar de Juninho.
    — Amendoim é mãe do Juninho? — Perguntou um dos garotos.
    Isso ai, agora não me interrompe; a Amendoim havia me dito algumas vezes que tinha receio de levar homem pra casa dela por conta do filho, dizia que ele era “Especial”, eu imaginei uma criança com síndrome de down ou alguma paralisia, ela nunca me explicou muito bem, nem gostava de tocar no assunto pra falar a verdade, o porquê eu só vim a descobrir nos meses seguintes.
    Como eu disse, ela nunca me levava pra sua casa quando ficávamos e nem no início do namoro, era sempre na minha casa ou em hotel, e eu gostava dela pra caralho, de verdade, ainda gosto por sinal mas não tenho coragem de aparecer na frente dela.
    — Terminou tão mal assim?
    O que eu falei sobre me interromper?
    Em 2006 começamos a namorar, bem na época da copa (ela ajudou bastante, tipo casais que se conhecem ou decidem se casar em época de eleição, a festa da euforia altera destinos…) e mais próximo do fim da copa ela finalmente me chamou pra sua casa, onde conheci o Juninho; Corpulento, olhos largos e distantes, barba grosssa e voz atarracada, apesar dos seus quinze anos, o muleque piroca! parecia um homem adulto, porra, ele parecia mais adulto do que eu!
    E não, ele não tinha paralisia e nem síndrome de down, ele tinha… algo mais, eu pesquisei várias doenças mentais que poderiam ser mas nenhum dos sintomas do Google batiam 100% com os dele, Juninho era… alguma coisa bizarra.
    Já vi ele cuspir num cachorro na rua, quebrar o brinquedo que a mãe havia dado pra ele no mesmo dia e começar a gritar e espernear quando trocavam de canal e tiravam do desenho, era um bebê gigante, um bebê cruel e… piroca.
    — É daí que vem o piroca?
    Calma que eu vou chegar lá.
    Bem nessa época fiquei mais na casa dela, fazíamos churrascos com a rapaziada, ficávamos vendo televisão a toa nos fins de semana, algumas vezes eu até dormia lá, e como ela era enfermeira, ficava bastante tempo fora de casa, foi quando passei a conhecer melhor o Juninho.
    Ele não gostava muito de mim, nunca disse isso mas dava pra sacar pelo olhar, quando ela ficava trabalhando eu ia lá dar comida pra ele, fazia um almoço legal pra gente e dava companhia né, mas o muleque por estar acostumado a ficar sozinho só gostava de ficar sentado no sofá vendo desenho o dia inteiro, esse é o mal da porra dessa geração! Escutem o que digo!
    Cansado da televisão pequena da Angé… Amendoim!
    — Angélica?! — Perguntou o garoto antes de começar a rir com os demais.
    Amendoim! Há há! Esqueçam o Angélica! Enfim, eu tava cansado da televisão da Amendoim, pensei em trazer a tv da minha casa que era maiorzinha, mas porra, início de namoro, ela vivia trabalhando, paixonite né, aquela coisa, eu acabei comprando uma televisão pra ela, uma da LG de quase cinquenta polegadas! Enorme! Obviamente eu ia ver o jogo nela, mas o objetivo foi mais agradar ela mesmo.
    Na noite que a televisão chegou ela ficou surpresa pela minha atitude, configurei a tv e fodemos a noite toda como recompensa pra mim, e nada de contar pros pais de vocês que eu disse algo desse tipo hein!
    E foi no dia de um jogo que sinceramente eu nem lembro mais qual foi, a raiva e tensão do dia me fizeram nem prestar atenção, que nosso relacionamento terminou mal pra caralho.
    Eu tava na sala assistindo a copa quando o Juninho saiu do quarto tele, ele disse:
    — Quero ver o ‘cartun netuork’!
    — Agora não Junin, tio tá vendo o jogo aqui, mais tarde a gente vê desenho.
    — Tá passando o desenho que eu quero ver agora.
    — Ele vai passar de novo depois, senta aí, vê o jogo do Brasil com o tio!
    Ele olhou pra tv e sem pensar duas vezes o garoto deu um socão na tela gritando “QUERO VER AGORA!”.
    A tela trincou, a imagem que antes era colorida e bela, estava metade rosa e com linhas brancas subindo e descendo… ah eu fiquei muito puto.
    — Juninho! Que porra?! — Eu disse me levantando e colocando a cerveja no chão quando ele pegou a televisão e tacou no chão pra finalizar o serviço.
    Eu também fiz algo sem nem pensar, eu dei um soco na barriga dele, ele se abaixou resmungando de dor quando eu dei outro no fígado e depois uma cotovelada nas costas, ele se ergueu e cuspiu no meu rosto, foi quando aproveitei o movimento para segurar seu pescoço e empurrar ele de volta pro seu quarto, joguei ele na cama e dei bons chutes na bunda dele e nas costas, quantos foram? Eu não sei, só sei que eu parei apenas quando ouvi ele chorando.
    Tirei a chave da porta e tranquei ele lá por fora, pus a chave no meu bolso e só querendo ir ver o jogo e evitando arrumar a confusão, eu só passei por cima da tv, peguei a cerveja e fui ver o jogo no bar.
    Naquela tarde eu não falei nada, não falei com os amigos do bar, só assisti o jogo mas nem lembro de olhar para ele, pra quem me olhasse de fora veria eu olhando pra tela sem reagir, enquanto aqui dentro de mim eu só tava pensando naquela merda… na televisão quebrada, foi cara aquela televisão, cara pra caralho e a Amendoim não merecia ter sua televisão quebrada, por isso assim que acabou o jogo eu me levantei e voltei pra casa ver se a tv tinha conserto.
    Não tinha, o vidro tava quebradaço e o plástico, ou ferro sei lá, tava todo fudido, aquele maldito tinha acabado com ela e o mais estranho era que ele não tava batendo na porta pra eu abrir nem nada, tava em silêncio lá dentro.
    Por curiosidade eu destranquei a porta e olhei lá dentro, ele tava deitado no mesmo lugar, parado.
    — Só falta você ter morrido agora! Seu viado!
    E ele começou a chorar de novo.
    — Se tá chorando tá bem — Eu resmunguei e voltei pra sala.
    Enfim, quando Amendoim chegou do plantão a televisão velha já tava no lugar, eu disse o que aconteceu sem citar a parte que espanquei o filho dela, ela lamentou o ocorrido, pediu desculpas por ele, ficou quase chorando mas eu dei meu aponho pra ela e mandei aquele papo de “Ele é assim mesmo, tá tudo bem, pelo menos tem você pra cuidar dele” e tal, ela foi lá no quarto dele ver como ele tava e nem reparou nos hematomas, ele tava de cobertor e o quarto tava escuro, naquele momento eu fiquei aliviado por não ter socado a cara do muleque.
    Quando nos deitamos na cama e nos preparamos para dormir, ela veio pedir desculpas novamente, dizendo que eu não merecia isso por ter comprado a televisão, foi quando eu falei o que não deveria:
    — Porquê você não interna logo aquele muleque piroca?
    As reações dos garotos no salão foram diversas, uns ficaram chocados, outro começou a rir e a maioria abriu um sorriso de surpresa.
    — É, eu sei, fiz merda.
    Amendoim gritou:
    — Como é que é cara? Do que você chamou meu filho?!
    — Desculpa — Eu tentei dizer entre os gritos dela, sabendo que eu estava errado.
    — Ele pode ter os problemas dele mas essa casa aqui é dele porra! Minha e dele! Você não vai passar por cima dele não! Antes eu interno você antes de pensar em me afastar dele! Você tá me ouvindo?! — ela se levantou e apontou o dedo pra mim:
    — Quem você pensa que é pra dizer isso pra mim dentro da minha casa?! Falando do MEU FILHO?!
    Enfim, deu uma merda do caralho, ela me expulsou da casa dela e com razão e no dia seguinte me ligou falando que viu hematomas nele e que ia chamar a polícia pra cima de mim, também com razão, por isso eu quebrei meu telefone, joguei ele no rio, troquei de chip e nunca mais apareci em Mesquita.
    Um ano mais tarde um amigo meu, que é meu mecânico inclusive, me perguntou sobre essa minha antiga namorada, e aí eu contei pra ele essa história com a condição dele nunca contar pra ninguém, no dia seguinte Nilópolis toda tava me chamando de piroca.
          Fim do sub-Capítulo
    Os garotos estavam chocados, demorou alguns segundos pra eles começarem a rir da história; Pedro os fez prometer nunca contarem ela para ninguém, e se contarem, trocarem os nomes e não o citarem ele, uma promessa que para qualquer um seria quebrada facilmente, mas para o Pedro, o barbeiro sábio da garotada, seria mantida talvez até aqueles pirralhos virarem adultos.
    Depois de cortar os cabelos dos garotos, Pedro quis dar uma passada em casa para almoçar, almoçaria na rua se não tivesse esquecido a carteira no sofá de casa.
    Ao fechar a barbearia ele olhou para o outro lado da calçada e uma gordinha loirinha estava sentada no chão, suando como se estivesse numa sauna e respirando fundo, ela olhou para Pedro e deu um sorriso que Pedro respondeu com um “Fala aí” e seguiu pra casa sem esperar resposta.
    Ao chegar na calçada de sua humilde residência, novamente reclamando por estar sem carro, ele viu um cachorro parado no seu portão, era um vira-lata preto de olhos amarelos e olhar sorridente; Pedro não o estava reconhecendo até o totó vir correndo na direção dele e pular no seu colo.
    — Ei… Malhado? É você?!
                 Capítulo 13
           Loiros e água gelada
       
    Paula estava cansada, faziam anos que ela não se sentia tão fadigada, a última vez que ela se lembra foi no treinamento antes dum campeonato de boxe que ela participou (e ganhou).
    Sua pele está toda oleosa, sua roupa encharcada de suor e sua camisa branca marcando sua pele, qualquer pessoa de longe consegue identificar o sutiã que ela está usando e as estrias em sua barriga; A pergunta que ela se faz constantemente é: Como eu, uma mulher que pratiquei esporte por mais da metade da minha vida, esqueci desse detalhe da camisa branca?, e essas são perguntas que não possuímos as respostas.
    Seu joelho doía sem parar, aguentar o peso de seu corpo a estava destruindo, cada passo era um esforço a mais que fazia sua alma estremecer e apenas o pensamento reconfortante de que em breve estaria em casa e ia beber AQUELA água, ia comer AQUELE bolo da padaria… espera, teria que passar na padaria antes né? Deixa pra lá então, só água estava ótimo!
    Água gelada, com a crosta de gelo apenas separando a água do plástico, sem pequenos pedaços de gelo quebrado que dificultam o ato de beber, apenas… o gosto da liberdade… da vida.
    Mas isso tinha que esperar Paulinha atravessar metade da cidade, o que estava se provando mais lento do que ela imaginava.
    Ela sabia que bastava seguir uma linha reta depois da saída da mata que ela chegaria em sua casa em algum momento, mas esse ‘em algum momento’ tava foda. Enquanto andava pensava em sua mãe, que assim como as pessoas que olham para ela em sua caminhada, a julgava o tempo todo, desde a loirona gostosa até a atual gordinha ex noiva do Carlinhos.
    — Nunca era o suficiente pra você né, mãe? — Disse em voz alta quando estava mais distante das pessoas nas calçadas.
    Teve um momento em que uma picape passou com quatro caras sem camisas na caçamba, no som deles tocava um funk super alto e o motorista fez questão desbatizar um pouco para buzinar para Paulinha e gritar “Cooorre gordinha! Cooorre!!” Fazendo seus companheiros na caçamba rirem e alguns moradores que observavam em suas varandas e portões disfarçarem os risos.
    Paulinha reagiu com o silêncio, como qualquer pessoa gorda já estava acostumada a humilhações públicas e dessa vez não reagiria diferente, na verdade cansada como estava, até mesmo aceitaria carona daquele escroto se ele oferecesse mesmo que zoando.
    Paulinha não tinha o medo intrínseco a qualquer mulher de andar sozinha, apesar de saber que o mundo é tomado por caras e que qualquer desconhecido é um possível estuprador, ela não se amedrontava, no fundo sentia até que teria o prazer de encarar um de perto pra meter a porrada nele até o cara sangrar, era o que dizia para Brenda sempre que a mesma ficava com medo de andar com ela em alguma rua esquisita.
    Mas essa falta de medo não impediu Paulinha de rezar para nada acontecer no caminho de volta, ela já estava exaurida, dorida e em desespero pleno, não suportaria algo tão terrível, e algo em sua cabeça (que ela preferiu acreditar ser a voz de Deus) disse para ela seguir em silêncio, não falar com ninguém, não responder humilhações ou insultos e apenas seguir em frente.
    Após minutos e mais minutos andando, ela finalmente deu a primeira de muitas paradas para descansar, se sentou num banco de praça. Pegou o celular no bolso e tentou ligá-lo novamente numa vã tentativa e depois olhou para seu reflexo na tela preta, estava toda ensebada e com o cabelo sofrendo por isso.
    Usando o suor para arrumar o cabelo de uma forma menos desagradável, ela guardou o telefone no bolso e olhou em volta, viu uma mãe passar protetor solar no rosto de seu filho, viu uma vendedora trazendo um ventilador pros seus clientes e numa casa de gente rica, viu gente tomando banho de piscina.
    — O quão quente tá hoje? — Perguntou novamente em voz alta mas dessa vez obteve uma resposta:
    — Trinta e cinco graus agora.
    Paula se virou e reparou num homem alto, loiro e bem bonito de pé ao seu lado.
    — Bom dia — ele disse — tudo bem?
    — Tudo sim, bom dia — Disse abrindo um sorriso que foi correspondido.
    — Você veio do gericinó, certo?
    — O que entregou?
    Ambos riram e o cara prosseguiu:
    — Sabe me dizer se tem repórteres mesmo lá? Ouvi dizerem e queria dar uma olhada.
    — Tem sim, pelo menos tinha quando eu estava lá, é sobre uma menina que desapareceu, uma barbaridade.
    — Meu deus, que horrível… espero que encontrem ela, mas acham que foi alguém?
    — Acham sim, esse mundo de hoje tá foda né.
    — Tá sim, tá uma merda — Disse ele com uma empatia sublime, uma preocupação visível nos olhos — Os jovens não podem nem mais andar lá em paz? Que absurdo…
    — É… — Paulinha não soube o que responder, estava ocupada demais encantada com o loirão gostoso.
    — Bem, eu vou lá, e prazer — ele estendeu a mão — sou Léo — mentiu.
    — Prazer, sou Paula — apertou a mão dele com um sorriso verdadeiro — Você vai sempre lá?
    Ele demorou alguns segundos para formatar a resposta:
    — Vou sim, tentar manter o corpo né, e você? Tá indo também?
    — Sim, comecei recentemente, tentando ficar menos horrorosa.
    — Que isso, não fala assim, tu é mó gostosa.
    — Sério? — Disse rindo.
    — Sério pow, loirinha, simpática, não se reprime não.
    — Esqueceu a parte do gordinha.
    Ele sorriu e sussurrou:
    — Mais partes pra pegar.
    Paulinha deu um olhar malicioso e foi respondida da mesma moeda, até que ele finalizou:
    — Mas eu vou lá, quero ver esses repórteres, se um dia a gente se vê lá conversamos mais.
    — Show, vai lá loirão.
    Ele riu e disse:
    — Tchau loirona!
    E essa foi a primeira vez que Paulinha teve contato com Sailson.
    ••
    Sua jornada estava longe de terminar, em uma de suas paradas para aliviar o joelho, ela reparou num cara de talvez uns cinquenta e poucos fechando uma barbearia, também era gatinho por isso Paulinha deu um sorriso pra ele, o cara a encarou por alguns segundos com cara de tacho e enfim disse meio sem jeito:
    — Fala aí.
    E saiu andando.
    — Filho da puta… — Resmungou Paulinha.
    Ao longo do progresso foram muitas paradas.
    Num mercadinho, num bar, na parede do Habibs, na rodoviária, no viaduto, até mesmo na padaria na esquina de sua casa, Paulinha aproveitou cada parada o máximo que pode até que finalmente chegou em seu prédio.
    Olhar para ele era difícil, tão alto e tão… salvador… Paulinha estava já delirando de cansaço, e foi na escada que ela teve vontade de matar um; Em momentos como esse, quando se está muito perto de um objetivo que precisou de muito esforço para acontecer, a ansiedade aumenta até o limite, e quaisquer esforços para te impedir de chegar nesse objetivo você retalha com seu ódio mais profundo, no caso de Paulinha os esforços eram seus ossos.
    Ela chegou a dar um soco em sua própria coxa num excesso de raiva por não conseguir subir a escada como queria, apesar de morar no primeiro andar ela estava demorando mais do que pretendia, e quando finalmente chegou em seu apartamento ela chorou, lágrimas de vitória, finalmente os Hobbits haviam queimado o anel no vulcão.
    Rapidamente fechou a porta, tirou a roupa suada inteira ficando completamente nua e abriu a geladeira e bebeu a garrafa de água inteira, quer dizer, quase inteira, parte da água ela usou pra jogar na própria pele.
    Pós o telefone pra carregar e partiu para tomar um banho que merecia.
    Desse dia em diante, Paulinha nunca mais saiu com o telefone com no mínimo 70% carregado.
                Capítulo 14                       
           Tentando algo novo
    Brenda está na Via-Light, mesma rodovia onde Pedro atravessava no início desta crônica, a diferença é que ela está com sua moto indo no sentido contrário, em direção a Nova Iguaçu, lar dos Iguaçuano.
    Brenda tem uma entrevista de emprego marcada, na noite anterior foi surpreendida por isso quando seu irmão Marcos foi até seu quarto com a novidade, disse que algum cliente estava precisando de uma nova atendente pra loja de roupa dele e que o cara pagava bem, Marcos juntou um mais um.
    Sua euforia foi tanta com a possibilidade de um emprego melhor que aquela porcaria de vendedora de perfume que nem mesmo ligou para seu gerente avisando a falta, no fundo sabia que estava errada mas quis se dar esse prazer.
    Brenda chegou em Nova Iguaçu as 8:27 da manhã, atravessou os corredores de carros com sua moto com precisão (como sempre fazia) e nem mesmo precisou de gps, lembrava o endereço de có.
    Com sua motoca ela passou pela Art-Pão, seguiu à esquerda e entrou nas vielas do centro, entrou no calçadão e passou pelas lojas de beira de calçada até encontrar o estacionamento ao lado da farmácia. Depois de deixar a moto em segurança, seguiu as instruções de Marcão sem pegar no celular para conferir (queria se desafiar), seguiu sempre pela direita, entrou na principal entre os grandes varejos, virou a direita após as Lojas Americanas, virou uma vez para a esquerda e outra para a direita e finalmente alcançou a loja de roupas.
    Foi recebida por uma senhora no balcão.
    — Bom dia, sou Brenda, o senhor Bruno marcou uma reunião comigo.
    — Bom dia Brenda, o senhor Bruno não está, passou mal esta manhã—
    — Ah que pena.
    — Mas seu sócio Felipe está lá em cima, vou dar uma ligada pra ver se ele realiza sua reunião, tudo bem?
    — Poxa, obrigada.
    As duas cruzaram sorrisos e a senhora ligou para o andar de cima, uma voz atendeu e o sorriso da senhora se foi na mesma hora.
    A conversa foi rápida, se resumiu a “Senhor Fernando, a Brenda, que marcou uma reunião com o seu Bruno tá aqui, mando ela subir?” E um rápido “ok, já mando”, ao desligar o telefone o sorriso tímido voltou:
    — Ele a aguardava, pode subir.
    — O nome dele não era Felipe?
    — É sim, mas ele não gosta de ser chamado assim, prefere Fernando.
    — Ok… obrigada novamente.
    Brenda subiu as escadas terrivelmente íngremes que qualquer pessoa mais gordinha desistiria só de olhar, se pegou imaginando Paulinha na sua situação e deu um sorriso quando imaginou ela dizendo “desisto do emprego, vô nessa”.
    Ao chegar no segundo andar, viu armários e mais armários com roupas ensacadas, duas meninas que nem repararam nela estavam empacotando algumas peças e colocando tudo no canto da sala, o corredor que se seguia após isso dava num escritório enorme com duas mesas, uma pequena e mais escura que ficava na janela e uma enorme e iluminada que estava bem no centro, onde seu entrevistador é possível futuro chefe a aguardava.
    Fernando (Ou Felipe) era enorme, um corpo hostil, um olhar uniforme, mãos assustadoras e fez Brenda se perguntar o que ele fazia quando alguém lhe chamava pelo nome que não gostava… e qual era mesmo?! Não consigo me lembrar! O nome dele é Felipe mas prefere ser chamado e Fernando ou o contrário?; Ele ergueu seus óculos da ponta do nariz até encontrar o lugar mais confortável e olhou para Brenda com seus olhos negros de boneca.
    — Olá, Brenda.
    — Olá senhor… bom dia.
    — Bom dia, sente-se por favor.
    Devagar e sem tirar os olhos do olhar inexpressivo e sinistro de Fernando ou Felipe, Brenda se sentou na cadeira em frente a mesa.
    — Trouxe seu currículo, Brenda? — Ele diz bem devagar.
    — Trouxe sim, senhor.
    Com relutância visível, abriu sua bolsa e tirou o currículo e o colocou sobre a mesa, ignorando a mão de Fernando ou Felipe que esperava receber o papel.
    Felipe ou Fernando estava com a mão no ar ainda, seu olhos encarando o currículo que foi posto na mesa, e rapidamente voltou seus olhos para os de Brenda que estava tensa, ele desceu sua mão até o currículo e começou a lê-lo, olhando para Brenda por cima do papel uma vez a cada 10 segundos.
    — Algum problema, senhor?
    — Hm?
    — Está lendo meu currículo a bastante tempo.
    — Ah, é porquê ele é bem interessante, aqui diz que você trabalhou por três anos como vendedora de perfumes na perfumaria Souza, e que largou recentemente… porquê?
    — Senti que deveria explorar outras áreas, estava me sentindo sufocada lá, fazendo a mesma coisa sempre.
    — Entendo…
    Um silêncio sepulcral se instalou, ele continuou lendo e relendo o currículo de Brenda, sem fazer perguntas, as olhadas por cima do papel ficaram menos frequentes e Brenda se perguntava se ele a estava testando ou apenas pensando em como a matar.
    — O senhor é sócio do Bruno desde sempre?
    Ele ficou surpreso com a pergunta.
    — Sim…
    — Como é criar um negócio? Já li que no Brasil 60% dos empreendedores entram em falência no primeiro ano.
    — É difícil mesmo — Ele abaixou o currículo e o colocou na mesa abaixo de outra papelada — as tarifas, salários de funcionários, o gasto em propaganda, nos primeiros dois anos a loja nem mesmo dava dinheiro pra se pagar, tivemos que bancar sozinhos com ajuda do banco e de dinheiro guardado, foi bem complicado.
    — Nossa, e vocês conseguiram superar essa.
    — Conseguimos — o olhar de Fernando/Felipe já estava bem menos ameaçador — e ficamos muito felizes com o que temos hoje, claro que temos responsabilidades com as pessoas que dependem de nós, mas ser seu próprio chefe não tem preço.
    Brenda deu um sorriso pela primeira vez naquele escritório, que Felipe/Fernando retribuiu com vigor.
    — Bem Brenda, o que te fez querer trabalhar aqui?
    Ela não respondeu, seu olhar parecia agora o de uma mulher decidida, por um momento Fernando/Felipe pensou ter visto uma pessoa importante sentada diante dele, naquele momento Brenda estava pensando em algo, talvez maluco, mas que seria um passo muito importante na sua vida.
    — Na verdade senhor Felipe, eu não quero, assim como o senhor e seu amigo Bruno, quero ser dona de mim mesmo.
    Felipe que gostava de ser chamado de Fernando olhou para ela com um princípio de raiva, talvez até mesmo fosse atacá-la, mas algo mudou sua percepção naquele momento.
    Algo mudou.
    Brenda apertou sua mão, desceu as escadas e foi embora para casa; no caminho, passou no mercado e comprou alguns ingredientes, no calçadão de Nilópolis ela comprou sacos plásticos e ao chegar em casa, foi até a cozinha começar sua nova empreitada.
                        Capítulo 15
            Amizade verdadeira
    “Vem” é uma palavra poderosa.
    Em 2003, Pedro era sargento de armas do trigésimo sexto batalhão de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Foi lá que conheceu Malhado, o vira-lata que chegou ao batalhão com apenas seis meses e tornou-se o mascote da unidade.
    Ele era cuidado pelos recrutas nos momentos de folga, mas não demorou muito para que Pedro e o cachorro desenvolvessem intimidade. O cão passou a andar mais próximo dele, sempre observador e silencioso.
    Enquanto liderava os treinamentos, Malhado o acompanhava lado a lado, ganhando fama entre os soldados como "O cão do sargento". Até que o próprio Pedro começou a chamá- lo de "meu cão".
    Malhado não era agressivo, não tinha passado por nenhum tipo de adestramento e nem mesmo servia para amedrontar os recrutas. Ele era simplesmente o amigo fiel do sargento, sempre presente, seguindo-o em silêncio.
    Em seu quarto Pedro conversava com Malhado, claro que ele não podia entender mas reagia à cada fala.
    — E então eu disse pro meu velho: Olha só seu filho da mãe, você é foi um péssimo pai e eu não vou ser igual a você! NÃO VOU!
    E Malhado arregalava os olhos e fazia um gesto como se confirmando, para Pedro era o suficiente.
    Essa relação durou dois anos, até que Pedro fez alguma merda.
    Malhado estava deitado ao lado da cama do seu dono no batalhão, quando Pedro entrou a noite sem sua farda, estava suando, com roupas comuns e fedendo a… pólvora?; Pedro pegou uma mala e começou a arrumar suas roupas nela.
    — Seguinte garoto, vamos embora daqui.
    Malhado continuou o encarando.
    — Aconteceu uma parada sinistra, eu te contaria mas é melhor não né? Evitar falar coisas assim é sempre bom — Estava bem aflito, respirando pesado e com certa pressa — Vamos embora, eu e você! Voltar pro Rio, lá é legal, tu vai curtir, é bem quente mas tem gente boa, arrumamos alguma coisa por lá, minha irmã não vai deixar a gente na mão… não vai… não vai.
    Pedro tirou um revólver .38 de um esconderijo no fundo do guarda-roupas e colocou na parte de trás da calça, fechou a mala e colocou um boné preto.
    — Vem Malhado, vamos dar o fora dessa porra.
    Malhado sempre o segue quando ouve o som “Vem”, é o som que os humanos fazem e parecem gostar quando ele começa a andar atrás deles após isso.
    Estava bem escuro, as luzes nos postes do pavilhão criavam sombras nas tendas e nos muros, sombras que Pedro usou bem; Com Malhado sempre atrás, eles se esgueiraram por todo o lugar, por um momento Pedro sentiu medo (mais do que o que já estava) e sacou o revólver enquanto se escondia atrás de um pilar, mas o guarda passou direto por eles felizmente.
    Quando se aproximaram do muro que já tinha uma corda preparada na parte mais isolada e escura do pavilhão, Pedro jogou a mala do outro lado e começou a preparar a corda; Um alarme começou a tocar, para Malhado o som era insuportável como todos os alarmes do lugar, mas não era o único som que ouvia: Malhado ouviu homens acordando e suas camas rangendo, armas sendo preparadas e homens gritando sem parar, muitos e muitos passos e pisadas fortes no chão, algo estava acontecendo.
    Pedro amarrou a corda ao redor de Malhado, entre as patas e na barriga, subiu o muro com um esforço considerável, já estando sentado em cima do muro ele puxou Malhado pra cima, torcendo muito para que não tenha machucado seu amigo (e realmente não machucou), segurou o cachorro nas mãos e pulou para o lado de fora aterrizando todo desengonçado mas sem ferir Malhado.
    — Bora garoto, estamos quase lá!
    Desamarrou a corda, guardou na mala e começou a correr em direção as casas da vizinhança.
    Malhado corria ao seu lado sem parar, até mesmo desacelerou para acompanhar melhor seu dono humano que estranhamente corria em apenas duas patas, nesse momento Pedro estava desesperado, dava para ver o pavor em seus olhos iluminados pela lua, as casas estavam todas escuras, algumas pouco iluminadas por postes e outras com um cômodo ou dois com luzes acesas, e foi nessa penumbra entre as vielas que Pedro e Malhado entraram, Malhado não sabia mas Pedro tinha um lugar pra se esconder, ele tinha um objetivo.
    Após correrem seis quadras sem parar, Pedro pulou um muro onde já tinha um buraco feito bem da largura de Malhado, que seguiu seu dono sem pestanejar, do outro lado eles se esconderam num mato alto.
    — Chegamos amigão, vamos ficar aqui um pouco…
    Ele abriu a mala e tirou um pote de plástico que encheu com água de uma garrafa.
    — Aí, bebe, você merece, sei que não é um peixinho maroto que você ama mas é o que tem.
    Malhado bebeu aquela água como nenhuma outra, correr seis quadras é muito até para um cachorro.
    Pedro bebeu até acabar sua garrafa, depois pegou uma barra de cereal e dividiu com Malhado.
    — Malhado, vamos ficar aqui até de manhã ok? Vai passar um trem aqui, já combinei com o motorista, não é motorista o nome né? Enfim, dele dar uma desacelerada aqui pra gente entrar, hoje a noite ainda a gente chega na rodoviária lá da… da outra cidade e… e… até o fim do mês chegamos no Rio.
    Malhado confirmou com a cabeça.
    — Foi mal amigão, não aceitam cães em avião, não do seu tamanho, e não é muito seguro pra gente também.
    Malhando deitou em cima de sua perna.
    — É garoto… eu fiz merda, mas tudo tem um recomeço, claro que o recomeço vem depois de uma punição e tal, mas eu vou pular essa parte.
    ••
    — Vem Malhado.
    A palavra mágica foi dita e Malhado levantou na hora, Pedro já estava de pé, pegou a água que sobrou do Malhado e jogou no próprio rosto, limpou as remelas dos olhos e esfregou a água no cabelo.
    — Bora, o trem tá vindo!
    Malhado podia ouvir o trem chegando, o som incessante da máquina vindo em todo vapor, Pedro pegou sua mala e se preparou para correr e saltar.
    — Garoto, vou precisar que você pegue minha mão quando eu pular ok? Ou pula antes de mim!
    Malhado o encarava.
    O trem chegou na visão de Pedro, ele pulou e gesticulou na direção do “motorista”, mas ele não buzinou em retorno como deveria.
    — Estranho.
    E não parecia desacelerar.
    — Porra, porra!
    O trem vinha imparável, mas suas portas estavam abertas, mostrando que não estava lotado mas tinham pessoas o suficiente pra Pedro ter que ficar de pé no vagão.
    — Ok garoto, vamos ter que se esforçar um pouco mais! No três a gente corre e pula!
    O trem vinha em alta velocidade.
    — Um!
    Malhado olhava para o trem.
    — Dois!
    As pessoas nos vagões encararam o homem estranho com um vira-lata se preparando para correr.
    — Três! Vem!
    Malhado correu atrás de Pedro, eles correram o máximo que puderam, até Malhado passou de seu dono e se aproximou do vagão, as pessoas olharam e deram espaço para eles entrarem, brasileiro não quer confusão com estranhos fazendo coisas estranhas, mas diferente de Pedro, Malhado não sabia o que deveria fazer quando chegasse perto do trem.
    Pedro pulou e entrou em cheio no meio do corredor do vagão, as pessoas o encaravam como se ele fosse um alienígena mas ele ignorou, apenas olhou para trás e viu Malhado o seguindo do lado de fora.
    — Pula garoto! Vem!
    A palavra mágica, Malhado seguiu como sempre deveria fazer quando a ouvia, mas estranhamente seu dono continuava repetindo essa palavra sem parar.
    — Vem garoto! Pula! Vem na minha mão!
    Malhado corria sem parar e via seu dono ficando cada vez mais distante.
    — Vem Malhado! Vem!
    Mas malhado não alcançou o trem e ficou para trás.
    Ainda podia ouvir Pedro gritando, mas sua voz estava misturada com a de várias outras pessoas e o som do trem andando, até que se perdeu.
    Malhado finalmente parou de correr, ouviu o som do silêncio tomar a linha e olhou em volta pra ver se achava Pedro, se ele havia pulado do trem ou ido parar em outro talvez? Mas não o encontrou, apenas sentia o cheiro do álcool e principalmente o cheiro de sua água na testa e nos cabelos de seu dono, e foi isso que ele seguiu.
    ••
    Malhado seguiu a linha por todo o resto do dia, quando o sol já estava se pondo ele chegou numa estação com outros quatro trens iguais ao que seu dono havia pulado, ele subiu na plataforma e foi olhar nesses trens mas não achou Pedro, somente assentos com cheiros estranhos de suor e milhares de humanos indo e vindo do lado de fora.
    Ainda seguindo uma fagulha de cheiro que assemelhava ao seu dono, Malhado foi parar numa rodoviária, viu vários ônibus com humanos entrando e saindo, percebeu que ônibus chegavam, ficavam ali parados e os que já haviam chegado antes partiam, talvez Pedro havia entrado em um deles? Malhado não sabia, não havia como saber até porque era um cachorro, mas por algum motivo acreditava em seu interior que sim, por isso seguiu o ônibus que estava saindo.
    Correu atrás dele sem parar, o ônibus passava por ruas e mais ruas, lotadas de carros e de pessoas, e estranhamente nenhuma delas era Pedro, até que o ônibus parou e suas portas abriram pra algumas pessoas entrarem, Malhado subiu as escadas junto delas mas lá dentro os humanos eram maus, alguns humanos pequenos gritaram quando ele entrou e uns mais velhos jogaram coisas nele, até que um bem alto o chutou pra fora, Malhado não entendeu porquê foi tratado tão mal, só estava querendo ir com eles até onde seu dono poderia estar.
    Mesmo não sendo bem recebido lá dentro, ele continuou seguindo a máquina de várias rodas, rua após rua, cidade após cidade, até que viu uns homens parados ao lado de uma van, os homens estavam vestidos com as mesmas roupas que usavam lá no pavilhão, com armas e tudo mais, e falavam com um motorista que apontava pra eles algumas direções, bem, seu dono era um desses homens, porque não segui-los agora?
    ••
    Malhado está comendo um frango que achou no lixo, os pelos brancos do seu focinho ficam imundos com o molho e os pedaços da comida, uns outros cachorros se aproximam ao ver o lixo derramado e aberto mas Malhado rosna pra eles, seu olhar bem mais agressivo os espanta, ninguém mexe com ele agora.
    Após comer e limpar seu focinho com a língua, ele continua andando sem rumo, chega numa ponte e pensa em contornar por ela (ele odeia pontes, o som ali é horrível), mas o contorno é longo demais e ele acaba passando por ali mesmo, pelo menos a ponte é curta.
    Três carros passam por ele e acabam com seus ouvidos, logo depois da ponte ele olha para o lado esquerdo e enxerga um desenho numa grama feito de pedras, interessante os humanos usarem pedras pra desenharem.
    O desenho é de um beija-flor, e ao lado está escrito “Bem vindo a Nilópolis, nossa cidade, nosso orgulho”, mas Malhado não sabe ler então ignora as palavras.
    Ele caminha por toda a rua principal até chegar numa praça com um chafariz, que ele obviamente pensa em usar pra se lavar mas ao ver os humanos ao redor ele hesita e decide ir embora; Após subir uma escadaria ele vê que dessa vez está por cima de uma “ponte”, é que lá embaixo tem trens passando, trens! Será que… bem, ele não sabe de essa chance existe, na verdade ele nem mesmo sabe o que é uma “chance”, mas o conceito por trás dessa palavra tem algum sentido em seu interior, então ele continua para o outro lado da cidade.
    Ele anda, segue por lojas, praças, prédios e mais prédios, em todos esses anos como andarilho Malhado já viu de tudo, o suficiente pra saber que os humanos é que mandam, eles que tomaram tudo, tudo e absolutamente tudo é deles, não tem porque se rebelar ou morder algum, eles sempre irão vencer.
    Quando começa a anoitecer ele vai a procura de um lugar pra dormir, acha uma rua lotada de tendas ainda sendo formadas e decide dormir ali perto.
    No dia seguinte ele acorda com centenas de humanos ao redor, andando pra tudo quanto é lado e gritando, gritando muito.
    Malhado odeia acordar por causa de vozes humanas, mas fazer o que né, ele segue andando para frente e após seguir por ruas e mais ruas sem fim, num calor terrível que o faz se perguntar (ou algo próximo a um pensamento questionador), ‘como esses humanos vivem assim?’, ele chega até frente de uma casa meio feia, com muro mal acabado e um cheiro forte de… de… pólvora… amônia?, álcool…
    Malhado não tem certeza, ele bate umas vezes no portão e nada, então decide esperar, em algum momento alguém irá sair e ele irá saber se seu dono está ali ou não… alguém irá aparecer.
    Mais tarde ele ouve passos na calçada, já ouviu vários passos nessa calçada hoje mas esses eram diferentes, ele conhecia esses passos.
    Malhado olha para o lado e vê ele, Pedro, um pouco diferente mas é ele, É ELE.
    Malhado corre e pula em cima de Pedro o derrubando no chão, começa a chorar de animação se esfregando em seu DONO.
    Se o que ele pensava pudesse ser chamado de pensamentos, seriam: “É ELE, É ELE! Eu vim! Eu vim! EU VIM!”
    E Pedro ainda sem saber como reagir, diz:
    — Ei… Malhado? É você?!
    Malhado não parava de se esfregar em seu dono, até que Pedro o pegou em seus braços e deu um forte abraço enquanto suas lágrimas eram esmagadas pelos pêlos de seu grande amigo.
    — Você veio amigão, você veio.
    Este capítulo foi inspirado no clássico ‘A Dança da Morte’ de Stephen King.
                Capítulo 16
           Conselho de amiga         
           
    Paulinha acordou já correndo para o banheiro, sua suspeita é que o bolinho de padaria que ela comeu em seu “pós-treino” não bateu bem; Ela já foi uma atleta, já lutou boxe profissionalmente e já foi acostumada a manter uma forma atlética, sabe muito bem que o bolo que comeu ontem como um ato desesperado de “eu mereço” por seu dia tão cansativo não irá ajudar em nada na sua tentativa de se manter em forma, muito pelo contrário, mas preferiu se enganar como já vem fazendo nos últimos dez anos.
    Foi pro banho, escovou seus dentes (enquanto tomava banho), colocou sua roupa para ir para o trabalho, pegou sua bolsa e celular carregado, sua chave e…
    “Eu não quero ir… eu não vou.”
    Ela voltou para seu quarto e pois uma roupa mais bonita, algo que não fosse o figurino de uma máquina padronizada industrial, algo vivo.
    Paulinha saiu de seu apartamento em um vestidinho vermelho curto, óculos escuros, uma bermuda jeans e completando com um par de chinelos brancos; Pegou seu celular para chamar uma carona mas por algum motivo que nem ela mesma conseguiria explicar, talvez por uma mistura de pensamentos positivos quanto a sua saúde ou por uma forma de compensar pelo bolo, ou talvez apenas por que sim, como muitas coisas na vida, ela pôs o celular de volta no bolso e foi caminhando.
    ••
    A casa de Brenda estava uma barulheira, o som de um liquidificador já é bem alto mas Brenda colocou logo os dois que ela tem para funcionar, ela fica em um e seu filho em outro.
    — Filho!
    Ele não ouviu.
    — Ô MULEKE!!!
    — O-Oi mãe!
    — Vai lá ligar o rádio! Quero ouvir um som!
    — Não vai dar pra ouvir é nada com o rádio e esses liquidificadores ligados!
    — Tô nem aí, ninguém vem aqui mesmo! 
    Ele chega na cômoda onde fica o rádio e pega a maletinha azul de CDs.
    — Qual você quer, mãe!
    — O que?!
    — Oi?!
    — QUE QUE É?!
    — QUAL A SENHORA QUER?!
    — BOTA O IRMÃO LÁZARO AÍ PRA GENTE!
    — BELEZA!
    Ele abriu a maletinha, pegou um CD branco com ‘Lázaro as melhor1’ escrito á marca texto e colocou no rádio.
    Para a sorte de Paulinha, no momento em que ele estava voltando para a cozinha, por algum motivo também sem explicação, ele olhou para o lado, para a janela, onde viu através do vidro uma forma estranha se movendo, parecendo uma pessoa, então se aproximou da porta e abriu a portinhola, conseguindo ver a Paulinha muito puta batendo no portão.
    Brenda estava colocando o conteúdo rosa do seu liquidificador num saquinho plástico que havia preparado quando viu sua querida amiga entrando em sua casa.
    — Que barulheira é essa nessa casa?! Tô mó tempão no portão! — Disse Paulinha, Brenda ficou encantada em quanto que a voz de Paulinha consegue se destacar com tanta facilidade aos sons do liquidificador e a voz do Irmão Lázaro no volume máximo.
    — Amiga! O que tu tá fazendo aqui?!
    — Vim te visitar ué! Quer que eu vá embora?!
    — Claro que não! — Disse rindo — Vem cá me ajudar, FILHO! Tu fica com os saquinhos agora!
    Paulinha olhou pro formato dos saquinhos, viu os leites condensados abertos e fechados na pia e o monte de tang de diferentes sabores na mesa.
    — Tu tá fazendo sacolés?!
    — Uhum! vou vender!
    — Menina! arrasou! Finalmente seguiu minha ideia né?! — Bateu no ombro do filho da Brenda e disse — Eu que passei essa visão! Que tua mãe tinha que vender esse ouro aí que ela faz!
    — Eu e o tio Marquin já falamos pra ela várias vezes também.
    — Cala boca que fui eu que dei a ideia, e já falei que não quero dar pro teu Tio!
    Ambos riram e ele disse:
    — Eu não dis—
    — Xiu que agora é só adulto falando! Te ajudo em que garota?! Só falar!
    Brenda a ensinou a colocar os ingredientes na ordem certa no liquidificador e a despejar na jarra lavada pro filho por nós saquinhos e fechar, fizeram isso pelo resto da manhã enquanto ouviam a inconfundível voz do Irmão Lázaro .
    ••
    Vou passando pela prova dando Glória a Deus! Gloria a Deus! Glória a Deus! 🎶
    A produção de sacolé sofreu uma pausa para o almoço, Brenda começou a preparar os pratos e por no microondas, seu filho abaixou o volume da música e foi para o quarto enquanto Paulinha se sentava e começava a conversar com sua querida amiga sobre essa nova empreitada.
    — E ai Loirona Gostosa — Disse Brenda, aliviada por não precisar mais gritar — Porquê não foi trabalhar hoje?
    — O César me deu uma folga.
    — Olha aí hein, tá podendo com o gerente.
    — Pois é, mas me conta aí, porquê começou a vender sacolé do nada?
    — Eu… eu saí daquele emprego no shopping.
    — Sério?!
    — Sim, sabe a real é que eu não aguentava mais, não me sentia feliz ali, não me sentia bem.
    — Queria fazer algo que goste?
    — Olha amiga, eu queria dizer que sim mas… mas eu só…
    Apesar de saber o porquê que estava fazendo o que estava fazendo, ela não sabia explicar ao certo a veracidade de sua escolha, era uma mistura de vergonha e insegurança quanto a vida que estava escolhendo seguir.
    Paulinha olhando para a amiga, a mulher que nem ao mesmo se lembra com precisão quando a conheceu, como uma familiar que você apenas aceita que faz parte de você e não importa como aconteceu, reconheceu a confusão em seus olhos e apenas assentiu, pegou em sua mão e não exigiu mais respostas, não exigiu demais pensamentos, apenas disse:
    — Relaxa, vai dar tudo certo… esse garoto vai longe.
    Brenda abriu um sorriso largo.
    — Vai, não é?
    A acalorada conversa foi interrompida pelo alerta do microondas.
    — Chama ele pra almoçar aí — Disse Brenda.
    — Ô MULEKE! VEM ALMOÇAR!!!!
    Depois do almoço, Brenda e Paulinha continuaram a preparar sacolés, ao todo foram cinquenta, tomando todo o freezer de Brenda; Após isso, as duas amigas foram para o calçadão onde Paulinha dizia que conhecia uma loja excelente para comprar plásticos de sacolés e os demais ingredientes pela metade do preço do Prezunic, mercado bem popular do centro da cidade.
    Enquanto atravessavam pelo túnel por baixo do trem que divide a cidade no meio, passaram por um mendigo apelidado pelos moradores de “cheiroso”, morador de rua que fazia todos tamparem suas respirações sempre que passavam por ele.
    — Aiai — Disse Paulinha após voltar a respirar — eu vou te contar viu.
    — O que foi?
    — As escolhas que as pessoas tomam.
    — Tá falando do cheiroso?
    — Sim, eu tô falando do cheiroso.
    — Não acho que sejam escolhas.
    — Imagina se não fosse.
    — Que isso amiga, não sabemos a vida das pessoas, não acho que seja justo julgar tão facilmente assim.
    Paulinha refletiu por alguns segundos antes de dar sua resposta e concluiu que Brenda, como sempre, estava certa.
    — Quer saber, você tá certa, foda-se, talvez ele não pode controlar o destino.
    — Exato, poxa.
    — É, pode ter sido abandonado, perdeu alguma aposta, fez escolhas erradas no trabalho, com a família, sofreu pressão dos pais sei lá.
    — Esse negócio de pressão dos pais é complicado sabia, eu vivo me avaliando pra não pegar pesado demais.
    — Ah eu sei bem disso, minha mãe mesmo falava que eu poderia ser o que eu quisesse: cardiologista, pediatra, ortopedista, cirurgiã… era foda, mas nem por isso virei mendiga né, apesar que com aquele salário do Bob’s eu não tô tão longe do cheiroso não.
    Brenda deu um riso culpado e perguntou com bastante cuidado:
    — Amiga, e como tá sua mãe?
    Paulinha com a maior calma do mundo disse:
    — Sabe que eu não sei.
    — Quando foi a última vez que vocês se falaram?
    — Ah, faz uns meses, fui lá na casa dela num almoço.
    — Sério?! — Brenda ficou bastante surpresa — Quando foi isso?
    — Ah… foi… — Toda a calmaria de Paulinha foi embora e ela ficou tensa como sempre ficara quando falava sobre sua mãe — Foi nunca, na verdade a última vez que eu conversei com minha mãe faz uns seis anos.
    Brenda parou de andar, ficou olhando pra sua amiga e se sentiu culpada por deixá-la daquele jeito.
    Paulinha olhou para ela com um olhar que dizia “está tudo bem” mas no fundo não estava bem de verdade.
    — Amiga… me desculpa ter te perguntado isso.
    — Relaxa amiga, tá suave.
    — Tá não, eu não deveria, não sei porquê perguntei na verdade.
    — Brenda… relaxa, vamos andando, é só minha mãe, não é um bicho papão nem nada.
    Ao chegarem na loja que Paulinha havia dito, Brenda se deparou com os preços e realmente eram bastante convidativos a comerciantes, e foi ali procurando um balde de leite condensado que ela viu o ex patrão de Paulinha, um simpático coroa, comprando doces com seu filho.
    — Amiga, olha quem tá ali comprando chocolate.
    Paulinha viu seu ex chefe que também a viu e antes mesmo dela pensar em fingir que não viu e se esconder atrás de outras prateleiras, ele veio falar com ela:
    — Paulona! Quanto tempo!
    — Oi Tony, quanto tempo — Disse meio desconfortável.
    — Muito tempo mesmo, olha, meus pêsames pelo Carlinhos.
    — Obrigada — “Queima no inferno aquele filho da puta”— Muito obrigada.
    Se formou um clima desconfortável de silêncio entre os três até que Paulinha disse:
    — Ah, perdão, essa é a Brenda, minha grande amiga.
    — Prazer, Brenda! Como vai?!
    — Muito prazer — Disse dando a mão para ser beijada — estou bem, obrigada.
    — Que ótimo — Beijou sua mão — vieram comprar doces também?
    — Trouxe a Brenda aqui pra ela comprar uns doces pro filho dela.
    — Ah sim — Ele respondeu, vendo que elas estavam no corredor de baldes para comerciantes — Bem, nesse corretor  aqui não sei se vai valer a pena.
    Brenda interviu com bastante simpatia (Algo que Paulinha não está nem ao menos tentando):
    — É que eu tô pensando em vender sacolés, aí tô dando uma olhada.
    — Entendi! Poxa, se for vender sacolés, você pretende vender por onde?
    — Ah, lá em casa com uma plaquinha, porquê?
    — Entendi, olha, eu te recomendo vender na praia, lá em Copacabana, toda vez que passo lá vejo gente querendo sacolé mas só tem açaí, sorvete, queijo, camarão, essas coisas, sabe?
    — Sim… — Disse Brenda com bastante interesse.
    — Lá isso tá em falta, mas se tu for vai precisar de uma licença, e pow eu te consigo isso fácil, só falar comigo, tá bom?
    — Sério?! Obrigada! Vou pensar nisso sim! 
    — Show, e Paulinha, lá no posto sempre vai ter um lugar pra você caso esteja precisando hein, agora vou lá que tenho que ir pra casa, Brenda, prazer te conhecer — Disse dando um abraço rápido — e Paulinha, bom te ver! — Dando um abraço mais lento — Tchau tchau!
    — Tchau! — Disse Brenda bem alegre.
    — Valeu. — Respondeu Paulinha.
    — Olha aí amiga, fala com ele pra mim sobre essa licença? Eu nem havia pensado nisso de ir vender na praia… vou precisar de um isopor né? Deve ser barato?
    Paulinha nem quis responder, só pegou o celular pra conferir se ainda tinha o número dele, nisso ela viu as dez ligações perdidas do seu gerente, mas ignorou.
    — Amiga, tá aí? — Disse Brenda.
    — Tô sim, tudo bem eu falo com ele.
    — Obrigada… tá tudo bem?
    — Uhum…
    — Hm… o que foi?
    — Ele sua com o Carlinhos quando ele me traia, aproveitava e traia a mãe do filho dele também.
    Brenda ficou em silêncio por uns dez segundos.
    — Sério?
    — Sério.
    — Nossa… que filho da puta.
    — É, e ele sabe que eu sei.
    — Ah… por isso que ele foi tão legal então.
    — É.
    — Qual o cargo que ele te ofereceu no posto?
    — Gerência, já me ofereceu uma vez.
    — Sério?!
    — Sim.
    Mais uns segundos de silêncio.
    — Paulinha, quer um conselho de amiga?
    — Quero.
    — Aceita.
                        Capítulo 17
               Romeu e Julieta
    Pedro deu um banho daqueles em Malhado, comprou ração, molho de peixe (O que o cachorro mais gosta) e levou seu velho amigo para o veterinário, no final das contas gastou uma nota mas gastou feliz, Malhado deu uma nova reanimada para Pedro, como se voltasse a ser aquele mesmo jovem que fugiu do quartel por pegar uma mulher que não devia.
    Até a casa voltou a ser arrumada, Pedro se preocupava com Malhado pegar algo do chão como uma camisinha usada ou um pedaço de chocolate e ir embora de novo, não estava nem um pouco afim de passar pela perda do seu melhor amigo novamente.
    A noite, Pedro foi encontrar Debra para o que eles chamaram de seu primeiro encontro “oficial”; Encheu as vasilhas prateadas novinhas de Malhado com água do filtro com gelo e ração com molho de peixe, Pedro mal sabia mas estava começando seu processo de deixar aquele cachorro obeso, sete meses depois disso Malhado teve que passar por uma séria dieta e rotina de exercícios no Gericinó, mas isso é outra história, a crônica narrada neste livro irá acabar muito antes disso.
    Pedro e Débora se encontrariam no shopping Nova Iguaçu ( o shopping da Pedreira para os mais íntimos), iriam assistir Garota Exemplar, Pedro nem fazia ideia da existência desse filme mas aparentemente era de um diretor “maravilhoso”, segundo Debra.
    Pedro estava vestindo uma camisa branca, uma jaqueta de couro marrom de aviador,, uma calça jeans e calçando um Jordan (falso); Ele havia ido para lá pelo ônibus Ponte Coberta, e Pedro ficou a viagem toda refletindo sobre o quão bom é ter um ônibus que deixa exatamente em frente ao shopping mais popular da região.
    Esperou por Debra na escadaria por cerca de dez minutos, já estava ficando puto e já pensando no que diria para ela sobre essa demora toda, mas tudo mudou quando ela apareceu; Debra desceu do ônibus vestindo um moletom branco, uma calça de algodão preta, uma bota marrom e usava um cordão com um símbolo bastante único que Pedro não conhecia.
    Para Pedro, Debra desceu do ônibus em câmera lenta, ver aquela mulher de cabelos azuis como o mar e pele lisa como a neve foi quase tão revigorante quanto ver Malhado feliz tomando seu banho.
    “Esse dia tá ótimo…”
    — Fala aí, gatona! — Disse ao recebê-la na escadaria da entrada do Shopping.
    — Fala aí, gatão! Tá bonitinho pra caramba hein viado! — Ela disse com seu riso que já tanto encantou Pedro.
    — Obrigado, e você está… está linda.
    — Obrigada.
    — Não, sério… você tá perfeita.
    Ela corou.
    Pedro pegou em sua mão e, como um casal, entraram no shopping.
    Tiveram que esperar dar o horário de sua sessão, aproveitaram isso para andar pelo lugar e conhecer o shopping recém inaugurado e já tão bem falado.
    Conheceram as lojas de móveis (que Pedro sempre aproveita para tirar uma soneca mas não dessa vez), as lojas de tecnologia, algo que fascinava Debra que, empolgada, explicava cada um dos aparelhos para Pedro, que não entendia muito mas era contaminado pela alegria da moça; Também conheceram a praça de alimentação, onde a maior parte da noite foi passada, com uma bela pizza gigante de margarita e uma menor de Romeu e Julieta (Pedro detestava, Debra comeu sozinha).
    Estavam já ficando sem novidades para apreciar em sua caminhada quando se depararam com um estande de tiro com armas de airsoft, Debra ficou bastante curiosa em olhar porém hesitante em experimentar, e Pedro aproveitou a situação para demonstrar suas habilidades.
    — Fala queridão! — Se apresentou ao atendente — estande bacana.
    — Boa noite casal bonito.
    — Bonita aqui só tem ela — Disse com uma risada alegre — Quanto que está para dar uns tiros?
    — Sessenta reais por uma hora.
    — Faz trinta por meia hora?
    — Faço sim.
    O estande era grande por dentro, com cabines separadas para cada cliente e uma longa área na frente com bonecos brancos em silhuetas e dezenas marcas de tiro; Pedro escolheu um rifle, Debra um revólver e se aproximaram de uma das cabines com seus protetores de ouvido.
    — Deixa eu te mostrar como se faz — Disse apoiando o rifle no tripé de apoio.
    — Vai homem, mostra pra mim como se faz! — Disse com certo tom de ironia.
    — Esse é o rifle de ar comprimido, na verdade é uma carabina, o nome dela é “PCP”, mas eu gosto de chamá-la de “PTO”.
    Surgiu um silêncio desconfortável e então Debra disse:
    — Você quer que eu pergunte o que isso significa?
    — Sim — Respondeu rindo.
    — O que “PTO” significa, meu caro?
    — Pau pra Toda Obra.
    — Entendi…
    — Eu gosto bastante dela, esse pistão aqui que ela tem — Gesticulou para o que para Debra era um “ferro que leva a bala até a saída” — é carregado com uma pressão absurda de ar, a precisão dela também é ótima, seu único defeito é que ela precisa de uma bombinha, pra poder recarregar, eu não sei bem se essa daqui de Airsoft também precisa, não entendo muito desses brinquedos, mas a de verdade eu sempre andava com uma bombinha na mochila.
    — Como sabe tanto?
    Pedro estava adorando ensinar tudo aquilo para Debra, e ela sabia disso, gostava de ver o brilho no olhar dos caras que saiam com ela, dizia não entender sobre alguns assuntos só para vê esse brilho nos olhares, ela sabia que no fim das contas todos os homens eram iguais, mas dessa vez, estava sentindo algo além, ela não sabia ainda, mas estava começando a amar Pedro, mesmo que isso não pudesse ser dito com apenas dois encontros.
    Mas no fundo, era isso.
    Esse era o brilho que ela tanto buscava sem saber.
    Após as explicações sobre seu passado no exército, Pedro começou a disparar no boneco de treino e para surpresa de Debra e até a dele mesmo que estava velho e já meio sem jeito com armas, acertou todos os onze tiros bem no meio da cabeça, no ponto exato, e sua velocidade no uso também foi impressionante, a cada novo disparo Pedro engatilhava a arma como se a mesma fosse parte do seu corpo, uma reação automática vinda de sua memória muscular exageradamente perfeita.
    — Caramba… isso foi impressionante, parabéns, puta que pariu.
    — Obrigado… — Disse como se não fosse nada mas por dentro estava bastante orgulhoso — Sua vez, quero ver você usando esse revólver aí.
    Debra se aproximou já apontando a arma com a mão direita enquanto segurava seu cotovelo com a esquerda.
    — Calma aí, não segura assim não, coloca as duas mãos.
    Pedro novamente deu sua aulinha, mostrou como funcionava o carregamento da arma e como dava para ver as balas no tambor, efetuou um disparo para Debra ver a pressão que um revólver faz em mãos e ensinou ela a melhor forma de disparar; No fim das contas foi uma excelente ideia passar por aquele estande.
    Na saída da sessão, Debra estava empolgada, aflita, reflexiva, e Pedro estava… meio confuso.
    — Porquê ela fez aquilo tudo? Não era mais fácil só terminar com o cara.
    — Não não, como assim? — Pergunta incrédula — ela não podia fazer isso, ela era claramente obcecada pela perfeição.
    — Perfeição? A mulher é uma psicopata!
    — Sim! De fato, ela era louca, mas ainda assim bastante sã do que tava fazendo, não faria sentido ela terminar, na cabeça dela era melhor o mundo achar que ela morreu do que ser uma mulher que teve uma crise no casamento.
    — Mas de onde você tá tirando essa perfeição, baby?
    Debra amou ser chamada de “Baby” mas optou por ignorar isto por enquanto:
    — Você dormiu no filme?
    — Se eu tivesse dormido você e todo o cinema saberia, eu ronco.
    — Que bonitinho! Mas enfim, os pais dela construíram nela uma obsessão com a perfeição, com aquelas histórias lá dos livros!
    — Sim.
    — Aí isso fez ela ficar completamente obcecada com assa ideia de ser perfeita!
    — Mas não era só ela terminar então?! — Pedro disse rindo.
     — Eu não tô falando que eu concordo com ela não, só dizendo que na cabeça dela aquele plano faz sentido, aliás até que fez sentido vai? Até certo ponto pelo menos.
    — Ham… sei lá, só achei aquele cara um brocha do caralho.
    — Ele é mesmo, eu também não gosto do ator, todo filme que ele faz fica com aquela cara de pau mole.
    — Qual sua nota?
    — Ah eu não gosto de dar nota assim que saio do cinema não, depois de pensar bastante no filme eu chego numa avaliação, mas se fosse pra falar uma agora… uns… nove e meio?
    — Nossa.
    — Eu adorei esse filme! — Diz rindo — E você, baby?
    Pedro sorriu e disse: sete.
    — Sete?
    — Talvez seis.
    — Meu Deus.
    — Eu gosto de filmes com mais ação, com mais tiros, tipo Stallone Cobra e Robocop.
    — Entendi… — Debra disse com um preconceito já enraizado na voz.
    A noite durou mais algumas horas, Debra levou Pedro para a livraria onde ficou namorando uns livros que queria, Pedro reparou em um deles, chamado “As Crônicas de Arthur: O Rei do Inverno”, Debra tinha um certo fascínio em livros medievais, Pedro sabia que essa informação seria bastante útil em algum natal ou aniversário da vida.
    “Isso se ela ainda te aguentar até lá.”
    Após isso foram até o parque lá atrás do shopping onde ficaram até o lugar fechar.
    Pedro ficou ao lado dela no ponto de ônibus, o que ele queria mesmo era levá-la para casa mas, pela primeira vez em anos, não sentia que essa abordagem seria ideal.
    — Me diverti bastante essa noite… obrigada.
    — Eu que agradeço… adorei a nossa conversa na roda gigante.
    — Também gostei… gostei de você na real, bastante, com exceção do gosto cinematográfico.
    — Sei.
    Ambos deram um sorriso tímido e ficaram em silêncio, mas pela primeira vez não foi um silêncio incômodo e sim um silêncio confortador, aquele silêncio bom sabe? Sem pressão, sem a necessidade de papos sem relevância, apenas a existência e relaxamento mútuo.
    E foi nesse momento que Pedro se apaixonou.
    O ônibus chegou, Debra se foi e Pedro decidiu ficar sentado ali, seu ônibus passou mas ele preferiu pegar o próximo… estava sentindo aquele momento único que nem mesmo conseguia explicar o que era, mas no fundo sabia se tratar de algo que seu pai sempre disse que ele jamais teria.
                     Capítulo 18
                  Copacabana
    Brenda detesta andar de metrô, a sensação de estar cercada de pessoas suadas, estressadas e potencialmente perigosas quando se tratam de homens é bastante estressante, mas esse sentimento se atenua quando ao lado de sua querida e amada Paulinha que, assim que o vagão parou, correu para o banco mais próximo e conseguiu dois assentos livres; também ganhou olhares tortos de pessoas que não puderam sentar ao seu lado por que ela estava com as mãos postas aguardando Brenda, mas não que ela se importe com isso.
    Já era o segundo transporte “público” que estavam pegando (“público” pois Paulinha não considera realmente PÚBLICO algo que você tem que pagar para acessar), este era o caminho para chegar até a praia de Copacabana no centro da cidade: ônibus de Nilópolis para Pavuna, Metrô da Pavuna para estação Arcoverde e de lá é só seguir andando até a praia.
    Brenda estava bastante nervosa, mais do que pensava que estaria, este era seu primeiro dia vendendo sacolé na praia e sua decisão de abandonar um salário mínimo para ir vender abaixo de sol quente já não parecia tão boa quanto outrora; Paulinha a encorajou bastante, e diferente da amiga, está animada em ajudar a vender (exceto em estar usando saia de tanga, biquíni e chapéu), sabe que se gritarem alto o suficiente poderão chamar atenção da praia toda, e quem não quer um sacolé de morango num dia tão quente?
    E se encontrarem turistas é melhor ainda, até porquê, como ambas haviam combinado antes de sair de casa, “pra gringo é mais caro”.
    — Quanto exatamente? — Perguntou Paulinha.
    — O que?
    — Quanto exatamente que vamos vender pra um gringo.
    — Não sei… uns cinco reais?
    — Só? Eu já vi um cara cobrando cem reais por um espetinho de queijo, e o gringo pagou feliz.
    — Aí amiga, eu não quero enganar feio assim, tudo bem pagar mais caro mas sei lá, cem reais?
    — Os caras fazem turismo sexual, Brenda.
    — Turismo sexual?
    — É, eles vem aqui pra comer as brasileirinhas baratinhas e ‘coxudinhas’, um bicho desse merece pagar quarenta reais em uma paçoca, cinquenta pra arredondar a nota, ficar pegando trocou de dez reais é sacanagem também, tadinho.
    — Não sei de onde você tiras essas coisas.
    — Acorda mulher! o mundo é assim! o Brasil é um enorme puteiro, com droga, bucetinha barata, caipirinha, samba, arara azul, globeleza e por aí vai!
    Brenda fez umas contas: “moralidade + quanto eu quero ganhar + bom senso = a…”
    — Vinte reais, dois pra Brasileiro e vinte pra gringo, um zero a mais, o que acha?
    — É… aceitável.
    A discussão foi interrompida pela musiquinha de aviso do metrô: “Próxima Estação: Arcoverde, Next Stop: Arcoverde, mantenham as mãos afastadas das portas, keep your hands away from the doors”.
    — Ai vamos nós — Exclamou Paulinha pegando o isopor — Bora minha preta, vamo ganhar dinheiro!
    — Vamos! — Respondeu fingindo entusiasmo.
    ••
    Após andarem três ou quatro quadras, finalmente as duas amigas nilopolitanas chegaram em Copacabana, a praia mais famosa do país; a areia estava sempre clara como o dia, contrastando sempre com aquele mar azul escuro, cujas ondas jamais paravam de ir e vir, com a água se tornando branca após o choque nas areias e nos incontáveis banhistas que visitam diariamente o grande paraíso turístico e natural.
    O cheiro de maresia misturado com álcool e carne na brasa era acachapante porém bastante confortador, as vozes de banhistas e vendedores se confundiam, o som do mar era sempre estrondoso mas ofuscado pelo som das músicas, tanto de caixas de som portáteis quanto daquelas enormes e fixas dos comerciantes, isso tudo abaixo de um sol ardente.
    — Bem vinda a Copacabana — Disse Brenda.
    — Bem vinda a Copacabana.
    — Bem… vamos lá.
    As duas amigas gritavam “OLHA O SACOLÉ!!” (Frase que haviam escolhido e treinado ainda em casa) enquanto andavam em meio à dezenas de famílias em seus guarda-sóis; a areia estava pegando fogo, despreparadas as duas foram de chinelos, que nas primeiras horas de venda incomodou bastante, mas nem tanto comparado a queimadura que estavam fazendo nas costas de Paulinha que não trouxe protetor solar.
    “É claro que eu não trouxe a porra do protetor solar…”
    E não queria pedir o que Brenda havia colocado no seu próprio isopor, pois sabia que iria ouvir um “Eu te avisei”, entrando, não fazia muito tempo que Paulinha havia sofrido com cansaço e muito calor, não queria passar por isso de novo, logo, preferiu ser julgada.
    — Amiga…
    — Oi.
    — Me dá seu protetor solar?
    — Eu te avisei.
    — É… é.
    Elas foram até a sombra de um quiosque e Brenda passou protetor nas costas da amiga, enquanto Paulinha passava em seu rosto e braços.
    — Porquê eu tinha que ser tão branca?
    — Te pergunto o mesmo, seria bem melhor ter uma amiga pretinha que nem eu.
    Um vendedor franzino que já estava observando as duas há alguns minutos se dirigiu até elas quando as viu paradas na sombra, parou seu carrinho de picolé e começou a puxar assunto.
    — Nunca vi vocês por aqui.
    Paulinha não estava com cabeça para bater papo e já estava pronta para falar com “É mesmo é? Tá bom, valeu” quando Brenda respondeu o sujeito:
    — Primeiro dia, estamos nos acostumando ainda, não esperávamos tanto sol — Disse com sua costumeira simpatia e um grande sorriso no rosto.
    — Sim, o sol aqui é sempre terrível, pelo menos vocês vieram com chapéus e protetores solares, tem gente que nem isso.
    Paulinha olhou pra ele mas não disse nada, continuou a esfregar seu braço.
    — A gente se preparou — Olhou para os pés do homem e ele estava de tênis — só não pensamos em colocar nossos tênis, achávamos que seria desconfortável.
    — Vou falar pra você, é bem desconfortável mesmo, a areia sempre entra até na meia, mesmo eu usando duas, o tênis faz muito buraco fundo na areia sem querer, é bem ruim, mas eu não troco isso pela quentura que é essa areia por nada!
    — Olha, eu devia ter pensado nisso antes de sair de casa, da próxima vez já saberemos!
    — Olha ai, serviu de aprendizado.
    — Com certeza, agora a gente vai lá, obrigada! — Guardou o protetor e pegou o isopor.
    — Antes de vocês irem! — Falou mais baixo e chegou mais perto — cês falaram com ‘uzômi’?
    Brenda e Paulinha fizeram caras de desentendidas e ele na hora já entendeu que não.
    — Por isso nunca vi vocês por aqui, vocês duas não podem vender nessa praia.
    — Que papo é esse? — Disse Paulinha.
    — Aqui é tudo regularizado, não pode sair vendendo coisa não, tem que falar com uzômi, tudo que vocês venderam hoje tem que dar ‘pruscara’.
    Brenda não estava ligando os pontos ainda porém Paulinha já havia entendido que “Caras” e “homens” são esses.
    — Olha só seu filho da puta — Ela puxou o vendedor pela camisa e encostou o mesmo na parede do quiosque sem gerar alarde, Brenda ficou assustada mas não tentou fazer ou falar nada — se você dedurar a gente pra algum miliciano tu vai se fuder na minha mão, tá ouvindo?
    O homem olhou com pavor para ela mas também não quis gerar alarde, apenas a ouviu atentamente.
    — Minha amiga aqui é dona de casa e eu sou lutadora de boxe, tem duas guerreiras aqui na sua frente que vai destruir você se tu tentar alguma gracinha hein, tu vê lá hein, eu não tenho medo de homem nenhum não hein o porra.
    Suas falas ameaçadores soavam quase como um sussurrar, mas foi o suficiente pro vendedor nunca mais esquecer a experiência; Paulinha o empurrou de volta para seu carrinho e ele rapidamente foi embora.
    Em choque, Brenda perguntou:
    — Paulinha, o que você fez?
    — Ganhei um tempo pra gente, bora vender esse sacolé logo.
    ••
    — Aquele seu amigo podia ter nos dito que precisávamos de autorização para vender sacolés na praia!.
    — Qual amigo? Aquele que trai a mãe do filho dele e que saia com meu ex marido pra cheirar cocaína na barriga de anãos?
    Ser informada de que estava em relativo perigo por conta de não molhar a mão de certas pessoas fazia Brenda, que já não estava bem com a situação, ficar ainda mais relutante em continuar, sentia que deveria ir pra casa, guardar todo aquele sacolé para consumo próprio e espalhar seu currículo por Nilópolis e redondezas.
    A areia molhada entre seus dedos nos pés também não estava ajudando.
    — Amiga, vamos pra casa?
    — O que?! — Paulinha parou de andar.
    — Depois a gente vai atrás dessa tal de autorização, alguém pode vir pegar o que a gente tem ou sei lá, algo pior.
    — Ninguém vai mexer com a gente não Brenda! mal começou e já está querendo desistir?!
    — Não é desistir, é só…
    — Desistir.
    — Não é não.
    — Sei, olha, estamos indo bem — Se aproximou dela e pegou sua bolsinha de dinheiro — Quanto já temos?
    Brenda também abriu sua bolsinha e começou a contar.
    A maioria eram notas de dois, graças a Deus, mas também tinham notas de dez e de vinte.
    — Eu tô com quatorze, e você? 
    — Vinte e seis.
    — Porra, Brenda, amiga, vinte e seis! No total isso da o que… trinta e seis sobe quatro… quarenta reais!
    — É…
    — É não, É PRA CARAMBA, isso é ótimo, vamos continuar aqui, pretendíamos ganhar cento e vinte né? Fora os preços pros gringos? Estamos indo bem.
    — Pera, deixa eu anotar isso — Pegou seu caderninho da bolsa e começou a escrever — quatorze… vinte… e seis… e quarenta…
    — Pra que isso?
    — Nada demais… amiga eu tô meio sei lá.
    — Ei! Relaxa, estamos indo bem, confia na gente.
    A relação das duas sempre funcionou assim, quando uma não estava muito esperançosa a outra servia como musa, a luz no fim do túnel, e nesse momento Brenda estava precisando.
    Continuaram suas vendas mas dessa vez olhavam para todos os lados achando que a qualquer momento alguém apareceria para pará-las, Brenda chegou a apressar um pai a pagar o sacolé de seu filho, algo que surpreendeu bastante sua amiga; As vendas estavam boas apesar de não terem encontrado nenhum gringo (para a tristeza de Paulinha), até que encontraram novamente aquele homem que Paulinha havia ameaçado, mas dessa vez ele estava acompanhado de dois outros homens.
    Vestidos com camisa da Beija Flor de Nilópolis e shorts vagabundos, um de óculos escuros e outro de boné, vieram, aos olhos de Paulinha, “cheios de marra”, e começaram a gesticular para elas pararem e os acompanharem até fora da orla.
    “Podem vender aqui não, guria” dizia um deles repetidas vezes enquanto o outro apenas gesticulava.
    — Não podemos porquê?! — Indagou Paulinha enquanto Brenda ficava pouco a pouco mais catatônica.
    — ‘Cês tem que ter o papel do Valdeci!
    — Papel de quem?!
    Os dois homens pegaram de forma brusca nos braços das Nilopolitanas e se viraram para tirá-las de perto dos banhistas para evitar gritaria no meio de todo mundo (além de para poder fazer suas ameaças, roubos e chantagens o quanto quiserem), mas não contavam com a raiva de… de uma mãe solteira.
    Antes que Paulinha tivesse a chance de fazer seu escândalo (o que ela IRIA fazer), Brenda pegou sua bolsa de dinheiro e bateu bem no meio do olho direito do homem que apertava seu braço; Ele gritou de dor e juntou suas mãos no ferimento, dando tempo de sobra para Brenda dar um chute bem dado no ponto fraco de todo machão atrevido.
    As pessoas ao redor começaram a olhar aquela baixaria, crianças olhando curiosas e adultos encarando, alguns com aprovação e outros com tanta curiosidade quanto os mais novos.
    Paulinha? Paulinha estava embasbacada, não conseguia esconder isso, mas não deixou sua surpresa atrapalhar sua chance de dar um jab no nariz do outro malandro.
    Os dois envergonhados e irritados, foram pra cima das Nilopolitanas, prontos para pegar suas bolsas de dinheiro, recuperarem sua dignidade e dar porrada em mulher, mas não estavam preparados para o que era mais óbvio de acontecer: o sentimento de justiça do público.
    Apesar de habilidosa, Paulinha ainda era uma mulher, vista como “sexo frágil”, é mesmo conseguindo dar conta daqueles dois sozinha, recebeu ajuda dos banhistas homens que não achavam legal dois homens contra uma mulher, mas a ajuda veio depois de humilhá-los mais um pouco.
    Depois de feri-los, Brenda se recolheu para atrás da amiga e Paulinha soltou seu isopor e bolsa no chão, um dos idiotas veio pra cima com as costas baixas, na intenção de pega-la pelas pernas e derruba-la, mas ficou apenas na intenção após Paulinha descer uma bica no cocuruto dele o fazendo comer areia, o outro, quis a enforcar, veio com as mãos cheias pra cima do pescoço da Loirona gostosa, até chegou a encostar suas unhas na pele da mesma, mas foi brutalmente interrompido por Paulinha agarrando seus braços, os dobrando para baixo e finalizando com uma cabeçada muito bem dada.
    Antes que os dois começassem a se levantar, pais e família e beberrões do bar os pegaram e começaram a dar socos e pontapés até os expulsar da orla.
    As pessoas começaram a aplaudir para Paulinha e Brenda, ouviram assobios (aqueles difíceis de fazer, com os dois dedos) e elogios; somente após toda a confusão que Brenda e Paulinha perceberam que estavam sendo filmadas, dezenas de pessoas estavam com seus celulares apontados para as duas, e o sentimento de revolta e agonia havia sido completamente substituído por alívio e vitória.
    As duas ficariam sendo chamadas de “As irmãs do sacolé” nas redes sociais, algo que faria muito bem para Brenda mais tarde e também uma consequência terrível para as duas, mas essa é uma história para daqui a pouco.
    Tímidas porém encorajadas, as duas amigas continuaram a vender seus sacolés, que foi muito impulsionado pela briga, toda a praia queria um sacolé das irmãs de pais diferentes, até mesmo um gringo que fez questão de vir até elas quando a procissão sessou.
    — Boua tairdê — Disse um gringo loiro e branco para Brenda, tentando falar português — sabor qual?
    Brenda ainda meio abalada, olhou para Paulinha que estava ocupada vendendo para três pessoas ao mesmo tempo.
    — É… morango, chocolate, leite cond—
    — Choucoulati! Choucoulati! Quanto custa? — Isso pergunta ele dizia com perfeição.
    — É… — pensou por uns segundos e disse — duzentos, ‘tchuo rundréd’!
    — Ok! — Disse sorrindo, abriu sua carteira que estava lotada de notas de cem e entregou quatro para Brenda.
    — Jo quiero dois!
          
               Um mês e pouco           
                depois…
                       Capítulo 19
    Quatro minutos para meia noite
    Sua caranga quebrou novamente, dessa vez quando estava voltando do cinema com Debra, haviam ido assistir ‘Os Suspeitos’ (o do Denis Villeneuve, não o do Bryan Singer), que Pedro adorou por sinal, mas a discussão no momento era sobre o carro:
    — Porra! o Marcão me disse que tava tudo sussa! — Exclamou ele bastante frustrado, estavam na Avenida Brasil, a lua cheia brilhava no céu sem estrelas e centenas de carros passavam por eles dois, presos no acostamento.
    Pedro vestia uma camisa polo vermelho escuro, uma calça jeans e um cordão com uma bala de revólver na ponta, foi um presente de Debra pelo aniversário de um mês; havia uma marca de beijo nela, Pedro adorou.
    Debra vestia uma camiseta azul e uma calça jeans branca, além de usar um anel de ouro dado por Pedro, no anel estavam gravuras em Élfico, algo que ela amava.
    A tradução dessas gravuras era um segredo deles.
    — Posso tentar consertar? — Disse ela.
    — Baby… eu sei que você já fez curso de mecânica e tudo mais mas—
    — Mas não quer ser visto sentado frustrado enquanto sua namorada conserta o carro?
    — Não era isso que eu ia dizer — De fato não era, mas era o que estava pensando sobre — eu ia dizer que só o Marcão entende esse carro.
    — Tô vendo, abre logo o capô.
    Ela saiu do carro e Pedro deu um suspiro de agonia, mas fez o que ela pediu, sempre faz.
    Debra ligou a lanterna do celular e ficou fuxicando enquanto Pedro ligava para o número do reboque que estava na placa.
    — Alô? Oi, boa noite, eu tô parado aqui na Brasil… é… isso aqui mesmo… meu carro deu ruim e não liga de jeito nenhum, meu mecânico fez alguma cagada cumpadi… sim sim… meia hora? Pow num da pra alguém vir antes não?… putz… tá… tá… é uma Fiat Uno 2005 meu bom… pois é… é…
    — Amor!
    — Sim sim… então é que eu tava querendo alguém por agora…
    — Amor! Tenta ligar aí!
    — Pera aí só um instantinho que eu acho que minha namorada consertou.
    Ele girou a chave e… foi.
    — Há há! — Gritou Debra do lado de fora, bem animada — Confia na mãe aqui que dá bom!
    — Deixa pra lá amigão, ela já consertou aqui.
    “Sua mulher consertou seu carro?!”
    — Sim, tchau tchau.
    E desligou rápido.
    Ela entrou no carro já dizendo:
    — Tá me devendo uma dedada.
    — Quando chegarmos em casa eu faço isso e muito mais..
    Colocaram os cintos, se beijaram e voltaram para a estrada.
    — Qual era o problema?
    Debra olhou pra ele com desdém:
    — Quer mesmo saber?
    — Porquê não iria querer?
    — Tu foge de querer entender qualquer coisa de carro, minha mãe disse isso na sua cara e é verdade.
    — Bem… é uma verdade…
    — Hm… esse seu mecânico aí hein, não sei não, ele tá te enganando.
    — Como assim?
    — O problema era algo facilmente removível, parece que ele colocou ali de propósito, pra tu gastar uma nota quando voltasse.
    — Que isso, Marcão não faria isso.
    — Se você diz…
    “Marcão faria isso?”
    Debra pegou o celular, algo que Pedro no fundo se incomodava, gostava de conversar e sentia que o Facebook e Instagram tiravam isso dele, mas aproveitou a situação para ligar o rádio e ouvir seu Thiaguinho de cada dia.
    Deixa tudo como tá 🎶
    Pedro amava essa música, Debra não, na verdade ela detestava pagodes e preferiria ouvir Heavy Metal, mas não incomodava seu digníssimo com tais gostos opostos.
    — Aí, você já viu esse vídeo aqui?
    Pedro virou o olhar rápido para o telefone e viu no Facebook um vídeo de duas vendedoras de sacolés batendo em dois homens na praia.
    — Porra! Nem te conto, não só já vi como conheço uma delas.
    — Como é que é?! — Disse bem animada e surpresa.
    — Assim, conhecer é forte, mas já vi uma delas, a pretinha é irmã do Marcão, meu mecânico!
    — Meu Deus, sério?!
    — Sim, nunca falei com mas já vi ela lá na oficina, tava com o filho dela eu acho, o Marcão me falou que ela tá famosinha agora, é lá de Nilópolis, Bianca eu acho…
    — Porra, que foda amor, bora comprar um sacolé com ela.
    — Vamos.
    Não vão.
    — E essa amiga dela? A loirinha, luta pra cacete aliás.
    — Essa daí não me é estranha, mas acho que não conheço não, no máximo já vi por lá.
    — Hm… conhece bastante gente né?
    — Infelizmente sim.
    — É de família isso?
    — Bem… minha mãe falava com todo mundo, quando chegava um vizinho novo ela já ia apresentar eu e minha irmã, dentro de uma semana já tava até dividindo receita de bolo.
    — Queria ter a conhecido.
    — Minha irmã é outra, conheceu o marido dela na fila do banco, acredita? Puxou assunto com o cara do nada, acho que vou pra tirar dúvida sobre como que depositava na máquina, e hoje cria um filho com o maluco, e nunca parou de fazer amigos fácil.
    — Hm…
    — Acho que é de família sim.
    É foda imaginar a gente ser de alguém 🎶
    Debra disse incomodada:
    — E sua irmã?
    — O que tem ela?
    — O que mais ela faz?
    — Ah… sei lá, ela tem a vida dela.
    — Não fala muito com ela?
    — Que isso, nos falamos todo dia, tenho uma relação boa com ela.
    — E porquê que eu não a conheço ainda?
    — Ah, não sei, só não apresentei.
    — Hm… — Fez uma cara apática e voltou para o celular.
    Pedro sabia que isso a incomodava, mas também não sabia como falar sobre, logo, decidiu ficar calado, como já tem feito nas últimas semanas.
    Pedro e Debra se tornaram bastante íntimos em pouco tempo, Debra que arrumou seu armário de cuecas das últimas duas vezes e que levava Malhado pra passear quando Pedro estava na barbearia; Sua mãe já havia aceitado seu novo namorado, jantaram com ela duas vezes e foram no aniversário do sobrinho de Debra onde ela havia feito o pedido de namoro oficialmente, tudo indo muito certo, um casal em formação, bonito e íntimo… mas sentia que era só por parte dela.
    Debra bloqueou o celular e ficou olhando para a estrada através da janela, achava interessante como tudo que estava próximo passava rápido mas as montanhas lá no fundo pareciam se mover bem devagar…
    — Baby, já foi na Casa do Alemão?
    — Oi? Foi mal eu tava olhando as montanhas.
    — Já foi na Casa do Alemão?
    — Aquele restaurante? Não, passamos por ele?
    — Não, é que eu vi uma placa de um negócio escrito em Alemão e lembrei dele, enfim, vamos lá um dia? é caro pra caralho mas a comida é boa.
    — Beleza.
    Ele ficou olhando pra ela de rabo de olho e não deixava de reparar no quanto que ela estava meio avoada, pensativa, isso o estava preocupando por já imaginar do que se tratava.
    — Quer ouvir alguma outra música?
    — Não, eu tô de boa.
    — Hm… — “Ok… lá vai…” — no que você tá pensando?
    Ela pensou um pouco antes de responder, olhou para o rosto dele, talvez para medir as reações e disse:
    — Porquê você não me apresentou sua irmã?
    Pedro reagiu de forma neutra, ela achava que ele estava se concentrando pra não parecer nervoso (e estava certa sobre isso).
    — Não sei, falta de tempo?
    — Não, não é falta de tempo, estamos livres o tempo todo, eu trabalho em casa quando eu quero e você trabalha dia sim e dia não.
    — Ah baby, sei lá, não imaginei que fosse importante.
    — A gente já tá junto a um mês… tipo, um mês, minha família já sabe de você, minha mãe já te conhece, já tô dormindo na sua casa e você na minha mas… sei lá.
    — “Sei lá” o que?
    Debra ficou em silêncio olhando para a janela, sem querer entrar naquela discussão.
    Pedro também não queria, mas uma das poucas coisas que seu pai havia lhe ensinado era: “Nunca deixe nada pela metade”.
    — “Sei lá” o que, Debra?!
    — Não parece que é pra você tanto quanto é pra mim!
    “De novo não”
    — Como assim? Eu vou com você pra todo lugar, faço de tudo pela gente, te compro uma porrada de coisas…
    — Não é sobre isso!
    — Conheci sua família e fui legal com todo mundo, até com aquele seu tio desgraçado!
    — Amor—
    — Como que não pode não ser pra mim tanto quanto pra você?! Não faz sentido nenhum isso!
    — E porquê que sua família não me conhece?
    — Não tem família pra conhecer! Eu só tenho minha irmã!
    — Ela não é família?
    — Claro que é, mas é só ela, não tem pai nem mãe nem tio nem porra nenhuma.
    — Não xinga!
    — Só não te apresentei ainda porquê… sei lá, isso importa?
    Debra ficou o encarando incrédula quando dizia:
    — Tudo você fala “a gente”. “a gente vai vê” ou “a gente da um jeito” ou “a gente consegue”, quando não é a gente é “nós dois”, “nós dois somos fodas”, “nós dois vamos resolver” ou “tudo vai dar certo pra nós dois, baby”, mas como me diz… como que pode existir um “nós dois” quando só um de nós trás o outro pra dentro da sua vida?
    Pedro ficou calado.
    — Pedro eu não sei nada sobre o seu passado, você só me conta as histórias engraçadas e coisas assim, até depois que eu te contei sobre o meu tio achando que talvez você também fosse se abrir pra mim você só… continuou.
    — Você disse aquilo esperando algo em troca?
    — Não, eu disse aquilo porquê confio em você, mas não sei se você confia em mim também.
    Ela olhava para ele tentando encontrar ali alguma resposta mínima em seu olhar, e encontrou uma tentativa, por alguns segundos deu para ver Pedro quase formando uma frase, quase falando algo, talvez uma confissão? Um pedido de desculpas? Algo concreto, Debra queria qualquer coisa na verdade, mesmo que fosse um “tá bom”, com isso ela iria dar a briga por terminada, talvez ficassem se dando um gelo pelo telefone por algum tempo mas seria isso, “deixa tudo como tá”, mas não aconteceu.
    O que quer que Pedro fosse falar desistiu, deixou para ele; apenas continuou olhando para a estrada e aumentou o volume do rádio.
    A gente não vai errar não! 🎶
    A gente não vai errar não! 🎶
    — Inacreditável — Ela disse inconformada — inacreditável.
    E se a gente errar!!! 🎶
    A gente foi feliz tentando acertar! 🎶
    Debra se virou para a janela e assim ficou até o fim da viagem; em silêncio.
    Deixa tudo como tá… 🎶
      
           4 meses depois
           Capítulo final
              Mundo Pequeno
            Paulinha  •
    — Tu num é a noiva do Carlinhos?! — Diz um motoboy que parava para abastecer.
    Paulinha trabalha em um posto de gasolina, não como frentista e sim como gerente; o posto é aquele que o amigo de seu ex noivo lhe indicou, que fica na esquina do colégio Nilopolitano, no centro da cidade; agora ela tem um bom salário e um trabalho até que bem gratificante apesar do sol escaldante daquela manhã quente de Nilópolis.
    Paulinha emagreceu, não muito mais o suficiente pra começar a se sentir bem consigo mesma, não que os problemas de autoestima tenham ido embora, porém, certamente estão mais acentuados.
    A Loirona Gostosa veste uma camiseta escura com uma branca por baixo, uma calça também azul bem larga (para Paulinha isso significava uma calça super confortável) e botas pretas; seu cabelo está mais longo mas no trabalho ela sempre deixa preso com uma “xuxinha”.
    — Bom dia, eu fui a noiva dele sim.
    — Bom dia! — respondeu se sentindo reprovado por não ter dito isso antes “e tem que sentir mesmo!” — meus pêsames, curtia muito a escola dele! Só harmonia e samba foda.
    — Pois é né, João! Vem atender ô da moto!
    O posto tinha cinco frentistas e um estagiário, o João, que era quem os outros mandavam para lidar com os clientes que não gostavam, mas é claro que João não sabia disso.          
    Paulinha se dirigiu até a bancada onde ficava o frigobar, um telefone fixo, os armários dos funcionários e a agenda da gerência, sentou-se e bebeu uma aguinha gelada.
    Seu dia a dia no trabalho era assim, observar seus colegas de trabalho e cuidar para que não de nada de errado; meses últimos três meses convivendo com esses homens ela pode conhecer bastante sobre eles, sabe quem trai a esposa, quem gasta o salário em jogo do bicho, quem frequenta o Eros Club todo fim de expediente… mas também sabe quem é um ótimo trabalhador, quem sabe conversar sobre política sem ofender os colegas, quem consegue fazer uma partida perfeita e sem erros no Guitar Hero, quem sabe cantar no karaokê as músicas da Adele sem desafinar… são todos boas pessoas, ela gosta muito de todos ali, e acredita que gostam dela também; Claro, até onde se dá pra gostar de seu “chefe”, Paulinha tem ciência disso, mas acredita que faça parte daquela pequena família ali… com o João.
    — Fala aí, chefona! — Disse Renan, o primeiro a dar um oi e quem apresentou o posto para ela no primeiro dia — como você tá? — ele estava todo sorridente.
    — Fala aí, Renan, tô com um calor desgramado mas tô bem, e você?
    — Bem também — Pegou um banquinho e sentou-se perto dela; Renan tinha trinta e dois, era moreno e, apesar da idade, já era grisalho — Sobre aquele assunto, tem alguma novidade?
    — Ah… desculpa amigão, o pessoal não me autorizou a dar um aumento.
    O sorriso no rosto dele foi pouco a pouco diminuindo.
    — Putz… eu tava precisando dessa.
    — Eu sei, argumentei, disse o que você faz aqui e do seu empenho mas não colou, desculpa mesmo.
    — Não precisa de desculpar, não é culpa sua.
    Paulinha olhava para ele com pena.
    — Como que tá lá?
    — Ah, ela tá indo, os remédios são caros mas estamos dando um jeito.
    Paulinha pegou sua carteira mas Renan interveio segurando sua mão.
    — Não não, não precisa, sério.
    — Para de ser bobo, deixa eu ajudar.
    — Sério, não precisa, eu vou dar um jeito… fica pra você.
    — Cara… — ela guarda a carteira e fica pra baixo por ele — Sabe que se eu fosse milionária eu faria tudo pela sua filha.
    — Eu sei — respondeu com um largo sorriso — eu sei… falando nisso, soube que o resultado vai sair hoje da loto? Duzentos milhões, mulher!
    “Porra amigão… foi uma boa forma de mudar de assunto, admito…”
    — Tô sabendo sim, minha amiga não me deixa esquecer.
    — A Brendinha?
    — Ela mesmo.
    — Pow ela é muito gente fina, comprei uns sacolés pra Milena semana passada com ela!
    — Sério? Ela gostou?
    — Adorou, quando puder eu vou pegar mais lá com ela.
    — Que bom, pelo menos ela se alegra com um docinho né.
    — Sim sim, mas porquê a Brendinha não te deixa esquecer?
    “ ‘Brendinha’, ainda não tô acostumada com isso…”
    — Uns meses atrás ela me fez fazer o mesmo jogo que ela, e o irmão dela disse ainda pra fazermos o mesmo jogo duas vezes, ou seja, fui praticamente obrigada e jogar na loteria, aí agora eles estão falando disso toda hora.
    — Essa estratégia de jogar duas vezes é boa.
    — Tem que ser mesmo, porquê eu não estava nenhum pouco afim de jogar, aliás, isso foi logo depois daquela briga lá na praia.
    — Sério?! — Disse rindo — sensacional! Mas você lembra qual foi o jogo?
    — Lembro nada!
    O telefone fixo começou a tocar.
    — Ih! — reagiu Renan — devem ser os caras, será que mudaram de ideia?
    — Tomara que sim.
    — Show, vou lá trabalhar tá chefona! Qualquer coisa me chama.
    — Pode deixar, vai lá!
    Renan voltou para perto dos demais e Paulinha atendeu o telefone, pronta para ouvir algum pedido pra inspeção ou de algum documento da sua agenda… mas não era ninguém do trabalho.
    — Alô?
    — Oi, Paula.
    — …ah… oi… oi mãe — “Como… como ela conseguiu esse número?” — c-como conseguiu esse número?
    —…Essa é sua primeira pergunta?
    — C-como a senhora tá?
    — Não sabia que você tinha se tornado gaga.
    — Gaga? O-oque? Ah, não, só… só estou cansada e com calor.
    — Sei. Cansada e com calor. Claro.
    — …
    — Quanto tempo você é frentista?
    — Não sou frentista, eu gerencio.
    — Entendi, você gerencia… bacana… conseguiu isso por causa do seu noivo?
    — Você quis dizer meu ex noivo? Não.
    — …Sei.
    Paulinha bebeu mais um gole d’água, sua garganta estava seca novamente.
    — Não me respondeu, como a senhora está?
    — Eu tô bem, indo… a pensão daquele corno do seu pai até que dá pra pagar a casa.
    — Nós duas sabemos que o papai não era corno.
    — Era sim! E você é uma igual a ele!
    — Me ligou pra ficar ofendendo a mim e ao papai?
    — Eu te liguei pra te perguntar como você está — “e até agora não perguntou” — já que se depender de você eu morro sem receber uma ligação sua, né.
    — Estou bem, obrigada por perguntar.
    Mais um gole de água, “maldita garganta.”
    — Soube da Fernanda?
    — Sim, eu vi no Facebook.
    — Hm… eu fui no casamento, foi lindo.
    — É eu vi que a senhora estava lá.
    — Me perguntaram de você… e sobre o seu casamento, não soube o que responder.
    — …
    — Está casada?
    — Não.
    — Noiva?
    — …Não.
    — Namorando pelo menos?
    Paulinha começou a respirar fundo, nem conseguia mais olhar para o nada, seu olhar precisava se apoiar em algo mas nem isso ela conseguia, e quando respirou novamente pela boca, mas aquele ar rápido que entra quando alguém está prestes a chorar, sua mãe ouviu.
    — Paula Guimarães de Mello, você está chorando?
    — …Não.
    — Sei… claro que não está. O Carlinhos era tão bom, — “Claro que era! CLARO QUE ERA” — muito triste o que houve com ele… eu soube que o Tinho mora por aí também nesse fim de mundo, deveria ir falar com ele, dar uma nova chance.
    — …
    — Você precisa disso.
    — …
    — Como pode ser feliz sozinha? Me explica?
    — Tchau, mãe.
    E desligou.
    Ficou encarando o telefone por uns bons minutos até finalmente ficar aliviada de que ela não ligaria de novo.
    “Engole o choro, anda!”
    Se recusou a limpar o rosto, não até conseguir parar de chorar.
    “Anda!”
    Nesse momento lembrou da voz de seu velho.
    “Engole o choro, filha”
    “Mas tá doendo! O soco dela foi muito forte”
    “Eu sei que foi, mas é justamente por isso que você tem que engolir o choro, o soco dela pode ser forte, mas você? Você é muito mais! mais forte do que qualquer soco! do que qualquer adversidade!… você é a mais forte de todas… e sempre vai ser”
    Sua última lágrima caiu no chão, limpou seu rosto com a manga da camisa e bebeu mais um gole de sua água, enquanto encarava sua mão esquerda.
    Enquanto encarava seu dedo anelar.
    — Paulona! — gritou Marcos junto dos demais frentistas, quando ela olhou eles apontaram para o relógio — deu nossa hora, Loirona!
    Ela respirou fundo e gritou:
    — Aquele pessoal preguiçoso da tarde não veio ainda?! — Com aquela energia de sempre, como se nada tivesse acontecido.
    — Não vi ninguém não! — Respondeu Renan.
    — Então vamos fechar tudo! Bora meter o pé que eu ainda vou fazer uma caminhada!
    ••Brenda •
    — Fernando! — Gritou Brenda — Já lavou a louça?!
    Ela estava amarrando o tênis para caminhar com sua velha amiga, vestia um shortinho rosa, uma camiseta preta, meias brancas, tênis brancos da Nike e uma mochilinha de pano roxa só pra levar sua garrafa, uma colorida que mostra os horários de cada refeição.
    Brenda também estava diferente, começou a acompanhar Paulinha nas suas caminhadas há quatro meses, fez isso para motivar sua amiga mas acabou gostando; Está mais magra, mais sorridente e seu cabelo agora é um Blackzinho com cheiro de chiclete.
    — Hoje é dia do tio Marcos!
    — Dia de tio é o caramba, é seu! Pode descendo! Anda! Você e ela!
    — “Dia do tio Marcos” — Disse seu irmão, enquanto assistia televisão do sofá — que moleque safado!
    — Mas é seu dia mesmo, — sussurrou — só tô te dando esse desconto porquê vai levar a gente na mata.
    — Sei disso de dia não.
    — Sei. Sei. Agora levanta, a Paulinha já saiu do trabalho, vamos pegar ela lá!
    — Quem me dera pegar ela lá!
    — Você não começa!
    Fernando e sua namorada desceram e foram direto pro sofá.
    — Tão sentando porquê?! Vai lavar a louça menino! — Gritou Marcos, rindo.
    — Quem manda aqui sou eu, Marcos! Deixa que eu falo! — Disse Brenda — TÃO SENTANDO PORQUÊ?! VÃO LAVAR A LOUÇA!
    A namorada de Fernando riu e ele respondeu:
    — Vocês não vai sair?!
    — Vocês não VAI sair?! Tô pagando escola pra que?!
    Todos riram muito e ele se corrigiu:
    — Vocês não irão sair? Pode deixar que quando a senhora chegar a louça vai estar lavada!
    – Acho bom mesmo! — Disse Marcos pegando a chave do carro e saindo.
    — Eu que mando aqui, Marcos! E vocês dois, ACHO BOM MESMO!
    — Tchau mãe, boa caminhada!
    — Tchau, bom filme, beijos!
    Família boa…
    Os dois entraram no carro e partiram para encontrar Paulinha no posto.
    ••
    — Olha ela ali! Ali Marcos!
    Paulinha estava usando uma calça legging preta, uma camiseta vermelha, meias brancas e tênis pretos.
    Paulinha entrou no carro e seguiram viagem.
    — Demoraram, hein!
    — Que isso, demoramos nada! — Disse Brenda — Como você tá, amiga?
    — Meio sei lá, depois te conto.
    Brenda olhou para sua amiga pelo retrovisor e só pelo seu olhar ela já soube o motivo, poucas coisas podem deixar Paulinha tão mal quanto… “a mãe dela… será que elas se falaram? Tem coisa ai…”
    — Entendi… e como foi o trabalho? Marcos quer saber.
    — Claro que ele quer.
    — Me tira dessa aí — Disse rindo — Já desencanei da Paulinha.
    “MENTIROSO!!!!”
    — Sei.
    — Graças a Deus né, Marcos — Disse Paulinha — Bola pra outra, tanta piranha loira por aí e tu mira na que menos te dá bola.
    Brenda riu e disse:
    — Vai ver esse foi o que encantou ele!
    — Deixa baixo! — Marcos exclamou — Deixa baixo!
    Os irmãos riram e Brenda tentou mudar de assunto, já conseguia ver que o irmão estava um pouco constrangido:
    — Loirona, loto hoje hein!
    — Tô sabendo…
    — Vocês jogaram né?! — Perguntou Marcos.
    — Irmão! Tu sabe que sim! Tá me estranhando?
    — Sei lá, tu anda esquecida.
    — Nós duas jogamos a uns quatro cinco meses atrás ôôôô adotado.
    — Adotada é tu.
    Paulinha riu “tão bom ver ela rir” e disse:
    — Jogamos os números das nossas… primeiras vendas somadas? Acho que foi isso né, neguinha?
    — Acho que foi…
    — Algo assim.
    — Jogaram duas vezes? — Disse Marcos.
    — Sim…
    — Bom, tem que jogar duas vezes! Meu cliente falou.
    — Te falei né Paulinha dessa teoria do cliente dele?! Lá da mecânica?!
    — Falou sim, só umas quinze vezes.
    Os três riram e Marcos comentou:
    — Mas faz sentido pow!
    ••
    Chegaram na mata pela entrada do estacionamento onde um caminhão de peixaria estava descarregando em um armazém próximo ao portão, Marcos parou o carro um pouco distante do veículo e já começou a manobrar, iria voltar para casa para ver o resultado da loto e o jogo do Mengão que iria rolar depois, mas seu principal objetivo mesmo era não deixar que Fernando ficasse aos amassos, na cabeça dele era bem engraçado “empatar foda”.
    — Se cuidem hein meninas, e cuidado com o assassino da mata hein!
    As duas saíram do carro e Paulinha disse:
    — Como se a gente tivesse cara de adolescente.
    — A última que desapareceu aí tinha vinte e poucos pow — Disse Marcos, com uma leve preocupação, sempre ficou preocupado com essa história da Brenda ir andar na Mata, cinco meninas já sumiram nos últimos seis meses, mas ela estar acompanhada e sua companhia ser a Paulinha sempre o tranquilizou — não era adolescente não.
    — A gente sabe se cuidar, Marcão.
    — Disso Nilópolis toda sabe, Loirona Gostosa.
    Ela sorriu pra ele e deu as costas, de certa forma aquele sorriso melhorou bastante seu dia.
    — Tchau irmão! — Disse Brenda e acompanhou Paulinha que, para seu azar, pisou em um peixe — Amiga!
    Paulinha olhou para ela, nem havia percebido.
    — Tu pisou num peixe, mulher!
    Ela olhou para baixo e se tocou, ficou enojada começou a esfregar o tênis no chão como quem pisa em cocô de cachorro enquanto sussurrava palavrões.
    — Tchau de novo, irmão! — Disse rindo.
    — Tchau, mana! Fala pra ela lavar bem o tênis quando for pra casa.
    — Pode deixar! — Pegou no braço de Paulinha e partiram para dentro da trilha.
    Antes de virar o caminho e perder Marcos de vista, viu ele parando seu carro ao lado direito de um Fiat Uno vermelho que vinha no sentido contrário, em direção a Mata.
    — Peixe filho da puta.
    — Seu tênis vai ficar fedendo agora.
    — Tô sabendo… teu irmão, ainda tá caidinho por mim, né?
    — Está, está sim.
    — Sabia.
    As amigas seguiram à alameda até a entrada principal, não haviam muitas pessoas nem mesmo nos quiosques, alguns jovens estavam sentados nas mesas de pedra próxima a entrada e no caminho à frente o que dava para ver eram apenas duas ou três famílias, os desaparecimentos certamente afetaram a popularidade do lugar, o que para Paulinha era ótimo, “quanto menos gente melhor!”
    A tarde estava bastante quente, não tanto quanto aquela há quatro meses atrás lida por você caro leitor, mas era bastante quente; Depois de seguirem a bifurcação da direita da alameda principal de caminhada, Brenda puxou assunto:
    — Amiga… o que houve?
    — Do que você tá falando?
    — Você estava mal quando entrou no carro.
    — Ah… não era… não era na…
    Paulinha olhou para baixo e não conseguia falar qual era o problema, Brenda sentiu que deveria perguntar logo o que achava ser o problema, “mas e se ela não quiser falar sobre isso?…”
    — Se não quiser falar sobre, tudo bem.
    — Era… foda-se, era sobre minha mãe.
    — Eu imaginei… o que aconteceu?
    — Ela me ligou, ligou pro meu trabalho na verdade.
    — Pro seu trabalho? Como ela conseguiu o telefone de lá?
    — Sei lá…
    — …Ela… ela falou alguma coisa?
    — Falou… falou que eu deveria dar uma nova chance pro Tinho.
    — Tinho? Aquele maldito que te traiu e foi super ultra tóxico com você o namoro inteiro?
    — Ele mesmo, disse que ele tá morando em Nilópolis.
    — Graças a Deus nunca vimos ele, eu mesma se visse iria jogar na cara dele o que tivesse na minha mão!
    Paulinha deu um leve sorriso mas… pareceu forçado, algo para aliviar a tensão mas não deu muito certo.
    Paulinha continuou:
    — Ela é o tipo de mulher que acha que todas precisam casar, ter uma família e cuidar do seu marido… eu sou meio que uma decepção — Essa última palavra ela disse com bastante peso — sempre fui na verdade.
    — Casar? Cuidar do seu marido? Menina, mulher não precisa de homem nenhum, eu trabalho pra mim e por meu filho, meu irmão me ajuda mas tem a vida dele, esse negócio de toda mulher tem que se casar e viver com homem do lado é do passado.
    — Eu sei… mas ela disse que é o que eu preciso.
    Brenda pensou bastante no que diria a seguir, não queria pressionar mas também queria que ela disse-se o que pensava sobre si mesma, e torcia muito para que não acreditasse no que sua mãe maldita havia posto na cabeça da própria filha… “ah Paulinha… lá vai…”
    — E ela tá certa?
    Brenda a encarou, olhou para seus olhos… perdidos, olhando para o nada, reflexivos…
    Antes que Paulinha pudesse responder qualquer coisa, um homem as abordou:
    — Boa tarde, tudo bem? — Ele era branco, loiro, usava uma regata branca e uma jaqueta Florida por cima, uma calça jeans e tênis pretos, Paulinha o reconheceu na hora, era aquele loirão gostoso que havia visto há muito tempo atrás.
    — Boa tarde, tudo bem sim! — Disse Brenda com um sorriso enorme no rosto.
    Paulinha não respondeu, apenas deu um sorriso forçado.
    — Desculpa interromper vocês mas… já não as vi em algum lugar? Eu acho que foi num vídeo… — A voz dele era aveludada, suave, linda de se ouvir.
    — Viu sim! — Brenda respondeu toda risonha — somos as irmãs do sacolé!
    — Isso mesmo! Poxa que coincidência, o que fazem por Nilópolis?!
    — Somos de Nilópolis!
    — Sério?! Que bacana!… você, Loira, eu  já vi você, foi por aqui não foi?
    — Sim, eu estava voltando pra casa… estava mais gordinha na época.
    — Eu ia falar isso agora! Emagreceu, e você luta bastante né? No vídeo tu arrebenta dois caras ao mesmo tempo!
    Brenda ria dos comentários alegres do estranho bonitão e Paulinha dava sorrisos forcados para não estragar o clima; ele continuou:
    — Poxa que demais, bom ver vocês por aqui, estão dando uma caminhada?!
    — Sim! — Vamos só até ali no fim da estradinha e voltamos, — Brenda explicou — não seguimos até a Cedae não, por segurança.
    — Ah, que isso, eu levo vocês lá, é de boa!
    — Não, obrigada, preferimos ficar só nessa área mais próxima da entrada!
    — Não não, que isso, faço questão — sacou uma arma e apontou para elas.
    Era um revólver.38, de tambor, ele o manteve próximo ao seu corpo, sem o erguer e nem fazer escândalo, e também se manteve calmo, na verdade se mantinha até mesmo o tom alegre e espontâneo com que se apresentou:
    — Vamos lá, mostro pra vocês como é lá dentro.
    Brenda não sabia como reagir, ficou apavorada, sua vida inteira passou diante de seus olhos, não podia morrer, Fernando ainda estava na escola, ele precisa dela, precisa.
    Paulinha também não sabia como reagir, seu olhar era mais de descrença do que pavor, não conseguia acreditar naquilo; Já havia visto esse homem antes, já até conversara brevemente com ele, “como isso era possível? Que tipo de coincidência maldita era essa?”
    — Vamos meninas! Vamos lá! Garanto que vão gostar do lugar! Mas sem gritar por favor, um lugar tão calmo como esse não pode ser perturbado por gritos, concordam?
    ••
    Passaram pelo portão da Cedae abandonada, estava tudo enferrujado com exceção da corrente e cadeado que ele usou para trancar; Brenda se mantinha desesperada mas sem reagir, mantinha todo seu pavor controlado, seguindo as regras de se captor e se apoiando em Paulinha, que virou seu principal alicerce de sanidade.
    Ela segurou o braço de Paulinha assim como Fernando segurava o seu poucos anos antes, o que Paulinha fizesse, Brenda faria também; não parava nem por um segundo de olhar para Paulinha, sentia que se por acaso olhasse para seu captor o medo se tornaria real.
    Real.
    A Loirona Gostosa não parava de observar ao redor, tentava encontrar alguma forma de incapacita-lo, se ela conseguisse tirar sua arma, iria acabar com cada ossinho de seu corpo… “mas como?! Como eu me livro daquela arma?!”
    A Cedae era cercada por uma cerca gradeada muito enferrujada, do lado esquerdo do portão tinha um espacinho de terra recentemente cavada, Paulinha achava que Brenda poderia passar por ali, mas ela…
    — A entrada é logo ali, irmãs do sacolé.
    Elas olharam para trás e encararam o prédio com mais atenção.
    As paredes estavam imundas e com a tinta branca se descolando, as janelas estavam empoeiradas e algumas quebradas, provavelmente por conta de crianças jogando pedras; os vidros eram grossos, tão grossos que as partes quebradas até poderiam ser usados como lâminas (Paulinha pensava apenas nisso), e a porta metálica da entrada principal também estava com uma corrente e cadeado.
    O loiro tomou liderança do caminho e, com uma chave, abriu o cadeado e retirou a corrente, as duas repararam que ele não usava chaveiro, as chaves estavam soltas em seu bolso; ao abrir a porta, tudo que elas puderam ver naquele corredor da entrada era um chão sujo e corrimãos amarelos no fim do mesmo.
    — Cheguem mais, “mi casa és su casa!”!
    Brenda só pensava em Fernando, já Paulinha… “Como é possível que não tenha NINGUÉM para ver o que está acontecendo  aqui!”
    Paulinha deu os primeiros passos e Brenda a acompanhou, as duas adentraram o lugar escuro e empoeirado e sentiram o cheiro… o cheiro que nunca mais esqueceriam: o cheiro do medo.
    O ar estava quente, úmido e morto, havia o fedor vindo dos canos de tratamento de água abandonados pelo tempo, nas paredes havia não só poeira e fungos como algo mais… algo mal.
    Ele fechou a porta e trancou, depois se virou bem devagar para elas e dessa vez, dessa vez… não havia mais aquela animação de antes, agora havia mostrado quem realmente era; seu olhar estava muito mais profundo e sem emoção, no fundo dos seus olhos não havia nem mesmo aquela empatia falsa de antes, apenas o mais profundo mal: a ausência de humanidade.
    — Continuem andando. Eu digo quando parar.
    As duas seguiram em frente, ouvindo os passos lentos e pesados atras de si; No final daquele corredor escuro e sujo havia uma entrada sinuosa, ao olharem para lá viram um corredor longo, mal iluminado com apenas poucos focos de luz no teto, as paredes eram de ferro, já bem laranja, coberto de ferrugem, com desenhos de símbolos quase que religiosos, nomes escritos com fios de palha que Paulinha e Brenda não conseguiam nem mesmo pronunciar em suas mentes, e pelo caminho, alguns chinelos e pedaços de roupa, dava para ver que haviam sido bem mais do que cinco vítimas.
    Paulinha e Brenda seguiram por ali em silêncio, Brenda chorando muito mas fazendo de tudo para não fazer nenhum barulho. Após alguns passos nesse corredor, ouviram o passo daquele homem adentrando no corredor também, e o som de seu passo foi completamente assustador para Brenda, foi como um estouro num lugar vazio, o som pesado passou por seus ouvidos como uma bala, fazendo-a gritar.
    — Silêncio. — Disse aquilo atrás delas, calmo.
    Paulinha segurou a amiga pelo rosto e olhou em seus olhos:
    — Neguinha… vai dar tudo certo… agora fica calma por favor.
    Por mais incertas que aquelas palavras fossem, foi o bastante para deixar Brenda calma, por um instante se sentiu segura, mesmo adentrando possivelmente no que seria seu fim.
    — Tá bom… — Foi o que foi capaz de responder — tá bom…
    Paulinha segurou em sua mão e continuaram em frente, de repente começaram a ouvir uma voz em suas mentes, uma voz grossa que dizia algo incompreensível, mais parecia um ruído, um sibilar, algo gutural que a cada passo que davam mais alto ficava em suas mentes.
    Paulinha também estava assustada, na verdade, apavorada, mas sabia que sua amiga precisava dela, sabia que, se entrasse em pânico, Brenda também entraria.
    “Por ela… por ela.”
    Andaram por menos de dois minutos naquele corredor e quando finalmente chegaram numa sala escura o sibilar parou.
    Nela havia um altar de palha no centro com um livro bem grande, sua capa parecia ser de pele humana… acima dele havia uma criatura estranha esculpida em pedra, a escultura era pequena (cabia em mãos grandes), possuía textura áspera, asas e longos tentáculos; no canto direito da sala tinha uma mesa cheia de ferramentas, lâminas, bisturis… e nas paredes haviam ganchos com pedaços de carne em decomposição, talvez uma dezena ou uma dezena e meia, na escuridão não dava para ter certeza.
    Brenda em sua inocência ou como uma forma de se preservar de demais pensamentos, imaginou que fossem carnes de animais, já Paulinha, sabia bem que aquelas eram as outras meninas, e novamente, bem mais do que cinco…
    O cheiro era acachapante, a mais pura podridão que tomava conta dos sentidos de Brenda e Paulinha, era nauseante estar naquela sala, completamente nauseante; Assim que entraram se encostaram numa parede e ficaram olhando para baixo, ouvindo os passos daquilo vindo até a sala para se juntar a elas… foi então que… ouviram mais do que apenas dois passos… espera… passos de cachorro?
     ••        Pedro •
    Pedro acordou de um sonho que não queria despertar, um sonho bom, com ela; Somente quando abriu seus olhos pode perceber que havia dormido no sofá, estava pelado e tinham quatro latas de cerveja no chão, esperava que Malhado não tivesse lambido nada (e provavelmente não lambeu mesmo, Pedro bebeu até a última gota pelo o que se lembra), e também esperava ter trancado a porta de casa antes de cair na bebedeira completamente pelado em sua sala.
    Esse sofá era o lugar favorito dela na casa, mais do que a cama! aliás as cervejas eram Skol, a favorita dela, “porra, CHEGA! Vamos acordar ! Levanta seu merda, anda!!!”
    Com bastante esforço conseguiu se sentar, Malhado estava deitado próximo a cozinha, olhando para ele.
    — E, bêbado por causa de mulher de novo, eu já sei, não precisa jogar na minha cara.
    Malhado girou a cabeça pra direita como se não entendesse o que ouvira.
    — O que foi? Tá com fome? Quer passear?
    Girou a cabeça para a esquerda.
    — O que? Já me viu pelado antes Malhado, não me julga não que é feio julgar alguém pela aparência.
    Malhado colocou a língua para fora e ficou respirando rápido, com um sorrisinho fofo e espontâneo.
    Pegou seu celular para fazer seu ritual matinal dos últimos dois meses: conferir mensagens e ligações perdidas.
    — Ah… nada… que surpresa.
    O namoro de Pedro não durou muito depois daquela conversa na Avenida Brasil, deram um gelo um no outro até voltarem a se ver novamente, mas não foi a mesma coisa, parecia que o brilho havia sumido, mais para ela do que Pedro que descobriu de uma vez por todas que segredos criam barreiras entre as pessoas, e essas barreiras as vezes podem ser bem difíceis de serem quebradas.
    Largou seu telefone no sofá, coçou a barriga e disse para Malhado:
    — Vamos passear, amigão? — Que respondeu mexendo a cauda de um lado para o outro.
    Pedro tomou um banho de água gelada, foi difícil no começo e chegou a pular quando a água encontrou sua pele, mas se acostumou rápido, depois do banho comeu uma banana e deu outra para Malhado que gostava de comer com casca e tudo.
    Vestiu uma blusa marrom, bermuda azul escura, colocou seu cordão que foi presente dela, duas havaianas pretas e um relógio de prata (falso, óbvio).
    Depois de colocar a coleira em Malhado, olhou para sua arma logo acima da cômoda, tem levado ela bastante consigo recentemente (desde que brigou com ela! Que brigou com ELA!!!), tem deixado sempre no coldre da cintura, mas nos últimos dias têm seguido o conselho de Marcão, pode até ouvir sua voz dizendo:
    ‘Deixa essa parada em casa, piroca! Tu tá muito abalado com aquela mulher, vai acabar fazendo besteira ‘cah’’ 
    “Porra…”
    Decide deixá-la onde está e parte para a Mata.
    ••
    Com Malhado no banco do Carona, Pedro dirige sua Fiat Uno vermelha até o Gericinó (Mata, para os mais íntimos), já se acostumou a ter seu velho amigo ao seu lado em todas as viagens de carro, antes era ela mas “meu Deus, chega disso, para de pensar nela!!!”
    Quando chega próximo à entrada do estacionamento vê Marcão manobrando, vindo em sentido contrário, parou o carro ao seu lado e gritou:
    — Fala aí, Marcão!
    — Fala aí Piroca! — Disse todo sorridente, também acenou para Malhado — Totó! Indo passear é?
    — Sim, vou levar ele pra dar uma voltinha, tá precisando.
    — Ele ou você?
    “Porra, Marcão…”
    — Nós dois, né, nós dois…
    — Como você tá, ‘cah’?
    — Tô indo, acho que já tô melhor agora.
    — Sério mesmo?
    — Sério pow, essa noite mesmo eu dormi com uma piranha aí.
    — Sério?! — Não pareceu acreditar — que piranha?
    — Uma aí… acordei com ela no sofá.
    — Sei… mas olha cara, tu vai superar essa, quando tu vê, ela que vai atrás de tu e você nem vai estar mais lembrado de quem era ela — “literalmente impossível “— Vai por mim!
    — Sei…
    — Mas agora eu tenho que ir lá, boa caminhada aí, Piroca!
    — Valeu, Marcão.
    — Ah, minha irmã tá aí pow, deixei ela aí com uma amiga dela, da uma olhada nelas pra mim? Deixa ninguém tocar não, principalmente na loira, é minha! — Disse rindo.
    — Tua namorada?
    — AINDA não! AINDA!
    — Sei — riu — Valeu, Marcão.
    — Valeu, Piroca! — Gritou e seguiu viagem: Pedro gostava bastante do Marcão, talvez não devesse, mas gostava.
    Pedro avançou para dentro do estacionamento da Mata e quando passou por um caminhão que estava descarregando peixe num armazém e Malhado quase pulou pela janela.
    — Calma aí, amigão! É só peixe!
    Colocou seu carro numa das muitas vagas livres, pegou seu amigo pela coleira e seguiram para a trilha.
    ••
    Malhado já havia feito xixi três vezes e cocô duas, Pedro não aguentava mais a agonia de ter que torcer pra ninguém estar vendo que esqueceu os saquinhos de necessidades do seu animal, estava aliviado que agora (pelo menos nos últimos cinco minutos) Malhado parecia não precisar mais fazer o que ninguém poderia fazer por ele.
    Subiam a estrada de terra que levava até uma Cedae abandonada quando Malhado começou a agir estranho.
    — O que foi garoto?!
    Ele não parava de olhar para o prédio esquecido, o que era bastante bizarro já que Pedro o levava para ali quase todos os dias e aquilo nunca tinha acontecido.
    — Viu alguma coisa?
    O bichinho estava cheirando sem parar, parecia sentir algo vindo de lá.
    — O que foi, Malhado?!
    Foi então que o cachorro deu um pique que Pedro não estava esperando e acabou deixando a coleira escapar de sua mão.
    — Malhado!
    Malhado correu para o portão da Cedae onde tentou forçar para abrir e nada aconteceu, depois correu para a cerca gradeada por onde ficou tentando pular mas também sem sucesso, até que começou a cavar numa área sem grama que Pedro julgou já ter sido cavada antes.
    — Malhado! Para!
    Malhado cavou rapidamente o buraco e conseguiu passar para o outro lado.
    — PORRA!
    Pedro ficou sem saber o que fazer, não iria conseguir pular o portão e aquela cerca parecia meio alta também; Malhado estava agora cheirando a porta metálica da entrada do lugar, Pedro sabia que se ele conseguisse entrar no prédio poderia cair em alguma entrada de esgoto ou algo assim e poderia acontecer o pior, o que lhe amedrontava profundamente.
    A única entrada era o buraco que Malhado havia cavado.
    — Puta que pariu… puta que pariu…
    E foi para onde foi.
    Com certa dificuldade conseguiu atravessar, ficou todo sujo de terra e sabia que quando chegasse em casa teria que tomar um senhor banho, não antes de deixar Malhado de castigo, “Você vai ter que dormir do lado de fora hoje seu féla da pulta!”
    — Entrou aqui porquê, porra? Me sujou todo!
    Malhado não parava de olhar para a fresta da porta.
    — Tá olhando para o que?! Tem comida aí dentro?!
    Foi então que ouviu um grito.
    Cão é dono tomaram um susto, o suficiente para um pequeno pulinho para trás.
    “O que foi isso?!”
    Foi um grito de mulher e veio lá de dentro, Pedro pensaria que foi só sua imaginação se Malhado também não tivesse pulado… tem uma mulher ali dentro.
    Em outro contexto, Pedro teria ignorado o que ouviu, teria se afastado e no máximo dito para alguém que certa vez ouviu um grito vindo de um prédio abandonado, talvez em algum encontro de amigos numa noite densa, como uma história de terror… mas cinco meninas haviam desaparecido nos últimos meses, não era uma história de terror, era realidade.
    — No que você meteu a gente, amigão?
    Malhado o encarava assustado.
    — Bora entrar aí.
    Pedro procurou por uma entrada, tentou a mais óbvia mas estava trancada com um cadeado e correntes que estavam muito novos para algo que havia sido abandonado a anos, “Puta que me pariu…”
    Caminhando ao redor encontrou uma janela quebrada, várias na verdade, mas apenas uma era grande o suficiente para ele é Malhado passarem sem se cortar.
    Pedro entrou sem fazer barulho, com passos leves e lentos, depois pegou Malhado no colo e o pousou gentilmente ao seu lado.
    — Fica comigo. Fica. Comigo.
    Pareceu entender o que Pedro dizia pois fez exatamente o que seu dono mandou.
    O lugar era muito empoeirado, tudo ali tinha um visual que parecia ter saído de uma história pós apocalíptica, mas o que mais amedrontava Pedro não era o visual, e sim o cheiro: podridão e maresia.
    Não fazia sentido para ele sentir cheiro de maresia num lugar tão longe de qualquer vestígio de praia, mas talvez fosse algo referente a estação de tratamento abandonada, pelo menos era assim que sua mente tentava explicar o que sentia.
    Pedro chegou a um corredor bastante aberto que dava para aquela porta principal, logo ali pode ver corrimãos amarelos que separavam o corredor de uma longa área de tratamento onde haviam dezenas de canos que vinham diretamente do subsolo… e Pedro ouviu um som vindo deles.
    Vozes guturais, mais pareciam ruídos na verdade… um sibilar grosso e amedrontador, que dizia palavras que Pedro não conseguia nem ao menos conceber e aquilo fez ele tremer na base pra caralho.
    Observando, a única conclusão que consegui chegar era que aqueles sons vinham de alguma coisa embaixo da terra… mas o que? O que seria capaz de fazer esse som tão… tão absento.
    Tentando ignorar aquele som, Pedro continuou andando naquele amplo corredor até chegar em uma entrada sinuosa, escura, que dava para um outro corredor bem mais estreito do que esse.
    Era um corredor escuro com poucas luzes no teto com espaço de uns cinco passos entre elas, paredes de ferro completamente tomado por ferrugem, com palavras escritas com palha e… ei, “tem um malandro ali…”
    Havia um homem de jaqueta florida, estava de costas para Pedro e talvez há uns trinta metros dele, era loiro e bem alto; Malhado entrou no corredor mas não deu muitos passos antes de olhar para Pedro e pedir sua permissão com o olhar, que não foi correspondido.
    — Ô amigão! — Gritou Pedro — O que que você tá fazendo aí, hein?
    O homem loiro parou de andar e lentamente olhou para trás, por estar logo abaixo de uma das luzes seu rosto foi logo reconhecido por Pedro como o do “Cara que anda pela mata”, já havia visto ele algumas vezes antes, nunca conversaram nem nada mas sabia dele, era ‘Um cara lá’.
    — Fala aí, irmão! — Disse Pedro novamente — Tá tudo bem ai?!
    O loiro estava com um olhar vazio, quase que morto, porém lentamente começou a demonstrar uma emoção: raiva.
    — O que quer?! — Gritou de volta.
    — Ah, nada demais, só estava olhando e vi esse corredor sinistro aqui e você aí dentro, só queria saber o que tá rolando.
    — Vá embora!
    “Tô querendo mesmo”
    — Cara eu até quero! mas é que ouvi uma mulher gritando e vim conferir! Sabe como é né, andam sequestrando meninas por aí!
    O homem pegou uma arma e apontou.
    — Meu Deus do céu! — Foi a reação instintiva — Faz isso não, cara!
    — Vai embora!
    Atrás dele, duas mulheres saíram de alguma sala, não conseguia ver muito bem seus rostos por estarem meio longe mas conseguia ver que estavam assustadas, tremendo, uma loirinha e uma pretinha… “espera…puta que pariu! A irmã do Marcão e a quase namorada dele?!”
    — Puta que pariu… — Sussurrou — Olha amigão! — Colocou suas mãos acima da cabeça, virou seu olhar para baixo e começou a andar lentamente em direção ao homem armado — não posso ir embora! Acho melhor você me prender aí com elas!
    — Que porra é essa?! — Disse Brenda.
    — Nossa ajuda. — Paulinha sussurrou.
    — Calem a boca as duas! — gritou o desgraçado loiro ao se virar e apontar para elas — voltem pra sala!
    — Amigão! — Gritou Pedro — Ouviu o que eu falei?! É que tu não me respondeu aí sabe como é né?! Não sou adivinho!
    O raptor juntou as costas na parede e começou a mirar para os dois lados, as amigas perceberam de que ele não estava preparado para uma situação dessas.
    — Vocês duas! Voltem pra sala! E você! SAIA DAQUI AGORA!
    Pedro estava se aproximando lentamente com Malhado logo atrás:
    — Mas meu amigo, eu não sei o caminho de volta! Eu tô perdido!
    Paulinha percebeu que o homem com o cachorro estava tentando o distrair e disse:
    — Pois é! Ele não sabe como sair daqui! Vai lá ajudar ele! A gente se virá aqui!
    O loiro avançou em Paulinha, colocou o cano do revólver eu sem pescoço e gritou:
    — CALA A BOCA SUA PUTA!
    Com ele tão próximo, Paulinha e Brenda puderam ver seus olhos… estavam vermelhos, vermelhos brilhantes.
    — Amigão! — Gritou Pedro.
    O homem se virou e, com passos rápidos, chegou próximo de Pedro e parecia estar prestes a dar um tiro.
    — FALEI PRA VOCÊ IR EMBORA, PORRA!
    Neste momento, Pedro olhou para a arma, sua vida estava prestes a passar pelos seus olhos… quando ele reparou que não haviam balas no tambor.
    “Acostumado a pegar só meninas, né seu desgraçado?!”
    — A arma está descarregada… — Disse Pedro com alívio e raiva, um sentimento similar a uma vingança — descarregada!
    Paulinha e Brenda tiveram uma epifania ao ouvir aquilo.
    “Descarregada?!” Pensou a Loirona, “Descarregada!!”
    O loiro chegou a apertar o gatilho naquele momento, mas como Pedro havia dito, não haviam balas, só fez barulho.
    Brenda soltou o Braço de sua amiga pois sabia o que aconteceria em seguida: um show.
    Paulinha avançou para o loiro, ele chegou a se virar para trás mas não tão rápido quanto a campeã nacional de boxe que com a mão direita agarrou seu pescoço enquanto com a esquerda socou sua barriga repetidas vezes, ele tentou batê-la com sua arma mas Brenda conseguiu o impedir dando um tapa em sua mão, lançando o revólver ao chão.
    — FILHO DA PUTA! — Gritou Paulinha.
    — ASSASSINO! — Gritou Brenda.
    — DEMÔNIO! — Gritou Paulinha.
    Paulinha desferia socos no estômago e olhos, um em seguida do outro enquanto Brenda dava chutes nas pernas e arranhões no braço, não demorou para ela se virar e ir até a sala pegar uma das lâminas que havia visto.
    Paulinha não parava nem por um segundo de o espancar, sentia-se não só expurgando todo medo e raiva que havia sentido desde que foi interceptado por aquela coisa do lado de fora quanto vingando todas as mulheres que aquilo havia feito mal.
    Numa das tentativas de se defender, o loiro pegou a cabeça de Paulinha para dar uma cabeçada, mas foi impedido por Pedro que pela primeira vez em anos desferia um soco na cara de alguém.
    O homem caiu no chão junto de todas as suas chaves que saíram de seu bolso, Paulinha aproveitou a queda para chutar seu tórax, após o quarto chute ele juntou suas forças para se levantar e nesse mesmo movimento pegar uma de suas chaves.
    Foi tudo muito rápido, se levantou com uma chave em mãos e se desvencilhou dos seus agressores, correu como nunca havia corrido antes para fora daquele lugar.
    — Malhado! Pega! — Gritou Pedro para seu cachorro que no mesmo instante começou a perseguir o maldito.
    — Ele vai fugir! — Gritou Brenda saindo da sala com um facão enferrujado enorme nas mãos.
    — Não vai não! — Respondeu Pedro, com a mão direita arrancou a bala do seu cordão que ainda estava com a marca de beijo dela e com a esquerda pegou o revólver.
    ••
    Por sorte, a chave que conseguiu pegar na fuga era a do cadeado da porta principal, destrancou o cadeado e arrancou aquelas correntes o mais rápido que pode, abriu a porta e correu!
    Não conseguia enxergar direito, o sangue que descia de sua testa atrapalhava sua visão, sua barriga doía MUITO e sentia que não estava mais conseguindo pensar com clareza, só sabia que deveria sair dali.
    Ao chegar no portão, usou o que restou de suas forças para pular por cima, deu um pulo com seus braços para o alto e com muito esforço ergueu seu corpo podre e ferido, foi quando viu aquele cachorro, o que estava com aquele cara!
    O cachorro latia muito e parecia assustador, mas não conseguia pular até ali em cima, sem tempo para comemorar ele apenas pulou para o lado de fora e continuou correndo, foi então que… que ouviu um barulho de grade…
    Malhado passou pelo buraco que havia cavado e avançou para aquele homem, aquele troço.
    “Ele mandou eu pegar, eu vou pegar!”
    Aquilo se virou para olhar de onde o barulho de grade vinha mas já era tarde demais e malhado estava trucidando seus testículos:
    — AAAAAAAAHHHHH!
    “Peguei!”
    ••
    Paulinha, Pedro e Brenda correram até a saída, o sibilar que vinha dos canos de esgoto sessou assim que os três passaram novamente pela entrada, ainda não sabiam disso mas iriam ouvir aquele som novamente pelo resto de suas vidas, quando estiverem sentados no sofá depois de um almoço de domingo, quando estiverem dirigindo numa estrada escura, quando estiverem sozinhos e imersos em seus pensamentos… mas isso não era algo para se preocupar agora.
    Chegaram no portão e se viram numa encruzilhada, os três pensaram ao mesmo tempo:
    “Deveríamos ter pegado as chaves”
    Pedro chegou perto do portão e disse:
    — Talvez eu consiga quebrar dando umas porradas com a arma!
    — Não vai ser preciso! — Gritou Paulinha, a Loirona correu e com o chute mais poderoso que já havia dado em sua vida, arrombou o portão, torcendo a corrente no meio e tombando tudo no chão.
    “Caralho”, Pensou Pedro.
    — Caralho. — Disse Brenda.
    O assassino que estava sofrendo com Malhado, deu um soco no focinho do pobre animal e chutou sua barriga, fazendo ganir na hora; Se levantou e tentou salvar sua vida, iria correr para longe daqueles três! Afinal, “eles não tem nem arma!”
    Pedro acoplou a bala com a marca do beijo de Debra na arma, girou a tambor, mirou… e disparou.
    A cabeça explodiu com o impacto.
    Pedro, Paulinha, Brenda e Malhado assistiram aquilo deixar de existir, pedaços do seu cérebro se espalharam pelo chão e seu corpo despencou como um saco de carne; Sangue e um líquido preto jorrava de dentro daquilo que costumava ser um monstro e agora era só isso: carne sangrando num chão de terra.
    Os três protagonistas observavam.
    — Ah… qual seu nome? — Disse Brenda.
    — Sou Pedro.
    — Prazer, Pedro, me chamo Brenda.
    — Brenda… prazer… você é irmã do Marcão?
    — Sou… sou sim.
    — Ele é meu mecânico.
    — Hm… olha só… mundo pequeno.
    — Pois é…
    — Essa daqui é minha amiga Paulinha.
    — Prazer, Paulinha.
    — Prazer, Pedro… — Ela respondeu.
         ••   Epílogo •
    O sol já estava quase se pondo, o céu estava amarelado, viaturas polícias estavam cercadas de curiosos, uma van da Rede Globo era cercada por seguranças, uma van da Rede Record tentava estacionar enquanto os repórteres caminhavam até os três sobreviventes para cobrirem sua matéria.
    Duas ambulâncias estavam no centro de todo aquele fuzuê, enquanto uma viatura do IML manobrava para deixar o local.
    Nas ambulâncias, estavam eles três, os sobreviventes e recente celebridades do município de Nilópolis: Paula Guimarães, Pedro Cunha e Brenda Oliveira.
    — Brenda! — Dizia a jornalista — Como foi que tudo aconteceu, fala pra gente!
    — Foi tudo muito rápido — Brenda falava enquanto as enfermeiras a colocavam na maca — ele chegou pra gente sendo todo alegre e do nada apontou uma arm— um enfermeiro passou na frente do microfone.
    Os curiosos gritavam, todos elogiando os três sobreviventes, eufóricos chamavam os três de heróis, a energia era tanta que a força policial e seguranças dos repórteres precisavam unir forças para evitar que invadissem a pequena área.
    — Pedro! Pedro! —  Gritou um jornalista do Balanço Geral para Pedro que tentava conversar com uma das enfermeiras sobre estar bem e não precisar de cuidados — É verdade que você possui passado militar? Gostou de matar vagabundo?
    — Eu não dou entrevistas! — E colocou suas mãos sobre o rosto — Cadê meu cachorro?! Malhado! — Um enfermeiro entregou o cachorro em seu colo, com uma bandagem ao redor da barriguinha.
    — Paulinha! — A Jornalista da Rede Globo gritava para ser ouvida, Paulinha estava de pé ao lado de Brenda enquanto a mesma era medicada — É verdade que o assassino estava desarmado quando morto? Acha que foi necessária sua morte?!
    Paulinha ficou puta e fechou a porta da ambulância.
    — Amiga, — Dizia acariciando a cabeça de Brenda — vai dar tudo certo, fica calma.
    Brenda deu um largo sorriso e respondeu:
    — Eu sei que vai.
    A ambulância partiu com Brenda e Paulinha para o hospital, uma equipe de jornalistas se preparava para entrar no covil do assassino junto da polícia e os demais repórteres tentavam, em vão, uma e entrevista com Pedro, que tampava seu rosto e só demonstrava se importar com o bem estar de seu cachorro.
    ••
    A lua já brilhava no céu quando Pedro finalmente conseguiu chegar em casa com Malhado, não aguentava mais explicar de onde havia saído aquela bala.
    Trancou sua porta e, exausto, se sentou em seu sofá, Malhado se sentou ao seu lado, apoiou a cabeça em sua coxa e começou a cochilar.
    — Tá cansado né, amigão… nós dois estamos… que dia…
    Tirou a camisa e pegou seu celular, haviam dezenas de ligações perdidas, de vários colegas, alguns amigos, algumas ex ficantes mas a maioria eram de sua irmã, “porra, tô famoso…”, estava prestes a ligar para ela quando viu uma que chamou sua atenção… uma chamada perdida de Debra.
    Encarou, sorriu, se entristeceu… e ligou de volta.
    Ela rapidamente atendeu:
    — Pedro?! Tudo bem?!
    — Oi Debra, tô bem sim.
    — Meu Deus, que bom, eu vi na televisão o que aconteceu, meu Deus meu Deus meu Deus, como foi tudo isso?
    — Tudo foi muito rápido, eu só entrei lá e… e aconteceu, não me machuquei nem nada, só fiquei preocupado pelas outras duas.
    — Que bom que não houve nada, o balanço geral entrou lá no covil, mostraram tudo, censuraram mas mostraram, tinha até um altar lá!
    — Tinha?
    — Tinha! Você não viu?!
    — Eu não fui tão a fundo, enfrentamos ele num corredor.
    — Tinha um altar de palha vazio lá! Desenhos de monstros nas paredes! facas!
    — Das facas eu sabia, uma delas voltou lá e saiu com um puta de um facão, nem usou, tadinha, tava doida pra enfiar aquele facão no rabo dele.
    Debra riu e Pedro se lembrou de como amava ouvir aquelas risadas, eram um som tão lindo, tão mágico, era como uma recompensa pra um dia tão… estranho.
    — Cara, — Ela disse ainda rindo — como que você consegue ser engraçado com algo tão horrível?
    — Dou meu jeito, sabe como é.
    — E como sei…
    — Hm…
    — Fiquei com muito medo de você… sei lá, eu fiquei apavorada quando te vi na televisão com os repórteres falando de assassino e gente morta e covil… meu Deus… — Ela começou a chorar — eu achei que tinha te perdido…
    — Ei… ei, calma, tá tudo bem, eu tô aqui, vivo e bem, Malhado também por sinal, esse cara sim foi um guerreiro.
    — Fiquei preocupada com ele também, foi bom ver ele na televisão, vi que um enfermeiro colocou um curativo nele.
    — Eu que pedi.
    — Ficou tão fofinho, tadinho.
    — É… ele tá dormindo aqui na minha coxa agora.
    — Hm… bom pra ele.
    — Pois é…
    Um silêncio se instaurou, aquele mesmo silêncio de antes, que não incomoda, que conforta, que acalma… e que Pedro sabia que queria pelo resto da sua vida.
    — Debra…
    — Diga-me.
    Ele respirou fundo antes de continuar.
    Pensou se deveria e… “Porra, óbvio que eu devo, chega de ser um marica…”
    — O meu pai nunca foi muito bom pra mim… nem pra mim nem pra minha irmã, e muito menos pra mamãe… ele… ele e a mamãe se divorciaram quando eu ainda estava na escola… ela ficou com a guarda e… e ele… ele ficou ainda pior com a gente depois disso…
    Seus olhos se encheram de lágrimas.
    — Ele dizia que eu era fraco…
    — Pedro—
    — Sempre dizia… que eu não poderia e nunca iria conquistar nada porquê… porquê eu não merecia… pois eu era um marica… ele via demais da mamãe em mim, quando ela passou a criar eu e minha irmã sozinho isso só piorou… uma vez ele olhou nos meus olhos e disse que nunca ia ser feliz… nunca, que eu nunca iria ter uma família porquê eu não era capaz… e… — Sua respiração acelerou, lágrimas não paravam de cair e Pedro se viu num estado que nunca esteve antes, finalmente colocando tudo aquilo para fora, era um triste e doloroso alívio dizer aquelas palavras pra quem amava — eu… por muito tempo eu acreditei nele, eu acreditei, porra eu já tenho mais de cinquenta e nunca, nunca consegui construir nada, minha irmã está lá casada, teve meu sobrinho! Uma criança linda, maravilhosa, tem uma vida, sabe?!, e… e eu… eu só pude sentir…
    — O que? — Debra chorava enquanto perguntava.
    — Eu só pude sentir que ele estava errado… quando estava com você…
    — Pedro…
    — Eu… eu te amo… eu sei que eu deveria ter me aberto com você, e que deveria ter te apresentado pra minha irmã, te trago pra minha vida… mas eu fui fraco… fui como meu pai, mas eu não quero mais, eu não quero nunca mais ser que nem meu pai.
    Debra chorava muito e Pedro finalmente pode se sentir liberto, como se um peso gigantesco tivesse sido tirado de seus ombros.
    — Eu… — Ela dizia enquanto continha as lágrimas — eu também te amo…
    Pedro conseguiu dar um sorriso em meio aquelas lágrimas.
    — Debra… minha irmã provavelmente vai querer fazer um churrasco por eu ter aparecido na tv… foi uma aposta que fizemos quando mais novos que se um de nós aparecesse na tv o outro teria que fazer um churrasco… e… você podia ir.. a gente ajuda lá a fazer o almoço e tal… ela iria gostar de te conhecer… o que me diz?
    — Baby… eu adoraria! — Disse com um riso de alívio.
    — Bom… vou ver o dia e marcamos.
    — Ótimo, marcamos então.
    — Certo… tchau, baby.
    — Tchau, baby.
    Pedro desligou o telefone e não conseguia conter tanto seu sorriso quanto suas lágrimas.
    Lágrimas de alegria. Lágrimas de liberdade.
    ••
    Paulinha segurava a mão de Brenda o tempo inteiro, sua amiga havia sido medicada com um calmante, estava bastante nervosa quando a polícia e ambulância chegaram; Sentou-se ao lado da maca e ficaria com ela ali até o Marcos e Fernando chegarem.
    — Amiga, eles já estão vindo? — Perguntou Brenda.
    — Sim neguinha, estão sim.
    — Eles sabem que é aqui no Jucelino?
    — Sabem sim, eu falei.
    — Que bom… Paulinha, obrigada, eu não teria conseguido sem você.
    — Claro que teria.
    — Não, eu não teria, eu estava muito nervosa… eu… eu… — Não conteve as lágrimas — achei que eu ia morrer…
    — Ei, ei, você tá bem, relaxa, tu foi forte pra caralho mulher, você é forte… você me manteve calma lá, sabia?
    — Nem vem, você que me conteve calma…
    — É sério… eu… eu também não teria conseguido sem você… tu é minha maior inspiração nega.
    — Sério?
    — Claro, porra você é foda, foi corajosa pra caramba tanto lá quanto na vida, eu jamais pensaria em vender sacolés na situação que você estava e, mesmo que eu tivesse pensado, não iria conseguir crescer tanto quanto você cresceu… você é muito forte, Brenda, muito mesmo.
    — Aí… eu vou chorar, amiga.
    — Pode chorar.
    Brenda conseguiu juntar forças e se erguer para abraçar sua amiga, sua parceira, sua irmã.
    — Eu te amo, Paulinha.
    — Eu também te amo, Brenda.
    — Você é a pessoa mais forte que eu conheço, vejo você como meu refúgio, sabia? Meu refúgio loiro e super gostosão!
    Paulinha riu e disse:
    — Obrigado, amiga…
    Uma enfermeira abriu a porta e Marcos e Fernando entraram.
    — Mãe!
    Paulinha se afastou e Brenda abraçou seu filho com muita força, Marcos os abraçou por cima.
    — Você tá bem, mana?
    — Tô sim… só tô meio emocionada por causa do calmante…
    — Vou lá, — Disse Paulinha — quando chegarem em casa me avisem.
    — Que isso, — Reagiu Marcos — volta com a gente, te deixo em casa.
    — Não, obrigada, eu quero ir andando… tchau gente.
    Marcos e Fernando se despediram.
    — Tchau, neguinha.
    Brenda olhou nos olhos de sua irmã de outra mãe e com um tocante sorriso, disse:
    — Tchau, Loirona Gostosa.
    Paulinha sorriu de volta, abriu a porta e—
    — Loirona! — Disse Brenda — Deixa a porta aberta por favor? Tá quente aqui.
    — Claro.
    E foi embora, enquanto caminhava pelo corredor escutou:
    ‘Maninha, o resultado da loto foi quatorze, vinte e seis e quarenta, deu que foi pra cinco ganhadores, quais números você jogou?’
    ‘Ih, só voltando pra casa pra eu saber, o jogo tá na minha cômoda do quarto’
    ••
    O hospital fica numa elevação no centro do município, numa rua meio estreita e não muito bem preparada para ter um hospital mas, é o que tem.
    Quando Paulinha desceu a rampa da entrada, reparou que na esquina da principal (no começo da subida do morro) estava tocando uma música que ela adorava na caixa de som da Pastelaria, era ‘Preciso me Encontrar’ do cantor Cartola, achou bastante curioso pois não era uma música que ela esperaria escutar nas ruas de Nilópolis; foi uma surpresa agradável.
    Quando colocou o pé na calçada teve outra surpresa, Tinho estava com roupas de enfermeiro, indo para o hospital.
    — Paulinha! — Ele era careca, branco, alto, olhos castanhos e… ainda era bonito, tão bonito quanto sempre havia sido — Tudo bem? Quanto tempo.
    — Fala aí, Tinho, tô bem sim.
    — Eu soube o que aconteceu, você está bem?
    — Tô ótima, deu tudo certo no fim das contas, só vim por causa da minha amiga.
    — Que bom, graças a Deus, você tá morando por aqui?
    — Sim, moro por aqui sim.
    — Poxa que bom, me mudei pra cá recentemente, fui transferido pro Jucelino… você tá indo pra casa agora? Porquê meu plantão já acabou, só estou indo pegar minhas coisas, vamos conversar em algum lugar?
    Paulinha olhou no fundo dos olhos dele… e disse:
    — Não… eu vou andando, obrigada.
    — Ah… tudo bem, beijos, se cuida tá?
    — Você também.
    Paulinha seguiu seu caminho, desceu a rua e virou a esquina, observou ao seu redor, a música, as pessoas, as lojas, respirou fundo aquele ar ameno daquela noite iluminada, deu um sorriso e seguiu em frente.
                                    Fim
  • Unlearn

    Prolongo
    -Ei espere! Não vá... eu... preciso....falar com... você!
    Por que estou correndo? Por que eu me sinto tão exausta? Por que estou usando um vestido tão pesado? Por que estou usando vestido? E o mais importante, para quem estou gritando? Por mais que eu tente não consigo me lembrar, só sei que tenho que falar com uma pessoa, sei que essa pessoa pode me ajudar, só não sei por que eu preciso de ajuda. Uma coisa aqui é certa, eu não deveria está correndo com esses saltos de sete cm, não deveria nem esta usando salto!
    -Por favor, eu imploro... não vá, ai.
    Que ótimo, sabia que isso ia acontecer, meu salto quebrou e eu cai de cara no chão. Sinto um gosto estranho na boca, um gosto... diferente, um gosto...bom! Olho para o chão, pensando ver cimento, mas o que vejo é algo vermelho e pegajoso que cobre todo o chão. Sangue, e não é meu. “Por que gostei do gosto de sangue?”. Relutante eu me levanto e sigo a trilha de sangue, quando chego ao final do corredor e viro a direita vejo que o sangue acaba em uma porta enorme. Nunca estive nesse lugar, nem sei se é uma casa ou um castelo, mas sei que não sou permitida entrar naquele cômodo, ninguém é. Ao me aproximar ouso vozes, masculinas gritando e objetos sendo lançados no chão. Paro em frente da porta indecisa, devo ou não devo entrar? Melhor não. Quando me viro para ir embora a porta se abre brevemente me dando um vislumbre do que se passa ali dentro. Vejo duas sombras indistintas, uma na frente da outra, uma é magra e alta, a outra é menor e mais musculosa. Elas parecem ao mesmo tempo familiares e ao mesmo tempo irreconhecíveis. Uma das sombras a magra se meche na direção da porta, mas para ao ouvir a outra dizer:
    -Se não acredita em mim, veja com os seus próprios olhos!- Gritou a sombra musculosa com uma voz grave e surreal.
    A sombra na frente da porta se virou bruscamente, caminha na direção da outra e a empurra com força no chão. O barulho que o corpo fez quando caiu no chão foi tão alto, que jurei que a figura musculosa tinha se quebrado em pedaços. Porem, ela se levanta e vejo olhos, olhos vermelhos sangue, brilharem na direção da sombra a sua frente. Digo que são sombras por que não sei se são humanos ou animais enormes! A sombra mais magra vai até a outra, pega ela pelo pescoço e a ergue do chão, coloca o rosto perto do ouvido da figura que se contorce para escapar do aperto em sua garganta e diz ferozmente:
    -Nunca vou acreditar em você!
    A voz dele é bem mais grave e animalesca, é tão assustadora que eu me assusto e dou um passo para trás, sem me lembrar do salto quebrado e caio no chão. Prendo a respiração, as duas figuras olham para a porta, ambas com os olhos vermelhos e brilhantes. A figura musculosa se liberta das mãos da outra e vem até a porta. Fico congelada, sei que não deveria estar aqui, que não deveria estar vendo e nem ouvindo aquilo. Quando a sombra se aproxima da porta a outra a empurra novamente e ambas caem no chão. Recuperando os sentidos eu me livro dos saltos altos e levanto rápido, tão rápido que quando eu vou ver já estou quase no final do corredor por onde eu vim. “Como é possível?” Olho para trás, (grande erro) o que vejo é um monstro enorme correndo atrás de mim. Tento corre mais rápido, por algum motivo sei que consigo correr mais rápido que a criatura, só que o meu vestido é pesado demais. Ainda correndo eu rasgo o vestido ao meio, com um só puxam e ele rasga ao meio, revelando roupas de baixo que eu nunca sonhei em usar! Roupas parecidas com a daqueles filmes de época. Deixando o espanto das minhas roupas intimas de lado eu corro mais rápido. Minhas pernas parecem que saem do chão. Dobro uma esquina e olho para trás novamente, não vejo mais o monstro. Olho melhor em volta e vejo como a decoração do lugar é muito antiga, como nos castelos medievais do século XV ou XVI, com tochas e quadros antigos. Paro de correr quando eu vejo uma porta, entro no cômodo e fecho. Estou em um tipo de galeria, pois aqui a muitos quadros, olho cada um atentamente, sinto que reconheço cada um, mas não me lembro deles. Suas imagens são aterrorizantes, mostram castelos pegando fogo, pessoas lutando, monstros nas florestas e cidades nas nuvens! Porém nenhum desses me assustou mais do que o maior quadro da sala. Sua moldura é toda de ouro e cheia de pequenos diamantes, em cima da moldura está escrito família real. A pintura parece normal no inicio, com príncipes, mas meus olhos param quando vejo uma princesa no meio deles, uma princesa mais do que familiar. Cambaleio para trás e prendo a respiração quando percebo quem ela é. Sou eu! “Eu estou na foto, melhor na pintura!” Os mesmos cabelos crespos curtos, a mesma pele negra clara, os mesmos olhos esverdeados anormais, a única diferença é que pareço com uma rainha! Coberta de joias dos pés a cabeça, com um vestido dourado que parece de ouro, com uma tiara de diamantes enormes na minha cabeça e sentada em uma cadeira que parece um trono. Ao meu lado tem três homens, mas não consigo enxergar totalmente seus rostos. Um deles é alto, moreno com a pele branca e está atrás de mim, outro é mais baixo, musculoso com cabelos ruivos e pele bronzeada e está ajoelhado na minha frente, o último é alto, louro, com a pele mais pálida que eu já vira e está ao meu lado direito, só que este está com um braço em meus ombros. Na moldura abaixo está escrito princesa e príncipes do reino sul. Olho novamente para a pintura. Estou sorrindo, enquanto os homens estão sérios. A única coisa que reconheço além de mim na pintura é o colar de rubi que está em meu pescoço em forma de gota. Coloco a mão em cima da pintura do colar e a outra em cima do colar em meu pescoço, por alguma razão uma lagrima se derrama em meu rosto, só que quando ela cai no chão, não é cristalina como as outras, ela é vermelha, como sangue! Enquanto olho para a lagrima de sangue no chão, outra gota cai e mais outra e mais outra, porem não estou mais chorando. Com cuidado olho para cima, sabendo o que vou ver. Quando meus olhos chegam ao teto eles se deparam com olhos vermelhos brilhantes. O monstro está pendurado no teto de cabeça para baixo! Quando penso em recomeçar a correr o monstro pula e cai em cima de mim. Caio pela milésima vez no chão, bato com a cabeça fortemente no piso e sinto algo molhado nela. Não é meu sangue, mas o sangue que corre pela boca do monstro. Olho sem medo para ele, o que acho mais estranho que o bicho em cima de mim. Ele me encara de boca aberta, mostrando os dentes de dez centímetros que se aproxima do meu rosto. Olhando para ele assim tão de perto consigo distingui-lo melhor. Ele é todo branco, têm aproximadamente 2 metros e 50 centímetros, o que faz os meus 1,90 parecerem 1 metro e meio, ele é magro muito magro, aparece até os seus ossos, mas olhando melhor ele só tem ossos! Ele é um esqueleto ambulante. Seus olhos não têm pupilas, sua boca não para de derramar sangue, suas garras são enormes e me prendem no chão, seu nariz são dois buracos no meio do rosto, sua forma é semelhante à de um homem, só que quando o vi correndo ele caminhava usando as mãos, como um gorila. Ele me encara enquanto eu percorro seu corpo todo com os olhos, penso “me devora logo!”, mas meu corpo fica calmo, relaxado, ao invés de rígido e tenso.  Quando abro a boca para falar ele coloca uma das mãos em minha boca e eu fecho os olhos, em seguida a coisa mais estranha do mundo acontece. Ele passa uma das garras da mão livre em meu corpo. Eu gemo de prazer quando ele passa a mão ossuda pelo meu seio direito, quando abro os olhos novamente percebo que seu rosto mudou, ganhou carne, agora seu rosto está em carne viva e suas mãos também. Continuo olhando, seu rosto muda novamente, começa a ganhar pele  e está parecendo mais com um rosto humano. Então suas mãos também mudam, todo o seu corpo muda e ele se transforma completamente. Seu corpo é divino! Muito longe do que parecia antes, embora sua pele ainda seja branca como papel, mas por mais que eu tente não consigo ver seu rosto, apenas seus lábios, carnudos e rosados. Sua mão vai para meu rosto, olho para ela e depois para ele, percebo que ele está completamente nu! Ele tira a mão da minha boca e passa ela em meu rosto. Então com um só movimento de braço ele me levanta do chão, me deixando de joelhos junto com ele. Ele me olha atentamente, cada parte do meu corpo enquanto passa as mãos em meus cabelos. De repente ouso um barulho enorme vindo do lado de fora da galeria, imediatamente tento me livrar dos braços daquele homem lindo, mas ele aperta mais os braços em torno de mim. Sei o que provocou aquele barulho, melhor quem o provocou. Tento me libertar novamente, mas isso faz com que ele aperte ainda mais o braço. Olho para ele, ainda sem conseguir ver seu rosto e digo:
    -Você sabe que ele não vai gostar de nos ver assim.
    Ele me olha, estudando a minha expressão e dá um lindo sorriso:
    -Estou falando sério!- Digo
    Ele me aperta ainda mais, e começa a beijar o meu pescoço:
    -Ah, Bruno para!- Rosno para ele.
    No momento em que estou pensando em como sei seu nome eu escuto um rugido e alguém dizer:
    -LARGA ELA AGORA!
    Olho para a porta (outro erro) e vejo outro monstro, só que esse é diferente, ele é mais baixo, e mais musculoso, ele só pode ser a outra sombra que vi na sala. Ele é todo preto, tem pelos por toda parte do corpo, seu nariz também são dois buracos, seus dentes são menores do que o do outro, porém mais afiados. Sua postura corporal e seu corpo se assemelham ao de um lobisomem. Ele olha para nós, então vê que estamos ambos nus (pelo menos é assim que me sinto), com raiva ele se aproxima e volta a dizer:
    -SOLTA ELA AGORA, OU VOU MULTILAR VOCÊ!
    Desesperada, tento mais uma vez me soltar, mas Bruno me aperta tão forte que não consigo respirar. Então olhando para o monstro na nossa frente, ele sorri diabolicamente, se volta para mim e me beija. Posso dizer firmemente que foi o melhor beijo da minha vida, seus lábios abrem caminho fácil mente em minha boca, sua língua é quente e ágil, como se sempre me beija-se assim e seu gosto é de chocolate com sangue. Uma delicia! O monstro ruge de ódio e parte para cima de nós dois. Bruno me solta e me empurra para a parede, depois pula e se transforma em pleno ar. Ele cai em cima do outro monstro e assim começam a lutar. Sinto algo estranho dentro de mim, não é medo, desespero, agonia, mas sim raiva. Não sei por que logo raiva, mas estou com muita, muita raiva dos dois monstros na minha frente. “Eles não tem esse direito!” rujo em minha mente. Levanto-me encarando o massacre na minha frente, algo mais começa a acontecer no meu corpo, ele começa a formigar, depois a queimar como se estivesse pegando fogo por dentro. Partes especificas começam a doer em minhas costas, como se a pele fosse arrebentar a qualquer momento. Reconheço essa dor, ela me tranquiliza de algum modo. Ela cresce mais e mais, e quando penso que vou explodir ouso mais um rugido. Diferente dos outros rugidos esse é o que mais me assusta. “Não ele não pode me ver aqui, e dessa maneira!” saio do cômodo e olho para um lado e para o outro ainda mais desesperada, não vejo ninguém. Um dos monstros empurra o outro para fora e a briga continua no corredor onde estou. “Ele vai enlouquecer, vai querer matar os dois!”, não sei por que me preocupo com esses dois monstros que ainda não pararam de brigar. A briga é sanguinolenta, me dói ver os golpes dados por cada um. O monstro branco arranha o rosto do monstro preto, que por sua vez morde o pescoço ossudo do outro monstro. Outro rugido “tenho que ir embora agora!”, quando me viro para sair correndo me deparo com outro monstro, mas diferente dos outros dois esse me dá medo, tanto medo que caiu desajeitada no chão. O monstro é duas vezes maior que os ostros, e mil vezes mais assustador. Ele tem quatro garras que saem de suas costas, cada uma com uma boca sangrenta, seus dentes são enormes, os caninos são de20 centímetros e os demais 10 centímetros, suas garras das mãos são afiadas e curvadas como ganchos, sua pele é cinza sem pelos, sua postura corporal é como a de um lobisomem também, mas ele usa suas garras das costas para se movimentar, tudo isso é amedrontador, só que o pior são seus olhos, os dos outros dois monstros são vermelhos sangue, o dele não é diferente, mas os dele saem sangue! Parece que ele está chorando. Além de seus olhos, sua boca, suas mãos, suas garras estão todas cobertas de sangue. Ele me encara por um longo tempo. Encosto-me a parede e cubro meu corpo seminu, então ele numa velocidade incrível, empurra com força os outros dois monstros que voam longe inconscientes, penso em ir até eles, mas por medo fico parada. O monstro cinza se volta para mim novamente. Eu o encaro, ele me encara também. Ficamos assim por um longo tempo, então ele dá um passo em minha direção e eu desvio o olhar e me encolho mais contra a parede. Ele percebe e fica furioso, então ele me pega pelo pescoço e me força a ficar de pé. Sem conseguir respirar ele me força a encara-lo, ele me levanta até meus olhos estarem ao nível dos seus. Fico suspensa no ar, á 4 metros do chão, é um milagre eu não ter morrido! Suas garras arranham o meu pescoço e suas garras das costas com suas bocas horríveis parecem me farejar. Sei o que está fazendo, está vendo se estou com o cheiro dos outros dois, está verificando se eu estava agarrada com um deles. Bem eu estava, porém contra a minha vontade. Ele sente o cheiro do monstro branco e rosna para mim. Então ele aperta mais suas mãos em meu pescoço, me deixando roxa por não conseguir respirar. Entro em desespero, e aquele calor volta a percorrer o meu corpo. Começo a me contorcer para me livra de suas garras, não adianta. “Ele vai me matar!” é o que penso, “Vai me matar por que acha que eu estava na cama com Bruno”, mais uma vez a raiva me toma conta, só que dessa vez com mais violência, meus olhos começam a coçar e a arder, minhas mãos, meus pés, mês braços, minhas pernas, tudo começa a arder. “Não vou morrer desse jeito, não por algo que não fiz!” berro em minha mente. O monstro coloca as duas mãos em meu pescoço e aperta bem e me empurra mais e mais contra a parede. Minha visão começa a ficar embasada, meus sentidos vão se enfraquecendo, o calor aumenta, vejo tudo branco, minha garganta está coberta de sangue e furos feitos pelas garras do monstro. O calor aumenta mais... mais... e mais... e então... eu acordo.
  • Viajante I

    “ O que de bom fizer para si mesmo faça também a outros. O quanto puder e como puder, pois será recompensado. Tenha certeza, o bem que se entrega ao próximo é da mesma forma devolvido - Caridade”

    O sol de certo já espreitava atrás dos morros fingindo que ainda demoraria a aparecer, naquelas terras malditas era de se esperar que até o sol fosse traiçoeiro. Mesmo estando escuro como noite o vultur não conseguia dormir. Ele nunca dormia de verdade antes da batalha e já estava há anos naquela vida, mas algumas coisas não mudam. Primeiro tinha própria antecipação e a sensação de perigo, depois tinha, bom, tinha todo resto do acampamento ordens, gritos, peidos, cheiros piores, água ruim, comida ruim e pessoas. Ninguém gostava daquela vida, apenas se acostumavam com a vida de soldado, sobrevivendo, aprendendo a lidar com as coisas de maneira prática e só. No meio das tropas era onde se aprendia a obedecer sem hesitar e, se ainda não souber, também se aprendia a prevaricar sem hesitar. No meio das tropas era onde as palavras ordem e disciplina eram marteladas na cabeça dos soldados todos os dias e, talvez por esse motivo, era admirável o caos produzido por aqueles mesmos soldados quando livres de supervisão.

    Capturado como escravo quando menino o vultur foi criado no trabalho pesado das forjas em uma das inúmeras províncias do império. Tendo convivido com a presença constante dos soldados e sem a chance de se tornar um aprendiz ferreiro, ele não viu melhor escolha senão se juntar ao exército, ao menos lá ele poderia receber algum pagamento se tivesse sorte e não morresse logo na primeira batalha. Ele teve sorte, não morreu nas primeiras batalhas e nas seguintes mesmo tendo chegado bem perto da morte, não sofreu ferimentos graves enquanto lutava nas linhas de frente da infantaria. Com tempo, com esforço e com muita puxação de saco ele foi designado para um regimento melhor onde ele aprendeu todos os truques e artimanhas dos veteranos, incluindo como conviver com tudo de ruim e aproveitar os raros momentos bons. Comer quando tiver chance e descansar quando tiver chance porque nunca se sabe quando vai ter outra chance, ele aprendeu que podia antes de mesmo de formar sua primeira barba. Realmente já fazia anos naquela vida, ele já deveria saber valorizar melhor um descanso, mas naquela noite ele simplesmente não conseguia relaxar, não naquelas terras malditas.

    O maior de todos os problemas era o vento, concluía o vultur sentado e tomando a água com gosto de lama. Era o vento do levante ele ouvia alguns dizerem, o vento que nascia naquelas terras para depois correr o resto do mundo, o vento que criava rios flutuantes no cinturão de planícies nas terras de Escalônia, o mesmo que criava as colunas de cristais de gelo nas cadeias de montanhas do norte onde ele nasceu e outras histórias inventadas para aquela droga de vento. Nada daquilo importava, o vultur não dava meio cobre para a origem daquele vento maldito, o que importava era sua amaldiçoada persistência, sem aviso e sem atraso os vendavais vinham um após outro, trazendo com eles as nuvens de poeira. Por conta de toda aquela poeira desde que as tropas firmaram acampamento naquelas terras dos infernos ele não cochilou mais que uns minutos e a abstinência de sono estava deixando ele absolutamente furioso.

    A falta de descanso incomodava muito mais do que se manter equipado e armado para batalha no caso de um ataque surpresa do inimigo. Claro que o equipamento incomodava, mas usar a armadura também dava uma sensação de força que ninguém podia entender antes de experimentar. Mesmo ali sentado como estava ele se sentia uma rocha enrijecendo seus músculos apenas pelo prazer de forçar o interior da armadura imutável. Aquelas placas de metal polido eram como uma parede entre o mundo e ele, a armadura do Ossifragus dada a ele quando ingressou no regimento vulturi, de início foi estranho usá-la, desajeitado, um tanto sufocante até, aquelas presilhas apertadas, os vãos do corpo onde iam os enchimentos. Estranho de fato, mas logo que o vultur se acostumou ele começou a se sentir mais forte, mais alto e, claro, mais importante que qualquer outro soldado a sua volta. De certo que nem tudo podia ser alegria, após algumas horas de uso e aquela armadura se tornava uma fonte de tortura com o agravo de toda aquela poeira. Era enlouquecedor estava em toda parte, poeira acumulando em suas juntas misturando ao seu suor, infiltrando suas malhas, tornando-as ainda mais desconfortáveis, entrando pelas frestas em seu pescoço e causando assaduras. Naquelas terras malditas em que o vento cantava com voz de choro ele podia sentir até o gosto da poeira entre as frestas dos seus dentes. E quando aquele gosto o irritava demais o vultur tentava respirar apenas pelo nariz, como resultado, sujeira se acumulava, secava e o obrigava a remover suas luvas para limpar o nariz com as unhas o que também vergava sua mente à beira da loucura, mas pelo menos não estava chovendo.

    O que ele precisava era sair daquele lugar, decidido ele se levantou do barril onde estava sentado e se pôs a caminhar para fora da tenda. Mesmo já acostumado com o aperto da vida de caserna ele esbarrava em quase tudo pela frente. Culpa daqueles conscritos de última hora, malditos preguiçosos e mal treinados. A palavra certa era caos, atravessar o interior das barracas era navegar o intestino de um leviatã. Mantimentos, armamentos, roupas, até animais, além dos humanos claro, tudo estava espalhado pelo chão formando um pequeno labirinto. Vez ou outra algo caia no movimento das tendas que deveriam ter sido esticadas firmes, mas estavam mais para velas de navio, balançando ao sopro do vento e ameaçando levar consigo suas amarras, ordem e disciplina? Não nesse exército. Enquanto ele caminhava entre soldados deitados, fingindo dormir, ou agrupados em rodas de jogos de azar, a sombra do vultur era projetada pelas lamparinas causando distúrbios, mas ninguém se manifestava diretamente contra ele. Ao sons raspantes da sua armadura os olhares pelos quais ele passava iam um a um baixando para o chão e atrás dele começava a habitual troca de sussurros;

    _ Um vultur, é um dos vulturi…

    Diziam em tom baixo.

    _ Ossifragus, é o maldito quebra-ossos…

    Sussurravam outros mais honestos, mas todos logo se calavam, pois sabiam que era arriscado falar de um vultur, na verdade era muito pior que isso. Próximo à saída da longa barraca um soldado chamou sua atenção, pelas roupas era um novato, deveria ser um ou dois anos mais novo que o próprio Ossifragus, alheio a hora da madrugada, aquele novato escrevia sem pausa e quase sem respirar, ao notar o olhar passageiro sobre si se explicou.

    _ Nunca se sabe senhor, essas podem ser minhas últimas palavras para minha esposa.

    Um pensamento perfeitamente compreensível para qualquer soldado, ainda mais um recém recrutado, mas o vultur não respondeu. Passando pelo novato que era seu último obstáculo ele finalmente deixou a barraca e respirou o ar externo com cuidado contrariando o sopro do vento.

    _ Jamais escrevi para minha esposa... Fraia… Quais foram mesmo minhas últimas palavras?

    Sussurrou para si enquanto se acostumava com o solo seco daquele lugar. O Ossifragus se lembrava muito bem que suas últimas palavras foram como enfiar uma faca no coração de um corpo já agonizante e ele sabia melhor que ninguém como fazer isso. Talvez Fraia já estivesse acostumada, afinal o vultur jamais havia tratado sua esposa como algo além de uma peça funcional, um degrau para ascensão, um objeto.

    _ Fraia... Seria melhor que você jamais tivesse me conhecido, mas como tantos outros você não teve essa sorte.

    Disse o Ossifragus para o vento e para a madrugada enquanto caminhava entre as tendas procurando um local mais alto. Sua esposa se chamava Fraia der Vuris, nascida na região central do Império onde dizem que o sol é azul e o céu é amarelo, ele mesmo não sabia muito, odiava aquele povo, odiava ter que falar aquela língua. O que ele sabia bem era que apenas aos cidadãos legítimos era permitido residir em Ofiúria, a capital do Império, mesmo ele tendo atingido um alto posto ainda era um ex-escravo, portanto não era bom o bastante para conviver com as malditas cobras imperiais. Não era e jamais seria. Fraia também não tinha nada de especial, não tinha qualquer sangue nobre ou coisa do tipo, ela morava às margens da capital e sob constante açoite da pobreza, ainda assim foi um incomparável presente. Após alguns feitos em batalha e uma boa propaganda ela lhe foi dada como esposa, aliás a cerimônia contratual acompanhou sua convocação ao regimento vulturi, sua nomeação como Ossifragus e sua certificação como aspirante a cidadão do Império. Aquele era seu grande plano na época, conquistar um lugar como cidadão para quando se afastasse das guerras, então formar uma família com Fraia significava direito a um sobrenome, a comércio e todas as garantias do estado como, por exemplo, poder acumular riquezas, pois mesmo sendo de origem pobre Fraia era uma cidadã de puro sangue ofiúro.

    Ossifragus der Vuris, certamente seria um bom nome aos olhos dos ofiúros, mesmo que para ele não soasse grande coisa, assim como seu plano também não tinha de especial. Era algo bem comum aliás, depois que um soldado de carreira tinha a sorte de ser promovido e perdia parte do medo de que cada próxima batalha seria sua última ele naturalmente começava a pensar no futuro, em se casar e ter filhos. Dizem que a própria sorte é uma mulher e como tal ela é atraída para quem não a merece, ele foi promovido, eles se casaram, um ano após o seu casamento comercial sua esposa Fraia deu à luz e sua sorte acabou.

    _ Estava me preparando para marchar quando duas parideiras correram me dar a notícia.

    Disse o Ossifragus apoiado contra uma árvore seca, ele olhava as fogueiras dos acampamentos ao longe como brasas aguardando para reacender. Em sua memória ele ouvia, - é uma linda menina senhor - eram cobras parideiras dizendo, elas forçavam sorrisos trêmulos na tentativa de esconder o medoda reação que ele poderia ter. A reação dele foi passar pelos quartos sem olhar para Fraia nem para a criança em seu peito.

    _ Isso é o que posso esperar de uma cobra. Dá-me um filho homem na próxima vez ou te devolvo ao ninho de serpentes de onde você veio.

    Fraia não era bonita, claro nenhuma ofiúra seria bonita aos olhos dele, afinal eram todas caras de cobras, mas para os padrões sociais do Império Fraia seria no mínimo apresentável. Ela tinha pele de escamas foscas e levemente esverdeadas, um tanto longe do ideal branco polido ou do aceitável cinza, mas em compensação e superando a maioria das ofiúras, Fraia tinha penas na cabeça e longas até com manchas brancas, o que significava uma boa linhagem ancestral, ou assim lhe foi dito. As inúmeras etnias dos ofiúros era algo que ele não entendia muito bem e nem se importava, sendo raças completamente diferentes já estava de bom tamanho que pudessem procriar. Procriar, aliás era essencial para o seu plano, se por um lado seu filho não seria um montanhês como ele, pois todos os filhos de ofiúros nasciam com aparência de cobra, por outro seu herdeiro seria imediatamente reconhecido pelo Império e como pai de um legítimo cidadão o Ossifragus ascenderia ao mesmo nível, era o plano. Então mesmo que gerar um filho com cara de serpente não fosse uma ideia agradável seria um sacrifício rentável, se fosse um filho homem, pois mulheres só tinham seus direitos garantidos dentro da sociedade ofiúra depois de se casarem e essa longa espera certamente não estava nos seus planos.

    _ Um filho homem, nem para isso ela serviu...

    Repetia ele tanto em voz alta quanto na memória de quanto deixava sua antiga casa. Sim, aquelas foram suas últimas palavras a Fraia. E no seu retornou da batalha no Cáucaso, vitorioso e bêbedo em vanglória a província onde eles moravam, como tantas outras, havia sido devastada. A chamada praga do silêncio, uma doença dos infernos que infectava sem distinção e comia a carne das vitimas tornando-nas em cadáveres mesmo antes da morte. Desde que ele se lembra ouvia falar de uma doença ou outra que surgia sem explicação e afligia um grande número de pessoas especialmente os ofiúros. Especialmente quando não exclusivamente, para uma raça tão antiga e tão egocêntrica era de se admirar a fragilidade dos ofiúros em relação a doenças. Fosse como fosse ele deixou para sempre aquela vila assombrada, juntou-se permanentemente ao exército e assim a primeira de todas as pragas se tornou sua nova casa.

    _ A praga da guerra, a praga do silêncio, todos belos nomes para mortes horríveis e suponho que, como na guerra, Fraia e Luria foram enterradas juntas, às pressas, com todos os outros numa cova comunitária, ou talvez queimadas.

    Ao certo ele jamais soube, nem sequer visitou seus túmulos simbólicos. Reorganizar e seguir em frente ele dizia a si mesmo, afinal não havia lugar para sentimentalismo no coração de um vultur, se convencendo facilmente com as platitudes marciais, sem saber se temia mais o fato de não se importar com a morte de sua esposa e filha ou de sentir tanta raiva por Fraia ter morrido e assim frustrado seus planos.

    _ Talvez reveja vocês num dos círculos do inferno, mesmo não sabendo se vê-las será um tormento maior para vocês ou para mim.

    Navegando pelos pensamentos ácidos o Ossifragus se perdia no horizonte e quando percebeu que estava amaldiçoando o soldado na tenda que provocou nele aquelas memórias notou também a mudança sutil nos céus. A noite parecia finalmente ir embora, mas aquelas luzes não eram do sol, não cores tão pesadas de vermelho sangrento tingindo a barriga das nuvens, não, aquele era o reflexo das fogueiras no acampamento inimigo.

    _ Tantos assim?

    O vultur sorriu levemente pela antecipação.

    _ Não fosse o terror da guerra, jamais poderia ver algo tão bonito. Nuvens sangrando pela destruição que virá, e talvez, talvez seja hoje…

    Completando o pensamento com seu desejo secreto o Ossifragus viu uma rara abertura nas nuvens e nela uma estrela solitária. A estrela era de puro, intenso brilho azul e muito maior que qualquer outra que ele já tivesse visto. Como se tivesse esperando pela atenção total do vultur a estrela solitária brilhou com ainda mais força e então se moveu lentamente para o leste até a abertura nas nuvens desaparecer por completo.

    _ Então, os deuses também vieram assistir? Ah! Não devem ter nada melhor para fazer.

    Na chegada das primeiras horas da manhã o ar estava preenchido pelo maravilhoso som da comoção das tropas se colocando em formação, ordens, gritos, madeiras, metais, instrumentos, comandos sendo repetidos, animais e mais gritos. Como uma pausa inicial de parola o vento havia dado um bom tempo de trégua e pouca poeira restava no ar, então a calmaria era capitalizada pelas tropas, mas da mesma forma que o exército ofiúro não faria acordos de paz com inimigo, os vendavais também não tardariam a voltar. Como era de seu costume o Ossifragus já estava equipado em condição de combate e tomado seu lugar entre as formações ainda incompletas. Mesmo com a viseira levantada o elmo abafava seu rosto, o inocmodo já era real, todas as suas armas estavam devidamente acopladas e pesando em lugares diferentes, ele verificou tudo uma vez mais antes de montar seu cavalo. Era um grande animal de guerra e bem treinado até, o cavalo não tinha nome e nem merecia. Cavalos não eram como os frenatus, aqueles répteis gigantes eram máquinas de combate, mas assim como tantos outros o Ossifragus tinha de contentar com um cavalo, aliás o cavalo deveria se sentir honrado por carregá-lo e agradecido também por que a seu pedido toda a parafernália inútil foi tirada dos arreios, afinal a pobre montaria já teria que sofrer demais com tanto peso. Teria e iria carregar sem escolha, pois o Ossifragus não abria mão de nenhum equipamento de batalha, incluindo o largo escudo preso em suas costas por um gancho, desde que passou a usá-lo nenhum inimigo viu aquele escudo e sobreviveu.

    Sem mais tempo para revisão ele firmou os pés nos estrivos, antecipou os primeiros toques das trombetas e as batidas compassadas dos tambores, as tropas estavam em marcha. O Ossifragus conduziu sua montaria despreocupado, afinal aqueles eram apenas os ajustes iniciais, as fileiras ainda estavam sendo postadas distantes umas das outras. Enquanto ainda estavam próximos dele os soldados anônimos da infantaria riam arrotavam, peidavam, escarravam e declaravam suas sabedorias.

    _ Onde está o inimigo?

    _Por que nós é que temos que subir o morro? Não seria muito melhor deixar os bastardos se cansarem vindo até aqui?

    _ Algum general já deve ter vendido esta batalha de qualquer forma…

    _ Droga preciso urinar, sério dessa vez preciso mesmo…

    Após outros toques das trombetas e da ausência dos tambores todo o exército parou o passo no meio caminho do morro. O Ossifragus observou retornarem os últimos batedores que atravessavam as tropas com urgência para se reportarem aos três generais na retaguarda. Mesmo sabendo que as tropas inimigas estariam logo após o morro, era um tanto perturbador não ver antecipadamente aqueles que logo deveria matar. Sem alternativa ele esperava pela deliberação dos generais, poderia levar minutos ou horas dependendo do que os batedores encontraram e do plano de ataque, provavelmente levaria horas e não teria nenhuma diferença no assim dito plano de ataque. Só restava aguardar, mesmo tendo um alto posto o vultur obviamente não dava ordens nem tinha homens sobre sua responsabilidade durante a batalha. Quando em formação de combate todos obedeciam a unidade de comando do trimagis, os três generais, apenas após as batalhas os líderes dos regimentos assumiam comando de suas frações. Confirmando suas expectativas o Ossifragus ouviu as trombetas soarem longas comandando atenção, à seguir ergueram-se três enormes bandeiras douradas riscando os ares no centro e nas pontas da retaguarda, ordenando que o exército aguardasse em prontidão, mas qualquer soldado experiente sabia que quando a ordem de avanço finalmente viesse, seria no pior momento quando todos estivem com seus pés e costas no limite da dor.

    _ Então não é um engano vamos mesmo brincar de quem ataca primeiro às cegas... Malditos trimagis...

    Toda aquela campanha já havia sido um grande desastre na opinião do Ossifragus, desde que puseram os pés naquelas terras malditas perderam quase a metade da infantaria de vanguarda e da cavalaria regular. Apenas a maldita tropa de elite imperial, obviamente composta apenas de ofiúros, não havia sofrido baixas relevantes, malditas cobras protegidas. Para que três generais estrategistas se tudo que faziam era marchar e atacar frontalmente todas as resistências? Sem plano e sem pensar no melhor uso para as forças, especialmente na linha de frente, era um desperdício de recursos. E afinal que lucro poderia haver naquelas terras secas? O Ossifragus viu vilarejos, colônias, uma ou outra fortificação, todas simples e todas defendidas por povos humildes de pequena expressão econômica e quase nenhuma lavoura. Então não era por comida, não era por riqueza e não era por política, aliás por cada uma das localidades que passava o exército tinha de deixar soldados e comandantes para controlar a população e defender as linhas de suprimentos já que tudo que o exército precisava tinha de vir do Império porque aqueles povos conquistados não tinham nada. Não era de se admirar que o exército vencesse todas as batalhas naquela longa marcha para o leste, mas vitórias precisavam ter um significado, senão eram apenas um desperdício de homens e recursos, mas o que ele sabia? Ele não era comandante.

    _ Dizem que precisa um tipo especial de pessoa para comandar exércitos numa guerra…

    Sem dúvida era verdade, afinal nem todos poderem ser déspotas, hipócritas e egocêntricos malditos. A história do mundo estava cheia deles, grandes generais, gênios da batalha, mestres na arte da guerra, aliás por que as grandes histórias eram sempre sobre comandantes ou míseros soldados? Sempre nos extremos ou eram homens com muito poder e muitos inimigos para vencer, ou era sobre pobres desconhecidos que salvavam todo um reino após uma série de acontecimentos improváveis. Por que não contar histórias de pessoas como ele? Pessoas no meio, que cumpriam seu papel corretamente, na eterna luta de ocupar um lugar decente no mundo, pensando bem, quem se importaria com uma história como a dele? Quando ele mesmo não se importava.

    _ Por que ainda luto então?

    A resposta era um desejo que ele mantinha escondido, talvez até de si mesmo e, talvez, com sorte, esse desejo iria se encontrar com ele do outro lado do morro. Com o olhar elevado para linha limite ele imaginava que depois daquela elevação de rochas peladas o sol já havia nascido por completo, seria uma vantagem para inimigo tê-los contra a luz, mas as nuvens escuras ainda estavam no céu e além disso o Ossifragus sabia que haveria algo mais, aquela calmaria tão longa nos ventos não era normal. Fosse como fosse todos estavam em seus lugares, à frente da formação retangular e quase no topo do morro estava a infantaria. Os escravos vinham na verdadeira ponta da lança, armados com uma infinidade de equipamentos aleatórios e inferiores, pelo menos a maioria tinha escudos. Os soldados de carreira imediatamente atrás eram distribuídos nas tradicionais linhas de escudos largos e lanças longas. Exceto pelos equipamentos não havia grande diferenças entre eles, todos haviam sido recrutados dos povos conquistados de todos cantos. Aqueles pobres não lutavam de verdade pelo império, em seus corações cada um deles tinha suas próprias causas, uns pelo diminuto pagamento, uns por medo ou obrigação, outros pela chance de matar e devolver parte da violência que sofreram, outros até por comida e em todos os casos deserção era punida com a morte, então mesmo com convicções diferentes todos lutavam até o fim. Talvez até houvesse uns sonhadores como ele foi no início, pobres desesperados lutando pelo sonho de um dia se destacarem o suficiente para se tornarem cidadãos legítimos do Império Ofiúro. E por que não? Era um sonho plausível e razoavelmente comum até, mas naqueles dias em que cada nova batalha parecia mais difícil que a anterior, era de se apostar que boa parte dos que tiveram escolha estivesse pensando que talvez fosse melhor terem permanecido como pobres coitados nas províncias, ou mais ainda, talvez seus olhos já estivessem abertos para a grande verdade, que eles sempre seriam escravos.

    Atrás das primeiras e um tanto desorganizadas fileiras de escravos e soldados de carreira, vinha a cavalaria regular, composta dos mesmos tipos de soldados, mas com mais tempo de serviço e merecedores de uma certa deferência, eles usavam escudos médios, lanças mais curtas e de melhor qualidade, além delas podiam escolher suas armas secundárias, normalmente espadas. Uma boa distância atrás da cavalaria regular vinham as tropas da elite imperial onde então claras diferenças se davam. A elite imperial era composta exclusivamente de ofiúros de sangue puro, mesmo por que apenas aqueles malditos com sangue de serpente eram capazes de montar os famosos répteis frenatus. E os frenatus eram as melhores montarias de batalha que poderiam existir. Eram animais vorazes tão ou mais altos que cavalos, tinham longas caudas e atacavam tanto com garras quanto com mordidas. Nas poucas vezes que o Ossifragus viu um dos cavaleiros imperiais cair e deixar seu frenatu vivo a fera lutou sozinha até o fim da batalha parando seus ataques apenas quando um outro ofiúro retornou para buscá-la. Além do mais se os boatos que ele ouvia estivessem corretos os répteis de montaria eram treinados para emitir sons que avisavam seus cavaleiros de algum perigo iminente, isso por si só já seria impressionante, mas aqueles frenatus assim como os ofiúros também podiam ver no escuro, sentir calor e interpretar as vibrações no solo. Talvez tudo aquilo fossem lendas criadas para inflar o ego dos ofiúros, mas era fato que as tropas da elite imperial poderiam dominar o campo de batalha apenas pelo terror que os frenatus provocavam. Infelizmente para o inimigo ou para todos eles aquelas não eram as maiores ameaças. Nos flancos de toda a formação estavam outras das aberrações que davam terror e fama ao exército dos ofiúros, eram os homens-dragão, os chamados dracuris.

    Aqueles sim mereciam ser chamados de dragões, os dracuris chegavam a ter a altura de duas casas, com formas de serpente dotadas de braços e pernas, as vezes asas. Criaturas que nasceram homens ofiúros, mas que por seu sangue tentado se tornavam em bestas gigantescas e uma vez que começavam a se transformar o processo não tinha cura. Os dracuris eram raros e tão temidos quanto desejados. Pelo que o Ossifragus aprendeu a origem dos dracuris começou junto com a história daquele povo. Todo o povo ofiúro era resultado de uma antiga magia, prova disso eram os homens-dragões. Nos dias mais recentes os líderes ofiúros, que viviam na capital graças ao lucro gerado pela máquina da guerra, passaram a compensar generosamente as famílias de onde surgiam os dracuris e enviá-los para o exército, onde poderiam matar sua sede de destruição de modo lucrativo. Os dracuris então se tornaram figuras de comércio e troca entre a nobreza ofiúra, mas ali na ponta da lança, no campo de batalha as criaturas gigantes que não sabiam distinguir aliados de inimigos não eram desejadas por ninguém e até aquele momento as tropas contavam com vinte e um deles marcando os limites da formação, perto dos dracuris ficavam apenas uns bravos que se consideravam treinadores, mas estavam mais para servos. Além de toda a tropa concentrada no bloco central em algum lugar deveria haver mais dois esquadrões de infantaria reserva, mas ninguém além dos três generais e dos mensageiros saberia o local exato. Perto da retaguarda numa linha entre a cavalaria e os arqueiros estavam o regimento vulturi. Todo o regimento contava com apenas seis cavaleiros, dispostos em ordem, mas com tanto espaço entre eles que não podiam se comunicar verbalmente e de fato nem precisariam. Sua missão era simples e clara, ao regimento vulturi e aos arqueiros cabia a missão mais revoltante, matar a todos. Além de matar todo e qualquer inimigo que pudessem, eles deveriam matar todo aliado que não fosse capaz de permanecer em pé no campo de batalha, o exército ofiúro não cuidava dos seus feridos que não tivessem chance de retornar imediatamente a batalha.

    Fosse como fosse eram seis os vulturi atuais, conforme a tradição ofiúra todos abandonaram seus antigos nomes para honrar os títulos recebidos. Liderados por Cinerous o sábio que era também o mais velho e o único de puro sangue ofiúro. Depois dele vinham os irmãos Neophron o eviscerador e Necrosyrtes o sombrio, ambos de meio-sangue com a aparencia das cobras mas felizmente sem a mesma arrogância, ambos se orgulhavam de maestria em todas as armas conhecidas no Império. O quarto era Fulvus o bravo, descendente de uma rara e reclusa raça de gigantes do norte ele usava um martelo de guerra, Fulvus era coberto por pêlos castanhos, suas feições eram associáveis às de um bovino e inclusive com chifres. Ninguém sabia muito sobre ele, o próprio Fulvus era incapaz de falar ou pensar normalmente, boatos diziam que algo havia sido feito com a mente dele e o resultado era obediência, mas total incapacidade de interação. Tenuirostris o veloz, era o quinto e de fato o mais ágil sua arma favorita era um arco longo e laminado, ele tinha pele escura como a noite e longos cabelos brancos com inusitado brilho púrpura, oriundo de um povo arborícola já dizimado pelo Império. Se mal olhado Tenuirostris parecia uma mulher, alto e esguio como era, mas mulheres não eram permitidas entre as tropas, mesmo as escravas eram rapidamente transportadas para não causar distúrbios entre os homens, o que não os impediam de procurar prostitutas ou cometer estupros sempre que podiam. Fechando o grupo atual estava o próprio Ossifragus o quebra-ossos, o mais jovem no regimento ele não se achava especial, mas admitia que tinha um talento natural para lutas, não exatamente guerra e batalhas de campo, mas lutar contra alguém realmente melhorava seu dia, mesmo que sempre sobrasse pouco para ele. Cada vulturi era treinado ao máximo de suas aptidões e equipado com o melhor do que o Império poderia oferecer em armas e armaduras. Os vulturi eram a exceção depois da elite imperial, de certa forma eles eram uma elite, uma elite de covardes que ficavam para trás e matavam quem já não tinha forças para viver. Talvez só não fossem tão covardes quanto os gloriosos trimagis sangue de cobra que cochichavam embaixo dos estandartes.

    _ Então me tornei um guerreiro imperial, invejado por muitos, odiado por quase todos e compreendido por nenhum…

    Murmurava o Ossifragus já antecipando que a farsa da guerra estaria para começar. Confirmando suas suspeitas uma grande sombra se ergueu nos céus chamando sua atenção para o alto do morro, então sons viearam, eram sons de batalha, uns pareciam gritos de guerra, outros mais estranhos pareciam estrondos e rangidos. Logo flechas começaram a cair terminando suas parábolas contra a infantaria.

    _ Está claro que o inimigo avançou então por que não dão as malditas ordens...

    O Ossifragus olhou para trás buscando os estandartes vermelhos que liberariam o ataque, mas a nuvem de poeira passando por eles não permitia ver a retaguarda. Quando a cortina de poeira dissipou brevemente ele viu que os arqueiros atrás dos vulturi já estavam em condição de disparo, um comando sonoro soou e flechas aliadas voaram para o outro lado do morro. No intervalo dos lançamentos do inimigo o exército ofiúro cobria o céus três vezes com suas levas, entre elas Tenuirostris lançava seis ou sete vezes, impossível dizer se encontravam algum alvo, mas demonstrava superioridade técnica.

    _ Começou cedo senhor veloz, mas para que atirar às cegas? Para que apressar o inevitável?

    Instantes depois ele pensou ter ouvidos trombetas e virou-se encontrando o que esperava, estandartes vermelhos se agitavam na retaguarda. Com o eco das ordens de carga sendo repetidas as tropas iniciaram avanço morro acima, e assim como a cavalaria os vulturi também iniciaram sua marcha seguindo num passo um tanto mais lento com os arqueiros logo atrás. O lado hostil do morro mostrava outra de suas suspeitas, muros de tempestade de poeira, ele baixou sua viseira, mas antes de desviar olhar pensou ter visto que as forças imperiais empurravam o inimigo, então a tempestade chegou cobrindo tudo e a marcha se tornou uma descida cega. Já de início ele ouviu um estouro e prevendo um ataque Ossifragus balançou o máximo que pode de seu corpo para o lado, quase caindo da cela, e então ele caiu. Na verdade o mundo pareceu tê-lo derrubado e depois caído sobre ele, quando percebeu que era o peso do seu cavalo morto esmagando sua perna o Ossifragus forçou sua saída por debaixo tendo a presença de espírito de recuperar seu escudo caído e fixar o braço esquerdo nas amarras internas. E foi bom que o fez, um impacto contra o escudo foi o único aviso que teve do ataque inimigo. Na curta distância a visão ainda era boa, então quando o segundo golpe veio o Ossifragus girou firmando seus pés e deixando o inimigo passar um pouco para o lado direito, depois circulando seu machado pelo ar ele acertou atrás da cabeça do inimigo, um corpo alto e magro caiu inerte ao chão. Noutro instante ele viu mais a frente um inimigo que passava correndo e tropeçou empalando a si mesmo com sua arma.

    _ Ah! Um bom começo, e se não me engano esse foi o terceiro desde o início da campanha, mais dois e farei Cinerous pagar-me a aposta e se depender desses camponeses idiotas não passará de hoje…

    Rindo da cena, mas amaldiçoando a tempestade de poeira que não lhe permitia ver mais muito mais que uns passos à frente o Ossifragus lembrava das suas primeiras cargas de batalha. Naquela época ele também temia tropeçar e morrer mesmo antes de chegar ao alvo. Na verdade bem cedo na sua carreira ele aprendeu que não importava quantos anos de treinamento se tinha, no calor da batalha o que importava era a capacidade de acertar um bom golpe antes que o inimigo fizesse o mesmo, em algum momento todo soldado descobria o mesmo. Por que quando se está a beira do abismo da morte, todo o treinamento desaparece e aí tanto faz a técnica desde que o inimigo caia primeiro, tanto faz a teoria que se tente aplicar na guerra, a sorte decide os fatos.

    _ Sorte é a grande mestra da batalha.

    Ninguém era infalível, mesmo o mais experiente guerreiro poderia simplesmente tropeçar, cair sobre sua arma e se empalar como aquele pobre camponês. A Sorte assim decidia de todos a hora da morte e ninguém viveria um instante a mais que o permitido pela deusa da fortuna. Terminando sua decida cega outros dois inimigos ele derrubou antes de encontrar o primeiro aliado caído, na escuridão dos ventos ele assistia o soldado de carreira tentar levantar-se, ele assistia por pura curiosidade.

    _ Será que ele consegue se levantar sem usar as pernas?

    Não havia esperança para o aliado caído, o rapaz tinha sofrido golpes pesados demais em ambas as pernas, e o que lhe restava delas jamais sustentaria qualquer coisa novamente. De fato não havia esperança, estava claro mesmo no semblante do rapaz quando ele olhou diretamente para cima e viu o Ossifragus. Raiva? De certo o jovem desejava viver um pouco mais e talvez até conseguisse, se fosse tratado imediatamente, após horas de dedicação muita médica ele poderia sim sobreviver, claro, como um inválido. Viveria como um inútil, dependendo da boa vontade de outros para o resto de sua vida.

    _ Poderia, mas...

    Disse o Ossifragus antes de golpear o jovem aliado. Acertou-lhe abaixo da cabeça com seu machado, nem limpo nem doloroso, mas uma morte rápida.

    _ Não nesse exército...

    Respirou fundo erguendo-se e já recomposto o Ossifragus buscava se concentrar no chão e nos sons, mas a tempestade de poeira já havia tirado seu centro, fosse como fosse ele pensava estar marchando na direção correta. Sem seu cavalo o avanço pelo campo era uma caminhada lenta intercalada com raras corridas laterais curtas para interceptar um alvo ou outro. De fato tudo era lento e previsível ao ponto do tédio, em seu caminho encontrava poucos inimigos em pé e ainda com capacidade de luta, na maioria dos casos dois ou três golpes trocados era o máximo que levava. Em ainda mais raras ocasiões o Ossifragus enfrentava grupos, mas mesmo em maior número o inimigo não tinha vantagem. Eram inexperientes, estavam cansados, desorganizados, mas corajosos sem dúvida. Mais e mais ele derrotava, mais e mais feroz o inimigo parecia, talvez estivesse errado, mas diversas vezes pareciam vir diretamente para cima dele. Talvez atraídos pela armadura e iludidos com a possibilidade de derrotar um cavaleiro de armas, sem saber se tratar de um vultur. Não importava, pois todos sem exceção terminavam mortos. Numa das breves folgas dos vendavais ele pensou ver Tenuirostris ao longe usando suas adagas em extraordinária velocidade.

    _ Pobres almas, imagino que morreram sem saber o que os atingiu.

    Não faria diferença de qualquer forma. Ninguém sobreviveria a passagem das tropas imperiais por aquelas terras.

    _ Essas terras malditas, nem mesmo tenho prazer no embate, logo estarão todos moribundos e não haverá mais qualquer desafio.

    Já não havia qualquer desafio, mesmo que o número de inimigos que penetrava as linhas fosse cada vez maior, eles estavam exaustos, tanto que para a maioria restava apenas a misericórdia do último golpe. Ele não sabia quanto tempo já havia se passado, mas o chão já exibia um extenso tapete de corpos. Pelo caminho havia até alguns ofiúros, mas com eles o Ossifragus não precisava se preocupar, já que os imperiais incapacitados da elite quase sempre tiravam suas vidas em ataques suicidas ou cortando suas próprias gargantas patrioticamente. Fosse como fosse nem todos os corpos do tapete estariam completamente mortos, então o Ossifragus decidiu se por à sua verdadeira missão, ele pendurou o machado junto ao cinturão e dentre as várias armas que carregava sacou das costas a sua hasta. A hasta era uma lança curta com lâmina grossa que penetrava facilmente, mas por efeito das suas guardas não ficava presa no corpo adversário. Então uma canção mais fúnebre tomou lugar, ele já não corria pelo campo, mas andava pela escuridão alternando direções procurando os moribundos aos quais presenteava com um golpe através dos olhos.

    Num dos momentos em que o vento abriu as escuras cortinas de poeira o Ossifragus percebeu algo de muito estranho. Na sua frente faltava a familiar estrutura horizontal e nas laterais faltavam as colunas gigantes.

    _ Será possível que marchei em círculos? Ou para trás?

    Não, bem atrás dele estava o morro e talvez até algo que poderia ser o seu cavalo, estranho mesmo, mais ainda eram todos aqueles buracos no chão. Havia crateras por toda parte, ainda em dúvida ele seguiu enquanto outras hipóteses mais absurdas lhe surgiam.

    _ Será que a infantaria sucumbiu? E quanto a cavalaria? As forças reservas? E os malditos dracuris? Tem alguém aí...

    Gritou o Ossifragus, pois desconfiava que ninguém o ouviria. Gritou, pois viu as cortinas se fechando, e no meio do uivo do vento ele viu que o mundo escurecia de novo. O Ossifragus marchou então, não tinha outra escolha, tentava guiar sua direção pelos sons entre o choro do vento, mas os sons que ele mais ouvia eram outros, eram sons espantosos que vinham de brilhos esparsos como trovões caindo ao chão. De súbito ele se sentiu sozinho, abandonado no campo de batalha e a mercê dos inimigos que poderiam cercá-lo a qualquer momento e…

    _ E isso seria glorioso…

    Sorriu para si mesmo reanimado, anos atrás no seu caminho ele já havia aceitado seu destino, aceitado que um dia sem qualquer diferença de outro sua morte chegaria, de fato tinha aceitado tão bem que passou a desejar secretamente. Após seus gritos inconsequentes anteriores ele havia inalado uma boa quantidade de terra, tentando limpar sua garganta o Ossifragus tossiu e sentiu parte das gotículas retornarem ao seu rosto após baterem contra a viseira do elmo. Quando o ataque de tosse parou ele já havia encontado a paz. Mesmo na tempestade ele se fez calmo, sacou a pele rígida na sua cintura e bebeu toda a água, que era pouca de qualquer forma. Cada vez mais decidido ele baixou sua viseira, rasgou a capa fixada em suas costas, fazendo dela uma bolsa para depositar todo o seu equipamento num local que levianamente pensava poder encontrar ao fim de tudo, mas que de fato não se importava em perder, pois sabia que no fim daquele caminho não haveria volta. Abriu mão de seu escudo pesado, da lança, do machado e das adagas, abriu mão de todas as suas armas exceto uma.

    Caminhando então ele empunhava uma única arma insubstituível, a única arma da qual jamais se desfizera, pois era um achado, tão antiga que uma leve camada escura cobria várias partes inclusive das lâminas que ele polia diariamente. A maça de batalha era o único equipamento que ele tinha adquirido por si mesmo, muito longe daquelas terras e era também a única arma na qual ele confiava, pois sabia que jamais seria quebrada e jamais perderia o corte. Apertou então o cabo até sentir dor, ele iria morrer segurando aquela maça e teriam de cortar seus dedos para arrancá-la de suas mãos. Retornando então à canção da morte o Ossifragus marchou nas trevas, cada corpo que surgia em sua visão recebia golpes de sua maça de batalha e nenhum resistia. Quando as grossas lâminas não ceifavam de imediato ao atingir um membro ou parte, o próprio peso da maça causava fraturas tão graves que os corpos caíam como sacos vazios e acima os deuses começavam a rasgar os céus em raiva. Sem se importar, golpe após golpe o Ossifragus se perdia nas trevas, suas vítimas se faziam borrões antes de cairem. O progresso se dava muito mais rápidoe e ele estava no pico de suas capacidades, ainda assim sentia que algo não estava certo.

    _ Esses sons, esses brilhos...

    Algo grande caiu em velocidade absurda, ele sentiu o chão debaixo de seus pés tremer ao ponto de desequilibra-lo e seus sentidos o abandonaram. Espantado com um agarrão em suas pernas ele chutou em reflexo livrando-se, mas sendo projetado para frente por suas próprias forças. Tudo tinha o mesmo tom escuro de cinza, tudo girava e se retorcia, nenhum outro som havia além de um perturbador zumbido, mas ele não se renderia ainda. O Ossifragus forçou os sentidos ao seu centro novamente, e então viu algo que reluzia no chão em meio aos destroços, aqueles contornos eram fáceis de reconhecer.

    _ Um vultur morto? Impossível...

    Mesmo com a poeira negra se misturando ao sangue que corria sobre a armadura reluzente aquela figura era inconfundível, o tamanho grande demais, os chifres adornando a fronte, era Fulvus e estava morto, esmagado como um inseto.

    _ Estão nos derrotando…

    Uma impossibilidade bem diante de seus olhos, um dos soldados mais fortes do Império morto por algum truque ou magia sem nenhuma causa aparentemente, sem baixa do outro lado ou resposta dos aliados, o que significava que o inimigo não apenas tinha chances de vencer, mas naquela estranha luta às cegas eles estavam vencendo. E de fato o Ossifragus notava como era difícil encontrar um aliado vivo, nem se lembrava do último, mas o inimigos chegavam em grupos para atacá-lo. Vindo de vários lados eram inexperientes e mal equipados, pequenos em estatura e sem nenhum conhecimento de combate, apenas se jogando contra ele.

    _ Morrendo sem saber nada da vida…

    Pensava o Ossifragus, cortando a barriga de um quando num adulto teria acertado as pernas.

    _ Tão jovens…

    Pensava ele ao empalar outro inimigo com o topo pontudo de sua maça de batalha, o rosto que observou a arma atravessar seu pequeno corpo virou-se para cima e encarou seu executor com lágrimas nos grandes olhos.

    _ São... Crianças?

    O Ossifragus afastou-se do pequeno corpo, sentindo enjoo, sentindo suas pernas tremerem dentro da armadura ele caiu de joelhos pronto a vomitar, levantou a mão tentando retirar seu elmo, mas antes que pudesse alcançar o fecho algo como um laço o agarrou seu braço, seu pescoço também foi laçado e sua cabeça puxada para trás, por fim outro laço tomou seu braço esquerdo. As cordas eram fortes demais, por mais que ele forçasse suas pernas não conseguia vencer a resistências das cordas para se manter equilibrado, nem cortá-las com seus braços estirados, sentindo o esgotamento lhe abater ele soltou a maça de batalha. De dentro da escuridão ao som dos uivos do vento vinham mãos rápidas e retiravam partes e mais partes de sua armadura, ele já começava a entender o significado quando algo frio penetrou suas costas.

    _ Sorte é a grande mestra da batalha…

    Ao acordar não havia mais poeira. No lugar dos morros secos ele viu campos que eram na verdade muito bonitos, aliás todo aquele vale era majestoso em seus contrastes de cores, de luzes e sombras. Havia beleza nas pedras cinzentas e nas faixas de gramas tão verde terminando num grande lago que centralizava o vale. Perfeito se não estivesse chovendo.

    _ Tinha que estar chovendo?

    Ele gritou…

    _ Claro que sim, significa que estou mesmo morto não é?

    Como ele odiava a chuva, tanto que quase sentia saudade da poeira e da escuridão. Fosse como fosse ele já estava molhado e, sem muito mais que fazer desceu pelos campos e pouco antes de chegar ao lago ele baixou seus calções, escorou-se numa das grandes rochas e urinou.

    _ Mortos não mijam…

    Disse ele olhando através das gotas caindo das nuvens escuras, mas antes que pudesse concluir suas teorias duas figuras surgiram sobre o lago e passaram a caminhar na sua direção.

    _ Caminhando sobre as águas hein? Isso mata minha dúvida, definitivamente estou morto…

    Sem qualquer preocupação e notando que tinha algum tempo, ele terminou com as necessidades da natureza e demonstrando ainda menos pressa colocou seus pés descalços dentro das águas do lago. Sentindo as pedras geladas contra as solas dos seus pés e a água que batia contra seus joelhos ele se pôs a lavar a sujeira que chuva não tinha tirado. Esfregou então seu rosto, seus braços, seu peito e como estava nu da cintura para cima notou que não havia sangue nem feridas. Mais ou menos satisfeito se sentou molhando seu traseiro na beira do lago e com as mãos descansando sobre os joelhos ele esperou. Instantes depois as duas figuras estavam perto o bastante, um era um monstro quadrúpede, negro e gigantesco a outra era uma mulher vestida de branco e cuja altura era a metade do monstro.

    _ O famoso Ossifrágio devorador de ossos, um dos grandes vultures, ou abutres, ou carniceiros como me parece mais justo dizer, vejamos como está agora? Sem asas e sem garras, onde está sua raiva passarinho? Onde está sua raiva para ajudá-lo a lidar com a culpa e o remorso?

    Disse a mulher descansando sua mão contra a besta que imóvel o encarava ameaçadoramente.

    _ E a quem devo responder?

    Disse engolindo seco e puxando seus cabelos molhados para trás ele notou pela primeira vez os olhos daquela mulher. Ela era bonita até, ao menos parecia humana e não uma cobra, era clara e de cabelos escuros, o desconcertante estava nos olhos. Os olhos daquela mulher eram brancos brilhantes como se feitos de neve, aliás ele tinha certeza que se pudesse tocá-los seriam frios como gelo.

    _ Não apenas a quem, mas como deve me responder. Não te ensinaram que nessas ocasiões é comum se manter de joelhos em reverência? Com a testa junto ao chão e não apenas a bunda…

    Disse a deusa em tom sério.

    _ Não, não sabia disso, acredite ou não, não morri muitas vezes antes dessa.

    Respondeu ele rapidamente, e rapidamente concluindo que já estava forçando os limites de sua sorte, mas já estava morto então…

    _ Seu nome?

    Ele perguntou.

    _ Conhece os velhos dizeres? Tenho muitos nomes, Aletea, Veritat, Oneira e tantos outros mais…

    Respondeu ela um tanto mais serena e por um instante ele ponderou, mas apenas por um instante, afinal desrespeito estava em sua natureza.

    _ Aletea a mais inútil das deusas, conheço sim, e você? Conhece os outros velhos dizeres? Como eram mesmo? Antiga senhora? Ah! Sim, isso mesmo. Antiga senhora por que mora aqui entre florestas ancestrais deixando as cidades dos homens para trás?

    Enquanto assumia um ar de desprezo ele também se dava conta de que a chuva não molhava as figura no lago, nem mesmo a superfície do lago se alterava com o cair das gotas. Era mesmo de se esperar que apenas ele tivesse de sofrer com a maldita chuva. A deusa com seu semblante ainda mais inabalável respondeu logo completando o antigo ditado.

    _ No início apenas nos de mais idade as mentiras se encontravam, mas agora elas se por toda sociedade humana espalharam… Conheço bem essas lendas e apesar de insinuarem que abandonei a humanidade essas canções em minha homenagem não são ao meu desagrado, mas pode dizer o mesmo carniceiro? Afinal algumas canções foram cantadas sobre seus feitos, tem algum orgulho delas?

    _ Talvez, mas não vamos mentir aqui está bem. Você não apenas abandonou os homens, mas foi a primeira entre todos os deuses a abandonar a humanidade, sente algum orgulho disso senhora da luz?

    _ Toda boa mãe sabe a hora de deixar seus filhos seguirem sozinhos e viver em liberdade e também como toda boa mãe sempre me mantenho à espera daqueles que precisarem voltar para o lar…

    _ Já devia esperar uma resposta pronta. Então já sei como...

    Disse ele abrindos os braços como se apresentando sua postura relaxada e logo recostando com as mãos para trás, largo peito a mostra.

    _ Já sei a quem... Falta o porquê. Então me diga, oh deusa da verdade, por que devo continuar respondendo a você, já não sabe de tudo?

    _ Todos temos objetivos, meu…

    _ Ah! Não me fale!

    Interrompeu ele bruscamente e já produzindo um sorriso idiótico no rosto…

    _ Já sei, essa é uma daquelas histórias… Você sabe aquelas histórias em que deusas carentes procuram homens fortes e bonitos em busca de... Satisfação? E talvez... Filhos? Mas se é o caso por que trouxe o monstro?

    A deusa observou o sorriso canalha brotando no rosto molhado dele e ainda sem demonstrar qualquer emoção ela mudou o tom de suas palavras que se fizeram como lâminas de gelo.

    _ Não é uma dessas histórias, você não é tão homem e certamente não é forte o bastante para mim, por isso trouxe meu companheiro…

    Disse a deusa acariciando o monstro que rosnou para ele.

    _ Então carniceiro, para sanar sua dúvida, se a necessidade me abater acredite que já tenho quem me auxilie e não deixa a desejar.

    Com sorriso desfeito, mas ainda sem qualquer respeito ele retomou.

    _ Outra ótima resposta o que me deixa sem escolha senão perguntar qual o vosso objetivo? Oh vasta deusa gélida.

    Dando ênfase na palavra vasta, ele procurava por reações que demonstrasse que a deusa compreendeu a piada quando ela respondeu direto ao ponto.

    _ Transformar um monstro num guardião, uma praga destrutiva numa força protetora.

    _ Certo…

    Respondeu ele imediatamente, mas logo mergulhando em seus próprios pensamentos deixou o bom humor de lado.

    _ Agora tenho certeza de que não é uma daquelas histórias…

    Disse ele exasperando, a deusa se manteve em silêncio e algo na visão dele pareceu ofuscá-la, como se a qualquer momento ela fosse desaparecer, mas então reacertou-se e ele continuou.

    _ O que acha que vou fazer? Lutar em seu nome? Em vez de escravo de um imperador de um lugar distante me tornar escravo de uma deusa de um lugar distante?

    _ Não há distâncias entre mim e o seu coração…

    Disse a deusa ainda mais fria e novamente sua imagem ameaçou desaparecer.

    _ Não sou herói, por que você não escolheu alguém melhor, alguém…

    _ Tem coragem de me perguntar guerreiro? Você que matou todos os bons…

    A deusa respondeu parecendo estar mais distante.

    _ Não posso dizer que sinto muito, afinal não sou uma boa pessoa e nunca vou ser…

    _ Decida-se, aceita lutar em meu nome ou prefere morrer? Responda-me Guerreiro?

    Mesmo perguntando com firmeza tanto a voz quanto a imagem da deusa estavam fracas demais para ele distinguir, e outros sons se misturavam como palavras de uma língua que ele não entendia.

    _ Que tal o montanhês? Está aí guerreiro? Guerreiro? Responda…

    O que ele viu de repente era incrível e irritante ao mesmo tempo. Um homem que estava em cima dele tinha a pele em tom de um magnífico e pálido azul, suas roupas ricas em tecidos, túnicas e peles sobre uma armadura prateada. Aquela era a parte incrível, a irritante era que o homem estava estapeando o rosto dele enquanto falava em diversas linguas.

    _ Estou aqui, sim…

    Ele respondeu, ou pensou ter respondido, por que sua voz soava tão fraca?

    _ Ah é o montanhês então! Que bom que ainda se conta entre os vivos rapaz.

    Disse o homem de pele azul sorrindo e se afastando um pouco, talvez para dar-lhe mais ar que respirar, não fazia diferença, ele conseguia respirar muito bem, o problema era o mundo que ficava retorcendo aos olhos dele.

    _ O lago? E a chuva?

    _ Nessas terras não há águas guerreiro e as chuvas não dão muitas graças aqui também. Sabe onde está? Sabe seu nome?

    _ Sei sim... E a batalha já terminou?

    Disse ele buscando firmar sua voz mesmo com a garganta tão seca e lembrando de tomar o cuidado para nao revelar de que lado ele esteve na batalha.

    _ Nesta terra também não tem muitas batalhas, afinal é um deserto pode ver...

    _ Mas você é um soldado…

    Disse ele tentando se levantar e apontando para a armadura do homem de pele azul.

    _ Fui um dia, um dia que também já ficou muito longe no passado. Hoje não empunho mais a espada e vivo uma vida muito diferente, por sinal hoje chamam-me Logos.

    _ Bom para você.

    Ignorando os maus modos o homem de pele azul continuou a lhe questionar sobre uma infinidade de fatos, já o guerreiro focava sua visão para o ponto, o exato ponto que estava antes e como através de um véu ondulante ele pode ver e ouvir por um instante mais a deusa que acariciava o monstro e desaparecia no ar.

    _ Cuide bem dele Azuro…

    _ EPI _

    Num pouso entre os caminhos os dois estavam sentados olhando as estradas de terra.

    _ Então Logos, você é um mestre ou educador de algum tipo não é?

    _ Sou um professor, sim e fico abismado com a capacidade de adivinhação da maioria das pessoas com quem desenvolvo um diálogo.

    _ É que, tem um certo ar sobre você.

    _ Imagino que tenha mesmo, mas temo que não seja dos melhores já que as pessoas tendem a se tornar mais sérias quanto estão próximas a mim.

    Ele não respondeu e o professor continuou.

    _ Isso é claro somado a minha inabilidade natural de conversar corriqueiramente ou fazer piadas simples o que torna o humor espontâneo muito mais difícil.

    _ Certo então, professor Logos, diga-me é realmente possível que uma praga destrutiva se torne uma força protetora?

    _ Sim, de fato é, ainda mais quando se está no caminho certo jovem Eickthor, afinal é sempre tempo de mudança e toda mudança pode ser para melhor, filosoficamente falando...

    _ Certo, mas como uma pessoa pode saber se está no caminho certo?

    _ Ora, existem vários métodos, tudo depende do campo em questão e do objeto de estudo, por exemplo a jornada pessoal de cada um. Vejamos, diria que no seu caso uma boa maneira seria se fazer uma pergunta simples. Pense, se este fosse o exato momento de sua morte, estaria contente com sua jornada até aqui? Em outras palavras…

    _ Ah! Não me fale! Já sei! Essa é uma daquelas histórias...

  • Vigilante de Ferro 2

    Na Rússia, a mídia cobre uma notícia sobre Vigilante de Ferro, Aleksei Dokuchaev, cujo pai Ivan Dokuchaev acabou de morrer, vê isso e começa a construir um Reator Enérgico em miniatura semelhante ao de Chris Evans, dois anos após se tornar Vigilante de Ferro, Evans se tornou uma super estrela e usa seu traje de Vigilante de Ferro para meios pacíficos, John consegue controlar sua armadura sem está dentro dela e diz para todos que Vigilante de Ferro é o seu segurança particular, resistindo a pressão do governo para entregar sua tecnologia, ele inaugura a Evans Expo na cidade de São Paulo uma exposição tecnologica, cansado das falsas amizades que o rodeia e querendo se dedicar exclusivamente a vida de super-herói, John nomeia sua assistente pessoal e agora namorada Pamela Brown, CEO das Indústrias Evans, e contrata Luana Rushman, para substituí-la como sua assistente pessoal, John vai até a festa de ano novo organizado pelas Indústrias Evans, onde ele é atacado por Dokuchaev que usa chicotes eletrificados e se nomeia como Chicote Elétrico, John veste sua armadura e derrota Dokuchaev, mas seu traje fica gravemente danificado, Dokuchaev explica que sua intenção era provar ao mundo que o Vigilante de Ferro não é invencível, Dokuchaev é preso, no dia seguite John está em sua cobertura no Edifício Evans ele recebe a visita de seu amigo Coronel Willian Tahan, Willian diz que tem um mandato pra levar a armadura de John pois o governo acha perigoso que ele fique com a armadura, John diz que a armadura foi danificada mas Willian diz que o exército pode conserta-la, John diz que a armadura é inútil sem o reator enérgico, mas Willian diz que o exército ficou com o reator enérgico construído por Dokuchaev e usará ele, eles se perguntam como Dokuchaev construiu aquele reator, depois de conversarem um pouco, Willian diz que precisa ir e John pede para que ele não deixe que a armadura caia em mãos erradas, Willian diz que não deixará e vai embora, John vai até um quarto secreto onde revela uma nova armadura mais moderna que a anterior, a prisão onde Dokuchaev está é atacada e ele é levado por algumas pessoas, Dokuchaev é dado como morto no ataque, Dokuchaev é levado para um lugar secreto chegando lá um empresário rival de John, Victor Walter se apresenta para Dokuchaev e lhe pede para construir um novo reator enérgico para carregar seus robôs e depois mate John, Victor diz que lhe dará tudo o que ele precisar para isso e fazendo isso Dokuchaev será bem recompensado, Dokuchaev diz que só quer uma coisa, ver John Evans morto, Victor diz que também quer isso e depois que seus robôs estiverem prontos ele os venderá para o exército criar um exército de robos, Nick Wilsom diretor da AIP, vai até John, que diz que, não está interessado no grupinho dele, Nick revela que "Rushman" é na verdade a Agente B da AIP, que estava disfarçada para ver se John era de confiança, Nick revela que Daniel Joseph Evans, pai de John foi um dos fundadores da AIP, Nick explica que o pai de Dokuchaev inventou conjuntamente com Joe uma bateria antecessora do reator enérgico, mas quando Ivan tentou usar a bateria e o projeto de androides de Joe para fins próprios Joe o demitiu da AIP, Nick dá a John um material antigo de seu pai, que é um projeto para criar uma inteligência artificial, Dokuchaev termina o reator mas ao invés de usar o reator apenas para dar energia aos robôs ele usa também para energizar um chicote que ele criou, Na Exposição das Indústrias Evans um evento do governo apresenta o Águia de Ferro um novo soldado do exército criado a partir da primeira armadura de John Evans, ela é controlada por Cel. Willian, a Águia foi o animal escolhido por ser símbolo de pindorama, Chicote Elétrico  aparece na exposição e começa a atacar, John veste sua nova armadura e luta contra ele, Chicote Elétrico trás alguns robôs que ele controla e Águia de Ferro luta contra eles, Chicote Elétrico está mais poderoso e Vigilante de Ferro tem dificuldades na luta, Águia de Ferro derrota os robôs e vai ajudar John, só que mais robôs aparecem, por fim Vigilante de Ferro derrota Dokuchaev, e ajuda Águia de Ferro a derrotar os robôs restante, Dokuchaev é preso pelos agentes da AIP, Victor Walter está dando entrevista dizendo que tudo é culpa de John, mas Pamela aparece com a polícia que o prende por ajudar Dokuchaev a fugir da prisão e outros crimes de lavagem de dinheiro, John e Willian chegam e diz que já desconfiava que John tinha outra armadura, John pergunta como eles restauraram a armadura e William diz pra ele nunca duvidar do exército de Pindorama.

    Alguns dias depois John e Willian conversam sobre Águia de Ferro e John diz que preparou algo para armadura de Willian um novo reator enérgico bem mais potente.
     
    Vigilante de Ferro retornará em, Os Salvadores 
     
    Personagens
    John Evans - Vigilante de Ferro
    Pamela Brown – Assistente e namorada de John
    Aleksei Dokuchaev - Chicote de Ferro
    Victor Walter – Dono da Walter Technology
    Cel. Willian Tahan – Águia de Ferro 
    Nick Wilsom – Diretor da AIP
    Luana Rushman (Agente B) – Agente da AIP
    Próxima história
    Os Salvadores - junho

     

  • Zumbi, mais que ação, um ideal

    Antes de tratar do quadrinho que eu li, o Zumbi em ação do Fernando Gomes, é necessário que eu faça uma pequena introdução. Zumbi dos Palmares é o personagem histórico mais comentado do país ultimamente. Não digo isso apenas por estarmos no Novembro Negro — utilizado pela publicidade a exaustão —, mas sim pelos debates históricos acerca desse homem.
              Para os pensadores... quero dizer, pseudointelectuais da extrema-direita, Zumbi, o mesmo que libertava negros da escravidão, possuía ele próprio escravos!? Nada disso tem o mínimo de fundamento historiográfico. Nenhuma fonte até hoje fez esse tipo de comprovação. Se houve negros e pardos que possuíram escravos, ou Estados africanos que se serviram do escravismo, isso não deve ser usado para legitimar o racismo atual.
              As ilações e especulações esvaziadas de historicidade, ou melhor, contexto histórico, distanciam esse homem negro do seu tempo e do espaço. Mas porque tornar logo Zumbi o vilão do regime escravocrata? Simples, para produzir misologia, pulverizar ignorância, legitimar o racismo produzindo a falsa ideia de que aquele que libertou seus iguais era um oportunista.        
              Quando li o mangá do Fernando Gomes, assim o chamo devido sua estrutura narrativa, vi a oportunidade das pessoas se interessarem um pouco por essa história tão maculada por ideologias vãs. O quadrinho toma algumas liberdades poéticas, algo plausível, visto que o autor produziu uma ficção com elementos históricos, e não apresentou uma tese de Doutorado em História do Brasil Colônia.
              Em Zumbi em ação, o nosso protagonista nasce em 1655 no Quilombo de Palmares, atual Alagoas. O filho de Dona Sabina cresceu um garoto levado, e ainda criança, acabou sendo capturado por um soldado após Zumbi jogar frutas nele. Há meio caminho ele acaba sendo resgatado por um tal Capitão Francisco. Se tornando seu tutor, o militar o leva para uma igreja em Porto Calvo, sendo batizado e educado lá.
              Depois de anos treinando esgrima com Francisco, Zumbi, agora bem mais velho, se junta ao seu mestre Capitão Francisco e luta contra bandoleiros pelas vilas e arraiais. Depois disso a história segue um ritmo mais rápido. Nos parece que o autor queria lançar algum panorama da vida desse herói nacional. A obra em one-shot se desenvolve como um longo flashback pelas mais de 30 páginas.
              A obra colorida ressaltou os grupos étnicos-raciais em conflito, bem como os mestiços. O desenho tem cara influência de mangá, mais pela sua estrutura narrativa do que pelos traços. De maneira resumida, a história traça a ascensão e queda de Zumbi como líder do Quilombo de Palmares. E mais que o traço em desenvolvimento, o que mais me incomodou foi o papel que Zumbi adquiriu na obra.
              Zumbi, embora protagonista, é um personagem mais passivo. Não estou cobrando fidelidade histórica do autor, talvez ele meso não tenha se aprofundado muito na história desse líder negro, mas, o Capitão Francisco como “sensei” de Zumbi ficou pouco crível e acabou atrelando a luta do personagem principal a motivações banais, infundadas até. Não achei crível. Não foi tão estimulante quanto sua luta pela liberdade.
              Ao longo da história o foco muda, mas o quadrinho é tão curto que isso acaba despercebido. O autor lançou outras obras, e Zumbi e Palmares são revisitados mais uma vez. O designer dos personagens é bacana, e mesmo adultos, nos remetem ao shonen de lutas. As lutas, mesmo não sendo o foco, são mal coreografadas e não dão o impacto necessário.
              Apesar dos impasses da obra, se você gostaria de ver Zumbi dos Palmares numa roupagem moderna e fantástica, adquira o seu exemplar. Talvez o maior destaque dessa obra seja despertar a curiosidade do leitor para acompanhar a trajetória desse homem que tanto contribuiu para a liberdade de homens e mulheres negras oprimidos pelo regime escravocrata português e brasileiro.

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