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  • Concurso literário – Orixás, histórias dos nossos ancestrais

    A Cartola Editora lançará sua sétima antologia de contos através de um concurso literário exclusivo para autores da língua portuguesa. O objetivo é incentivar que mais escritores sejam inseridos no mercado brasileiro como autores.

    A antologia “Orixás, histórias dos nossos ancestrais” será composta por uma média de 30 (trinta) contos tendo como temática os doze Orixás representados no Dique do Tororó, em Salvador:

    Oxum, Xangô, Oxalá, Oxossi, Ogum, Nanã, Iansã, Iemanjá, Oxumaré, Ossain, Logun-Edé e Ewá.

    Inscrições:

    15/05/2019 a 31/05/2019

    Divulgação do resultado:

    10/06/2019

    Organização:

    Janaina Storfe

    Regulamento

    1 – Participantes

    1.1 – O concurso destina-se a escritores de língua portuguesa, sendo livre para escritores iniciantes ou para autores que já foram publicados anteriormente. Os escritores podem ser residentes de qualquer país, desde que maiores de 18 anos;

    1.2 – A inscrição é GRATUITA e NENHUM VALOR SERÁ COBRADO dos candidatos para participação no concurso, ou posteriormente, na publicação da antologia;

    1.3 – Todo participante deve ser OBRIGATORIAMENTE usuário do Whatsapp, pois a organização da obra será feita em conjunto com todos os autores através de um grupo específico. Não será possível participar da obra caso não utilize a ferramenta.

    2 – Orientações

    2.1 – Os contos possuem como temática os doze Orixás representados no Dique do Tororó, em Salvador:  Oxum, Xangô, Oxalá, Oxossi, Ogum, Nanã, Iansã, Iemanjá, Oxumaré, Ossain, Logun-Edé e Ewá.

    2.2 – Os contos não precisam ser inéditos, podendo estar online em qualquer plataforma, ou já terem sido publicados anteriormente em outras coletâneas, sempre respeitando os direitos autorais adquiridos por outras editoras previamente, ou seja, o direito autoral do texto para a participação no concurso, precisa estar 100% com o autor;

    2.3 – Os textos deverão ser encaminhados através do formulário presente ao final desde regulamento durante o período de inscrição, respeitando o seguinte formato:

    Arquivo Word (NÃO ACEITAREMOS PDF) no tamanho A4; espaçamento 1,5 entre linhas; fonte Bookman Old Style (11); margens: superior e esquerda com 3cm; margens: inferior e direita com 2cm. O arquivo precisa conter o nome do escritor (pode ser pseudônimo) e o título do conto em minúsculo, por exemplo: “rodrigo-barros-o-sobrado-da-rua-taylor.docx”;

    O conto precisa ter o TÍTULO e o  NOME DO AUTOR (pode ser o pseudônimo) no início do mesmo.

    O conto precisa ter um mínimo de 02 (duas) páginas e um máximo de 05 (cinco) páginas, no formato descrito anteriormente;

    Caso envie o conto em qualquer outro formato ou especificação este será AUTOMATICAMENTE DESCLASSIFICADO;

    2.4 – Cada escritor poderá participar do concurso com até 02 (dois) contos diferentes;

    2.5 – Não serão aceitos contos que sejam fanfics de livros, séries, filmes ou qualquer outra mídia. O conteúdo precisa ser 100% original;

    2.6 – Não serão aceitos contos que contenham conteúdo pejorativo, discriminatório ou que incitem ódio e preconceito;

    2.7 – Não serão aceitos contos em co-autoria.

    3 – Publicação

    3.1 – A antologia terá uma média de 30 (trinta) contos participantes. Dentre os quais, aqueles escritos pelos autores selecionados através deste concurso, podendo haver a participação de autores convidados pela Cartola Editora;

    3.2 – A antologia será publicada em formato digital (e-book) em todos os canais de distribuição da Editora

    3.3 – Caberá somente à Editora definir a arte de capa e o estilo de diagramação dos contos no miolo da antologia;

    3.4 – Será realizado um financiamento coletivo para que a obra seja publicada também em formato impresso;

    3.5 – Caso o financiamento coletivo atinja a meta necessária para publicação impressa (esse valor será determinado pela Cartola Editora após a divulgação dos vencedores), o livro estará presente não só em nosso catálogo, como também estará à venda em todas as lojas online que já comercializam as obras publicadas pela editora;

    3.6 – Os autores não são obrigados a participar do financiamento coletivo, mas é de suma importância sua divulgação para atingirmos a meta estabelecida;

    3.7 – Se o financiamento coletivo atingir 150% ou mais da meta, efetuaremos em São Paulo um evento de lançamento do livro;

    3.8 – Se o financiamento coletivo atingir 200% ou mais da meta, indicaremos a obra para livrarias físicas parceiras, cabendo a elas aceitar ou não o livro para venda;

    3.9 – Será realizado um único registro ISBN com todos os contos do livro;

    3.10 – A participação do autor só será confirmada após o recebimento dos contratos assinados.

    4 – Direitos autorais

    4.1- Todo autor receberá um exemplar do livro em formato digital (PDF) e posteriormente receberá direitos autorais sobre as vendas do e-book, conforme constará em contrato;

    4.2 – Caso o financiamento coletivo atinja a meta necessária para publicação impressa, cada autor receberá direitos autorais sobre as vendas do livro físico, conforme constará em contrato;

    4.3 – Todo participante da Antologia poderá adquirir exemplares com 50% de desconto (mínimo de 20 exemplares), custeando também o frete, e posteriormente comercializando a obra conforme sua conveniência.

    A arte que ilustra esse artigo é de Dalton Muniz.

    Acesse:

    http://www.cartolaeditora.com.br/concurso-literario-orixas-historias-dos-nossos-ancestrais/

  • O príncipe vaidoso

          Num reino muito distante , nasceu um belo príncipe, sua beleza era tão grande que chegou aos ouvidos de todos ao redor do mundo , as pessoas exclamavam toda vez que o viam:
    - ´´ Como é belo o nosso príncipe!!´´
    - ´´ Sortuda será a princesa que se casar com ele.´´
    -´´ É como um anjo de tão belo.´´
         Por conta disso o nomearam de Narciso , ele crescia belo e forte , mas algo assustou sua mãe. O príncipe só amava a si mesmo, a sua beleza e porte fisico, nada mais o interresava . Nas horas vagas ele se mantia olhando fixadamente para o seu reflexo no espelho e por conta disso  a rainha acho que ele acabaria enlouquecendo , teve então a ideia de casa-lo com a princesa mais feia do mundo.
         No dia do casamento o rosto da noivs foi coberto com um longo véu para esconder sua feiura , quando o príncipe tirou o véu ele gritou e disse:
    - Jamais em toda minha vida me casarei com uma aberração dessas. Só me casarei com alguém mais bela do que eu.
       A princesa feia ficou furiosa e triste, nunca em toda sua vida alguém havia a humilhado tanto, e por isso jogou uma maldição no príncipe.
    - Se queres tanto assim a beleza. Se prezas tanto assim pela a vaidade, será conhecido pelo nome de Príncipe vaidoso e nunca em tua vida conhecerão.
       Passou-se alguns anos e a beleza do príncipe somente aumentou e ele nada sentiu da maldição , chegou a pensar que a maldição que a princesa feia havia lhe jogado não passava de uma bobagem.
        Um dia caminhando pela a floresta ele conheceu uma jovem dama , ela estava colhendo flores , ela era muito mais bela do que ele. Ele ficou fascinado por sua beleza , tanto que em pouco tempo eles se tornaram amigos . O príncipe apesar de achar ela encantadora, nunca chegou a ama-lá , mas por conta de sua beleza eles se casaram. Depois do casamento , eles viveram felizes por longos anos , mas um dia a velhice chegou e levou a beleza da princesa. Mas diferente dela, o príncipe continuava o mesmo.
        Incomodado com isso ele decidiu se separar dela e quando ela lhe perguntou o motivo , ele disse:
     - Apenas não posso mais admirar você, perdeu sua beleza e agora está velha e cansada. Por qual motivo ficaria eu do seu lado, eu um príncipe belo e poderoso.
       Com lágrimas nos olhos ela pediu que ele assinasse os papeís do divórcio. Quando príncipe assinou, uma luz verde o trancafiou dentro de um belo espelho.
     - A vaidade foi sua ruína. Eu lhe disse que minha mladição faria efeito.
        A princesa se desfez e no lugar dela surgiu a princesa feia que ele havia humilhado. A princesa feia vendeu o espelho mágico para  uma jovem bruxa que viria a ser conhecida com a Rainha Má. Mas esse conto creio que já conheça.


  • -Confidências-

         Domingos quase sempre costumam ser acompanhados de longas conversas ou de longos silêncios. Levando a uma extrema e convidativa necessidade de pensamentos, que podem ser divididos no almoço em família, ou apenas silenciado no íntimo de nossas mentes inquietas. Lá fora o sol se mostra alegre, mas o frio deixa com que o tempo ande mais vagarosamente, aqui me mantenho sobreposta a responsabilidade do trabalho, poucas pessoas passam na rua, alguns carros também.
    Depois de ter tido uma manhã deveras tensa, porque a profissão em que me encontro me faz viver na adrenalina e na esperança de que o ser no qual desperta-se aos poucos na sala de recuperação, retome sua vida tranquilamente do lado da família humana, seres de 4 patas costumam ser levados ao extremo do amor, sendo difícil  entregarem-se  dor.
    Analiso a minha semana que passou enquanto bebo um café. Na monotonia do dia me entrego ao mundo aonde meus pensamentos fazem minha morada através das letras. Mais uma vez olho para o nada e ouço o eco constante do pensamento, me levando a crer que quanto mais me afasto mais me mantenho ali, imóvel...silenciosa. Já não me vejo como me via antes, as coisas mudam ao piscar dos meus olhos castanhos. Ao piscar dos olhos de todos nós. Uma pausa retumbante na qual no meu mundo reflito sobre você. Peculiar, indiferente.
      Imagino como seria contemplar o nada ao seu lado, mas invisível. Poder estar ali enquanto acorda e aproveita o tempo que te resta do lado das pessoas em que mantém o teu convívio. Parece algo insignificante, estar presente não estando...
    Será que sentiria meu olhar te adentrando enquanto come? enquanto escova os dentes? O cotidiano nos engole aos poucos e aos poucos engulo a certeza de ser invisível no teu mundo. Aos passar dos minutos, nesse espaço te sinto mais presente, a força do pensamento, as vezes por uma insanidade, em átomos e partículas tornam-se reais.
    Te vejo ali, com esses grandes olhos, esse sorriso repleto de mistério e malícia. Nosso tempo se perde entre os dedos como água, abrimos um portal aonde adentramos em um mundo feito pelos dois, pela intensidade.
    "Can’t take my eyes off you"
      Eu canto baixinho...Não consigo tirar meus olhos de você... Não consigo. Não consigo não pensar, não consigo não te devorar. Não consigo ou não quero? Querer, não ter. Não ter, não querer ter.
    Querer, querer, querer...Eu já não sei mais como analisar tudo isso. Me aconchego em você como filhote sem dono, é fatídico por fim tudo isso. Me parto em diversos pedaços quando estou com você, quando estamos diante de letras e uma tela. Te vejo trocando confidências, me vejo útil.
    Te escrevo todas as noites, se cada escrita que faço te enviasse pelo correio, confesso que até o carteiro saberia de certeiro que no peito de afeto sincero por ti venho sendo. Não te peço nada, não quero que resolva nada. Apenas quero poder te mostrar o que sou quando despida do corpo minha alma em ti faz morada. Te observo como se fosse pintura, em você há pinceladas de tudo que só pode ter em uma obra chamada incógnita.
  • ¿Queríamos?

    Entre os monólogos atuais da minha alma, anseio por esquecer antigos amores. 

    Entre os amores, porém, prefiro considerar que todos, de fato são. Assim, não tardo, com pouquíssima calma, o processo falho de engavetamento deste passado específico, e sem raízes. Não desmonto esse fato, o amor decorrido, como uma série de ações e coincidências que ligaram o "Eu" a você. É impossível julgar um amor verdadeiro, que chegara ao fim, se este estiver inserido no emaranhado de memórias que fazem parte do conjunto que me forma. 
    Se, eu julgo essas memórias específicas, como verdadeiramente especiais, elas se sobressaem as outras.
    Terminantemente?
    De imediato eu diria...
    Um amor profundo que se vai logo, nunca deixa de existir, nem mesmo se esvai da fina crosta do nosso olhar.
    Tão rápido se enraizou, quanto rapidamente apodreceu. Dois olhos constituem uma visão periférica. Para começar a entender a dúvida, que chamávamos de "te querer", como eu lhe julgava sentir, necessito lembrar que nossos olhos só enxergavam um futuro a três palmos de distância. Quando os rumos de memórias, que ainda iriam se criar, não são palpáveis ao nosso tato, aos nossos gostos, a nossa sensibilidade, individualidade, ora ganância de querer o bem único e somente de si próprio, nada é. Porque não foi, e não conseguimos criar um será.
    Eu sei que você duvida
    que eu te amo tanto
    [...]
    Se você quiser eu abro meu peito
    e eu te mostro meu coração
    "Miedo de Hablarte"
    Julio Jaramillo, 1959.
    Desaparesinto
  • ...

    ...
  • ‘EU’, ‘ELES’ e ‘NÓS’

    Sabíamos que estávamos sendo vigiados por ‘ELES’. Muitos relatos de abduções, fotografias e filmagens de suas naves e tecnologias não paravam de ser publicados nas redes sociais. Porém, por esforços dos governos mundiais que negavam e ocultavam os fatos, e também, por uma certa mescla de realidade e fantasia nos filmes e seriados hollywoodianos, e, provedoras globais de fluxos de mídias via streaming, além da ignorância que era pregada nas diversas religiões de sermos o centro do universo, ignoramos os sinais por ‘ELES’ transmitidos.

    ‘ELES’ até que apelaram a partir da década de 1970, quando começaram a desenhar os agroglifos nas culturas de certas gramíneas, por meio do achatamento de culturas como: cereais, colza, cana, milho, trigo, cevada e capim. E era obvio que não tínhamos ainda tecnologias para realizar o feito desses complexos e grandes desenhos em apenas algumas horas. Mas, mesmo assim, ignoramos. E, criamos soluções para explicar o inexplicável, e tudo foi abordado como um feito fictício. Então, pagamos o preço por mesclar a realidade e a fantasia, não sabendo mais diferenciar uma da outra. Assim, preferimos viver o engodo, e fomos enganados por nós mesmos.

    Entretanto, ‘Nós’ criamos a S.U.P.E.R (Superintendência Universal Para Extraterrestres Relações), em que na verdade era uma organização oculta e privada, que se fantasiava de uma Ecovila Sustentável criada por uma rede mundial de cientistas alternativos ufólogos, e pequenos empreendedores startup nos ramos da cyber tecnologia e biogenética (biohacking).

    Éramos perfeitos na arte do engodo, pois utilizamos as técnicas alienantes do sistema contra ele mesmo, ao fundarmos nossa Ecovila na Patagônia, que cobria uma área como mais de 239 km², banhada pelos paramos das geleiras andinas, com terras hiper férteis. Abrigando uma população de mais ou menos cinquenta e cinco mil habitantes de várias nacionalidades do mundo. Em que nosso maior foco agrícola e produção eram cânhamo, cannabis medicinal, morangos, uvas, cerejas, cevada e lúpulo, além de muitas criações de animais. E assim, fabricávamos os melhores vinhos, cervejas de cannabis e espumante de morango do mundo. Tudo de origem orgânica e primeira qualidade, e sem a necessidade de máquinas elétricas, ou movidas a combustíveis fosseis, tudo manufaturado a moda antiga, em que o trabalho humano e animal era o nosso maior forte.

    Vivíamos como antigos povos, antes da revolução industrial, nossas roupas, casas e utensílios eram manufaturados naturalmente, e nossas tecnologias eram 100% artesanais, permanentes e renováveis. Também, focávamos em energias sustentáveis como eólicas e fotovoltaicas, em que criamos a maior usina sustentável do mundo, que fornecia energia para todas as vilas da Patagônia por um custo acessível e barato, além de doar energia de graça para todas as dependências e prédios governamentais dessas vilas. Estratégia nossa, para implementar esse projeto com apoio intergovernamental, tanto da Argentina como do Chile.

    Porém, tudo isso não passava de uma capa que cobria o livro. Pois, subterraneamente éramos outra coisa.

    A S.U.P.E.R era um segredo de um punhado de famílias dentro da Ecovila, punhado esse, que era formado pelas pessoas menos relevantes da nossa comunidade eco agrícola. Na verdade, ‘NÓS’ éramos os fundadores dessa comunidade, mas passamos o nosso poder para os antigos moradores da região, transformando-os de simples camponeses em grandes empreendedores. Alguns ganhadores de prêmios Nobel e outras condecorações internacionais. Porquanto, eles eram nossas máscaras, e nem eles, como também, os outros moradores da Ecovila sabiam disso. ‘NÓS’ éramos um mistério… um segredo bem guardado por pactos de vida e morte, em meio ao paraíso andino.

    No submundo dos nossos quartéis subterrâneos, situava o centro tecnológico e informativo de nossa inteligência. Tínhamos uma empresa operadora de satélites, a StarSky Corporation, que atuava em 52 países com sedes em Israel e na China, além de 32 empresas subsidiarias de telecomunicações espalhadas pelo mundo. O que facilitava nossa rede de comunicações e informação, dessa forma, tínhamos olhos e ouvidos em todo lugar.

    Contudo, estávamos também sendo vigiados, e de início não sabíamos. Aquele fato da coisa observada, observar o observador. Pois nossos servidores se utilizavam da surface web, ou deep web como era mais conhecida. E, ‘ELES’ é que eram os verdadeiros donos do iceberg como todo. E, assim, os nossos olhos e ouvidos eram, também, os olhos e ouvidos deles. Seus motores de busca construíram um banco de dados, pelos seus spiders, e através de hiperligações indexaram nossas informações aos seus servidores na deepnet. Quando descobrimos que estávamos sendo escaneados, toda nossa informação já eram deles.

    Quando nossos hackers investigaram quem são ‘ELES’, se depararam com uma parede de proteção inacessível, em uma (darknet) parte do espaço IP alocado e roteado que não está executando nenhum serviço. Até para as inteligências dos governos mais poderosos o acesso era fechado, pois se utilizavam da Dark Internet, a internet obscura. E de cara percebemos que ‘ELES’, os não-humanos, eram quem estavam nos vigiando.

    Contudo, resolvemos abrir o jogo e mandar mensagens para ‘ELES’, em um projeto apelidado como: חנוך (Chanoch). Durante meses enviamos várias mensagens, então, de repente, nossos servidores detectou uma mensagem oculta que dizia: “E andou Enoque com Deus, depois que gerou a Matusalém, trezentos anos, e gerou filhos e filhas. E foram todos os dias de Enoque trezentos e sessenta e cinco anos. E andou Enoque com Deus; e não apareceu mais, porquanto Deus para si o tomou.”.

    Ao receber aquele texto, ficamos perplexos. De início, achamos ser uma brincadeira. Até recebermos outra mensagem, que dizia: “E sucedeu que, indo eles andando e falando, eis que um carro de fogo, com cavalos de fogo, os separou um do outro; e Elias subiu ao céu num redemoinho”. Então, depois de longas horas de reflexão, intentamos que as mensagens vêm a nós na forma e maneira que podemos perceber. Sendo, que eles queriam escolher alguém entre nós para uma viagem. Não sabíamos como responder a tal pedido, e mandamos uma mensagem correspondente do que temos de fazer para realizar tal acontecimento. E, eles nos responderam com três sequencias binárias: 101.

    No dia seguinte a essa misteriosa resposta, para o nosso espanto, fomos notificados por um de nossos agricultores que se encontrava no campo de cevada, se deparando com um símbolo gigante desenhado ‘IOI’. Então, rapidamente percebemos que aquele campo seria o local de contato. E, ‘EU’ fui escolhido para a tal viagem com ‘ELES’. Então, todas as noites acampei no local marcado.

    Acho que propositalmente, na noite 101 em que me encontrava sozinho em minha barraca, e já desesperançado de algum contato, ‘ELES’ vieram! E de súbito só me lembro de ver uma forte luz branca.

    Quando acordei, me deparei em uma maca feita de uma solução gelosa, de um verde fosforecente, algo como se estivesse deitado sobre água, mas, era firme, e amaciava com o peso do meu corpo. Não tinha temperatura, nem frio e nem quente, e o mais louco é que meu corpo não sentia esse material, era como se eu estivesse deitado sobre o ar. O ambiente era de uma luz violeta neon, muito calmo aos olhos, e não tinha paredes, teto ou solo. O silencio era profundo, irritante e assustador. Para todo o lado que eu me voltava, via apenas um horizonte infinito, tanto para cima como para baixo. E tive medo de sair da maca, pensando cair nesse infinito abismo. E a sensação era por demais desconfortante, achei que estava morto.

    Nisso, me senti sendo vigiado, algo ou alguém me observava, e vi alguma espécie de vulto transparente se locomover ao meu redor. Então, pela primeira vez senti algo que me tocou!

    — Uai!

    — Calma!

    — Quem é você?

    — Então, provou.

    — Provei o quê?

    — A sensação de sentir nada.

    Ao ouvir isso, perplexo me calei. E pasmei! Vendo uma espécie humanoide alta e magra a minha frente. Com olhos extremamente azuis e findados como os asiáticos, cabelos brancos longos, e pele extremante branca, fria como a de um cadáver. E, diante do meu silêncio e espanto, ela continuou a dizer, falando sem mexer a boca, que mais parecia uma fenda em seu rosto magro:

    — Assim, somos ‘NÓS’. Não temos a capacidade de sentir como vocês, e os invejamos por isso. Essa forma que você vê a sua frente, não é nosso corpo. É apenas um traje, pois vocês não têm a capacidade de nos ver sem ele. Somos seres pertencentes a outra dimensão, que vai muito mais além de sua física e compreensão.

    — De onde são vocês?

    — Somos seres da Quarta-Vertical, um mundo mais além do que a matéria física. E, nesse momento você está diante de uma plateia de nós. Não pode vê-los, pois, estão sem seus trajes físicos. Porém, saiba que também você usa um traje, e ele que te faz sentir. Mas, nós, mesmo com nossos trajes, não podemos sentir como você sente, e perceber como você percebe. Apenas percebemos as coisas físicas, através de alguns impulsos elétricos de contato nos transmitidos por nossos trajes, que são mínimos, sem sentimentos e emoções.

    — Onde fica fisicamente a Quarta-Vertical?

    — No plano físico, conhecido por vocês como seu sistema solar. Em que nossa Morada é o Sol.

    — Então, estou no Sol?

    — Claro que não! Seu corpo físico não aguentaria.

    — Onde estou?

    — Em nosso ponto de contato. Na parte oculta da Lua. É daqui que o observamos, desde sua criação como seres existenciais. E, temos alguns de vocês aqui conosco. Na verdade, somos seus guardiões, mensageiros e protetores.

    — Protetores! Contra quem nos protegem?

    — ‘DELES’ e de vocês mesmos. Pois, se assim não fosse, vocês não mais existiriam como espécie.

    — ‘DELES’ quem?

    — Aqueles a quem vocês chamam de seres infernais. No início, ‘ELES’ eram como ‘NÓS’, e vieram de ‘NÓS’. Mas, se corromperam. Pois, desejaram sentir a emoção que vocês sentem. Por isso, eles lhes causam dores e prazeres, para sugar as energias de seus sentimentos. E, fazem isso agora, através da internet. Por isso, lhes deram esses pequenos dispositivos que vocês carregam em suas mãos. O próximo passo deles, é implementar esses dispositivos aos seus corpos físicos. Aí, então, drenarão suas energias vitais, como um canudo drena o líquido numa garrafa de refrigerante.

    — Onde eles vivem?

    — Antes viviam aqui na Lua, depois os expulsamos para Saturno e Plutão. Mas, quando fizeram o pacto com os muitos chefes e governantes de sua sociedade, precipitaram-se na terra. Quando teve uma grande chuva de meteoros. Então, agora vivem entre vocês.

    — E, como podemos reconhecê-los, se vivem entre nós?

    — São os seres lagartos, mas se disfarçam com trajes humanos. Por tanto, seus trajes se alimentam de sangue, e são sensíveis a luz do sol. Por isso, procuram andar mais a noite, e poucas vezes a luz do dia. E, para resistir a luz diurna, precisam beber inúmeros litros de sangue humano fresco e vital. Só assim, os trajes resistem por mais tempo. Porém, alguns deles se tornaram híbridos, cruzando com a sua espécie. E são metades humanos e ‘reptilianos’ como alguns de vocês qualificam. Mas, mesmo assim, precisam de sangue humano para viver. E, como vampiros modernos, eles criaram os bancos de sangue, espalhados por todo mundo. Onde vocês creem estar doando sangue para pacientes hospitalizados, mas apenas 2% desse sangue vai para esses pacientes que necessitam, o resto é comercializado entre eles.

    — E por que vocês não nos alertam sobre isso?

    — Não podemos interferir. Foram vocês que atraíram eles. Suas escolhas. Seus livres-arbítrios.

    — Como assim, nossas escolhas?

    — Por acaso, você não leu a parábola de Adão e Eva?

    — Mas, isso é apenas um mito!

    — Não é apenas um mito. É uma metáfora da realidade, representado em sua espécie dividida entre macho e fêmea. Um código, para os sábios decifrarem.

    — E, por que não nos contam a verdade diretamente, e só nos dão metáforas?

    — Veja o que vocês fizeram com a verdade… ridicularizaram. Enviamos muitos para lhes dizer a verdade. Muitos de nós nascemos como avatares para lhes falarem, e veja o que nos fizeram? Nos mataram, assassinaram, minimizaram. E, mesmo nascendo entre vocês como humanos, ao longo do tempo nos transformaram em engodo e mito.

    — Mas, isso foi em tempos de muita ignorância. Hoje temos tecnologias para registrar e comprovar.

    — Tempos de muita ignorância… saiba que não existe tempo onde a ignorância é mais forte e abrangente do que esse em que vocês vivem. Suas redes de informação, academias e filosofias são lotadas de teorias e não de práticas. Vocês não experimentam mais. Não observam mais… só emulam. E agora que mesclaram a realidade e a fantasia, você acha que nos ouviram? Seremos ridicularizados e banalizados mais uma vez… por isso, agora agimos em oculto sigilo. E falamos na linguagem que vocês não podem deturpar, que são as parábolas e metáforas. Poesias de mistérios místicos e ocultos, que lhes encantam, e fazem pensar. Até serem assimiladas por corações puros, lapidados e lavados que nascem entre vocês.

    Ao ouvir aquelas palavras, o mundo parou em mim. E, lágrimas rolaram do meu rosto.

    — Ernesto! Ernesto! ¡Despierta hombre!

    — Ahh! ¿Qué?

    — ¿Qué haces aquí acampado en el campo de cebada güevón?

    — No lo sé … De repente tuve un sueño confuso. No me acuerdo.

    — ¡Vamos! Es tiempo de cosecha. Creo que perdimos una buena cantidad de grano. Bueno, creo que hubo un torbellino esa noche que aplastó los tallos fértiles.­
  • "Ahhh" O Amor ...

    Observarmos o mundo encontramos diversas histórias emocionantes criadas pelos mais variantes autores de cada época, mas cada uma delas basicamente trajadas apenas pela fantasia do mundo literário. O mundo real é cunhado por diferenças e dificuldades que criam uma perdição em nosso amor.  

    Mas a cultura oriental tem um ensinamento sobre essa perdição. “Mesmo dentro da maior das tristezas pode existir o maior dos amores”, assim como o Yiang - Yang. Passamos a vida vendo princesas encontrar seus príncipes e ouvindo a trágica frase "E viveram felizes para sempre", mas conforme vamos crescendo essa ilusão de criança vai se transformando em um fino papel de seda que logo no primeiro amor se rompe.  Depois disso vivemos um tempo nas brumas da vida, nada faz sentido e tudo que se refira ao amor é apenas uma perdição, logo vem o próximo relacionamento e por um tempo as coisas se ajeitam, mas novamente tudo se acaba, caímos em decadência e tudo se sucinta no vago novamente.  

    Nesta jornada por respostas procuramos chegar a conclusões que aparecem não existir, sem muito o que fazer temos vários outros amores que subitamente terminam. Então depois de vários desastres amorosos, surge de uma epifania à resposta para o procuramos saber sobre o amor.

    O amor é o que nós salva e nós perde. Cada amor que passa em nossas vidas é algo completamente diferente, mas quando se acaba cria logo um vazio, esse vácuo criado por ele faz uma névoa em nosso coração dificultando enxergar o amor, mas quando ele surge novamente vem com força criando uma magia momentânea.

    Então, talvez isso seja o amor, uma força que destrói e que salva. Algo que para frágil compreensão humana seja difícil explicar ainda. Aquele que é apaixonado, diz que, o amor salva a cada instante, enquanto aquele que foi magoado pelo amor, diz continuamente que está perdido, resumindo, o amor sempre vai depender do que está acontecendo para se manifestar, aquele que ama, ama e aquele que se magoa se perde.
  • "livro" no Wattpad, acompanhem por favor

    É preciso ter uma história para escrever coisas significativas? Eu não tenho algo complexo e difícil para contar, vivo sofrendo por banalidades e choro sem saber o porquê. Não julgo meus sentimentos válidos, mas gostaria que alguém os sentisse como eu sinto, espero que haja profundidade em minhas palavras e que algum dia alguém ache minha vida digna de uma boa história.
  • "Senta aqui, vamos falar sobre: ACEITAÇÃO"

    Dias desses encontrei uma conhecida numa festa de família! Ela estava tão linda, achei até que ela havia emagrecido! Tive vontade de chegar até ela, embora não tenhamos intimidade, para dizer o quanto ela estava linda. Já fui logo dizendo que ela estava linda, que eu havia notado a diferença. Ela ficou feliz, agradeceu e disse que não emagreceu, mas que uma coisa havia realmente mudado: ela havia se aceitado! 
    Ela me disse que havia se libertado, que finalmente havia perdido a vergonha de suas marcas nas pernas, que havia perdido a insegurança de mostrar partes de seu corpo que até então, sentia vergonha. 
    Eu fiquei tão feliz em vê-la liberta, feliz, livre, leve e solta! 
    Ela estava linda, num macacão curto, de alcinha que marcava a cintura. E de verdade, a beleza dela estava vindo de dentro pra fora! Os olhos estavam brilhando, ela estava FELIZ! E a felicidade dela transbordava, tanto que ao olhar pra ela senti que algo estava diferente! Que ela estava mais bonita. Verdadeiramente mais bonita!
    Concluí que o ditado "a beleza vem de dentro" faz mais sentido do que eu sempre pensei! 

  • "Senta aqui, vamos tomar um café"

    Senta aqui, vamos tomar um café?! Jogar conversa fora? Rir pra caramba, quem sabe chorar em algum momento. Senta aqui, vamos falar sobre nós! Como você está? Seus planos? Suas conquistas... Conta mais.

    Senta aqui, vamos matar a saudade de nós, vamos aproveitar um tempinho livre pra descansar a cabeça, o corpo! Senta aqui, vamos falar sobre sonhos, até mesmo daqueles mais cabulosos, quase impossíveis! Senta aqui, vamos olhar dentro do olho, ver como estão brilhando. Senta aqui, me deixa ver como você está bem, como você está feliz!

    Quero sentir seu abraço por alguns instantes. Ouvir sua voz, sua risada. Senta aqui, deixa eu te contar como eu estou como me sinto. Senta aqui, quero te contar uma ideia maluca que tive. Senta aqui, lembra aquela viagem que eu queria fazer, deu certo! Senta aqui, me ajuda a fazer uma lista de prioridades! 

    Preciso ir... Obrigada pela companhia, pelo café, pelo abraço, pela voz doce e suave, pelos conselhos impagáveis, pela companhia maravilhosa, pelas gargalhadas que demos, pelas bobagens que falamos e pela saudade que matamos!
  • "Tudo fica mais fácil com você"

    Queria que todas as lágrimas que estão nos seus olhos estivessem nos meus;
    E que o peso que você carrega estivesse nos meus ombros;

    Porque tu é para mim o ar fresco da noite, a brisa de manhã...tudo o que me faz respirar sem sentir dor.
  • [Cartas] AUSÊNCIA

    Me surpreende que mesmo há muito tempo sem te ver, falar, fitar, sentir, tocar, encarar ou simplesmente lhe escrever… não houve sequer um dia em que eu não tenha pensado em ti.

    É absurdamente estranho. Você distante, me magoando, não só por isso; mas também, por aparentemente não fazer questão, como quem já não mais se lembra. Me magoando, pois te vejo evitando todo e qualquer contato comigo, por mais ínfimo que seja. Digo isso com certeza, já que você sabe muito bem onde e como me encontrar. As poucas notícias que tive a seu respeito, desde então, foram através dos nossos colegas, afinal, tu continuas mantendo contato e saindo com todos os meus amigos..., aliás, sem sequer pronunciar o meu nome. Me machuca ver que usas de todos os meios e artifícios para inibir, obstruir, desviar todas as minhas tentativas em simplesmente conversar. Deve fazer ideia do quanto acho isso infantil.

    Não sei se fico feliz por você aparentemente ter superado e seguido ou incrivelmente decepcionada por perceber que não marquei o quanto imaginava, na mesma intensidade que as nossas estações marcaram a mim. Adoraria conseguir lidar muito bem com as idas e vindas, chegadas e partidas, mas não é do meu eu. Desmorono.

    E mesmo na ausência, você se faz tão presente… é na rotina do meu dia, na pausa para o café, na caminhada até a faculdade, é durante o meu banho, até na insônia da calma noite chuvosa… não precisa de muito, basta o soar de uma música para eu memorar um instante, ouvir uma frase (sutil) e julgá-la tipicamente sua, o notar de um perfume e percebê-lo familiar, é simplesmente tornar um lugar e ter uma “reprise” dos minutos que estivemos por lá. É, sobretudo, desejar insanamente o teu toque, o teu corpo, a sua fala mansa, ansiar temerosamente estar novamente no envolto do teu abraço e ser preenchida pelo teu cheiro. Sim, a sua presença é leve.

    Confesso, nos primeiros dias estava a ponto de delirar. Ouvia o seu nome, relia nossas mensagens de texto, procurei todas as nossas fotos, ouvi todas as músicas dedicadas a mim e também reli todos os textos que te dediquei. Lógico, escrevi muito na tentativa de exteriorizar e arrancar de mim o peso da sua ausência e até usei todas as suas camisas que ainda estavam no meu armário. Passei em claro todas as madrugadas quentes de agosto pensando em nós, em você, em tudo que aconteceu e que poderia ter acontecido — martirizando-me sobre o eterno “e se”. Em cada instante sozinha, eu pensava na dura transição do “nós” para o “eu e você”.

    PS. Jamais vou te perdoar se nas próximas estações todas às vezes que ouvir “É Você Que Tem — Mallu Magalhães” e “João de Barro — Maria Gadú” o meu pensamento cair em ti.

    Eu ainda penso em nós. É, sobretudo, nas frias madrugadas tempestuosas, ao ser acordada pelos estrondos dos trovões, ao perceber o quarto iluminado não só pelo clarão da lua que atravessa a imensa janela, mas também dos raios luminosos que invadem e espantam a escuridão — você sabe, detesto raios por temê-los -; instante que me sinto pequena, frágil e extremamente vulnerável… lembro o quanto você me julgava boba e infantil por isso, mas ainda assim, me abraçava fortemente e não me soltava… não faz ideia do quanto eu me via protegida, naquele instante, ouvindo sua respiração, o meu mundo estava concentrado em você, mesmo que não estivesse vazia, uma felicidade insana me preenchia ao me dar conta de que você sempre estaria ali, comigo e eu por você.

    No entanto, é especialmente nas noites de sexta que o meu corpo pulsa e anseia pelo seu toque. O desejo de ter você, por inteiro, não somente no meu corpo, mas também na minha alma, assim como desejo de uma vida ao seu lado, de modo que meros instantes não seriam o suficiente. [Me arrepio ao escrever isso]. Sim, eu sei, disse para ti inúmeras vezes “que a nossa coisa perdure, enquanto sentido fizer”, ela ainda fazia sentido para mim, em partes; jamais irei esquecer a imensidão que o tempo contigo me proporcionou, sobretudo, me fez ser alguém melhor, mudou minha visão sobre algumas coisas, me ensinou muito e acabou agregando uma oitava cor ao arco-íris que chamo de vida… até a ruptura.

    Ainda enquanto estávamos juntos, ao deitar na cama cansada à procura do sono, imaginava um futuro incrível, deduzindo infindas possibilidades, criando e reinventando as cenas mais distintas… com apenas uma coisa em comum, você em todas elas. Vez ou outra me pego fazendo a mesma coisa, não largo essa velha mania, madrugada que coloco os meus fones na fútil tentativa de me dissociar do teu eu. Não é incomum, busco me castigar afirmando para mim mesma que você não merece tomar todo esse tempo de mim, então realmente digo isso a mim mesma, alto e em bom-tom, com convicção — pois preciso que me digam com seriedade já que sou teimosa —; corro para o espelho e reproduzo mais duas ou três vezes a mesma oração. Por alguns minutos, funciona. Depois paro e penso no que fiz, mesmo que eu seja “mulher” para algumas coisas, nisso eu me vejo muito infantil, boba, ingênua. Sabe, alguns momentos tenho 30, 20, 12 anos... isso me assusta e te assustava também.

    Mas, no final das contas, esse ritual de nada adianta, não importa o quanto eu queira. Tenho raiva de você por arrancar todo esse tempo de mim, tempo que eu gasto pensando em nós, escorre; e tenho ainda mais raiva de mim por atrelar a culpa a você de uma coisa que está em mim. Quem sabe, talvez com o correr do tempo, eu me acomode a sua ausência até não mais percebê-la; e se isso for verdade, que o tempo sana tudo, Deus, como quero que ele passe.

    Porém, acima de tudo, isso não é a parte difícil, o duro é assumir que, apesar de tudo, sinto falta de alguém que, ao final, me magoou. Jamais irei me perdoar por uma coisa dessas. Como se habitassem duas pessoas em você, o cara pelo qual, talvez, me apaixonei e o cara que me fez ir embora, não faz ideia do quanto sinto a presença da ausência desse primeiro. Não sou tola, recordo com clareza todas as suas condutas que me magoaram, desde ações às omissões, coisas que falou, coisas que você não fez… foram tantas. Sim, penso “ele não me merece, nunca mereceu”. Mas, instantaneamente, recordo das partes gostosas, dos instantes que fui surpreendida, que, aliás, superam de longe as demais coisas — que se fazem diante dessa comparação tão bobas — e me remetem à minha criação do seu “primeiro eu”; portanto, acabo me sentindo uma mentirosa.

    Me sinto mal ao afirmar “você me magoo”, pois me vejo apontando o dedo e gritando isso na sua cara; sendo que tenho total consciência de que a recíproca também é válida. Talvez, eu tenha te decepcionado profundamente e isso justifique a sua partida efêmera. É contraditório, mas nas últimas semanas conturbei muito as coisas entre nós, justamente tentando fazer dar certo. Nós dois somos terrivelmente diferentes.

    Sei que peco em muita coisa. Não consigo ser direta e isso atrapalha tanto, principalmente por prolonga discussões, é o meu defeito, você o conhece bem e sabe o quanto o detesto. No mais, às vezes cobro que você pense como eu, espero que você supra minhas expectativas e entre outras coisas. Tem hora que deixo a razão falar mais alto ou a emoção. Eu não tenho equilíbrio, talvez por isso seja digna de elogios como “desequilibrada, descontrolada, louca”. Eu erro, falho, estou muitas vezes equivocada. Mas, quando acontece reconheço, assumo a bomba, isso nos diferencia. Eu não tenho receio em pedir perdão, quando vejo sentido, me desculpo com o coração, jamais da boca para fora… de mim nunca haverá manipulação... afinal, é como se concretiza um pedido de perdão sem mudanças. Mas, isso não vem ao caso agora, não é o cerne da questão. Sou uma pessoa difícil, você também é. Sabe, eu temia tanto isso… que nós magoássemos um ao outro.

    Nunca falei tanto sozinha como no último mês. Vez ou outra me deparo questionando em pensamento algo sobre ti e outra versão de mim mesma responde alto e em bom-tom. Quando é mais latente, me deparo jogando “n” coisas na sua cara, como se estivesse ali, diante de mim. É insano. E tudo cessa com a frase “Pelo amor, você tá ficando doida”.

    Choveram tantas coisas em mim. Me vejo num eterno não senso. O “sim” e o “não” na mesma pessoa. O desejo e o desprezo em tê-lo comigo, afinal, se é para ficar e eu me sentir daquela forma, você sabe qual, prefiro que vá. Eu queria te proporcionar dias gostosos no último mês e penso que não consegui… não me doei como gostaria. Aceito defeitos de todos os tipos, menos a indiferença. Os momentos de desdém me matam. Me mata principalmente reconhecer que, nos últimos dias, eu nāo fui o melhor de mim, em muitos sentidos. Serei franca, culpo você por isso.

    Não é novidade: o meu eu contra si mesmo.

    É assim, sempre dessa mesma forma, basta em pensar seja lá o que for ao seu respeito que novamente aquele desejo me consome. É uma chama azul. Um fogo me domina de tanto que queimo em intensidade na ânsia de ter-te comigo… me contorço e o meu corpo estremece na abstinência do teu toque, desejando o teu amor, desejando com todas as minhas forças a ponto de te fazer pensar em mim, a ponto de sentir você pensando em mim, até que tudo se desfecha em brasa. Delírio. Chame do que quiser, loucura, insanidade. Procure adjetivos e se encontrar, seja qual for, não conseguirá definir.

    Eu nunca imaginei que chegaria a esse nível. Insanidade. Qual é o sentido disso? Me levará ao que? Será que é tudo isso em vão? Acredito que não, quero acreditar que não, acreditar que não foi e não é tempo perdido, não quero reconhecer que insisto em alimentar algo que cedeu ao fracasso. Então, na tentativa de cessar a tortura emocional e psicológica digo em voz alta para mim mesma: “Que tipo de perguntas idiotas são essas?”.

    Está claro, não é? Estou tão confusa... indo e vindo em centenas de coisas e não chegando a lugar nenhum. Mais uma vez, perdendo o foco... a concentração. É isso o que sua ausência está me causando "desconcentração".

    Não entendo como ousa me ignorar, evitar. Me corta as suas ações, pois elas me dizem que fui para ti apenas um capítulo. Enquanto fiz e faço de você o meu melhor livro, aquele favorito, que jamais canso de ler e reler. Eu gostaria de ter razões suficientes para acreditar que seu intuito é justamente tentar demonstrar isso, mas, que, no fundo diverge da realidade. Realmente me corta, pois, eu ainda te desejo. O meu íntimo, ainda que não insista em acreditar que estávamos “destinados a ficar juntos” (não sei qual termo usar para definir), ele espera, com força, que você enxergue o quanto é gostoso quando estamos juntos, ao menos, para mim, um tempo foi… enquanto o distanciamento ainda não existia.

    Não, eu nunca disse e não estou dizendo que quero ser tudo para você; mas, a pessoa que não trocaria por nada. Nos proporcionamos um amor puro, percebi assim. Serei eternamente agradecida por essa dádiva. Sobretudo, gostei imensuravelmente da nossa coisa. Adoro o vínculo que construímos e é cortante vê-lo se diluindo. Talvez, eu não seja o grande amor da sua vida ou você da minha, o destino é uma álea, aliás, nem sei se existe isso de “o eterno amor” ou sequer “o grande amor da vida de alguém”, mas, saiba, que o nosso foi — ainda é — o amor mais intenso e breve que vivi.

    E, por falar em destino, infelizmente, você será a minha eterna saudade, quem sabe a eterna quedinha, talvez o eterno desejo. Não sei. Mas, tenho certeza de que fez e fará parte das minhas melhores recordações. Jamais esquecerei a grandiosidade do que me permiti sentir, com você. Nem sequer cogitarei intitular como fase, paixão ou ilusão tudo o que pulsa aqui. Agora, já não faço ideia da sua percepção sobre o nosso enredo, espero que seja um tanto parecida com a minha. Me fará sorrir se, eventualmente, de alguma forma, eu souber que pensa em mim com carinho, que te atingi de um jeito bonito. Apesar dos pesares.

    Ainda assim, soa tão simples quando diante do que acreditei causar. E é um imenso contraste se comparado ao que me causou. Seria um prazer se lembrasse de mim como a garota pela qual foi apaixonado, a amiga pela qual teve carinho, a mulher que te causou imenso desejo… que te proporcionou conhecer um sentimento que queima de tão intenso, quem o incendiou, sobretudo, quem realmente lhe despertou o amor.

    Não se é preciso ser perfeito para ser incrível na vida de alguém.

    Vez ou outra me pego pensando se, depois da ruptura, houve uma madrugada sequer em que você tenha me desejado. Me desejado de alma como por um lapso temporal já desejou, já demonstrou, já gostou. Já sentiu. Desejo mesmo, sabe? Que só em me olhar te consumia, te preenchia por uma vontade insana e intensa, como uma fúria interior, um querer que corrói, uma imensidão latente implorando para me ter ao seu lado por toda a vida. Não faz ideia do quanto eu amava imensuravelmente esses instantes, os instantes que sentia e via o seu olhar em mim me dizendo o universo e o mundo.

    Será que, por um momento, uma mísera vez, se questionou se ama ou se já me amou?

    As suas palavras, escritas, cuspiram na minha cara que não. E, ainda assim, demoro a acreditar. Contradizem tudo o que vivi:

    “Olha, desculpa.
    Me desculpa por cada vez que te deixei triste, por cada momento que te decepcionei.
    E, principalmente, por às vezes parecer um idiota com você.
    A real é que essa coisa é grandiosa e eu não sei lidar.
    Eu não levo nada a sério na minha vida, muito menos ela própria.
    E, sobretudo, não sei sequer um dedinho do que é sentir algo por alguém.
    Por isso, mudo repentinamente, sem mais nem menos, fico diferente do nada, meu estado de espírito me controla naturalmente e esqueço que as pessoas têm sentimentos e que preciso respeitá-los.
    Quero me afastar de você. Não por mal, mas porque não te faz bem ficar comigo.
    E eu não sou bosta nenhuma e não tenho nada para te oferecer de bom.
    Por fim, agora, ainda que compartilhemos a mesma lua, estamos muito longe um do outro.
    É isso.
    Ps. Sou grato pelo tempo que esteve comigo. Foi puro."

    Não faz ideia do alvoroço sentimental que as suas palavras frias me causaram. Juro, ri ao terminar de ler, um riso sem alegria, aquilo era o cúmulo do absurdo. “Você sabe, não sou a pessoa que insiste na presença de quem já não quer ficar. Perde o sentido”. Depois de tudo o que você vomitou, pensei o infinito e o mundo e não dirigi a ti mais nenhuma palavra.

    Ainda que eu diga para mim mesma, com veracidade, em alto e em bom-tom, que eu simplesmente me acostumei com a sua presença, me sinto uma mentirosa, tentando envenenar o meu pensamento na fútil tentativa de sanar o meu sentir. Nunca imaginei que seria doloroso e difícil assumir, bater no peito e falar, mesmo que somente para mim, que amo você.

    Isso é tão irônico, não é? Eu aqui, em devaneios por sentir o peso da sua ausência, enquanto ti sequer depois daquele dia, da ruptura, me ligou…

    E ainda assim, sou nua e crua ao falar que te desejo as melhores coisas do mundo, ainda que isso signifique se afastar de mim. Você sabe o que é melhor para você. E, no momento, eu não faço ideia do que seja o melhor para mim.


    Janaina Couto ©
    [Publicado - 2019]

    @janacoutoj

  • [Cartas] CRU

    Quando disse, de boca cheia, que estás entregue a mim, que tenho ao meu lado o seu verdadeiro “eu”, confesso, como de costume, fiquei questionado comigo mesma, de mansinho, a sua fala:
    “De nada adianta eu ouvir suas palavras e não ver, tocar ou sentir o que diz. Palavras podem ser vazias.”
    Felizmente, as suas, sinto que não são. Principalmente por, logo em seguida, ter fitado os meus olhos e afirmado, sustentando o olhar, que “escolheu isso”, por toda a nossa troca, acredito indubitavelmente.
    Realmente, vejo que temos um ao outro de uma forma que muito me cativa.
    Adoro a forma que me têm, que me cuida.
    Eu gosto disso.
    Gosto da forma que me trata.
    Faz com que eu me sinta grata.
    Sobretudo, bem comigo mesma por toda a minha doação.
    Não faz ideia da minha sede pelo teu “eu”.
    Confesso, ver a sua entrega me deixa fervendo. Sei que, independente do que aconteça entre nós, jamais irei me arrepender por mergulhar, sequer por queimar em intensidade.
    Seja assim, nu e cru.
    Seja de verdade comigo.
    Seja quem você quer ser.
    Seja e aja da maneira que quiser.
    Seja a melhor versão de si mesmo.
    É óbvio, ninguém é o mesmo para sempre. A mudança é crucial. O cerne da coisa é sempre ser si mesmo. Te peço, jamais se torne uma versão pirata de si mesmo somente para agradar me agradar.
    Já te disse, acredito que podemos ajudar um ao outro a nos tornarmos pessoas cada vez melhores. Evoluir, transcender.
    Mas, ainda assim, desejo que seja sincero consigo mesmo. Seja você. E, se mudar, mude por escolha sua, por ver sentido na mudança e deseja-la. Mude para evoluir, nos seus ideais de evolução.
    Quero isso. Eu quero o seu “eu” nu e cru, anseio conhecer todas as suas versões.
    É gostoso dizer com convicção “tenho um puta orgulho de quem está comigo”.
    Quero ver tudo de você. E, vendo tudo, ainda assim, justamente por ver tudo, continuar sendo muito do que eu quero.
  • [Cartas] ESQUECIMENTO

    Noite passada eu não parei de pensar em ti. Hoje, muito menos. Incrível como isso pode ser tão irônico. Justamente ontem fiz uma pausa para refletir a respeito dessa minha nebulosa onda sentimental que insiste em não cessar, na tentativa de encarar com racionalidade e me livrar da tortura. Notei que passar mais estações sofrendo não só por sua; mas, também por minha causa e pela “nossa coisa” já não fazia sentido.

    Afinal, você sabe o meu número, conhece os meus amigos e poderia muito bem falar comigo se sentisse saudade, se fosse da sua vontade. Diferente de mim. Ás vezes me questiono sobre isso, se tu pensas exatamente do mesmo jeito e fica á espera de uma atitude minha. Mas, no mesmo instante, recordo que você não é assim, age por impulso quando quer algo, não exita em fazê-lo. Porém, acaba por descartar tal característica ao dotar-se de orgulho. E pela forma como tudo terminou, não posso de maneira alguma descartar essa hipótese, “cuspiu no prato que comeu” foi uma frase bem forte.

    Detesto fazer presunções, soa tudo tão incerto. Aliás, tu não é desses que se prende a alguém. Sendo franca, algo dentro de mim quer estancar a minha percepção da realidade, qual compreendo até demais, além dela estar distante do que eu gostaria, não é nada agradável e acaba por ser doloroso de aceitar. Mas, não posso seguir tentando enganar a mim mesma, soterrando e afugentando o que está escancarado. Você seguiu em frente e eu ainda não superei a ruptura em todas suas facetas.

    Concluí, com decepção, que no fundo, não consigo te esquecer porque realmente não quero, ainda permaneço a alimentar este sentimento. Não me permito conhecer outras pessoas, pois sei que nenhuma delas será você. Vez ou outra, me pego fazendo comparações até mesmo nas coisas mais ínfimas ou caçando características tuas nelas; pior, inconscientemente te projetei em um outro alguém. Tem noção do quanto isso foi prejudicial?

    Não obstante, reconheço o porquê de tudo. Apesar de toda a parte cortante da história; é evidente, houveram sim momentos dignos do título de “inesquecíveis”. Me apeguei a estas memórias intensamente e não quero que o desejo de vivenciá-las novamente se apague, por temer perdê-las, já que ansiando as lembranças são tão vívidas.

    Logo, me vi decidida a deixar tudo isso para lá e encarar de frente a situação. Não mais passaria minhas tardes com o pensamento em ti e evitaria nas conversas tocar o seu nome. Tentaria não me frustrar todas às vezes que, ao chegar e pendurar o casaco, perceber que a minha sala está do mesmíssimo jeito que deixei pela manhã, um sinal de que naquela noite você não passaria aqui em casa para jantarmos juntos; que eu não teria seus dedos tateando as minhas costas num vai e vem para me fazer dormir, que não ficaríamos envoltos num grande abraço corporal e eu não mais em segredo iria tentar sincronizar minha respiração com a tua; que não seria aquecida pelo teu corpo quente e sequer me sentiria acolhida pelo teu sorriso e o seu olhar terno. Não escreveria mais sobre você, muito menos sobre nós. [É evidente, fracassei]. Ficaria realmente aberta para conhecer outras pessoas, à espera de alguém sobretudo interessante, para me divertir ainda que de maneira efêmera e “queimar em intensidade como um dia incendiei por ti”… mas, rapidamente descarto a ideia, pois tenho a sensação que jamais seria a mesma coisa, nos seus exatos termos.

    Quando essa nevoa passar, quando realmente me der conta, ficarei surpresa comigo mesma. E sei que vou perceber a transição somente quando os meus escritos falarem apenas de mim e não mais de você.

    Naquela noite, reconheci que esse meu desejo constante e a esperança de que nos encontraríamos novamente para viver o “amor mais intenso de nossas vidas”, como se fôssemos amantes predestinados, nos encontrando novamente e trazendo a paixão do passado sempre a tona; era um sonho utópico, mera fantasia. Apesar do nosso caso ser reincidente, qual seria a probabilidade de acontecer novamente?

    Eu definitivamente estava ficando louca e cogitando coisas que eu sempre desacreditei. E, pior, ainda assim tenho a convicção de que nada disso faz sentido.

    Definitivamente os meus delírios de amor já estavam indo longe demais. Eu havia decidido que a partir daquele instante não iria mais pensar em ti, não iria forçar para te esquecer (é até antagônico), não iria imaginar momentos contigo e nem ansiar teu toque.

    Mas, incrivelmente, nessa mesma noite, ouvindo música enquanto tomava um vinho tranquilo, me deparei com o som de “Take My Breath Away” e ele destruiu todos os meus planos e decisões anteriores.

    Pois, por incrível que pareça, essa melodia sedutora retrata uma paixão em chamas e descreve fielmente tudo o que o meu íntimo mais deseja, a razão pela qual ele pulsa. Isso mesmo, desejo que nos encontremos novamente, trazendo para o agora aquela mesma paixão avassaladora e aquele sentimento quente, que me deixava em chamas.

    Desejo que a paixão que brotou na juventude, ou seja lá o que for que ainda permanece vivido aqui, não se desmanche — em ambos os lados. Eu sempre, verdadeiramente, não só esperei, como também acreditei, com lasciva veemência, que estávamos fadados a um intenso romance; assim como retrata a canção.

    Projetei tanto que não me conformo com esse desfecho, não consigo me render a essa ideia. Digerir que nossa envoltura não estava como imaginava, que de um instante ao outro perdi o eclipse, o acontecimento centenário que tanto ansiava, uma oportunidade não aproveitada; pra ser sincera, não quero me render, evitando a frustração de sentir-se vencida pelo que mais temia. Sofro pela perda do que nunca me pertenceu, pelo que não vivenciei, pelo que poderíamos ter sido.

    Não sei se fico feliz por já ter tido você por instantes ou decepcionada pela possibilidade de não tê-lo novamente. Talvez, minhas palavras não passem de devaneios, frutos de uma decepção amorosa. Mil e um pensamentos rodeiam a minha mente enquanto meio torpe escuto essa música e te escrevo.

    Sei, pode parecer brega, mas super a minha cara, escrever cartas para alguém que jamais irá recebê-las. [Você sabe muito bem disso].

    Definitivamente ainda não consigo esquecê-lo e a canção só me faz lembrar e desejar ainda mais estar em você. Não paro de ouvi-la ou de muito menos desejá-lo, de ansiar tudo aquilo novamente. Afinal, pode ser putativamente, mas sinto que vivemos nesse jogo tolo de amantes que a letra tanto fala. Sou eu quem está assombrada pela noção de que em algum lugar existe um amor em chamas, voltando, retornando de algum lugar secreto no interior.

    Ou, talvez, eu somente esteja meio torpe.

    Sabe, o vinho me deixa “alta”.

    Acredito que amanhã darei risada e me sentirei ridícula por tudo isso.

    Bom, espero.


    Janaina Couto ©
    Publicado em 2018

    @janacoutoj

  • [Cartas] MORNO

    Se quiser falar a respeito, estou aqui.
    Me desculpa por te deixar assim.
    Queria que se sentisse confortável comigo. Principalmente para dividir tudo o que sente. Para me contar o que se passa com você. Gostaria de ter a chance de compreender e poder te ajudar com essa infinidade de "problemas". Me mata te ver assim.
    Me fere mais ainda perceber que, de algum modo, algo em mim te deixa com o pé atrás nesse sentido. E eu não sei a razão. Não sei o que te inibe em me colocar e inserir de uma vez por todas em todos os âmbitos da sua vida. Não sei o que te impede de me mostrar cada fresta tua.
    Quanto a traumas, se eles existem, é importante compartilhar comigo, para lidarmos juntos. Não quero minhas ações afetando você e sendo motivo para que fiquei assim, morno.
    Me deixa arrasada constatar que, enquanto eu queimo em intensidade, a "nossa coisa" já não pega mais fogo. Detesto esse morno.
    Eu gosto de você de uma forma insana. E, infelizmente, sinto que vê isso distante. Mas, nāo adianta eu só falar. Quero muito que "veja" tudo o que causa em mim. Anseio que perceba a grandiosidade do que me faz sentir.
    Gosto muito de mim quando estou com você, acho incrível como faz eu me sentir. Um estado constante de euforia, desejo.
    Semana passada, madrugada, quando nos encontramos, enquanto eu repousava em teu peito, você estava distraído até que nossos olhos se esbarram. Te olhei profundamente.
    Me perdi no teu olhar e, juro, me arrepiei com ele, de uma forma que nunca havia acontecido antes. Naquele instante, acreditei fortemente que eu estava alinhada ao meu destino… que ele está "escrito". Te olhava profundamente tentando me fazer acreditar que, felizmente, o tenho ao meu lado.
    Recordo que sorri desejando eternizar aquele momento. Reconhecendo tudo o que pulsa em mim, aquele trecho de Relicário não saia da minha mente "Eu trocaria a eternidade por essa noite". Naquela madrugada fria, você, em seguida, beijou a minha testa. Eu senti carinho, proteção… foi a primeira vez que alguém me beijava daquela forma. Serei eternamente agradecida por ter sido você.
    No dia a dia, com a rotina corrida, não faz ideia do quanto sinto saudade, muito menos de como anseio às 19h para te ligar e ouvir sua voz ou ao menos ler uma mensagem sua.
    Sinto muito por nāo te proporcionar o mesmo…
    Eu quero, quero de verdade. Sinto que sou capaz de te deixar bem ao meu lado. E, talvez, seja por isso que te ver 'blé', com tudo e, sobretudo, com a "nossa coisa", me deixa mal. Principalmente por cogitar que isso pode ter tudo haver comigo.
    Sinceramente, não recordo o que posso ter feito para te causar essa névoa sentimental.
    No mais, independente do que for, sei que minhas desculpas sempre te soam em vão.
    Aliás, naquele dia, eu nāo agi como quem não se importa. Muito pelo contrário, me importei muito e fiquei com medo, justamente por isso te falei “escolhe e só me diz uma coisa dessas quando tiver certeza, convicção”. Jamais imaginaria que você seria capaz de fazer o meu tipo certo de escolha errada.
    De repente, sinto que estou perdendo algo. A nossa coisa… você. Ainda tento digerir o que me disse 'só nāo sei se estamos mais juntos'. Desde então, o meu bem está agindo diferente e percebo a existência de um "vazio".
    Deus, eu faria o impossível para preenchê-lo. Eu sinto o universo… transborda. Acredito que seria mais que o suficiente.
    Me desculpa te encher, estou exausta e isso tudo me sufoca. Não fico em paz.
    Prometo que farei o máximo para te deixar tranquilo quanto a mim, sobre nós (para mim ele existe). Procurarei demonstrar, não que eu não fizesse isso antes, não quero dizer isso, a questão é fazer com que você sinta que estou, de verdade, com você. Nāo sei se me destituiu do posto.
    No mais, sei o quanto os detalhes te são importantes, juro que irei prestar atenção nos meus, pois, reconheço os seus e sou grata por eles.
    No entanto, as minhas promessas a ti nada significam. Já não sei o que fazer. Me sinto e estou perdida.
    Sabe, demorei tanto para te conquistar… Não vou te deixar ir embora da minha vida sem mais nem menos. Não me permito desistir e não dar o meu máximo pelo "nós". Valorizo muito o que sinto e quero comigo, por todo o sempre, o alvo de todo esse meu amor.
    Por favor, não desiste de mim. Não desiste do "nós".
  • [Cartas] PROFALÇAS

    Planejava te escrever sobre a imensidāo do que você e o “agora” significam para mim… mas, farei isso em outro momento.
    Juro, chega a ser surreal como tenho dificuldade em transcrever para o papel os meus sentimentos - puros, nus e crus - é muito diferente de criar ou inventar um enredo.
    A grande questão é que, se tratando da realidade, qualquer coisa que eu escreva soa absolutamente ridículo se comparado ao que pulsa aqui dentro…
    Eu desejei escrever algo diferente, o mais singelo e sincero que conseguisse. Me desculpa por nāo ser nada objetiva:
    Meu bem, desejo que essa seja a sua melhor idade! Esse, o seu melhor ano! Que você vivencie as aventuras mais malucas, as experiências mais gostosas, que se permita reinventar e arriscar!
    Sei que muitas coisas há de encarar sozinho, mas quero vivenciar contigo muitas delas… pode ser cedo, mas, quero dividir parte da minha vida com você. Anseio muitos dias tranquilos sentido o sol queimar nossa pele...
    A nossa coisa é nova, mas, desde já, sei que serei eternamente agradecida por cada beijo, pelos conselhos, por cada abraço, pelos instantes de riso, pelos olhares serenos, pelas falas apaixonadas… por cada microsegundo, pela intensidade, por isso que me proporciona sentir.
    É surreal como as horas contigo correm, teu sorriso me desmancha, seu abraço me aquece, seu olhar me desmonta e teu toque me arrepia. Obrigada por tudo isso.
    O aniversário é seu, mas é meu o prazer em dividir esse dia com você. Jamais esqueça o quanto se tornou especial para mim.
    Você é um cara incrível, nāo estou falando que é perfeito - ninguém é; mas, eu vejo os seus 'defeitos' e ainda assim, vejo muito do que eu quero… com quem desejo estar.
    Me encanta o homem que vejo em você.. muito mais que um rapaz bonito com jeito de inconsequente. Independente, forte, inteligente, protetor… astuto. Gosto do teu jeito peculiar de ver algumas coisas... Me amarro na sua personalidade.
    Psiu, jamais perca sua essencia… sempre mude para uma versão melhor de si mesmo!
    Te desejo muitos picos de felicidade, em todas as suas formas, cores e facetas! Claro, a consequência de viver é errar, tentar, acertar, chorar, sorrir, amar... ninguém é perfeito ou feliz, haja vista que é impossível atingir o pleno estado de felicidade. Isso mesmo, a felicidade bem como a tristeza sāo momentos, instantes. A felicidade está nos microsegundos, seja quando alcança uma meta, quando toca, quando ouve sua música preferida tocar na rádio, quando se sente bem consigo mesmo, quando num abraço se sente em casa ou simplesmente quando na monotonia do cotidiano se dar conta de que é capaz de amar e é amado. Nāo use parâmetros para a "felicidade", viva intensamente e "seja feliz" do seu jeito de ser! Viva ao invés de sobreviver!
    Que cada dia teu seja único, intenso, sempre norteado de muito amor — espero te proporcionar para além disso! Que a cada ano que passe, você conquiste seus sonhos e descubra novos desejos. Que você olhe para os dias que correram e sinta orgulho do que viveu. Tente levar a vida sempre numa boa, usufruindo ao máximo das coisas mais bonitas e singelas!
    Espero que você possa sempre evoluir como ser humano, nos seus ideais de evolução. A cada estação, uma versão melhor de você. Quero a cada estação, uma versão melhor nāo só do "eu e você", mas também do 'nós’.
    Te desejo as melhores coisas do mundo, só nāo sei se serāo o suficiente para o Universo que vejo em ti.
    É hora de se despedir do velho garoto e desejar boas-vindas ao homem que está construindo.
    Não sei se é cedo para falar que sinto o mundo por você. Mas, já não importa os meus velhos conceitos. Eu sinto. Sei que sinto. Quero que jamais esqueça isso!
    Não queria usar o clichê "eu amo você", mas, se trata disso.
    Ps. Nesse instante eu estou te abraçando calorosamente e lhe dando um beijo, puro… quero que sinta isso.
    Com amor,
    Beijos,
    Jacarandá.
  • [Cartas] TENTAÇÃO

    Você é a mulher mais foda que eu já conheci. Você simplesmente é foda. E, Deus, eu já conheci tanta gente.
    Você é única.
    Gosto da forma que fala, por mais que às vezes eu reclame da presença de todo esse juridiquês e do uso de infindas palavras para algo que poderia ser dito em apenas cinco.
    Juro, sou fascinado nesse teu jeito. Uma pergunta vira uma reflexão e uma análise esmiuçada sobre seja lá qual for o tema. Gosto disso. Interesse, curiosidade. Te torna uma mulher tão sexy. Caralho, não faz ideia de como eu amo conversar contigo. A literatura não tem uma palavra pra descrever isso ainda.
    Me amarro no teu jeitinho de falar. Toda acelerada. Sempre conta o que têm a dizer com uma empolgação que não sei donde vem. Usa todo o fôlego e a sua hora de fala sempre se desfecha com um suspiro. Acho incrível como diz com emoção.
    Você é inteligente pra cacete (muito plausível já que passa a maior parte do tempo nessa doação). A sua inteligência transcende. Você tem uma puta mente aberta, seja para conhecimento quer seja para sentimentos e até mesmo ações. Pensa muito bem sobre algumas coisas. Sabe se portar conforme as situações. Nada te passa despercebido.
    Quando estamos juntos fico pensando “que mulher”. Confesso, dou uma viajada.
    Não bastasse, parece ter uma opinião formada sobre todo e qualquer assunto. E quando não conhece a respeito assume “sou completamente leiga, me explica”. Lembra do que disse sobre as várias formas de inteligência? Pois bem, acho que esse tipo de coisa tá no pacote. Você é surreal.
    Não importa a situação, o contexto ou a conversa, tu muda o espectro da coisa de uma forma incrível. Aliás, sem tirar a essência do que é basilar.
    Me encanta o quanto é precisa. Sabe o que gosta, diz de boca cheia o que acredita que precisa ser mudado, não tem receio em dizer não. Adoro o seu falar cheio de convicção.
    Quando se posiciona diante de uma situação, fala com propriedade. Prende a atenção de qualquer pessoa. Eu te vejo uma deusa. Você me possui.
    Você é uma boa observadora. Capta o clima, percebe quando algo está incomodando. Leva como máxima aquilo de “não lêmos mentes”. Para ti, tudo se resolve com uma conversa. Prioriza dirimir as coisas de imediato, no instante exato que constata o problema, pois tem horror a ideia de que ele se propague no tempo. Têm pavor à dissimulação e detesta mentiras, razão pela qual é serena, franca e sincera ao extremo. Valoriza a verdade, ainda que ela seja cortante.
    Gosto como se põe no lugar do outro. Sopesa as coisas. Ainda que convicta dos motins de cada um de seus posicionamentos, tornando-os devidos, acreditando ser a “dona da razão”, vê os dois lados da balança. Aliás, não tem medo em acatar a visão do outro. Não têm receio em pedir desculpas e quando faz é de coração. E ainda assume quando “estava completamente equivocada”.
    Você é de verdade. Sempre.
    Conheço cada uma das tuas versões de si mesma, principalmente a amiga, a escritora e, óbvio, a companheira. Não constato falha, executa muito bem os seus papéis. Como?
    É fortemente determinada e nem se dá conta.
    Não importa o âmbito. Estudo, família, trabalho. É incrível como consegue lidar. Traça uma rotina. Os determina como prioridade. Você não se sabota nesse sentido.
    Determinada a ponto de não se permitir espairecer. A ponto de abrir mão das coisas simples que gosta de fazer sozinha e para si mesma… ler na praça de madrugada, por exemplo. Confesso, acredito que precisa de uma pausa para si mesma. Um respiro. Vai devagar, meu bem.
    Você é forte e ainda assim consigo reconhecer boas fragilidades. Tem grandes sonhos e valoriza as coisas simples. Tem uma forma peculiar e poética de ver a vida. Para ti, todo e qualquer momento encaixa com uma canção. Aliás, tem gosto musical incrível. E, claro, você é a minha escritora preferida. Me fascina o quanto é boa com as palavras. Sobretudo, a sua facilidade em elucidar nos exatos termos os teus sentimentos.
    É uma mulher imprevisível. O que me assusta, pois não consigo te desvendar. É uma gana incessante, mas gostosa. Não quero saná-la, eis que no final das contas você acaba me surpreendendo de um jeito maravilhoso.
    Você é extremamente amorosa. Obrigada por isso.
    Você abre esse seu sorriso bobo quando me olha eu me quebro. Adoro seu olhar penetrante e misterioso, ainda mais quando é voltado para os meus. Quando me beija sem eu pedir ou quando faz qualquer coisa em mim quando estou distraído, até mesmo o teu toque suave mais sutil, eu amo.
    Eu poderia listar o que acho bonito só em você e jamais iria exaurir o rol.
    Você é educada, sincera, honesta.
    É uma excelente ouvinte.
    Adoro o quanto é compreensiva.
    São coisas que eu admiro muito. Aliás, ressalto que não se trata apenas de mim. Questione qualquer outro alguém. Todos possuem a mesmíssima percepção de você. Tenho certeza que aqueles que já conviveram contigo, ainda que pouco, te perceberam assim.
    Me corrói a forma que você se vê. Não sei a razão para baixa autoestima ou mesmo a sua depressão pós alimentação só porque comeu uma besteira. Tão menos a sua bipolaridade quanto a percepção de si mesma. Não entendo o que te faz alucinar para se vê insuficiente, tão menos o temor de não conquistar os seu sonhos. Mulher, esse mundo já é seu. Você é um universo inteiro.
    Você é intensa.
    Você é atenciosa.
    Simpática, engraçada e boba. Dá risada de qualquer coisa.
    Não bastasse todo o exposto, você é uma mulher extremamente atraente. Fisicamente linda. Gostosa. Sensual.
    A sensualidade é a sua característica mais marcante, para mim. Está presente na sua forma de se mexer, olhar, falar. Me intriga como você consegue ser sensual até mesmo quando está lendo. Eu te vejo caminhar em minha direção ao som de “Mild Orange — Some Feeling”.
    Se a perfeição tivesse forma humana, eu seria capaz de ver cada um dos teus traços nela.
    E justamente por isso me atormenta ouvir “Arctic Monkeys — I Wanna Be Yours” quando estou longe de você.
    “Me encanta a sua inteligência.
    Me encanta a sua empatia.
    Me encanta a sua força de vontade.
    Me encanta a sua forma de lidar com certas coisas.Venero o jeito que trata a sua família.Honro a sua confiança em mim.
    Honro a forma como me tem.
    Honro como se faz nua e crua.
    Honro a sua doação.Gosto dos seus olhos e como eles me vêem e me encaram.
    Gosto do seu sorriso e como sorri para mim.
    Gosto do seu cabelo volumoso e brilhoso, ondulado, liso, cacheado… em você tudo fica perfeito.
    Gosto do seu estilo autêntico.
    Gosto do seu andar.
    Gosto da sua forma de falar.
    Gosto do timbre da sua voz.
    Gosto dos seus pés delicados.
    Gosto do seu nariz pontuadinho.
    Gosto da suas mãos.
    Gosto do seu pescoço fino.
    Gosto das tuas costas.
    Gosto da tua pele macia.
    Gosto do teu cheiro.
    Gosto da tua boca rosa, cheia.
    Gosto das tuas intenções.Amo seu beijo.
    Amo teu suspiro.
    Amo seu toque e em como ele me faz arrepiar.
    Amo o envolto do seu abraço.
    Amo você do princípio ao fim e isso é muito gostoso de sentir.”
    Precisaria de mais algumas horas para pormenorizar cada um das tuas frestas.
    Sim, estamos juntos pra evoluirmos de uma certa forma. Óbvio, vejo algumas coisas em que você pode melhorar. Acredito que ser mais discreta em alguns lugares é uma delas, mas, isso será difícil, como tu mesmo diz, você é um escândalo de mulher.
    Vu só? Por questões óbvias e razões infinitas eu sou doido por você. Você é aminha tentação.
    Quando estou contigo só penso em te abraçar, te sentir, te beijar. Sou fascinado e você parece não se dar conta. Meu pensamento sempre está em ti. Sempre, inclusive agora.
    Percebo que me coloca dentre as tuas prioridades e eu faço o mesmo contigo. Você está comigo de verdade e eu gosto disso demais. Você é muito foda e está sendo foda comigo. Eu só quero ficar com você, permanecer aqui. AMO a nossa troca.
    Independente do que aconteça no relicário imenso desse amor, eu vou permanecer aqui com você, enquanto for da sua vontade.
    O que pulsa em mim é algo inexplicável. Sinto o mundo, o universo por você.
    Com amor e carinho,
    seu “mais insano e desmedido amor”.
  • [Contos] FUGA - Parte I

    Na rua, vindo do trabalho de bicicleta, estava frio, o dia nublado, eu cansado… quando a vi. A vi passar, no outro lado da rua, caminhando de mochila e com um livro na mão, parar no ponto de ônibus, abrir o livro e começar a folheá-lo. Ela estava graciosa, tão linda… parecia distante, perdida num momento que pertencia só à ela. Mas, ao cruzar a rua e passar rapidamente em frente ao ponto, ainda fui capaz de notar seu rosto de choro… suas maçãs estavam avermelhadas, assim como os olhos e a ponta do nariz. Instantaneamente questionei: O que poderia fazê-la chorar? Eu a olhei de canto, mas não acenei, não chamei, não fiz nada, só continuei a pedalar. Percebi que no mesmo instante ela levantou o rosto a procura de alguém conhecido, mas logo voltou a se debruçar sobre o livro.

    Ainda longe de casa, naquele dia nublado, numa sexta-feira de verão, próximo às 7h00 da noite, começou uma garoa fina. Os faróis dos carros iluminavam o início de noite e pedalando ao som de “Baby I’m Yours — Arctic Monkeys” nos meus fones, senti uma sensação diferente, não ruim, que estremeceu e arrepiou todo o meu corpo, desde os meus pés à minha nuca. Uma forte onda nostálgica bateu em mim e todos os sentimentos mais quentes e intensos permeavam o meu corpo e mente novamente, como se de repente eu fosse repreenchido por algo que já havia caindo no esquecimento, mas que ainda estava ali, dentro de mim. Aqueles olhos castanhos, donos de formosos cachos do mesmíssimo tom de castanho avelã que ao vento, assim como ao sol, enalteciam ainda mais a beleza e profundidade daquele olhar, pairavam em minha mente.

    Instantaneamente, uma reprise de tudo que eu vivi com aqueles olhos castanhos me possuiu… era invasivo… como se algo qual eu lutei pra guardar e deixar ali, quietinho, estivesse gritando e me inundando, trazendo recordações de um sentimento forte, fascinante, gostoso, sedutor… adocicado por um desejo insano de vivenciar cada instante novamente… de poder tocar os cachos daquele cabelo. Sentindo aquilo me dominar, me corroer, lutando para pensar em outra coisa e encontrando-me sem saída, futilmente comecei a pedalar mais rápido, a chuva engrossava e o meu desespero para deixar aquilo de lado e apenas me concentrar em chegar em casa era imenso… não fui capaz, não consegui. Fui vencido e sentir-me-ia ser preenchido.

    Arfei. Arfei ao sentir novamente todo aquele turbilhão de emoção vigorar em mim novamente. Paixão. Zelo. Admiração. Tesão. Por um segundo cheguei a questionar porquê internalizei aquilo, se me fazia sentir triunfo. Porém, como em uma antítese, vinheram estes por conseguintes acompanhados. Culpa. Pena. Frustração. Arrependimento. Fazendo-me lembrar como memórias tão gostosas e sentimentos intensos foram por mim soterrados. Chovia muito. Naquele instante, com a camiseta toda molhada, a ventania congelava o meu peito e, ainda assim, eu conseguia senti-lo queimar.

    A chuva embasava a minha visão e minha mente era invadida por flashbacks de todas as vezes que meus olhos encontraram aqueles penetrantes olhos amarronzados, tornando quase impossível distinguir a realidade da alucinação. Novamente o olhar mais quente, insano, misterioso… me fitando. Olhar que me chamava, me deixava sem ar por segundos, me afogava.

    Os flashbacks eram como fotos. Lembranças intensas que eu não fazia ideia de como poderiam ser tão vivas e ao passar de cada um deles, eu vivenciava cada cena novamente. Sem compreender exatamente o que acontecia comigo, percebendo que ela ainda mexe fortemente comigo, reconheci que não conseguiria fugir daquilo, estava fadado a enfrentar os meus conflitos internos uma hora ou outra, esse momento chegou mais cedo do que imaginei. Não podia sabotar meus pensamentos, tentei e por centenas de vezes consegui, mas dessa vez não.

    Jamais esquecerei como é olhá-la nos olhos e conseguir ver a beleza da sua alma, além da beleza daqueles olhos, a beleza de uma garota que exalava mistério. Garota nada fácil de desvendar, dona de um império interior que eu ansiava descobrir. Intuitivamente, eu sabia. A todo instante sabia que me perderia na intensidade daquele olhar profundo, na imensidão de seu império, mas de imediato eu não tive medo, afinal, sempre me cativei pelo desconhecido. Aos poucos os flashbacks já não eram tão recorrentes, sendo substituídos pelas luzes fortes dos faróis dos carros. A chuva virou garoa. Pedalando agora devagar, percebi que já havia passado a rua de casa.

    Estranhamente, a noite fria, agora, era tomada por um mormaço. O meu bairro tranquilo. As árvores ainda molhadas transmitiam calmaria. Típica noite de verão. Nostálgica. Respirei fundo e apesar de não desvendar o propósito dela, decidi apreciá-la. Eu já não queria mais fugir e agora admirava o céu estrelado ao lado dela… a saudade. Pedalando, observando cada rua, cada casa, cada esquina… parei numa praça. Praça qual eu conhecia muito bem. Lugar que marcou muitas noites minhas, noites quentes. Perfeita para marcar também uma noite nostálgica que, agora, transbordava em saudade.

    Adentrei a praça, vazia, segui uma pequena trilha de terra e pedras, encontrei com facilidade não só o lugar, mas também o banco que tinha em mente, um cantinho bem específico. Larguei a bicicleta na grama, tirei a mochila das costas, enxuguei o excesso de água no banco e me sentei, tirei a camisa molhada e coloquei apenas o agasalho azul que tinha na bolsa. A copa das árvores ao redor, assim como eu, eram iluminadas pelo poste de luz atrás do banco. Chuviscava. Sentado com o corpo relaxado eu podia ver as minúsculas gotículas caírem do céu.

    A lua iluminava a pequena trilha que terminava logo à frente. E ao som de “ As Long As You Love Me — Jaymes Young” nos meus fones, eu nunca senti tanta saudade… dos caracóis daquele cabelo. O som penetrava em meus ouvidos e permeava a minha mente, que, por vez, fazia uma trilha sonora com tudo o que vivenciei com ela. Uma trilha sonora da nossa história, bom, ao menos para mim nós tivemos uma história. Olhando as copas das árvores aquietarem-se, os chuviscos cessarem e a inquietação da praça ir embora com a chegada de um casal caminhando em meio a gargalhadas na estrada da praça ao longe, foi o estopim para um instante de lucidez em meio a tantos delírios.

    Me vi cercado de questionamentos quanto ao eterno “e se”. Reparando no casal ao longe, suspirei, passei a mão no cabelo ainda molhado, repousei as costas no banco e indaguei, pensando alto, num sussurro: Como posso ter uma história com uma garota que eu não tive um “relacionamento”? Encarando a trilha iluminada pela noite estrelada, a imagem dela no ponto de ônibus mais cedo tornou a minha mente, seu cabelo longo com mechas e cachos aleatórios flutuando ao vento… incrível como tudo parecia ser reproduzido em câmera lenta.

    Se no instante que a conheci alguém me dissesse que um dia eu me veria perdidamente seduzido por aqueles olhos cor de avelã que exalavam perdição, pelos macios cachos de seu cabelo, por seu cheiro de lírio, pelo sorriso de mistério, por seu jeito quente… completamente desesperado por aquela garota sagaz, eu jamais acreditaria. Eu não era desses. Definitivamente não era esse tipo de cara. Não era… Lembrei das nossas conversas nesta praça durante as madrugadas do verão passado, dela me falando sobre intensidade, sentimentos, o universo, destino… era extraordinária sua capacidade de criar teorias elaboradas — e escrever — sobre tudo. Ela queimava de tanta intensidade.

    Eu, por vez, achava aquilo tudo tão bobo, não fazia nenhum sentido racional para mim. Apesar dela não falar a respeito, sequer imaginava, que, no fundo, eu conseguia reconhecer seus sinais de paixão. Não sei exatamente o que a deixava atraída por mim, éramos muito diferentes. Vê-la dessa forma era ardente, me deixava ainda mais gamado, fascinado. Mas, sinceramente, paixão? Eu não era desses… não era.

    O universo fez questão de me fazer reconhecer o fervor de tudo o que ela sentia, da pior forma, na pele… queimando em intensidade, atordoado de desejo para me perder — ou me encontrar? — novamente em seu olhar profundo. Admirando a exuberância da praça, sentindo o pesar da ausência de alguém que não permiti “ser minha”, agora, dilacerado pelo remorso junto ao arrependimento, era impossível mensurar o quanto eu a queria.

    Nunca imaginei que aconteceria um terço do que vivemos, nem que recordaria sem esforços os mais singelos detalhes, muito menos que o destino traria de volta uma paixão do passado, afinal, nossa história é de muito tempo. Fadados ao erro. Ela recuou na primeira vez. E na segunda? Eu fugi.

    Os meus pensamentos me torturavam e tudo só piorava enquanto eu buscava, numa tentativa falha, compreender racionalmente os motivos da minha fuga ao esmiuçar as fases do nosso distanciamento. Medo? Balbuciei no intuito de elaborar uma justificativa que a tornava unicamente culpada, irrefutavelmente não consegui. Havia um culpado? Hoje, creio que não. Mas uma coisa é evidente, situações pequenas, coisas ditas em dois segundos que pouco a pouco abalaram a conexão construída no decorrer das estações, influenciadas não só pelo meu orgulho, mas também, por toda ingenuidade amorosa dela junto ao seu desgaste emocional.

    No entanto, não são os fatos que me torturam, afinal, não sou capaz de mudá-los. Agora, nessa noite, nesta praça, sentado em “nosso” banco e sentindo o cheiro de terra molhada, sou torturado por questionamentos do eterno “e se…” e nada me corrói tanto. E se quando reconheci que estava me apaixonando eu não tivesse me afastado? E se ela me falasse quando a magoei? E se, depois de tudo, ao ser sincera ela não tivesse estraçalhado meu coração? Como não possuíamos um “relacionamento” não nos sentíamos confortáveis em cobrar ou prestar esclarecimentos. E se eu tivesse feito isso? E se ela tivesse feito? Será que ela tentou e eu não percebi? Não sei, na época sempre dotado de orgulho.

    A imagem dela no ponto não saia da minha mente, sozinha e pensativa, assim como eu nesta praça, ao contrário do casal que ainda estava ali, distante, mas ali. As horas corriam e eu nem me dava conta. Apesar de fisicamente bem, eu estava cansado, a mente cansada, tudo aquilo estava sendo tão exaustivo e, de modo antagônico, fazia meses que não me sentia tão vivo, pois eu queimava em intensidade, paixão. Como no verão passado, mas antes não notara a nobreza dessa dádiva, afinal, parece que a paixão consegue ser bela e árdua concomitantemente.

    Não sei como consegui manter a imensidão do que eu sinto escondida por tanto tempo. Enquanto a garota mais incrível que já conheci estava ali, eu, um moleque entusiasmado e imaturo, como sempre, queria só jogar, desvendá-la. Sequer pensava na possibilidade de gostar dela, gostar de verdade, pra valer. Eu não era desses de se apaixonar. E quando ela foi embora, não me dei conta que havia perdido um alguém que tanto precisava. Camuflei a dor. Ela disse adeus e parecia estar tudo bem, e estava, pois eu me enchi de prazeres e felicidades momentâneas para internalizar tudo. Eu não era desses que sofria e sequer conhecia isso de “superar”.

    Mas, hoje, voltando do trabalho, quando a vi, lutei para evitar esse turbilhão de sentimentos, os quais não mais consegui manter estancados. Sinto que não serei capaz de internalizá-los novamente, já não cabem mais ao peito, me sufocam, são maiores que eu.

    Enquanto pedalava, sob a garoa, a procura dessa praça, dei-me conta de como os meus envolvimentos amorosos de lá pra cá são supérfluos quando comparados a grandiosidade do que ela me permitiu sentir. Eu, sinceramente, não conhecia e não conheço isso de superar, afinal, eu nunca a esqueci, sempre acabo apaixonando-me por ela de novo, de novo e de novo.

    Não sei explicar a razão. O universo? Nunca acreditei nisso de “destino”, ela por vez… sinto-me condenado a acreditar. Espero que a nossa história não acabe assim, não pode ser, desejo que não sejamos apenas duas pessoas que não mais se conhecem com uma história profunda num passado em comum.

    Ao som baixo de “ASTN — Love No More”, fechei os olhos, respirei fundo e permaneci ali, sentindo a natureza, ouvindo ao longe o barulho da cidade abafado pelas árvores e pelos meus fones, sentido o mundo e a vida ao meu redor e em como tudo aquilo era incrivelmente gostoso, finalmente, em meses, eu me sentia vivo.

    Mais uma vez respirei fundo, deixando os pensamentos e angústias irem embora, pouco a pouco evadirem-se, até que permaneceu apenas a perfeição daquele sentimento puro e inexplicável dentro de mim. Realmente, agora, desejava apreciar a noite nostálgica, sem os conflitos internos, só memorando, com intensidade, as coisas boas que fizemos um ao outro, os nossos melhores momentos — onde as situações mais simples eram repletas de borboletas no estômago -, lembrando o quanto ela me incentivava a ser uma pessoa cada vez melhor.

    Transcender. Era essa a palavra que ela usava. Senti uma brisa ao pé do ouvido, lentamente abri os olhos, reconhecendo que tudo o que vivenciei nesta noite foi preciso, para minha alma, pro meu coração, pro meu eu.


    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2018]

    @janacoutoj

  • [Desabafo] Âmago

    Hoje faz exatamente um ano desde uma das madrugadas em que mais me desmanchei. Exatamente 365 dias da noite em que o meu coração saltava pela boca. Da noite fria em que a porta foi fechada. Quando o nevoeiro chegou e eu soube que dias de trevas me esperavam.
    Mas, não apenas isso. Passaram exatamente quatro estações desde que eu fui dilacerada pela sensação de deixar ir, de acatar, de dizer adeus. E mais uma vez eu presencio o ciclo do desabrochar das flores após ter me despedido e fechado a porta com cuidado diante do que era grandioso demais e me fazia sentir viva.
    No outono passado, naquela madrugada gelada como esta, eu suportei o peso do meu sentimento sobre as minhas costas. O peso do mundo. Palavras frias, rudemente ditas em um voz de veludo, foram o gatilho para eu tomar uma decisão necessária, mas que certamente ainda não sei dizer se foi ou não a correta. Aliás, nunca hei de saber.
    Não há nada mais difícil do que se distanciar de algo que outrora tanto cobiçou. Desistir do amanhã que havia sonhado ontem. Já nem sei se “desistir” é a palavra apropriada. Deixar o vento levar o que já havia sido motivo de picos de euforia, eventos de sincronicidade e de conexão com a sua parte mais humana. Soprar o que tocou a parte mais frágil e pura de si mesmo. Abandonar o que te fazia sentir singular, sobretudo vivo, de tal maneira a ponto de não almejar mais nada, pois por ser capaz de vivenciar e sentir aquilo já se dava por realizada.
    Naquela noite eu senti que perdi o eclipse. Desprezando o que conhecera de mais valioso. Descartado a grande álea pela qual todos anseiam. O evento do século. O acontecimento épico. O ápice da minha vida. Eu simplesmente dei as costas.
    Fiquei cara a cara com a minha insegurança e com os meus medos.
    Sim. Afirmo com lasciva veemência. Eu conheci, nos exatos termos, o que mais valorizo e ainda tenho por avidez. Conheci de pertinho. Acariciei, apalpei, senti o gosto e o cheiro. Eu provei.
    No entanto, aquilo que era grandioso havia de se acomodar no estreito. Não me cabia. Claro, ainda assim, tratava-se daquilo pelo qual eu tinha fervor, o que me faz ser eternamente agradecida. A minha cisma em estar ali, para não soltar, para não perder o que me rasgava o peito, feria.
    Eu jamais havia estado naquele lugar e, confesso, ainda assim fui capaz de reconhecer que o espaço era irrisório diante do que eu precisava.
    Um conglomerado de variáveis tornava o recinto cada vez mais apertado. Eu tentei, mas havia uma resistência à expansão. Dependia de força, vontade, reconhecimento e anuência alheias a mim. Me vi obrigada a sair. Aquele ambiente não me cabia.
    Havia um sentimento nobre, desejo, virtude e, sobretudo, insegurança demais num mesmo lugar. O ambiente me abraçava e dava um beijo terno na testa ao mesmo compasso que o ar pesava e comprimia os meus pulmões. “Nós dois estamos exaustos”.
    Há exatamente 52 semanas que eu respiro sem dificuldade alguma. O ar não pesa mais. Exatamente oito mil, setecentos e sessenta horas que eu tomei a decisão mais difícil e tortuosa. Me submeti ao naufrágio para salvaguardar o amor.
    Naquela noite, em devaneios, o episódio era reprisado em minha mente. Morri uma centena de vezes. Era preenchida por inúmeros pensamentos conflitantes. Acima de tudo, me senti hipócrita. Desde então, era o fim do mundo todo dia da semana.
    Tive nas minhas mãos o amor. Adianto, ele não foi insuficiente. Ao contrário, consistia na minha maior loucura de viver. Escolhi abraçá-lo e carregá-lo comigo por toda a vida. No entanto, como já escancarei, aquela conjuntura não comportava o amor. Aquele amor, o meu grande amor, os amores.
    Desde o princípio, fui convicta de que o que eu sentia era maior que eu. Conheci o amor, por recebê-lo e principalmente por senti-lo. Desabrochou-me e as raízes estão fincadas em lugares profundos os quais eu mesma não ouso rebulir.
    Não é novidade que em algum lugar no tempo fui incapaz de cogitar algo tão imenso e puro, a ponto de me desestabilizar e me segurar ao mesmo tempo. Sobretudo, por aquele alguém, uma pessoa que chegou sem mais nem menos e que sem pretensão alguma se instalou de mansinho. Se o meu eu agora se encontrasse com quem fui há dois anos atrás me contasse sobre o que haveria de acontecer, com toda a certeza eu iria gargalhar e dizer a mim mesma “essa mulher está delirando”.
    A coisa mais insana, profunda e bonita que já senti. É inexplicável quanto uma estação me marcou. Estava realizada por encontrar não o propósito, mas o sentido da vida.
    Nunca acreditei ou mesmo cogitei que a o motim da nossa vida, a minha realização pessoal ou o que chamam por “felicidade”, nomeie como quiser, esteve atrelada a fazer grandes feitios, a conquistar grandes coisas ou mesmo ser lembrado por todo um coletivo. Não mesmo. Eu sempre me questionei a respeito e, apesar de não ter uma resposta imediata, acredito com convicção que não está atrelado a nada material.
    Desde a minha infância fiquei imersa em pensamentos como: “É só isso? Por que passamos a maior parte do nosso dia nos doando em obrigações como o trabalho e o estudo, cada vez menos presentes para as pessoas que amamos e justamente para sobreviver e estar com elas? Se tudo isso é finito, se um dia todos nós iremos deixar de existir, por qual razão desgastar o meu tempo com outras coisas que não com elas, se ele é limitado? A vida é uma ampulheta e eu não faço ideia de quando cairá o último grão de areia.
    Qual o sentido disso aqui? A minha existência? Qual a coisa mais valiosa?.. Eu não quero a deixar escapar. Por que eu estou aqui, nessa época e com essas pessoas? Por qual razão são esses os meus amores? O que é isso aqui, dentro de mim? A vida é o que nos permite existir e por qual razão por amor somos capazes de ceifá-la? O que explica o ser humano ter apenas uma vida e destiná-la em razão do outro, por amor? O que é o amor? O amor me encanta, ao mesmo compasso que me assusta.
    Sempre estive conectada e tenho um enorme apreço ao que é abstrato, pelo singelo, pelo sentir.
    Naquela noite, eu reconheci que no auge dos meus vinte anos eu já conhecera todas as formas de amor. Felizmente, eu conhecia e sentia todas as formas de amor. Eu simplesmente amava, incondicionalmente, sem porquê e nem para que. Eu fui grata por isso.
    Porém, também naquela noite outro pensamento chegou para me desestabilizar. Eu vi que alguém me dava amor, o mesmo amor bonito e assustador de tão imenso que eu sentia, mas que eu não estava sabendo cuidar dele. Infelizmente eu o regava, mas para crescer só a água não era o suficiente.
    Digo de boca cheia: o amor é uma dádiva. Amar. Sabe, eu acredito que poucos têm essa capacidade. Amar mesmo. Na madrugada eu fui grata pelo o que eu vivi, apesar do sufoco, pelo que senti, pelo que recebi. Na madrugada fria eu sentia algo inexplicável, queimava. As minhas mãos estavam geladas, mas o meu peito ainda queimava.
    Foi duro reconhecer que o meu bem me ofertava o mesmo e isso o feria, claro, pelo peso do espaço entre nós, como já disse. O reconhecimento de que algo incontrolável, imaterial, intrínseco, unipessoal e essencial de alguém estava entregue a mim, concentrado de tal maneira que pelo o ambiente machucava o seu próprio suporte, me dilacerou. Afinal, aquele alguém era alvo do amor.
    O amor jamais foi um problema, pois não é. O empecilho era o estreito do ambiente, que não comportava apenas o amor. Naquela noite, eu tive sensibilidade a ponto de ver isso claramente.
    Para não me machucar e para não mais machucar eu precisei me afastar. Essa foi a decisão mais difícil que eu tomei por e pelo amor.
    Minutos depois da ruptura, segundos depois de fechar a porta, eu puxei o ar, mas ele não veio. Os meus pulmões inflaram, tudo queimava. Até que eu senti a dor. Dor física. Eu havia acabado de cravar uma adaga no meu coração. Acreditei que simplesmente estava assassinando o amor. Me vi hipócrita. Me vi menosprezando ou negligenciando o que eu sentia. Me vi desistindo.
    Naqueles segundos sem fôlego, como num efeito dominó, eu ouvia o som dos pilares da minha vida caindo. Eu havia fechado uma porta e assistia as linhas tortuosas do meu destino se fazendo e desfazendo, construindo rumos e criando as próximas realidades quais eu sequer era capaz de imaginar, pois acreditava que nada do que haveria de vir me traria tesão pela vida, já que eu estava fazendo algo horrendo.
    Ceifando o amor.
    Destruindo o alicerce de tudo o que eu mais almejava, desejava e esperava dos novos alvoreceres. O futuro se consumaria vazio. Novamente, um limbo. O amor estava nas minhas mãos, se degradando. A sua poeira escapava por entre os meus dedos e, com lágrimas, num ímpeto, eu o soprei.
    Recuperei o ar, puxando um fôlego forte e doloroso. Tudo havia se desfeito. Dali em diante, uma entrada nova no desconhecido. Me vi desalinhada ao meu destino.
    Naquela noite eu não machuquei só quem eu amava profundamente. Eu também machuquei a mim mesma. Isso para nos salvar do ambiente estreito que estava comportando o nosso amor, ambiente que nos acariciava e dava um tapa na cara quando menos esperávamos.
    Sim, eu sabia que aquilo era necessário, foi necessário. Foi doloroso. Foi difícil. Abandonando alguém que em algum lugar no tempo jamais me veria distante. Hoje, um anos depois, me orgulho dela, pois descobri que sou mais forte do que imaginava. Naquela noite eu me destruí, havia esfaqueado o meu peito, o meu coração estava ali, mas machucado.
    Hoje, afirmo com convicção que é possível amar e, por amor, se afastar do alvo de todo ele.
    Desde que desenvolvi a sensibilidade de reconhecer os amores que emano e os que me circundam, reconheço que o amor no seu plural é a coisa mais insana, bonita e inexplicável que sinto.
    Exatamente um ano desde que tomei a decisão aparentemente incoerente, por amar.
    Um ano que eu desejo estar perto, estando longe.
    Um ano que estou abarrotada de uma forma específica de amor, sem distribuí-lo.
    Um ano que reconheci o que é amar.
    Ao contrário do que as pessoas disseminam, o amor não machuca. De maneira alguma, não machuca. As outras coisas é que machucam o amor. Ele não é um sentimento ruim. Na verdade, ele é tão puro, delicado e surge de uma forma tão sutil… por todo esse conjunto que é inexplicável.
    O amor não é ruim. Se ama, apesar de. Nós nos amamos, apesar disso e daquilo. O amor prevalece. Prevalece diante de tudo e é por isso que conflitos com os nossos valores, princípios, desejos, crenças e anseios é que acabam sobressaindo e ferindo ainda mais, pela existência do amor. Quando esse conglomerado de conflitos estão no mesmo ambiente que o amor, o espaço fica pesado e estreito.
    O amor é sutil e os conflitos são gritantes. Os arranhões dos conflitos ferem partes de nós, apesar da existência do amor. Os impasses dão um tapa na cara e atinge pilares diferentes da nossa vida e existência, mas não é capaz de converter o amor em outro sentimento, tão menos de diminuí-lo.
    Ama-se apesar de. Apesar de… O amor é isso. É puro. O amor não machuca. Se alguém alega isso, sente qualquer outra coisa que não amor. O amor não nos impulsiona a coisas ruins. Nós simplesmente o sentimos e convivemos com ele. Os nossos princípios, os nossos valores e as nossas escolhas são motivados pelo nosso consciente, que nos permite deliberar. O amor nós simplesmente o sentimos, não se é possível apontar nem começo nem fim, não o escolhemos, não o controlamos. É o bem incorpóreo mais valioso e misterioso.
    Por isso, é possível amar quem já te machucou, quem te decepcionou, quem já agiu de forma a ferir os seus valores e princípios. E não, isso não é bonito. É lamentável e, ainda assim, se ama apesar de. Acredito que isso explica a mãe que é dilacerada pelo filho que terrivelmente comete o pior dos crimes, que é ceifar a vida de outrem, e ainda assim o ama, o protege e os seus princípios e valores a levam a repudiar a conduta e entender a necessidade do agir estatal.
    As coisas não se anulam. É por isso que por amor, perdoamos, mas isso não significa que a cicatriz deixa de existir, que a marca desaparece ou que a mágoa simplesmente se esvai, que os embates são esquecidos. Afinal, o amor prevalece, mas os confrontos com os nosso valores, princípios e crenças, que afetam os nossos objetivos, desejos e ambições, seja lá em qual for o pilar da nossa vida, deixam marcas que não são apagadas.
    A nossa vida possui pilares. A família, a educação, a arte, a saúde, a profissão, são alguns pilares e o motivo das versões verdadeiras de nós mesmos, que são impulsionadas por desejos, crenças, valores e princípios específicos, com objetivos distintos. Conciliar tudo isso é insano. O amor, por sua vez, não está restrito a nenhum desses pilares, nem mesmo a qualquer das versões, ele emana de nós e circunda tudo isso.
    O amor é complexo. Por ser complexo, inexplicável.
    O amor floresce, mas somos incapazes de apontar um começo e não sei dizer que tem um fim, apesar de algo me dizer que certamente sim. A vida é finita, será que o amor, concentrado na parte mais pura de nós mesmo, está condicionado ao cair do grão de areia? Quando o nosso corpo não mais existir, o que será de mim? Não digo sobre essa casa que os outros veem e eu trato com cuidado, respeito e zelo, mas a minha essência, o que faz eu ser eu… a minha alma. Está aí outra incógnita sobre a qual nada sei, a alma.
    Qual a semelhança e diferença da alma e do amor? O amor certamente é puro, qual a relação dele com a alma? Existe alma ruim? A alma sofre cicatriz? A alma comporta o amor? O sentimento emana da alma? As emoções atingem a alma ou ela é inviolável tal qual o amor? A alma e o amor se modificam, disso tenho certeza e jamais adquirem natureza ruim, será essa uma verdade só minha?
    Quais são os nossos valores, princípios e crenças? Estas coisas fazem parte da alma e, por serem mutáveis, por isso que a alma se modifica? Há ligação? Se positivo, isso aniquila a ideia anterior de que a alma é límpida e pura. Até mesmo porque, não raramente os valores e princípios dos outros propagam ideias e importam em ações que colidem com os meus e com as minhas crenças, por exemplo. Qual a relação entre alma, amor e o que rotulamos por valores e princípios?
    Não sei.
    O amor não é o mesmo para sempre, se molda com os embates e demais experiências, se modifica assim como os valores e os princípios, mas não perde a sua natureza. O amor amadurece, assim como a alma.
    A grande questão é que eu jamais saberei as respostas de tais questionamentos. Quanto à alma, apenas sei da sua existência porque é o que sou; já os meus valores, princípios e crenças o que me guia nas minhas escolhas e anseios nos pilares da minha vida, enquanto o amor é simplesmente o que eu sinto que me transborda.
    Esses devaneios, hoje, só elucidam o quanto eu valorizo essas coisas. A minha essência, a minha alma, quem eu sou. Por vez, os meus valores e princípios que influenciam e modificam aquele primeiro, aliás, nem ouse me perguntar como porque também não sei apontar sequer como desabrocham. O amor eu sinto e não sei explicar…
    Talvez o amor nasça com o encontro das almas, uma espécie de liame, ponte, conexão. Quem sabe seja puro por ser a comistão das partes mais puras e límpidas das almas/ de cada um de nós. Assim, atinge diferente as pessoas a depender da limpidez da alma de cada um. Talvez isso explique alguém que é amado, mas que é incapaz de amar. Quando digo amor aqui, me refiro ao sentimento em sentido amplo, não me limitando às suas formas.
    Esses infindos questionamentos os quais nem sei se quero realmente desvendá-los, pois não mais teria esse passatempo que é os questionamentos e inventar hipóteses, mostram como o amor faz parte de mim. A importância dele, que é enraizado e inerente a mim. O quanto eu valorizo a vida e a imagino vazia e sem sentido sem o amor.
    Aliás, tenho tesão por viver, acredito que daí a ideia de reencarnação, da existência de um depois, de um lugar para alma, de eternidade… me agrada. Será esse o objetivo da vida? Nos conectar com a parte mais límpida de nós mesmos? O amor. Que os valores e princípios primeiramente copiados das pessoas que nos rodeiam nas primeiras estações de nossa existência se modificam com as nossas vivências e embates, que felizmente se modificam e levam à evolução da nossa alma, de tal forma que a limpidez lhe acontece, que se verifica, que se torna fértil para conexões sentimentais como a empatia e o amor, claro?
    O amor me é inerente e não sei explicá-lo. Apenas sinto.
    Exatamente 365 dias depois eu tenho convicção de que eu não assassinei o amor, já que me é inerente.
    Naquela noite, me vi perdida porque um dos pilares da minha vida cedeu e com ele, sonhos, ambições, desejos e objetivos naquele pilar. A dor foi pelo distanciamento físico e temporal das almas. O desmoronar da ponte. Mas seus destroços ainda fazem parte da minha alma. Uma vez feita a comistão, não há como ceifar o amor que desabrochou em nós, ainda que se modifique. A alma é matéria prima para o amor e passa a comportá-lo após a consequente comistão.
    Por isso é possível amar alguém para sempre. Por isso é possível amar muitas pessoas e de formas diferentes. Por isso não há o amor da nossa vida, mas os amores.
    O amor é sentimento duradouro, perdura. Diverge das emoções, que são estados, tal qual a felicidade e tristeza. Se ama apesar de tudo isso. Amamos na felicidade, na tristeza, na dor — independente de sua natureza. Quanto a sentimentos puros e efêmeros como saudade, empatia, são reflexos do amor.
    O amor me é inerente e não sei explicá-lo. Apenas sinto. O amor me levará ao delírio.
    Por amor, faço tudo. Perco batalhas, por amor. Por amor, me renovo. Quando digo por amor, é para salvaguardá-lo na sua forma mais vibrante, ou seja, as almas conectadas numa comistão constante e circular. Salvaguardar a ponte. O mais puro de duas pessoas.
    O amor por si só, sozinho, apenas ele não machuca, não enfraquece.
    O grande imbróglio é esse processo de conhecer rudemente o amor. O encontro consigo mesmo. Quando reconhecemos o amor, nos encontramos com a parte mais límpida e pura da nossa essência.
    O amor é amplo e possui formas diferentes e as pessoas demonstram amor e se sentem amados por reflexos físicos e repercussões fáticas distintas. As manifestações de amor também se moldam.
    O amor é complexo e para sempre, pensar assim me conforta.
    Recordo com fidúcia as palavras que sibilei naquela estação. Exatamente como há um ano atrás, meu mais insano e desmedido amor, hoje, eu amo você e isso não vai mudar.
    Confesso. Tenho receio em generalizar, apesar de cometer esse deslize, e atrelar ao coletivo uma percepção minha sobre mim mesma. Sobretudo, sobre o que eu sinto e sobre o que eu aponto por amor.
    Ninguém pode apontar o dedo e equivocadamente em voz alta rotular o meu sentir. Aquilo está em mim. A grande questão é que sentimos algo e a partir das descrições alheias, rotulamos os nossos sentimentos e emoções. Será que o que o outro considera amor é o mesmo que eu sinto? A percepção é a mesma?
    É inequívoco que existem formas de amor e que suas manifestações são diferentes, isso podemos identificar. Mas e sua matéria, o sentimento nos seus exatos termos, é o mesmo? Sobre isto, me recuso a fazer qualquer alegação.
    Não posso afirmar sobre outro algo referente a essência dele, com espelho no que há em mim. Não posso de modo algum ousar alegar que o outro não sente, tão menos que aquilo não é amor, só porque se manifesta de forma que não me leva a me sentir/perceber amada. Ainda que eu reconheça que nossa percepção de amor seja distinta.
    Já fui equivocada a tal ponto. Já errei assim, mansamente. Partindo de uma comparação com o meu sentimento e disfarçadamente alegando que o que o outro sentia poderia ser tudo, menos amor. Admiração, respeito.. Não sei. Seja lá o que fosse, não estava nem aos pés do que eu sentia. Fiz um comparativo para dizer que o que queimava dentro de mim era imenso, expansivo, circular, que não só me preenchia, como também orbitava.
    Equivocadamente tentando fazer com que outra pessoa reconhecesse a preciosidade disso. Como se devesse enaltece-lo e se sentir “honrado” por ser alvo de todo ele, quando em verdade eu quem devo venerá-lo, pois está em mim, faz parte de mim, emana de mim e eu é quem sinto.
    Amor, meu mais insano e desmedido amor, peço perdão por erroneamente dizer que não me amava, quando ninguém poderia ousar de tal forma. Nem mesmo eu.
    O amor é individual.
    Reconheço o meu erro e me desculpo por isso. 52.5600 minutos depois da ruptura, reconheço que evolui neste sentido.
    Sou deslumbrada pelo amor.
    Jamais terei vergonha em afirmar de boca cheia, com lábios vermelhos e sibilando lentamente e deliciosamente que amo.
    Sou muito sincera comigo e respeito todos os meus sentimentos e emoções.
    Eu disse amar, quando reconheci que amava.
    Eu valorizo tanto isso…
    Aliás, naquela madrugada do estopim, eu sussurrei “hoje, eu amo você e isso não vai mudar”.
    Claro, há mágoas, cicatrizes e decepção, em razão dos embates. Mas, amo apesar de. Por amar sou incapaz de profanar, de descaracterizar e, principalmente, de enganar a mim mesma afirmando que não amo.
    Amo. Mas, não daquela mesma maneira, ainda que seja a mesma forma de amor. Acredito que há maneiras de se amar alguém para sempre.
    360 dias que diariamente desvendo maneiras de amar alguém à distância, de mansinho e para sempre.
    Estamos novamente no outono e jamais estive tão aquecida. O meu sentimento me aquece. Sou grata por ser capaz de amar. Amo. Amo com uma força desmedida.
    O que eu posso vê e tocar é somente as manifestações do amor. Deus, como eu gostaria que as pessoas que amo pudessem viver/sentir exatamente o que pulsa em mim por elas.
    Ora, as declarações de amor são insuficientes para demonstrar sua imensidão.
    Justamente por todo o exposto que ao reconhecer que os embates entre os valores e os princípios, anseios e desejos, estavam machucando o outro e a mim, que tomei uma decisão. Salvaguardar o amor.
    Tenho horror à ideia de sofrer e, sem deliberar, colocar a culpa no amor. Machucar e justificar com o amor. Horrível. Jamais me perdoaria por dizer qualquer dessas asneiras.
    O estopim para aquela noite de ruptura também partiu de mim. Foi quando pronunciei palavras cortantes e completamente falsas. Cometi o maior dos meus erros, neste sentido. Errei não só com o outro, mas comigo mesma. Disse “essa é a primeira vez que me arrependi por sentir o mundo”, quando na verdade estava cansada dos embates. Os confrontos assoberbando a minha mente. Naquele instante, me ouvi com atenção.
    Segundos depois afirmei a mim mesma: o amor não machuca.
    O amor prevalece, porque é amor.
    Mas, as marcas dos embates não se apagam, como já disse. E eu não quero causar dor a quem amo. Não quero vê-los sofrer. Se o subterfúgio é se afastar para cessar os golpes, que assim seja. Salvaguardando a parte mais bonita de mim mesma.
    Jamais iria me perdoar se permanecesse e a minha alma ficasse marcada de cicatrizes. Nem mesmo se ultrapasse os meus valores e princípios a ponto de não reconhecer a mim mesma. Tão menos se fosse machucada ou se ferisse de tal maneira a ponto de ver o amor como uma carnificina. Uma mancha de sangue na minha história.
    Nada justifica perdermos a nossa essência e nem mesmo nos mantermos em ambientes e enfrentado constantes embates por amor. Ridiculamente venderam a ideia de que é normal lutar por amor. O amor não é um campo de batalha. Não devemos normalizar o que talvez seja tristemente comum: causar dor ao outro; persistir nos embates e assistir o sangue jorrar por cortes cada vez mais profundos e consequentemente não nos tratar com zelo, respeito e carinho.
    Ainda assim, se ama. Se ama apesar de.
    Se amamos mesmo, de verdade, desistimos dos embates para proteger e cuidar não só de nós mesmos, como também do alvo de todo o nosso amor. Sobretudo, para valorizar e se atentar a outro tipo de amor que jamais pode ser deixado de lado. O próprio.
    Abri mão da sensação de viver fervorosamente os meus dias. De mergulhar naquela forma de amor. Resolvi deixar a ponte de madeira da conexão da parte mais pura de nossas almas mofar, envelhecer. As flores ali morreriam, eu sei. Não mais iria cultivá-las. Apenas as minhas restam intactas e eu não preciso fazer nenhum esforço para isso. Estarão vivas enquanto eu viver. Hão de existir enquanto eu tiver força. Força vital.
    Abondar quem ama, para salvaguardar o amor. Levei o meu sentimento ao extremo para tomar essa decisão.
    Confesso, as cicatrizes daquela noite ainda queimam com o toque mais sutil.
    Desde então, nos dias frios chorei ao recordar os dias quentes em que me arrepiei dos pés à nuca com aquele deslize. Chorei por recordar com fidúcia o teu olhar e o que me envolvia ao sussurrar “eu trocaria a eternidade por esta noite”. Chorei por reconhecer que não matarei o desejo de viver mais noites como aquela.
    O amor nós protegemos, enquanto os desejos temos uma gana doentia por matá-los para nos satisfazer. Percebe a diferença?
    Chorei por saber que não ceifarei o desejo de toda uma vida compartilhando tardes como aquelas. As nossas tardes. Chorei por saber que não hei de matar o desejo de assistir, junto com o mudar das estações e o cair das folhas do cinamomo o teu rosto envelhecer junto ao meu.
    Naquela madrugada, ao fechar a porta com cuidado, eu senti dor. Mas não era do amor, como acreditei à época. O amor por si só não machuca. O amor queimava e a minha dor foi não só pela queda da pilastra, nem apenas pelo limbo, mas também foi por aceitar que não iria aniquilar todos aqueles desejos.
    Hoje, faz exatamente um ano que eu ainda lamento pelos desejos que não matei, pelos sonhos que se desmancharam, pela esperança que foi ceifada, pela incerteza do futuro. Não raramente ao lembrar do conforto e aconchego do amor, apesar do ar rarefeito, lágrimas percorrem o meu rosto.
    Confesso, tem dias e instantes que, sem mais nem menos, desmorono. Claro, por amar e reconhecer que o alvo de todo ele não faz a menor ideia do quanto eu sinto. Por não ter mais a oportunidade de tateá-lo ou vê-lo nos seus exatos termos.
    No entanto, felizmente, é um ano que reconheço o quanto amo. Que dou atenção a cada uma das formas de amor. Que tenho sensibilidade em reconhecê-las.
    Serei eternamente agradecida a mim mesma, ao universo… por amar.
    Sou um ser humano realizado, simplesmente por amar.
    Eu amo.
    Amo sem porquê, nem para que. Não há nada mais belo, nem mais insano.
    Amo de todas as formas, cores e facetas. Ainda que demonstre todos da mesma maneira. Com as palavras.
    Alguns eu amo de perto. Outros eu amo a distância. Tem um que eu amo em silêncio. Amo de mansinho. Os tenho com muito respeito. Os admiro.
    Independente de seja lá o que for, seja lá o que tenha acontecido, por amar, os quero bem. Desejo que sejam amados. Que as pessoas que os amem demonstrem amor da forma que os levem a reconhecer que são amados. E, claro, para isso, desejo primariamente que evoluam, como ser humano. Que sejam pessoas boas. Que tenham almas puras. Que sejam capazes de amar.
    Essas minhas palavras de afirmação, são dotadas de amor.
    Eu valorizo tanto o que sinto, assim como as palavras.
    As minhas palavras de amor carregam sinceridade. Aliás, sempre carregaram.
    Eu disse amar apenas quando reconheci que amava.
  • [Desabafo] CAOS

    A sensação de que há um “assunto pendente”, algo mal resolvido, me corrói. Fico atordoada pela ideia de que algo atrelado a mim ainda pode ser fruto de incômodo para outrem. Detesto imbróglios, questões mal resolvidas e situações mal interpretadas.

    Você sabia muito bem disso e foi justamente o que te levou a aceitar o meu convite. Tenho certeza de que reconheceu a minha gana, tornar nítidos os motins da ruptura. Sabia que eu não te chamaria para conversar, especialmente naquela data, sem mais nem menos.

    Havia passado dias consideráveis matutando aquele momento. Enquanto detalhava a mim mesma tudo o que deveria elucidar, acabei muita vezes me remetendo à tão planejada noite por “lucidez”.

    Independente do caminhar da nossa coisa, da ruptura, de toda a estação… naquela noite, eu havia planejado te esclarecer e pontuar o universo e o mundo. Sobretudo, para tornar evidente o que você pareceu não compreender quanto ao apagão da nossa cidade. Por respeito a você e ao que eu sentia.

    O meu intuito foi deixar nós dois às claras. A minha intenção era também te ouvir, depois de meses para se olhar com distância a nossa cidade. Pretendia aferir sua visão na tentativa de saber se ela ainda te fazia sentido, descobrir se o seu sentir ainda prevalecia. Sobretudo, esclarecer quanto ao meu sentir.

    Confesso, havia marcado o encontro visando resgatar o “nós” e não somente o “eu e você”. Fui até o Recanto pensando em retaliação. Retaliar o elo, resgatar o vínculo

    Felizmente, enquanto a noite ainda era de nitidez, sob a luz da lua, consegui fazer isso. Tudo saiu perfeito. Óbvio, não segui qualquer roteiro. Explanei o que senti que precisava. Falei tudo do fundo do coração. Chorei de uma forma desmedida. Chorei por amor. Justamente por isso, ainda me remeto ao inicio daquela noite por “lucidez”.

    Porém, sabe o que aconteceu?

    Bom, você sabe muito bem. Disso, eu não tenho duvidas. Tenho certeza que o inicio daquela noite foi incinerado em sua memória. Não te julgo se o epilogo final se tratar do que marcará pra sempre o seu 11 de Junho.

    De um instante a outro, tudo o que eu havia acabado de fazer se desmanchou. Enquanto sentia paz comigo mesma pelo pingos nos “i”s, enquanto o vigor preenchia a nossa cidade…. na travessia daquela rua, sob a luz daquele farol, nos deparamos com outro apagão.

    Mais uma vez o seu não confiar em mim metamorfoseou uma noite que eu tanto havia planejado, noite que escancarei com a maior pureza como a ruptura estava sendo dolorosa, na madrugada mais desagradável dos nossos dias.

    A ponta de esperança que brotara no início daquela noite, foi esfarelada. Naqueles minutos, constatei com pesar que diante de qualquer situação de desconforto, você agiria daquela maneira. Movido por um imediatismo cego. Nada mudaria.

    Com decepção, reconheci isso segundos antes do estopim. Exatamente quando me questionou e me impôs uma conduta. Justamente um dos pontos que abalava a nossa coisa não iria mudar. Aliás, exatamente o que eu havia acabado de apontar e desprezar — enquanto a noite ainda era de “lucidez”.

    Custava parar e pensar? Fazer, uma única vez, o que eu te pedia?

    Não bastasse, o que aconteceu depois só me provou que, independente de qualquer coisa, aquilo não só iria perdurar, como também — com o transcurso do tempo — ficaria ainda mais forte, incisivo e saliente de uma forma incrivelmente ruim.

    No mais, constatei que sempre teria de implorar para ser ouvida. Exatamente nada havia mudado desde a ruptura. Costumava falar muito para alguém que nunca esteve disposto a me ouvir.

    É duro afirmar que, ainda no caminhar da nossa coisa, eu percebia isso e dizia a ti e a mim mesma frases como: “não vou tentar provar mais nada”, “não vou me explicar mais, sei que de nada adianta”, “pense o que quiser, prometi não mais me justificar”, “eu não vou mais nada”.

    No entanto, a minha gana em contornar a situação e escancarar que aquilo tudo era em vão sempre foi maior que eu. Não Importava o quanto eu estivesse de saco cheio daquilo, sempre me vi descartando a minha afirmação e agindo da forma oposta. Me rastejando para ser ouvida. Na segunda parte daquela noite, não foi diferente.

    A situação foi tão esdrúxula que me vi tentando provar algo que eu sequer deveria. Eu sempre tinha que provar. Não bastasse, quando raramente era ouvida, a minha fala de nada adiantava, nunca foi valorada.

    Logo após a nitidez, em segundos, você agiu justamente da forma que eu havia acabado de repudiar. No entanto, ainda assim, foi diferente. Havia algo mais. Me deparei com um estranho e ele me causou medo.

    Você estava caminhando, novamente, para a escuridão da noite.

    Vi uma face sua que me deixou assustada. Não sei. Você é assim. É de você. Eu não sei explicar. Juro que, naquela noite, tive medo, pela sua expressão e pela sua forma de falar. Não sei se o seu agir foi motivado somente por aquela situação mal interpretada, acredito que foi mais um ponto.

    Sem razão para tanto, o que jamais deveria acontecer no suporte de qualquer amor, aconteceu. Exatamente aquilo que eu mais temia. Entre nós, perdeu-se o respeito e isso não sai da minha mente.

    No final das contas, a noite se desfechou com uma situação mal interpretada. Comigo, mais uma vez, me humilhando para ser ouvida. Implorando para alguém não me vê de uma forma que foge totalmente de quem sou. Implorando para não ser vista de uma forma que detestei. Argumentando para provar algo que eu não deveria precisar provar, a minha moralidade.

    Pedi desculpas antes antes mesmo de conversarmos para esclarecer o imbróglio que havia acabado de surgir. Pois, repentinamente caí em mim. Recordei o caminhar da nossa coisa, em como pequenas situações eram transformadas em grotescos problemas; como pensamos, vemos, agimos e valorizamos tudo de uma forma incrivelmente distinta.

    Olhei o entorno da nossa cidade, de um instante a outro, me arrepiei dos pés à nuca. O eclipse chegara. Senti que trinta dias de noite se aproximavam. O exato momento que aferi, com imenso pesar, como equivocadamente você havia interpretado. No exato segundo em que você mudou todo seu espectro, constatei de imediato. Os seus traço, o olhar, a fala e o teu jeito enfatizavam.

    Pressenti que agiria da mesmíssima forma que eu, aos prantos, enquanto a noite ainda era de “nitidez”, havia acabado de menosprezar. Percebi que não estaria disposto a me ouvir e “concretizaria”, para si, algo que inocorreu. Sabia que se recusaria a me ouvir.

    Todo um conglomerado de fatos e o teu jeito imediatista o levaram a fazer algo impetuoso, me desrespeitar.

    Nos microssegundos que me permitiu falar, aparentemente se dispondo a ouvir, cortava a minha fala enquanto se manifestava persistindo nos mesmos julgamentos.

    Foi nojento você projetar que eu seria capaz de tanto. Tenho princípios e valores, justamente pela existência deles, jamais poderia até mesmo cogitar.

    Buscando compreender como uma garoa havia se transformado num tornado, com medo, enquanto sussurrava a mim mesma “deus, ele só pode ter ficado louco”, tentei fazer com que você realmente visualizasse tudo, nos seus exatos termos.

    Pelejei para que me ouvisse, principalmente, para que se propusesse a ver da minha forma. Tentando te fazer entender, me desmanchei com cada gota daquela chuva ácida. De um segundo a outro, o meu entorno se destruía.

    Te ver assim me fez cogitar o meu agir. Óbvio. Ainda que eu não tenha tido qualquer má pretensão, tão menos o que você alegou. Olhei com distância. Me coloquei no seu lugar.

    Desesperada, sem ter a mínima ideia de como nos salvar dos caos, cegamente me vi tomada pela histeria. Enquanto segurava o seu rosto com ferocidade, a ponto de ver cada um dos teus traços rentes aos meus, na fútil tentativa de te trazer de volta para a realidade, eu gritava palavras na sua cara. Cada palavra forte, pesada… cada uma das minhas frases densas, foram dotadas de imenso temor e angustia.

    Desejei com todas as minhas forças que isso fosse capaz de te dar lucidez. Te vi num pesadelo, imerso num mundo e eu não conseguia te encontrar. Me vi pequena e frágil. O nosso entorno estava desmoronando e eu fui incapaz de salvar você.

    Pude ver, nitidamente, ao som de “Mazzy Star — Fade Into You”, o nosso olimpo transformando-se em ruínas. O soar do despencar de cada pilar era uma facada no meu coração. Me desesperei com a ideia de olhar a trilha e vê-la desaparecer.

    Naquela noite, reconheci da pior forma o quanto o amor pode machucar.

    Você, por vez, exatamente na mesma coisa. Teu olhar me dizia “você está delirando”, como se eu quem estivesse num mundo de fantasias e somente naquele agora vendo a realidade. Ouvi uma série de ofensas, as quais, aliás, recordo com fidúcia.

    Sei que tudo o que ouvi foi pautado não somente num imediatismo cego. Foram palavras ditas por alguém que estava indo na escuridão da noite e não importava o quanto eu corresse, não conseguia alcançar. Eu jamais havia estado naquele lugar.

    Você não só se desfez a ponto de ficar cego, você se perdeu na escuridão daquela noite. Estranhamente te vi desaparecendo-se em si mesmo. Até que, nos destroços, não mais pude te tocar, sentir ou enxergar. Estava somente um estranho diante de mim.

    E ainda assim, eu ansiava enfrentá-lo, pois sabia que você estava ali, em algum lugar. Queria te salvar dos devaneios. Faria o impossível para que não fosse coberto pelo negro daquele lugar.

    Desejava ainda mais que os golpes cessassem. Não mais ser apunhalada. Desejava, sobretudo, gritar para o mundo, gritar e te fazer acordar. Parar.

    Se as coisas que me foram ditas tivessem sido proferidas por qualquer pessoa, não teria me suscitado exatamente nada, pois tenho convicção de quem sou, sei o que fiz e o que jamais seria capaz.

    O árduo foi por ser justamente você. A pessoa quem fiz refúgio e acreditei que sequer por um instante pensaria aquelas coisas a meu respeito. Colocar na mesma oração aqueles adjetivos e o meu nome. Quem imaginei que, ao contrário, diante de alegações sujas quanto ao meu eu, diria rigorosamente o extremo oposto, justamente por me conhecer.

    O corte mais incisivo foi por ter sido uma das pessoas com quem eu muito me importava. O árduo foi cada palavra vir acompanhada do teu timbre. Pois, ainda que eu visse um estranho diante de mim, ainda se tratava do timbre do meu mais insano e desmedido amor.

    Agiu de uma forma como quem me acusava de algo que repudio do princípio ao fim. Imputando-me um crime que eu jamais poderia executar, aliás, que sequer seria capaz de cogitar ou premeditar. Me desesperei com a ideia de VOCÊ atrelar aquilo a mim. Principalmente, por me fazer alguém quem não sou.

    Desprezou que o próprio episódio mal interpretado confirmava que eu havia estagnado no tempo o “eu e você”. Sem contar o fato de tudo que ainda pulsava em mim. Sem contar que mesmo com a ruptura, de uma hora para a outra, você não havia se tornado qualquer pessoa. Sou muito fiel a mim mesma e ao que sinto.

    Justamente por tudo o que compartilhei. Pela nossa troca. Por cada uma das luzes, travessas e edifícios da nossa cidade, você conhecia como a palma da sua mão cada fresta minha. Tenho certeza que deu para perceber que aqueles adjetivos (você sabe exatamente quais) induzem coisas que não condizem comigo.

    Aliás, sou MULHER o suficiente para assumir os meus erros. Principalmente, para me conhecer, assim, engolir e “levar na cara” as consequências dos meu erros. Não me importaria se me julgassem por quem realmente sou ou por algo que fiz. Mas, não admito ser rotulada por algo que destoa completamente da realidade. Óbvio, se tratando ainda de um apontamento partindo de alguém com quem me importo, me fere e com motivo.

    Sei me impor. Sei segregar as coisas. Infelizmente, à época, por me importar muito com o que você pensava a meu respeito, tentando nos salvar da mácula, agi no centro da cidade como se eu tivesse culpa. Como se tudo o que você falou ou pensou sobre aquilo fosse verdade.

    Estava e estou saturada. Deixei bem claro que as coisas que pensou a meu respeito foi uma quimera. Jamais faria tal coisa. Jamais. Ferem os meus valores e princípios. Traí o que eu sinto. Traí a mim mesma.

    Foi insano como de um instante a outro ateou fogo na nossa cidade. Se o seu intuito era me incendiar, conseguiu. Naquela noite, eu descobri como alguém poder ser o céu e o inferno de outro. Reconheci porquê dizem que o amor e o ódio são o mesmo sentimentos no extremo de seus pólos, o bom e o ruim, respectivamente.

    Confesso. Demorei dias consideráveis para digerir o ocorrido. Muitas vezes questionei se as coisas podres que me foram remetidas tratavam-se do que você sempre pensou e achou o momento oportuno para descarregar. Matutei até mesmo pontos que acabavam por respaldar isso, em razão de tanto, memorei como detestava alguns detalhes frágeis do meu jeito, coisas simples.

    Absolutamente nada, tão menos a minha “simpatia exagerada” deveria ser usada para fazer presunções equivocadas a meu respeito. Não sei o que via em mim de tão negativo para causar tamanha desconfiança a ponto de te fazer pensar e/ou cogitar tamanho desatino.

    Naquela noite, suas alegações, assim como o seu agir, induziram que sou uma mulher “fácil” (estou ciente do peso dessa fala e é exatamente esse o peso que você impôs). No desprezível linguajar popular masculino, me fez “qualquer uma”. Senti desgosto e desprezo ao constatar tamanha imundice.

    Outrossim, ainda que eu tenha lhe dito “nunca vou esquecer essas palavras”, ouvi um árduo “e você acha que eu ligo?”.

    E não ouse dizer “se te atinge, acatou porque é seu”. DETESTO ser tratada e julgada de uma forma que não mereço.

    Sei o quanto a sociedade é podre. Vivo, sobretudo, ainda que sem perceber, constantemente, para qualquer pessoa, justificando e explicando meu agir e escolhas, sem precisar — sem dever isso. Justamente para jamais ser rotulada de um forma que repudio. Para não ser rotulada como você fez. Para não me fazerem quem não sou. Eu quero esculpir a mim mesma, isso não cabe aos outros.

    Não digo que você não tinha o direito de estar chateado. Aliás, em nenhum momento disse que não tinha esse direito. Não fui hipócrita. Eu pedi desculpas. Mesmo tendo plena convicção sobre o meu agir. Pedi desculpas de antemão para salvar o epílogo de nitidez daquela noite, pois vi tudo desaguando por uma situação mal interpretada.

    Confesso, me sinto culpada. No seu lugar, tenho plena convicção de que me sentiria desconfortável, ainda que não visse o que você diz “ver”. Justamente por reconhecer isso que eu implorei para ser ouvida.

    Sei que falhei, pois, ainda que eu não tenha tido qualquer má intenção, de forma repentina havia cogitado a possibilidade de ocasionar esse imbróglio. Uma situação mal interpretada. Balbuciei para mim mesma que você poderia distorcer tudo ao extremo no polo ruim. Era algo, por mim, esperado.

    Mas, tolamente acreditei que, como sempre, conversaríamos e pronto. Imaginei exatamente o contrário. Acreditei que veria a minha intenção e ficaria “grato” pela existência dela, resgatar o “nós” ou ao menos não deixar se diluir o “eu e você”.

    Admito. Somente depois da sua reação que fui perspicaz. Concordo que eu poderia ter usado outro mecanismo. Não que justifique, hoje, penso de forma distinta, mas, à época fui sim ingênua, boba… não sei. Reitero que não tive intenção errada alguma, sequer havia percebido o contrário, acredito que a recíproca foi a mesma.

    No mais, afastando a minha gana quanto a nós, quanto ao restante, principalmente por se tratar de algo pequeno, que não me importava ou sequer detinha valor, eu poderia ter evitado. Me sinto mal. Me desculpa.

    Independente do meu agir sem mais pretensões, independente do cerne ser você, ainda hoje sou despedaçada por me sentir culpada por parte do que você sentiu.

    Recordo claramente do seu “você não vê problema em nada”. Não se tratou disso. Eu percebi tudo. Vi até demais. Como eu mesma te disse, vi problema por ter cogitado que aquilo iria te causar incômodo, sobretudo, por ter englobado algo que eu poderia ter evitado. Me sinto culpada por ter premeditado e você ter sido afetado exatamente nesse sentido.

    O meu sentimento de culpa sempre esteve atrelado ao tipo de problema que constatei. Não vejo apenas os meus erros e acertos, também reconheço os meus deslizes.

    Olhando com distância, refletindo quanto ao meu agir e pensando em tudo que te expus e mostrei com franqueza, na inversão dos papéis, digo com convicção que eu não teria qualquer insegurança. No entanto, somos pessoas diferentes, não te julgo por aquilo ter te trago um embaraço emocional.

    Mas, o fato de eu sentir culpa nesse sentido não significa que eu acate os seus pensamentos nojentos. Aliás, reitero que não menti em nenhum instante, mesmo com o advento da ruptura, jamais ousaria abandonar o pacto, “nus e crus”.

    Tendo consciência do meu agir, realmente não vi nem um pouco próximo a ti. Constatei problema por uma questão sentimental, pelo vínculo que tivemos e que, à época, eu acreditei que ainda possuíamos. Mas não o problema que você viu, não dá forma que você interpretou.

    Meu bem, eu vi a situação. Vi até demais. Vi principalmente os pontos mais salientes que você aparentou ser incapaz de visualizar. Posteriormente, pontuei cada um deles, esclarecendo tentando sanar o vício que acometia aquela situação - do princípio ao fim, por ti, má interpretada.

    Ainda reconhecendo que, pensando na nossa coisa, me pondo no seu lugar — preso num mundo de ilusões e movido por um imediatismo cego — o ocorrido seria sim de desconforto.

    Assumindo o seu papel, imaginando e “visualizando” exatamente como você aduz , tenho convicção de que eu sentiria coisas dolorosas. Que o meu corpo seria tomado por uma mácula. Que seria dotada de sentimentos ruins - mesmo sem fazer ideia de quais seriam. Portanto, não ouso arguir que você não teria razão em ficar magoado ou mesmo me espantar por você ter sentindo fúria.

    Exatamente por essa reflexão, ainda que eu não tenha tido intenção de causar aquilo, me desculpei. Me desculpei pela mácula que, sem querer, senti que te causei. Me desculpei mesmo tendo consciência do meu agir e sendo sensata o suficiente para saber exatamente o que a ruptura significava.

    Porém, no seu lugar, apesar dos pesares, eu jamais seria capaz de te ferir da forma como você machucou. Desrespeitar quem amo, burlar as regras da minha própria cidade, sobretudo, ferir. Portanto, ainda me colocando no seu papel, me enoja recordar que você não só pensou, como falou, algo tão pútrido de mim.

    Naquele eclipse, pouco a pouco as chamas da nossa cidade ficaram ainda mais calorosas e o vermelho mais insano. Deparei-me com o estopim. O extremo do meu limite. Havia cansado. Estava cansada de ouvir absurdos. Cansada de tentar futilmente te arrancar do negro daquele lugar, de te segurar e puxar para onde havia luz e te fazer enxergar as coisas.

    Despedi tanta força física, emocional e psicológica que depois me senti arrasada. Cansada como se estivesse enfrentado uma batalha. Não, não travei uma batalha. Eu fui incinerada. Naquela noite eu gritei. Gritei com tanta força a ponto de sequer ecoar som. Gritei porque, naquele transtorno, as emoções e sentimentos mais robustos e intensos permeavam o meu corpo.

    Estava em guerra com o meu mais insano e desmedido amor e isso me dilacerou. Gritei para você ficar, voltar, enxergar. Gritei, sobretudo, para expulsar cada pedaço e rastro do que percorria o meu corpo. Gritei vendo as brasas da nossa cidade. Gritei pelo meu amor.

    Sem saber o que fazer, apelei. Corri enquanto queimava, implorando para ser ouvida. Gritei como se a minha voz pudesse afastar o estranho e te fazer acordar, internamente sibilava a mim mesma “ele está lá, em algum lugar”.

    Mesmo depois que a cidade estava tomada pelo cinza, eu tentei. Tentei. Mas, acabei me rendendo após sentir o peso daquele olhar, dotado de fúria e desprezo. O olhar de um estranho. Exato instante que tudo se desfez.

    Não me restava mais nada. Tudo havia se desmanchado. A nossa cidade perdeu-se em algum lugar no tempo. Fui embora frustrada.

    Posteriormente, não bastasse, quando finalmente se propôs ao diálogo, me surpreendia cada vez mais com um absurdo diferente e de uma forma incrivelmente ruim.

    Outrossim, o que eu dissesse ou fizesse já não mais te importava. Deixou muito claro que a minha fala não seria valorada, o seu “promete não fazer mais isso”, ainda na mesma madrugada, me escancarou isso. Você, notadamente, estava de saco cheio de justificativas e explicações, não sentiu sinceridade em mim, ainda apontou cinismo.

    Sabe qual foi outro ponto ainda mais frustrante? Você recordou, assumiu, ter dito coisas imundas e ainda ousou colocar um “Foi uma simples briga. Deveria ter ficado entre nós. Isso está se tornando grande e não estou entendendo. Não era para ser assim. Eu estava com raiva e agi sem pensar”.

    Me desagradou ainda mais te ver, mesmo que na tentativa de uma retaliação ou consenso quanto ao episódio, minimizando algo que nunca deveria ter ocorrido. Não sei se presenciar episódios como aquele te eram comuns. Não pude compreender como não conseguia entender que aquilo era inadmissível. Achei um absurdo o seu posicionamento. Desprezivelmente se pronunciou normalizando o inaceitável.

    Naquela altura do campeonato, depois do que eu mais temia ter acontecido (perde-se o respeito), ouvir um pedido de desculpas ou arrependimento já não mais me importavam. A nossa cidade já havia se desfeito.

    Fui dominada por um sentimento ruim e que ainda era desconhecido, foi a primeira vez que eu sentia decepção. Decepção com quem amava. Enquanto a minha mente vagava na última memória da nossa cidade, ao fundo, ainda ecoava “Mazzy Star — Fade Into You”. Você conseguiu me incendiar, morri naquela noite uma centena de vezes… a nossa cidade tomada por ruínas e brasas. Foi a primeira vez que havia me arrependido por sentir o mundo.

    A nossa cidade, o meu mundo foi destruído. Não havia mais qualquer resquício. Como se a sua matéria prima tivesse sido a ilusão. O eclipse foi embora e a levou consigo.

    Depois de tanto, tudo o que eu consegui sentir foi uma imensa decepção.

    Não bastasse, já havia enfatizado “na hipótese absurda, se eu fosse capaz de algo tão desprezível ou mesmo digna de qualquer absurdo que você proferiu, sou mulher o suficiente para “‘mastigar e engolir’”. “Se o seu intuito é “caçar” motivo para me denegrir, não vai encontrar”. No entanto, independente de encontrar ou não, você já havia feito isso.

    Recordo com precisão as últimas palavras que te remeti, assim que fui tomada pela mácula:

    “Cansei de fazer isso aqui, pois sequer deveria estar acontecendo.
    Continua a pensar o que quiser de mim.
    Pelo óbvio, me recuso a impugnar as coisas que induziu.
    Acredita no que você quiser.
    Se martiriza por algo que não se é.
    Grita para o mundo o quanto sou podre.
    Conta como fui horrível para você.
    Escancara que o arrependimento da sua vida é ter me conhecido.
    Inventa o que você quiser.
    Já me feriu e me ofendeu o suficiente ter cuspido equivocadamente “n” coisas na minha cara.
    Não estou nem aí quanto a o que os outros vão pensar.
    Faz isso…
    Joga fora o quanto falei, chorei e desabafei no Recanto.
    Joga a minha entrega e intensidade no lixo.
    Joga fora tudo o que viu em mim.
    Joga fora que você me conheceu.
    Faz de mim o seu monstro.
    Faz o que você quiser.
    Me esquece.”

    Me desculpa, teria sido melhor se eu tivesse acatado o silêncio.

    Fiquei incrédula com todo aquele caos. Proferiu palavras horríveis — confesso que percebi a sua dor/desprezo por trás delas — até parecia que um vínculo entre nós jamais havia existido. Falou com quem nunca me conheceu.

    Sabe. Não sei o que estamos fazendo. Não sei onde chegaremos. Estamos somente revivendo algo doloroso. Tenho medo do seu intuito hoje, assim como foi o meu na noite de lucidez, acabar por só inflamar tudo. Já passamos. Á época eu cansei de dar explicações para alguém que se recusava a ouvir. Isso não mudou. Sempre estive e permaneço com a minha consciência tranquila.

    Não importa o transcurso do tempo. Nada que eu diga vai mudar sua visão. E nada vai apagar você me vê e me rotular daquela forma.

    Jamais te julgaria por sentir se frustrado quanto ao episódio. Tanto que eu mesma me desculpei pela parte que reconheci que poderia ter evitado. Me desculpei justamente pensando em não afetar a nossa coisa, por não querer te causa qualquer sentimento ruim, por não querer apagar as luzes da nossa cidade.

    Mas, à época eu não iria, tão menos agora, “confessar” algo que não é verdade. Claro, se eu visse da sua forma, se aquela atrocidade que alegou fosse a realidade, lógico que teria um problema. Vimos de forma diferente e você ignorou o contexto e, horrivelmente, quem sou.

    Reconheço que, à época, quando caiu em si e notou que a cidade já havia se desfeito, procurou incansavelmente por um mecanismo de burlar o tempo. Você desejava encontra-la, sabia que ela havia existido em algum lugar no tempo. Sabia que o “nós”, tão menos o “eu e você”, não se tratou de um delírio.

    Não fomos os únicos a notar o perecimento da cidade. Todo aquele caos suscitou reflexos. Fatores alheios a nós, ainda que horrivelmente atrelados a mim, contra a minha vontade, desprezivelmente atingiram a ti. Aliás, os quais tomei conhecimento somente quando você já estava despedaçado.

    Não faz ideia do quanto foi árduo reconhecer que sangrou por golpes quais eu sequer via que estavam sendo desferidos. Não bastasse, quando os percebi, fui incapaz de cessá-los. Em proteção do meu eu devastado, feriam o meu mais insano e desmedido amor. Não importava o quanto eu implorasse. Me vi de mãos atadas. Foi horrível conviver com a gana em querer contornar todo o imbróglio enquanto era cerceada.

    Aliás, confesso que quanto a isso, tive medo. Pois, naquela noite, justamente tentando cozer a ruptura, acabamos por agravar ainda mais a cisão. Tive receio que os reflexos dilacerassem a nós dois — se é que isso era possível. Eu não sabia como nos salvar. Desculpa.

    Desculpa. Desprezei o que sentia e o que havia se desfeito, não embarquei contigo na jornada, recusei a viagem no tempo e eu sabia que você, sozinho, jamais poderia encontrar, resgatar, sequer reerguer, a nossa cidade.

    Sabe, não quis ser hipócrita. Lamentavelmente, estava convicta de que qualquer conduta comissiva minha somente iria unir os resquícios de poeira daquele caos, gerando um explosivo que de um instante a outro iria eclodir.

    Em razão de tanto, fiz algo que destoa completamente da minha maneira de lidar com as situações. Nada. Permaneci inerte. Não fiz absolutamente nada. Me limitei a implorar ao Universo e ao tempo para tudo aquilo se acalentar. Isso me destruiu.

    Foi duro tomar essa decisão. Senti que havia renunciado a nós. Me vi uma fracassada. Os dias corriam e não foram poucas as vezes que pensei em voltar atrás, tomada pelo pensamento repentino de “Tenta, mais uma vez. Por amor. Antes tarde do que nunca.” caçava e matutava meios de estancar o sangramento. Sobretudo, a minha hemorragia.

    As estações mudaram e, aparentemente, o Universo havia catado as minhas preces. A monotonia da vida em meu entorno prosseguia, como se o caos jamais tivesse existido. No entanto, ainda que diante da pacatisse dos meus dias, não havia um templo em mim.

    Não faz ideia do tormento em meu interior. Sabe, naquela noite, você me condenou ao inferno e vivi torturosos dias nele. Todos os dias revivendo o mesmo epilogo. O caos. Em momento algum fechei os olhos.

    Ouvi todos os dias uma centena de vezes suas alegações daquela noite. Reprisei com atenção cada cena. Refiz cada um dos meus passos e cassei em cada minúcia motins que pudessem atrair para mim o peso e a culpa (em sentido amplo) daquele atrito.

    Fiz isso por mais de uma estação. Aliás, continuei a fazer enquanto você já havia virado a página. Durante meses fiquei atordoada com a ideia de que a “noite de lucidez” ao invés de renovar o suporte do nosso sentir, esfarelou os nossos sentimentos.

    Assumo para mim mesma que eu busquei, desesperadamente, por semanas, um pretexto para embasar a minha vontade em abandonar a inercia e agir na tentativa de salvaguardar ao menos o “eu e você”, mas não encontrei . E isso me destruiu ainda mais, pois, apesar de tudo, eu havia guardado cada fragmento do meu sentimento esfarelado.

    Eu desejei estar completamente equivocada e errada só para ter uma justificativa em te implorar para permanecer ao meu lado. Mais uma vez, trazer o peso de uma faceta ainda mais densa da ruptura para mim. Mais um fardo para carregar e me tortura por sei lá quanto tempo. Sobretudo, mais um motim para me arrastar de volta para você. Para buscar em algum lugar no tempo a nossa cidade.

    Foram inúmeras as noites em que queimei em intensidade jogando fora o ocorrido e desejando você. Sóbria, questionava baixinho a mim mesma que se você fosse um serial killer, então o que de pior poderia acontecer com uma garota que já estava machucada? E que se você realmente fosse atroz como ouvia dizer, eu só podia estar amaldiçoada. Insano, não é? Exatamente assim, ao decorrer de cada frenesi, ao fundo se podia ouvir “Happiness Is a Butterfly — Lana Del Rey”.

    Felizmente, ainda que em devaneios de amor, eu seria capaz de qualquer coisa, exceto aquilo. Você desejava, no mínimo, um espécie de “confissão” do crime que me imputava, juntamente com um pedido de perdão. Desculpa. Meu mais insano e desmedido amor, jamais faria tal coisa para resgatar algo que, notadamente, estava fadado ao fracasso e desapareceu em algum lugar no tempo. Jamais iria me vestir da desprezível versão que criou de mim naquela noite somente para te fazer permanecer aqui. Jamais trairia a mim mesma dessa maneira.

    Por isso, eu prometi. Prometi a mim mesma que nunca qualquer pessoa iria apontar o dedo na minha cara e me fazer desprezível, a ponto de quase cogitar me difamar. Prometi não admitir ser acusada de coisas que eu jamais faria. Nunca mais ser vista como alguém sem valores.

    Nunca mais quero ouvir alguém quem eu amo descaracterizar o meu eu. Horrível o outro falar de você como se fosse imunda. Mais horrível ainda isso vir de alguém por quem você sente o mundo. Não quero, novamente, ser magoada dessa forma.

    Não bastasse, ainda há outra parte na dor. Odeio perceber que sempre vai usar quem eu fui com você e generalizar que sou ou serei assim com qualquer pessoa. É horrível te ver normalizando e desprezando a minha entrega, o meu sentir, o que me rasgava o peito.

    É um imenso pesar notar que tudo de mais puro, profundo, belo e imenso que pulsava em mim por ti, ao final, me renderam uma incrível e desmedida decepção com o seu “eu”.

    Sabe… depois que o alvo do meu amor apontou o dedo na minha cara, induziu uma série de absurdos e equivocadamente me fez imunda, quando nunca fui digna de qualquer daqueles insultos, eu já não espero mais nada.

    Forte, não é?

    Aliás, depois de um tempo considerável eu entendi que não vemos as coisas como são. Vemos como somos. E isso explica muito.

    Você não é um homem atroz. Não construí uma imagem desprezível sua para me polpar de sentir qualquer remorço, culpa ou arrependimento. As minhas desculpas naquela noite não foram vazias. Ainda se trata do homem com quem construí uma cidade. Reconheço que o advento foi movido por sentimentos e sensações efêmeras, de ambos.

    No entanto, ainda assim, acredito que me deva desculpas pelo epilogo de desprazer.

    Sabe, você dizia não conhecer, sempre duvidei. Mas, agora, tenho convicção de que jamais ouvira Paralamas do Sucesso. Príncipalmente, “Cuide bem do Seu Amor”.

    Não foram palavra minhas, ditas em voz de veludo, que destruíram o amor.

    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2020]

    @janacoutoj

  • [Desabafo] DESCASO

    As vezes eu sinto que vou sufocar.
    Vomitando assim, de imediato, parece ridículo e sem razão alguma.
    Esses dias andei me ouvindo, com cuidado. Não foram poucas as vezes em que quis sair de mim.
    Por um único dia, por uma semana, quem sabe, ser uma pessoa nova. Outra pessoa. Outros gostos, dissabores. Outra experiência. Outros gostos. Outra história.
    Um novo lugar, uma outra rotina. Um outro bairro, outras árvores, casas com uma outra engenharia. Uma outra padaria. Outra calmaria.
    Fiquei matutando a razão de tudo isso.
    Estou cansada. Talvez, a palavra que caia melhor é "entediada".
    Não, isso não é clichê.
    Posso afirmar com convicção que vivo os mesmos dias todos dias. E como canta engenheiros, na mesma frequência, é o fim do mundo todo dia da semana.
    Passo as feiras me doando incessantemente para o "amanhã". Me doando da forma que me disseram que era o caminho certo para vencer.
    Me venderam a idéia de que é preciso "vencer na vidar" para atingir a "felicidade" e eu a comprei. Só de pensar na frase sinto um incomodo. É escrachadamente desconfortável.
    Fiz o que me disseram para fazer. Aliás, continuo fazendo e a verdade é que eu não sei o porquê.
    Tenho convicção de que a felicidade que eles buscam definitivamente foge completamente do que entendo por felicidade e o que eles almejam diverge do meu ideal de "viver".
    Eu estou errando. Fiz tudo o que me disseram. É o quadragésimo mês que me doou integralmente para o mesmo fim.
    Me vejo terrivelmente assassinando o tempo. E com muita razão ando me punindo por ver o correr das horas e estar exatamente no mesmo lugar.
    Pensar nisso está me levando ao delírio.
    Os dias são todos iguais. A mesma rotina. As segundas-feiras são como todas as outras. As 24 horas do dia são escassas e ainda assim a semana é longa. E cheia da velha afirmação de "falta de tempo" para fazer coisas que eu gostaria de fazer.
    Em algum lugar no tempo ansiava o chegar do fim de semana para respirar aliviada. E esse pensamento era carregado de uma sensação tremenda de liberdade. Como se estivesse autorizada a fazer tudo o que tivesse vontade. Viver ao invés de sobreviver.
    Isso porque, nas noites de sexta-feira, ao final do expediente, me vinha a sensação de missão cumprida. "Fiz o que me disseram para fazer, me sacrifiquei esses cinco dias. Não fiz outra coisa que não me dedicar."
    Por uns anos, isso deu certo. Não havia nada mais prazeroso que respirar e acordar ainda certo na manhã de sábado. Nesses dias, eu vivia.
    Há algumas semanas reconheci a catástrofe que me ocorreu.
    Os dias passam. As horas correm sem começo nem fim. E eu estou assistindo a tudo isso com pesar.
    Foram perguntas, ditas pela mesma pessoa, em ocasiões diferentes, que me despertaram.
    A primeira foi corriqueira: "O que você fez hoje?" E naquela noite de sexta-feira eu reclamei que havia estudado massantemente um assunto que não gostava e que havia prorrogado as minhas horas de trabalho além da conta, não poupei os detalhes do quanto estava irritada.
    Em ato continuo, fui surpreendida pela segunda pergunta, que não era retórica: "Se hoje fosse o seu último dia de vida, o que o fez valer a pena? Seria agradecida por viver esse mesmo dia pelo resto de sua vida?". A minha resposta foi a mais esperada, é óbvio, "claro que não".
    Não bastassem as perguntas terem me desnorteado, a afirmação seguinte foi um soco no estômago: "O dia 28 de agosto de 2020. Esse dia é único. Esse dia não se repetirá, você viverá novos agostos, inúmeros dias 28, mas nenhum deles será a chance de viver esse dia. Esse oportunidade já nos foi dada. A grande questão é se ela foi aproveitada. Vivemos 28.08.2020 ou sobrevivemos à ele?”
    Em outro episódio, a mesma pessoa me surpreendeu com um questionamento aleatório: "Qual foi o dia ou quais foram os dias em que você sentiu uma insana felicidade?".
    A pergunta pareceu boba e eu sorri me preparando para listar e relatar com afetivas memórias alguns desses dias, os quais eu facilmente deveria me lembrar.
    Mais uma vez um soco no estômago. Forte. Demorei alguns segundos me questionando e consegui recordar no máximo três dias, bem distantes.
    Enquanto os outros relataram eventos na semana, mês ou ano anterior, eu fui incapaz. Não havia dia especial, não havia novidade alguma. Afinal, eu vivia os mesmos dias, a mesma rotina há meses… há anos, na verdade. Apontei três dias, num passado bem distante.
    Relatei com saudade do aconchego e calor dos alvoreceres findos.
    E aquela pessoa que me conhece bem afirmou sem eu ter feito uma vez sequer qualquer confissão nesse sentido: "Tenha mais cuidado com você. Presta atenção nos seus dias. Abre os olhos para a mesmice. São os mesmos afazeres. A mesma rotina. O seu olhar voltado para uma única cor. É por isso que ainda sofre com a mesma dor, com os mesmos temores e anseios".
    Em silêncio consenti. Aquilo fez todo o sentindo do mundo.
    Arrancou as palavras que eu tentava sibilar a mim mesma.
    Fazia tanto tempo que havia deixado os meus gostos e prazeres para depois que já não mais os reconhecia.
    Dias atrás entrei em pânico. Eu não me vi sem "motivação" para persistir naquela rotina que passou a ser desgastante, eu não me vi sem "foco". Eu estava sem vontade. Aquilo me assustou.
    Literalmente, me vi uma máquina, que fazia tudo no automático. Pior, com aversão a tudo o que supostamente não me levaria a lugar nenhum.
    Priorizei tão somente um pilar da minha vida. Em suma, deixando a mim mesma de lado por tanto tempo que estações depois já não mais me reconhecia.
    Não é nem um pouco bonita essa ideia eterna de trabalhar e estudar apenas para e atingir determinado cargo, status, patamar. Assim como de usar a arte apenas como ofício.
    Estudar determinado assunto, me engajar em determinada área, me doar a determinado projeto e entre outras coisas, são escolhas minhas. Escolhas que faço por vontade, interesse, prazer, desejo pelo conhecimento e não necessariamente pensando apenas em qualificação profissional ou aprovação.
    Não bastasse, se tratando de seja lá o que for, gosto de ter autonomia e fazer, no meu tempo e da minha forma. Quando colocam qualquer requisito, prazo, padrão, de imediato algo me barra. "Não preencho nem os meus requisitos, quem dirá os dos outros". Não sei lidar.
    Os requisitos do mercado, os perfis, as metas e outros estão fazendo com que a pessoas percam o prazer pelo que fazem. Isso é a origem de tamanha frustração.
    É um ciclo sem fim. Sempre vai haver alguém supostamente "à frente''. Sempre vai haver uma nova meta. Sempre vai haver um novo perfil.
    As pessoas não deveriam estar competindo. Não gosto de competir, tão menos que me pressionem com isso.
    Assoberbada pela concorrência. Aterrorizada pelo questionamento de estar errando ou "fracassando". Atormentada pela falsa necessidade de constantemente aprimorar a minha rotina, desenvolver metodologias, elaborar cronogramas e afins.
    Me desdobrando para me enquadrar a um perfil. Para me tornar quem ditam que eu "deveria ser".
    Tenho horror a idéia de sacrificar os meus dias, deixando para depois e, muitas vezes me privando, dos pequenos e momentâneos prazeres, por estar pressionada com o pensamento de que "deveria estar fazendo isso ou aquilo", juntamente com a ideia de que estou ficando para trás.
    Como a sociedade torna toda e qualquer coisa uma competição me é detestável. A concorrência é repugnante. Detesto competições. Não me agrada nem um pouco essa ideia de vencedor e perdedor, melhor ou pior.
    Não bastasse isso, a sociedade valoriza o produto e o serviço, não o trabalhador.
    Me submeter a isso me desconectou comigo mesma.
    Nos dias que outrora rotulei como os "meus preferidos", os sábados, passei a estar pressionada pelo o que não havia conseguido fazer na semana ou mesmo finalizando as metas que não havia alcançado.
    Nos poucos momentos de "alívio" me limito a dormir. O que é estranho para quem o atrelava o sono à morte e se satisfazia com o máximo de 4h de sono. Dormir passou a ser um analgésico. Um modo de matar o tempo e fugir dos pensamentos que assoberbavam minha mente.
    Os domingos já não me causam alívio algum. Nessas tardes, por volta das 16h, algo pesa. E o fim de tarde e o restante da noite é depressivo pelo reconhecimento de que "amanhã começa tudo de novo".
    Nos poucos instantes dos últimos finais de semana que me permiti "relaxar", ouvi "Poema - Ney Matogrosso" e não senti sequer vontade de me mexer.
    Não raras foram as vezes que passei algumas horas assim. Imóvel.
    Logo depois, acontece a crise. Então, é o fim do mundo. O caos. A perda de sentido.
    Não bastasse, nos dias em que saí, na fútil tentativa de fugir desse dia a dia massacrante, independentemente do quanto cheio estava o ambiente, das pessoas que estavam ao meu redor e do quanto estivessem entusiasmada com o conjunto das cores, som ou com a nossa conversa, me senti ridícula.
    Certamente, com olhar apático para o vazio, em cada uma dessas noites, disse a mim mesma pelo menos uma centena de vezes: “Que merda eu tô fazendo aqui?”. Óbvio, me recusei a revistar cada um desses lugares e desculpei a mim mesma por tomar o tempo dessas pessoas: “Essa não sou eu, estou escapando aos poucos".
    Passei a reconhecer a minha apatia, o desdém e o fato de estar sem vontade para qualquer coisa.
    Isso é assustador.
    Numa noite de segunda-feira, sufocada, disse a mim mesma que mudaria essa realidade pesarosa.
    Corri para o velho ponto alto do bairro, escondido pelo enorme carvalho branco, lugar silencioso onde costumava ler apreciando o negro do céu.
    Chegando lá, até mesmo estando em um dos meus cantos preferidos, aquilo não me causou absolutamente nada.
    Ainda ali, ouvi as músicas que em algum lugar no tempo me faziam sentir o mundo e elas não me suscitaram nada.
    Não sei mais o que gosto de fazer. Quais são os meus prazeres.
    Pensei nos meus poucos amigos e quando havia os encontrado e tido uma última conversa com cada um deles. Fazia tanto tempo… Eu sequer havia percebido o distanciamento.
    Eu já não lia ou mesmo escrevia. Eu não tocava mais violão, não dançava sozinha, não gargalhava e nem mesmo corria há muito tempo.
    Não recordei a última peça que assisti, a última vez que andei na noite vazia. A última vez que ouvi com ternura "Onde anda você?".
    Estava presencialmente todos os dias em casa, mas não recordei a última conversa sincera e profunda com qualquer dos meus irmãos, nem mesmo com os meus pais.
    Não soube apontar a mim mesma o último arrepio, riso, beijo, abraço.
    Reconheci estar distante, não só de todos, mas também de mim.
    Naquele instante, tudo isso gritava. Eu chorei, mas não de tristeza. Fui incapaz de sentir até mesmo tristeza. Eu chorei por estar vazia.
    Me ouvi com atenção. Olhei atentamente os dias findos e os anos distantes. Não era um buraco, nem mesmo um espaço. Era um vazio. A indiferença e o descaso, comigo.
  • [Desabafo] GRIS

    O domingo exalava preguiça. A manhã havia sido densa, com uma garoa incessante que deixava a úmida a relva presente nos arredores do bairro. Apesar do céu em tons cinzas, a paisagem ainda estava incrivelmente bonita.
    A pouca folhagem amarela da copa das árvores me pareciam douradas. O marrom dos galhos, outrora secos, tão vividos. Não haviam carros a transitar e a praça à frente de casa estava vazia. Chovia, mas não havia ventania.
    A porta da sacada do meu quarto estava meio aberta. Deitado na namoradeira, dedilhando o violão sem pensar em melodia alguma, ouvir o gotejar dos chuviscos me transmitia calmaria. O cheiro de terra molhada era agradável e me fazia desejar uma xícara de café bem quente.
    Não tinha plano algum para aquele dia. Não havia pressa alguma. Eu estava sozinho, nos exatos termos da palavra. Nunca havia ficado tanto tempo em silêncio como naquela semana.
    No decorrer dos dias, as horas corriam e eu olhava o relógio incessantemente, como quem esperasse por algo. Mas eu já não tinha pelo o que esperar. Não esperava mais nada. Acredito que já havia se tornado um costume. Não bastasse, intuitivamente, ainda às 19h00 a minha respiração fica ofegante, sinto uma palpitação e a ansiedade pela chegada me consome.
    Desde então, algumas coisas não mudaram. No entanto, apesar da permanência, ainda assim conseguem ser grotescamente distintas. Mudaram a essência.
    Por sua vez, quanto aos hábitos que adquiri ao decorrer das estações, quero continuar com eles, por acreditar que me fazem sentido. Aliás, não os mudamos entre um o alvorecer e outro. Requer tempo.
    Tempo. O tempo escorre por entre as minhas mãos e eu sinto que estagnei. Ainda que conscientemente reconheça a transição, o meu corpo, os meus sentimentos e até mesmo os meus sentidos estão acomodados nos dias quentes.
    Eu gostava do comodismo. No, inicio, confesso, foi uma tortura. Coisas cujo as quais eu não dava importância alguma, ela, por vez, super valorizava.
    Nunca fiquei imerso na ideia de dividir os meus dias, a minha não rotina, com alguém. Naquela madrugada fria de 29 de fevereiro, em que bebemos vinho naquele ponto alto da cidade, enquanto me aconchegava no teu corpo e me perdia no seu olhar, foi a primeira vez que isto me ocorreu. Fiquei assustado.
    Acredito que tenha sido a melhor coisa que fiz.
    Jamais havia conhecido alguém que não possuía barreiras quanto ao interior e o exterior. O seu entorno, nas coisas mais ínfimas, a afetava de uma forma surreal. Aliás, desde as maneiras mais bonitas às mais invasivas. Parecia ser maior que ela.
    Confesso, quanto algumas coisas, eu já podia reconhecer um jeito peculiar de ser. Eu gostava, chamava atenção e a tornava ainda mais única. Manias, jeitos e hábitos.
    Ainda quando estávamos saindo, antes de conhecer a casa dela, muitas vezes tinha a ouvido dizer inúmeras frases que remetiam a uma supervalorização. Falava como se aquele lugar fosse um templo. Me deixava curioso, pois eu não entendia a razão.
    “Francamente, pensar em ‘ser sozinha’, me assombra. Temo a solidão, nos exatos termos da palavra. Porém, acredito que ela me assusta justamente pelo fato de que, se tratando de futuro, (seja cinco, dez ou quinze anos) imagino-me em qualquer circunstância exatamente como o agora. Apenas comigo mesma. Não se trata de um desejo, mas acredito que é o que haverá de ser.
    Eu e a minha casa, os meus móveis, a minha forma de organização, as cores, tecidos e texturas que eu gosto. A minha rotina, o meu café da manhã, os meus livros, o meu vinho e as músicas que eu gosto. O meu cachorro. Os meus hábitos, as minhas manias. Me agrada. Um dia a dia cheio de mim. Para alguns, um dia vazio.”
    Até visitar a casa dela, eu jamais havia me sentido tão abraçado por um ambiente. Era incrivelmente aconchegante e ousaria apontá-lo como o único lugar digno do título de lar se não tivéssemos construído o nosso próprio, óbvio que ela não desfez da casa dela.
    A casa era bem arejada e os cômodos espaçosos. Fruto da criatividade dela e da sua vulgo “imã”, arquiteta. Possuía um design próprio que não sei explicar, mas era linda. Havia a presença de muito vidro e alvenaria. A iluminação de todos os cômodos era majoritariamente natural.
    Cada ambiente com um modelo de lustre peculiar e, além de tudo, lampião. A casa possuía muitas plantas, todas os vasos eram brancos. Absolutamente tudo possuía uma espécie de liame, o conjunto de cores, iluminação, tecidos, móveis… ela tinha muitos itens de decoração e todos possuíam um significado pessoal.
    A cozinha consistia no ambiente mais modernizado e compacto, sendo o único isento de tecidos, nem mesmo cortinas ou tapetes, destoando neste quesito do restante da casa. Ainda assim, percebi a presença de inúmeros detalhes. Coleção de xícaras, ela tinha uma parte específica no armário para certificar-se de que elas ficariam à mostra. A fruteira era artesanal, de uma cidade vizinha à Recife, onde passou parte da infância. Também havia um quadro de xilogravura de cordel. Curiosamente, tinha uma samambaia ali.
    Na transição entre sala e cozinha, havia uma pequena adega de vinhos que me dava inveja e nem era pelos vinhos, mas sim pela criatividade do ambiente. Na parede contraposta havia uma enorme aquarela exclusiva de um amigo artista.
    Na sala, considerando uma vidraça enorme, dava para ver uma das árvores da casa e, que, aliás, tinha um balanço. Aliás, jamais recolhia as folhas que caíam ao chão, dizia ser lindo e achava um máximo quando o vento esvoaçava tudo. A disposição dos móveis era surreal. Ela gostava de vasos e de expor fotografias. A presença de alvenaria era forte.
    O seu escritório sequer parecia um espaço de trabalho. O que mais gostei foi um quadro enorme que, na realidade, se tratava de um quebra-cabeça que havia montado com a mãe quando mais nova. O seu violão, um Strinberg ASF 62C, que ganhara do pai aos doze anos, era pendurado numa clave de sol, sua nota preferida. A sua estante de livros circundava toda a parte superior, passando rente pela altura da porta, inclusive. Guardava consigo somente os livros que realmente gostou muito, razão pela qual, todos eram dotados de post its coloridos e marcações.
    O seu quarto era o ambiente mais cheiroso da casa. A janela possuía o sofá embutido de alvenaria mais charmoso que já vi, aliás, cheio de livros na parte inferior. A cortina foi bordada à mão pela sua avó. Aquele cantinho nos dias de chuva era o seu lugar preferido. Ela gostava de grandes tapetes claros e macios, pelo jeito, de deitar neles também, eis que estranhamente comportavam almofadas. Necessariamente, todos os tecidos de cama e toalhas eram brancas com detalhes em creme ou dourado. O banheiro da suíte possuía um rádio cujo qual só ouvi tocar indie.
    Com uma necessidade extrema de organização, o quartinho da bagunça sequer parecia destinado a tanto, por muito tempo acreditei se tratar de uma espécie de estúdio, haviam cores vibrantes e até um sofá. A lavanderia tinha muitos vasos de flores. Tinha varanda com direito a rede. O terraço não era tão grande, mas havia um ipê amarelo e ela fez questão de fazer um jardim. Não bastasse, nos fundos da casa havia uma pequena plantação de hortaliças.
    A casa definitivamente era a cara dela. Qualquer um, mesmo sem conhecê-la, de imediato associaria as duas.
    Quando começamos a nos relacionar, entendi a frase “minhas coisas”. Tudo possuía um lugar específico e um valor sentimental. Criteriosa com limpeza e cheiros, a casa era perfumada e ela gostava de incensos. Eu jamais vi um ambiente desorganizado.
    Isto porque para se concentrar em seja lá o que for, ela precisa de um ambiente organizado. Para permanecer calma, o ambiente tem que exalar calmaria. Para se sentir limpa, o ambiente precisa estar limpo. Para se sentir confortável, o ambiente tem que ser aconchegante.
    Quando digo que foi difícil no princípio, falo conscientemente. Eu sou o cara mais desorganizado no universo e nunca havia me importado com qualquer coisa desse tipo. Pode parecer poético, mas no dia a dia não rara foram as vezes que teve crises de ansiedade em razão disso. Não bastasse, sempre despendeu um tempo considerável para manter tudo da mesma forma. Por ela, me reeduquei nesse sentido.
    Essa característica peculiar possuía níveis ainda mais intrínsecos, principalmente quanto ao estudo. As anotações de aula dela são impecáveis, pois ela sente que precisa passar a limpo e pormenorizar organizadamente todo o conteúdo lecionado. Do contrário, tem a sensação de que o assunto não está estruturado, que há uma “bagunça em mente”.
    Também em razão disso ela elaborou e sempre atualiza a sua lista de “compras de mercado" e de “feira”. Quando da compra, faz uma espécie de checklist para se certificar de que levou tudo. Aliás, neste sentido, há outra mania, ela coloca os itens no carrinho organizadamente para facilitar a visualização e no caixa para agilizar o procedimento. Outrossim, se recusa a usar sacolas plásticas, ainda que retornáveis, razão pela qual fez as suas próprias de tecido.
    Pensando nos reflexos disso, visando “poupar” o seu tempo, não só tinha como lema “fazer bem feito, para fazer apenas uma vez” como também estabeleceu uma rotina para tudo e atrelava atividades umas às outras para não esquecê-las. Como por exemplo, ir à feira todos os domingos, fazer compras mensalmente e limpar os armários da cozinha no dia do abastecimento da dispensa. Haviam dias específicos para limpar e cuidar de pontos e determinadas coisas na casa.
    Quanto a estabelecer rotinas, tinha algo que ela sempre fez e que, sinceramente, acho uma ideia incrível e o fundamento para tanto é muito plausível. Tem horror a ideia de passar as “feiras" da semana ansiando pelo sábado. Tem a sensação de que, nesse caminhar, poderia anular a maioria dos seus dias, o que significaria eatar sobrevivendo ao invés de viver.
    Por temer isso, resolveu incluir nos dias úteis da semana coisas que ela gosta de fazer. Assim, tornando ainda mais especial cada um dos seus dias e ansiando por todos eles.
    Nos domingos tomávamos café da manhã na feira e almoçavamos em família, uma semana com os país dela e na seguinte com a minha mãe.
    Às segundas-feiras ela tinha o clube do livro e eu o polo aquático. Quando podia, ela tentava encaixar algo novo. Recentemente, fez aulas de dança do ventre.
    Nas noites de terça, íamos ao cinema ou ao teatro. Às quartas, jantava com alguma das sua amigas e eu podia fazer o mesmo ou trazer os meus amigos para vê futebol em casa.
    Eu, particularmente, passei a amar as noites de quinta, pois era o “nosso dia" fazíamos surpresas um para o outro. Segundo ela, consistia num subterfúgio para “a relação não ficar na mesmisse”. Uma quinta era minha e na seguinte ela quem se encarregava disso. Não faz ideia do quanto ela é criativa.
    Nas sexta-feiras, geralmente, pedíamos pizza e tomávamos um vinho, juntos. A preferida dela é “Philadelphia II". Ouvíamos música alta, dançávamos. Nos dias mais cansativos, ficávamos entertidos com jogos de tabuleiro.
    Nas manhãs de sábado, ela acordava cedinho para caminhar e eu ia passear com os cães. Rigorosamente a manhã era voltada à “cuidados com sigo mesma", essas questões quanto à vaidade. Almoçavamos juntos. Por ser o dia preferido dela, consistia no único que não era planejado.
    Ela tinha um jeito peculiar em muitos sentidos. Quando começamos a nos relacionar, fizemos um “pacto", por proposta dela. Listamos as “regras da nossa cidade" em cláusulas.
    Ela é uma mulher com personalidade forte e tem valores e princípios como cláusulas pétreas. Gosta de coisas sólidas.
    Quando fala sobre o que está sentindo, chora, com facilidade. Sobretudo, a respeito de questões difíceis. Sempre disse que “o choro limpa a alma" e que as coisas ditas sob lágrimas carregam sinceridade e pureza. Tive que aprender a lidar com isso, pois vê-la assim me desestabilizava. Eu aprendi a valorizar esses instantes.
    Os meus dias eram cheios dela, mas ainda assim ela me dava espaço para lidar e fazer as minhas coisas. Respeitava o meu espaço. Tratava como sagrado o tempo em que eu estava compondo. Muitas vezes a fisgava me besbilhotar, ela adorava me ouvir tocar. O mesmo ocorria quando ela estava escrevendo, ela conseguia ser sensual mesmo fazendo as coisas mais simples, como era o caso de ler ou escrever.
    Não bastasse a minha dificuldade em me adaptar a esse jeito de ser, ela tem “estranhas” necessidades, mas quais sempre respeitei e até adquiri muito dos seus hábitos. Outrossim, um conglomerado de detalhes que me fizeram ficar ainda mais apaixonado, por conhecer verdadeiramente cada uma de suas frestas.
    São coisas infindas.
    Ela é extremamente apegada à memórias. Possui um baú e inúmeras caixinhas de lembranças. Guarda coisas sem valor monetário algum, mas que são preciso das para ela, pois a faz lembrar de dias gostosos. Flores secas em blocos de anotações, cartas, convites, ingressos, fotografias, medalhas e até mesmo canetas. Ela ainda tinha guardado o uniforme que usou no último ano do ensino médio.
    Não sei o porquê, mas sempre usa pratos rasos e brancos. Gosta somente de copos lisos. Passa o dia inteiro completando a mesma xícara de café. É extremamente raro ela tomar chá e quando acontece, sempre é de limão ou canela.
    Eu jamais vi o seu guarda roupas desarrumado. Tem pavor a roupa dobrada e em gaveta. Ao lavar, ela estende as suas roupas já nos cabides. Aliás, não gosta de passá-las e isso a influencia nas escolhas dos tecidos quando da compra. Usa o mesmo perfume há anos e de alguma forma, todas as suas vestes possuem aquele cheiro.
    A primeira coisa que faz ao acordar é dobrar o edredom e organizar a cama, logo em seguida se troca, lava o rosto e toma exatamente 400 ml de água.
    Ela possui uma cestinha de banho e usa um sabonete diferente para cada parte do corpo. Adora receitas naturais e é comum vê-la com borra de café no rosto. Aos sábados, gosta de tomar banho durante o dia, sob a luz natural e com música. Não sei o motivo, mas lava os cabelos somente com água fria.
    Dentre as suas estranhas necessidades, lá vai uma das mais curiosas: consumir massas no café da manhã. Sempre comia a mesma coisa. Tapioca com queijo e orégano ou pão com ovos, enquanto eu não suportava nem o cheiro. Ela raramente bebia achocolatado e só faltava vomitar ao cogitar tomar leite puro e quente, enquanto eu adorava ele com biscoito.
    Ela adorava cafés. Não apenas os lugares, mas o momento da pausa para o café. Com toda a certeza o café da manhã se tratava da sua refeição preferida. Tinha até mesmo um rito. Acontecia de uma forma ou de outra. Normalmente, nos dias que sabia que seriam agitados, acordava extremamente cedo para tomar o seu café sozinha e apreciar a tranquilidade das 05h30 da manhã. Nos demais, fazia questão de preparar tudo e aguardava com uma certa ansiedade que todos pudéssemos sentar à mesa e comermos juntos.
    Quanto a isso, haviam três coisas que a incomodavam incrivelmente e tornavam o epílogo do café catastrófico, pois o via como um momento de união. Primeiro. detestava comer enquanto alguém também não se servia, todos precisavam comer juntos; segundo, ela preparava a mesa para se certificar de que nenhum outro objeto dissonante estaria ali e a desagravada quando alguém burlava isso; terceiro, qualquer pessoa concentrada no celular, pois a tornava apenas fisicamente presente.
    Algo que nem mesmo ela sabia me dizer um porquê consistia no seu compromisso, sem mais nem menos, de em toda virada de ano tirar um hábito alimentar ruim. Geralmente, cortando alguns itens do seu cardápio. No entanto, acabava por compensar a falta com outros excessos e, felizmente, era capaz de reconhecer. Quando saímos, a ouvia dizer inúmeras vezes “não posso comer isso” e travamos uma batalha para ela comer fora de casa.
    Ela ama comida caseira. Nunca vai à fasts foods. Gosta de cozinhar os seus próprios alimentos, no seu prato sempre terá um legume ou folhas. Valoriza temperos naturais, mas não gosta dos excessos. Prefere os assados aos cozidos e tem pavor a qualquer coisa oleosa. A sua fruta preferida é manga. Sempre pede duas bolas de sorvete, geralmente uma de chocolate e a outra de pistache. Se tratando do sabor morango, gosta apenas da fruta. Adora qualquer coisa que tenha castanha e avelã.
    Quanto à bebida, também era peculiar. Consumia três litros de água diariamente. Sempre toma o suco uma hora depois da refeição. Detesta cerveja, mas em contraponto, bebe facilmente um litro de vinho tinto suave e caipirinha de todos os sabores, exceto morango. Odiava champanhe.
    Raríssimas as vezes em que saímos para restaurantes. Ela jamais ia por causa da comida em si, aceitava o meu convite por querer estar comigo e eu a convencia falando da decoração. Razão pela qual, a levava em restaurantes diferentes e fazia questão de conferir o ambiente com antecedência. Eu queria me certificar de que ela gostaria. Iluminação, música tranquila, arte e água a deixava fascinada.
    A conhecia tão bem a ponto de entrar num ambiente e instantaneamente dizer a mim mesmo que “ela não vai gostar disso”, “vai retirar aquele objeto da mesa antes de jantar”, “vai elogiar aquela estante”, “vai ficar deslumbrada com as cores e luzes”, “ela vai pedir para tocar tal música”.
    Era apaixonada por música, assim como eu. Apesar de ter preferência por rock, curtia muitos estilos, mas não gostava de todos. Se tratando de MPB, parecia impossível apontar qualquer canção que ela não conhecesse. Violão é o seu instrumento preferido e o único que arrisca tocar. Tinha inúmeras playlists, mas a que mais ouvia era “Calmaria”, enquanto trabalhava e “Vinho” para escrever. Aliás, sempre escreveu no escuro, de madrugada e ao som de “Cigarettes After Sex”.
    Justamente pelo o que já expus, para ela, há um clima para tudo. Música, som, ambiente, textura, tecido, cor, fala e toque. Todo esse conjunto tem um potencial incrível para confortá-la. Sempre molda os ambientes para que o seu interior esteja bem. Quanto se sente bem, faz opossível para externalizar isso e estabelecer uma sincronia, prezando pela mantença daquilo.
    Eu sempre fui fascinado pelo quanto ela é intensa. Como ela mesma costuma escrever, ela “queima em intensidade”. Me incendiava. Ela é uma mulher quente. Por sinal, muito sensual. Ela ama escrever e seus textos elucidam isso. Aliás, eu que nunca tive a leitura como um hobbie, li e reli inúmeras vezes todos os seus textos.
    Eu a conheço bem mais do que a mim mesmo. Eu poderia passar horas listando coisas que sequer me incluíam. Convivendo com ela, me mostrou e passei a reconhecer cada uma de suas preferências e gostos.
    Ela sempre se veste de acordo com o seu humor. Tem uma preferência perceptível pela cor marrom, costuma dizer que combina com a tonalidade do cabelo e que realça os olhos avelãs. O seu armário tem uma paleta de cores: preto, marrom, rosê e tons pastéis, raramente se vê um verde militar. A única peça de roupa que ela arrisca usar com estampas são os vestidos. Tem um estilo próprio que é deslumbrante.
    Ela decretou só usar preto, vermelho e vinho para duas coisas: esmalte e lingerie. É apaixonada por botas, se não fosse pela presenças de um salto e uma sandália, diria que é o único tipo de calçado que possui. Prefere bolsas transversais, apesar de não as usa-las assim. Não gosta de óculos de sol e muito menos de chapéus, diz que “não combina”. Usa o mesmo relógio com pulseira de couro desde que a conheci. Gosta de joias, mas jamais usaria algo perolado.
    Ela ama banhos quentes e, independente do horário que for dormir, precisa se aquecer. Gosta de dormir sem roupas. Só usa um edredom. Ela possui uma rotina de cuidados noturnos e é por isso que dorme com cheirinho de coco, já que passa o óleo natural nos pés e cabelo. É estranho falar “dorme”, já que ela sofre com insônia. Muitas vezes, me confidenciou que havia passado a madrugada me vendo dormir e tentando sincronizar a respiração dela com a minha.
    Ela ama caminhar, independente do quanto for demorar o trajeto, ela preza por ir à pé. Por sua vez, detesta musculação. Não gosta de esporte algum. Prefere andar de patins do que de bicicleta. Morre de medo de altura. Não sabe nadar, mas tem uma paixão doentia por praias. Ela ama a natureza e gosta de fazer trilha.
    Sempre falou querer morar em Campina Grande, mas sempre esteve domiciliada na “selva de pedras”, como rotula São Paulo. Ela adora viajar de carro. Passou os melhores dias da sua infância em duas cidades do Pernambuco, mas confessa que tem uma admiração enorme pela paisagem de Minas Gerais, o apontando como seu Estado preferido.
    Gosta de cidades pequenas e de interior. Adora dias ensolarados e quentes, desde que esteja ventando. Gosta dos dias frios, mas chuva apenas quando está em casa. Detesta usar guarda-chuvas. O barulho da garoa a ajuda a dormir.
    Tem uma gana doentia por realização pessoal. É pressionada pelo tempo. Vê a vida como uma ampulheta, não pensa “amanhã é um novo dia” e sim “amanhã é um dia a menos”. Teme a solidão. Vê a felicidade não como um objetivo de ser, mas sim como um estado emocional. A ideia de eternidade a agrada. Gosta daquela frase “um templo em mim”.
    As suas duas linguagens do amor são toques e palavras de afirmação. Eu aprendi a demonstrar amor dessa segunda forma, por ela. Afinal, queria que ela se sentisse amada ao meu lado.
    Passaria horas falando dela. A conheço mais do que a mim mesmo.
    Eu aprendi a fazer café. Aprendi a gostar de lê. Aprendi a escolher frutas na feira. Aprendi a me organizar. Aprendi a gostar de indie. Aprendi a fazer bolo de chocolate com recheio de avelã com castanhas. Aprendi sobre cores, mãos, bocas e perfumes. Aprendi infindas coisas por estar com ela, com ela e para ela.
    É óbvio, antes dela me aparecer o meu dia a dia, os meus gostos, as minhas experiências, preferências e anseios, eram outros. No decorrer do nosso contato, experimentei/provei coisas novas. Em razão de tanto, minhas preocupações e olhares voltaram-se para trechos e formas que antes passavam por mim despercebidos e não tinham qualquer importância. Hoje, já não deixo de repará-los, é inevitável, ganharam minha atenção e não há nada que possa ser feito.
    Confesso, sou grato. Mas, ainda acho uma tremenda sacanagem do destino, pois não quero atrelar culpa à ela, de ir embora depois de ter transformado todo o meu eu.
    Depois de ganhar o meu sentir, a minha doação e entrega. Depois de eu ter feito dela uma deusa, não uma deusa qualquer, mas a minha deusa. Depois de eu ter entrelaçado tanto as nossas vidas a ponto de sequer compreender o significado de tudo, sem a presença dela.
    Ainda que eu esteja no mesmo trabalho, ainda que eu esteja na casa que planejamos juntos, ainda que eu veja sentido em continuar com os hábitos e rotinas que compartilhei com ela, ainda que eu seja um cara autossuficiente, sou dependente dela emocionalmente e fisicamente.
    Eu posso viver sem a companhia dela, sem lidar ou me preocupar com as suas manias e estranhas necessidades. Mas, eu simplesmente não quero. Tudo, exatamente tudo é mais intenso e gostoso ao seu lado. Se ela está junto, nada pode ser simples. Esta manhã gris jamais seria apenas uma manhã acinzentada de um domingo qualquer.
    Eu sinto a presença da ausência dela. É por isso que ainda, às 19h00 eu anseio com veemência que ela cruze a porta da sala de estar, me dê um beijo demorado, tire a camisa e o salto e diga “meu amor, vamos fazer o jantar”. Desejo uma cama preenchida e o cheiro de coco, protesto por uma noite aquecida pelo rosto dela a repousar no meu peito. A desejo por inteira, com todos os hábitos, manias e defeitos.
    Ela quem coloria os meus dias e desde então eles estão cinzas. Faria o possível para tê-la novamente aqui, trazendo essência à casa e à minha vida. Eu até mesmo a buscaria, mas eu jamais iria burlar uma das regras da nossa cidade, “insistir na presença de quem já não quer ficar”.
    Janaina Couto ©
    Publicado — 2021
    @janacoutoj
  • [Desabafo] Inspiração

    Você é minha fã. Eu sei disso. Eu vejo.
    Obrigada por toda atenção. Apesar de, como mesma diz, ser “completamente leiga no assunto”, só me dou por satisfeito quando da sua aprovação. Sem usar termo técnico algum, me auxilia nos ajustes da melodia. Você é precisa. Tem um jeitinho peculiar de explicar o que “falta”. Você realmente as ouve. Me deixa empolgado quando aponta os segundos. Me motiva a aprimorar o som.
    Se debruçar sem razão alguma. Me exalta. Elogia o que produzo e me diz que sou um artista. Você me vê de uma forma tão bonita.
    Gosto dessa coisa aqui, sabia? A nossa trama. Você é um livro aberto, inclusive sobre os teus sentimentos, e ainda assim me é um mistério.
    Tu, por vez, conhece as minhas manchas, o meu caminhar, aliás, já é capaz de premeditar as minhas ações. Porém, tenho uma dificuldade tremenda em me abrir. Sei que tenta me desvendar, pois jamais exponho os meus sentimentos. Normalmente, percebo o clima e guardo tudo para mim.
    Recordo a primeira vez que estivemos juntos. Usando a desculpa para vê-la, te pedi um livro emprestado, marcamos um encontro.
    Partindo de um contato sem mais pretensões, suas, nos tornamos amigos. Muito íntimos, aliás. Serei eternamente agradecido por aquele março.
    Estava chovendo, o meu rosto molhado, a visão embaçada, as minhas botas encharcadas e eu tinha a convicção de que levaria um bolo. Era o cair da noite de uma sexta-feira e estava definitivamente caindo o mundo. Confesso, desci até lá com uma ansiedade, uma palpitação, um receio e uma euforia que não sei donde vinha. Os minutos corriam e não me contive a reclamar daquela chuva inesperada que, no meio do caminho de casa até o recanto, me contava que estava prestes a frustrar os meus planos.
    No ponto marcado, haviam muitas travessias. O cruzamento estava assoberbado de carros e a chuva intensificava a luminosidade dos faróis. Isso atrapalhava ainda mais a minha visão. Temi não a vê-la, perder o eclipse. Inquieto, olhava incessantemente para cada uma das ruas. Por qual delas você viria? Conseguiria te reconhecer? Aliás, será que viria?
    Tínhamos conversado por algumas semanas, sobre o universo e o mundo. Todos os dias, por muitas horas. Existia uma conexão foda e em poucos dias eu me via ansiando o horario em que sairia da faculdade, pois sei que responderia as minhas mensagens de texto. Não havia nem mesmo fitado os teus olhos e já podia apontar uma série de coisas que me cativaram.
    De alguma forma, sentia que era o princípio de algo grandioso. Aquela chuva foi a coisa mais estranha e prazerosa que já me aconteceu.
    Eu estava inquieto. Os segundos pareciam minutos, os minutos me eram horas. O tempo passava e eu estava me sentindo tolo “aquela garota jamais vai se propor a tomar um banho de chuva por minha causa”. “Aliás, por qual razão ela viria?”. Mas, ainda assim, permaneci ali. Com frio, mas esperando, enquanto profanava o trovejar.
    Senti o meu cabelo encharcado gotejar sobre a minha pele. Estava prestes a ir embora. Na fútil tentativa de aprimorar a minha visão, passei as mãos sobre o meu rosto e no mesmo embalo o cabelo para trás. Abri novamente os olhos e fisguei o exato instante.
    Cristo, não acreditei quando a vi. Sei que fiquei paralisado, com as mãos ainda sobre a cabeça e boquiaberto. Aquele triz foi atemporal.
    A vi atravessar a rua, parar no farol. Estava com um enorme guarda-chuva preto e o exemplar de a “A Cruz de Morrigan”, da trilogia da Nora Roberts em um saco plástico transparente.
    Deus, eu não aguardava uma garota. Era uma mulher. A mulher. Alta, emoldurada por um longo cabelo ondulado meio preso, um rosto de traços finos, um nariz pontuadinho, uma boca rosa e cheia… vestia uma regata que destacava a sua clavícula e um jeans claro que ressaltava as curvas.
    Assim que chegou do outro lado, de imediato, ainda que ao longe, me reconheceu. Acredito que por me ver encharcado, enquanto caminhava até mim, se atreveu a fechar o guarda-chuva. Interpretei como um “eu topo tomar um banho de chuva”.
    Eu pude sentir o penetrar dos teus olhos nos meus. Me arrepiei dos pés à cabeça. Você caminhava com graça, apesar de todo o caos do entorno. Parecia indestrutível. Como se nada te atingisse. Eu vi força.
    Finalmente chegou diante de mim, de queixo erguido fitou meu rosto e abriu um enorme sorriso largo. Foi insano. Agiu como se já me conhecesse. Não vi qualquer resquício de timidez. Foi a primeira vez que ouvi pessoalmente o seu “Eae, cara”. Eu ainda estava sem reação.
    Havia algo de diferente. O clima. O tempo, O momento. A intensidade. As cores. O som. A velocidade. O destino me contava algo. Me senti alinhado à ele. Eu era tomado por euforia e medo da grandiosidade do que havia de vir. O futuro era uma álea e eu a desejava com todas as forças.
    Eu ainda estava deslumbrado, simplesmente sorri enquanto o meu rosto escancarava um “uau”. Já disse o quanto adoro a tua atitude? Sequer havia te respondido, ainda processava a minha admiração com o contexto e você me deu um imenso abraço corporal.
    A água do meu corpo foi de encontro a tua pele macia, cheirosa e seca. Eu jamais vou esquecer a intensidade do que percorreu o meu corpo. Foi banho de chuva e o abraço mais gostoso da minha vida. Cacete. Como você era gostosa de abraçar. Macia. Eu poderia ficar no envolto daquele abraço por toda a minha vida. Estava perplexo. Tu não se importou nem um pouco em se molhar. Num desejo repentino e um agir imediato, se pôs nas pontas dos pés e em milésimos de segundos a imensidão do seu eu estava em mim. Acariciei a tua nuca.
    Lembro que na noite seguinte te disse “desde aquele dia no recanto, eu não paro de pensar em ti”.
    Eu recordo minuciosamente os detalhes. Posso apontar cada um deles.
    Desde então, não deixamos de nos falar nem mesmo um dia. São quase dois anos. Exatamente o tempo em que sinto algo. Algo ainda, por mim, inominado. É diferente. Nunca senti isso antes.
    Fico pensando nisso… como um conjunto de ações, atitudes, falas e, sobretudo, imediatismos, nos trouxe até aqui. Outrossim, como sem mais nem menos, apesar de alguns ocorridos, apesar dos pesares, permanecemos. Não importa as razões ou quantas vezes já tenhamos tentado nos distanciar.
    Mesmo quando me expôs os motins, naquele julho, para não nos entrelaçarmos da forma que eu mais desejava, apesar de me destruir, ainda fazia eu desejar permanecer pela nossa amizade. Claro, aquele sentimento ficou guardado, às sete chaves, eu queria parecer forte. O coloquei numa caixinha de estofado rosê. Um sentimento bonito dentro de uma série de caixas velhas e esquecidas. Mas, quando eu me aproximava de você e, especiamente, quando te beijava, aquela caixinha se abria e a força do que ela guardava me consumia. Era inevitável o sentimento correr pelo meu corpo.
    Confesso que não sei ao certo o que aconteceu comigo naquele junho e, muito menos, no dezembro passado. Sei que pedi para se afastar de mim. Eu mesmo tentei me convencer de que precisava disso. Falhei. Com o primeiro brilho e soar de fogos de artifício do ano novo, a primeira pessoa em quem pensei foi você. Te liguei, lembra? Estava na praia e eu na cidade. A minha única certeza era que eu não desejava estar onde estava, em muitos sentidos. Foi ali que me dei conta de que eu queria estar com você. Você. Ao seu lado. Sou incapaz de me dissociar de ti.
    Sabe aquela minha música que você tanto venera? Foi pra você.
    A minha segunda, que escrevi no outono passado. Estavas no Recanto esses dias, tarde da noite já, lendo, como sempre, a ouvindo. Te ouvi sussurrando a letra e cantarolando. Não sei como não me viu ou sentiu a minha presença.
    Pode não parecer lendo a letra. Mas, o modo que eu a enxerguei enquanto escrevia, fazia todo o sentido do mundo.
    Pensei em ti em cada uma das estrofes.
    Nunca contei para ninguém. É o meu segredo. Mas, pra você, eu conto.
    Primeira estrofe. Escrevi recordando os nossos primeiros encontros. O nosso banho de chuva e aquela primeira noite no recanto, no ponto alto de sempre. Você não parava de falar e eu estava deslumbrado. Lembro com precisão do que me consumia ao ver sua o movimento dos teus lábios. Me remetia inúmeras frases e ser ouvinte jamais fora tão quente.
    Segunda estrofe. Foi pautada em um outro dia no recanto, mas naquele em que ficamos no banco de madeira marfim escondido dentre as árvores. Era quase madrugada, eu estava deitado no seu colo e te apreciava. Já estávamos engajados no meio-termo. Se tratava do começo e já te via um universo de qualidades.
    Terceira estrofe. É inequívoco que eu estava gostando de você e da nossa coisa. Te olhava e dizia a mim mesmo, de mansinho, que não podia fazer aquilo comigo. Mal te conhecia e já estava apaixonado. Óbvio, você até primeiro que eu. Parecia tudo tão apressado, mas eu estava adorando.
    Quarta estrofe. Se trata, nos exatos termos, da imensidão do que você significa para mim. A minha lua, a minha musa. Vênus.
    Penúltima estrofe. Lapidada nos dias em que você ia à minha casa. Não sei explicar. À época, eu enfrentava alguns problemas e estava muito mal. É claro que você não sabia. Aliás, se tratou do período em que mais nos vimos, pois eu tinha sede da tua presença. Você me acalmava de um jeito que ficou marcante até hoje. Você tem o poder de isentar a minha dor, espantar as trevas do meu mundo. Surreal demais para ser esquecido.
    Última estrofe. Confesso, tentei e acredito que deveria reformular a frase. Deixei esta por, pensando em ritmo e campo harmônico, encaixar melhor com a melodia. Ainda assim, expõe uma gana insaciável. As horas correm quando estou contigo, o relógio não é meu amigo. Se tratando de ti, até a eternidade parece insuficiente.
    Sobre tudo o que falei. Sei que jamais havia demonstrado o quanto cada instante, dia, momento significava para mim. Eu não demonstrei nada, nunca demonstro, eu só guardo. Hoje, me sinto seguro para dividir com você.
    Quanto a canção, eu não iria te falar tão cedo. Ela surgiu quando falou com todas as letras e me disse de boca cheia que o teu desejo era ficar comigo, justamente por também ser da minha vontade, me estimulou a escrever. Eu precisava eternizar a minha percepção e o meu sentir de alguma forma.
    Ainda bem que também desenvolveu um sentimento latente por mim. Algo nos atrai. Nos move. Até parece que o nosso interior sabe de algum modo. Não sei. O universo nos empurra.
    No início, pensei que era paixão e que se eu deixasse tudo como estava logo passaria. Juro. Depois do banho de chuva, acreditei naquela ideia de “amor à primeira vista”. Claro, jamais iria te escancarar logo no princípio. Afinal, quando eu dizia sentir saudade ou estar ansioso para te ver, você parecia tão serena “calma, estamos nos conhecendo” e eu me via um idiota.
    O tempo escorre. Sinto que nos conhecemos há anos. O meu sentimento não mudou. Apenas fica cada vez mais forte. A chama mais quente. Pulsa em mim e estou perdendo o controle. É maior que eu. Tenho a sensação de que vai me dominar. Eu preciso por pra fora.
    Desculpa por me prolongar. É que eu gosto muito de você. Obrigada por me ouvir. Você é muito linda. Sabia? Não consigo acreditar que não estou contigo. Agora. Juntos.
    Você é a mulher da minha vida. Só de olhar pra você percebo. Quando me encara, teus olhos avelãs confirmam tudo. Me deixa queimando em intensidade sem sequer se esforçar. Te quero na minha vida por todo o sempre.
    Eu tenho medo de perder você. Medo do destino. Temos certeza somente do presente e quero fazer de tudo pra ficarmos confortáveis um com o outro. Sim, eu ainda estou muito apaixonado por você e sei que não é passageiro. Eu sei quando é. Você é uma mulher incrível, já te disse isso e falo novamente. Não quero te perder. Aconteça seja lá o que for, jamais deixará de ser “a mulher da minha vida”.
    Você me idolatra. Ter me dedicado “The Pussycat Dolls ft. Avant — Stickwitu” foi a melhor forma de escancarar.
    Eu sou quem sou seu fã. 
    Você é minha inspiração.
    A minha musa.
    A amo com todas as minhas forças.
  • [PESQUISAR}

    Como-escrever-coisas-felizes-depois-de-muito-tempo-escrevendo-coisas-tristes-?
    O segredo era deixar as palvras virem e vômitar tudo em uma folha em braco. Dar cor. Mas e se eu precisar da cor azul e amarela, se eu só consigo fazer preto e roxo? E se eu engoli tanta cor fria que eu nao consigo mais sentir cores vivas e quentes? Se nas minhas mãos tem tantos calos pós trabalho árduo, como faço para voltar a ser delicado?
    Como é se sentir leve e delicado? Lembra de quando eu era porcelana limpa? Eu era leve? era suave? Me conta mais. Me traz de volta naquela época, por favor. Me deixa fingir, me deixa rodopiar leve, solto, descoordenado. Me deixa cair e rachar, me deixa poder quebrar de novo. Me deixa voltar...
    Tentativa 1:
    É domingo. Estou em um parque com cachorros correndo de um lado para o outro. Meus olhos estão fechado pois o maior prazer é sentir o sol e o cheiro de grama cortada. Quando reabro os olhos, vejo à minha volta algumas pessoas. Não são estranhos, mas tem rostos estranhos. Eu sindo em cada um uma grande preocupação e carinho. Seus olhos estão voltados para mim e os meus para eles. Eu sinto o calor e sinto o cheiro do chá que bebemos. Eu ouço o violão tocando musicas de alguma banda de MPB enquanto todos cantam juntos. Eu vejo comida sob uma toalha de pic nic. Eu vejo sorrisos e risadas. Nesse mesmo dia, mas deitado na cama mais tarde. Eu fecho novamente meus olhos e me sinto ainda no sol, ainda sentido cheiro de grama cortada, ainda sentindo aquele calor. Eu sei que essa memória, que agora ja faz parte da coleção de lembranças boas, vai me ajudar sempre que preciso.
    AAH EU NÃO CONSIGO.
    Tentativa 2:
    É quinta e eu já cheguei do trabalho. Vou correndo para o quarto e organizo pensando em cada detalhe. Troco a roupa de cama e acendo um insenso. Fico sentado no chão, com as costas escoradas na cama e o silencio se fixa até que o cheiro de insenso passe. Me levanto e vou tomar banho, eu relaxo. Agora de pijama, com as meias por cima da calça e uma pantufa de pata monstrusa, eu vou até a cozinha e faço minha janta. Coloco uma musica animada e preparo panquecas. Infelizmente, quando terminei a ultima panceca, já tinha comido todas as outras sem recheio mesmo. Olho para o recheio e para o prato de panquecas vazio. Coloco tudo no pão e como com satisfação.
    Deito na cama e ela está gelada. Com cheiro de amaciante. Olho as horas no celular e conecto ao carregador. Retiro da cabeceira o meu livro favorito, (insira aqui o nome do seu livro favorito) e leio até cair no sono, acordando com o livro caindo na minha cara. Logo após, cambaleando, eu guardo o livro e apago a luz. Descanso.
    É, acho que essa ficou melhor.
    Tentativa 3:
    Talvez seja melhor viver e depois escrever. Será que minha lembranças boas que posto no papel soam falsas porque são falsas?
  • [Poemas] DETESTO

    Coisas que eu detesto em você:

    Detesto o fato de você fumar;
    Detesto o fato de você sempre sair pra beber;
    Detesto como você gosta de ser o centro das atenções:
    Detesto como aparenta ser íntimo com toda e qualquer garota;
    Detesto o seu desleixo com os estudos;
    Detesto sua opinião política;
    Detesto como consegue ser bipolar ao extremo;
    Detesto o quanto é pão duro;
    Detesto o fato de você não estar nem aí para nada;
    Detesto o seu jeito de andar se sentindo o fodão;
    Detesto quando suas atitudes vão em confronto com a tua fala;
    Detesto o jeito como se porta diante dos seus amigos;
    Detesto fortemente seu completo desdém;
    Detesto o seu desmazelo;
    Detesto o teu corte de cabelo;
    Detesto como consegue conquistar todo mundo;
    Detesto o seu caminhar como se o mundo estivesse do jeitinho que você quer;
    Detesto quando diz "foda-se" para toda e qualquer situação;
    Detesto o quanto é incrédulo quanto ao amor;
    Detesto as suas falsas convicções;
    Detesto quando você mente;
    Detesto quando me dá desculpa esfarrapadas;
    Detesto quando usa a ironia para discutir comigo;
    Detesto quando me fita e me deixa constrangida;
    Detesto quando teus olhos avelã penetram os meus;
    Detesto a minha tensão quando estou perto de ti;
    Detesto mais ainda quando me vê e me ignora;
    Detesto quando faz eu me sentir "um tanto faz";
    Detesto, sobretudo, quando me ignora, pois eu gosto da tua atenção;
    Detesto como sempre está com uma garota diferente… detesto tanto que sinto ânsia de vômito;
    Detesto o fato de você me fazer sentir ciúmes de alguém que não me pertence, nem mesmo um pouco;
    Detesto como mexe comigo a ponto de eu precisar me esforçar para te odiar;
    Detesto seu potencial para me distrair;
    Detesto o fato de acreditar que estou apaixonada por você;
    Detesto quando afirma que dentre garotas passageiras inexistiu alguém especial;
    Detesto com todas as forças o fato de sequer cogitar o meu "eu";
    Detesto quando me idealizam para você;
    Detesto ainda mais os comentários de que eu te suscitaria qualquer coisa próxima a "mudança";
    Detesto como sempre associam eu a você;
    Detesto ficar questionando para mim mesma o que os outros dizem;
    Detesto memorar a primeira vez que te vi;
    Detesto pensar naquele primeiro ano;
    Detesto principalmente reprisar e sentir uma mormente saudade;
    Detesto ficar imersa numa época em que acreditei vivenciar o meu "primeiro amor";
    Detesto assumir para mim mesma que esse amor era você;
    Detesto me ater a sua afirmação de que as suas borboletas no estômago existiam por mim;
    Detesto desejar uma nova faceta daquela paixão ingênua;
    Detesto enxergar que aquela conexão não há de voltar;
    Detesto como apesar dos pesares, depois de tudo, você me fez sentir especial novamente;
    Detesto com todas as forças o fato de que na verdade somente tomou o meu tempo;
    Detesto reconhecer que acreditei em meias verdades;
    Detesto ter acredito, ainda que por míseros instantes, após aquela noite tudo estaria bem;
    Detesto o fato de depois você ter mudado comigo radicalmente;
    Detesto sua bipolaridade, já falei isso?
    Detesto confessar que havia criado expectativas quanto a nós;
    Detesto afirmar que a alegria das minhas manhãs era te ver;
    Detesto a convicção da minha ilusão;
    Detesto estar tão na cara que não fiz isso sozinha, pois você colaborou fortemente para isso;
    Detesto reconhecer que não fui a única a sonhar e romantizar;
    Detesto a dúvida se também o fiz se decepcionar;
    Detesto te ver e ser incapaz de impedir que tudo torne à minha mente;
    Detesto olhar a estrada e ver o amor juvenil desaparecer;
    Detesto a sensação de ter pedido o eclipse, quem sabe, a álea que mudaria nossas vidas;
    Detesto poder apontar com precisão que perdemos o acontecimento do século;
    Detesto a minha intuição da sua cegueira, eis que não enxerga nada disso;
    Detesto a sua presença, que me impede de virar a página;
    Detesto como tudo desabou em dias;
    Detesto tu não ver os meus cortes;
    Detesto tu não mais se importar;
    Detesto me sentir incapaz de apagar tudo, como fez você;
    Detesto não entender os seus porquês;
    Detesto pensar naquela palavra "esquecer"; soa tão "você"
    Detesto me ver resumida a nada para você;
    Detesto assumir que imploro ao universo para te esquecer;
    Detesto exatamente esse agora, que apesar de vividas as memórias, já não me fazem sofrer;
    Detesto olhar o futuro e cogitar encontros;
    Detesto a hipótese de duas pessoas que não mais se conhecem com memórias em comum;
    Detesto agora desabafar num post-it, enquanto o que eu mais desejava era dizer diretamente a você;
    Detesto saber que jamais terei a oportunidade de esclarecer;
    Detesto recordar com fiducia o seu aviso de que não iria me permitir te confundir novamente;
    Detesto usar a frase com o intuito de suavizar o "estou me apaixonando novamente por você";
    Detesto esses temores bobos;
    Detesto a certeza de que este escrito jamais chegará a você;
    Detesto você sequer gostar de ler;
    Detesto como não se dá conta que eu o conheço melhor que até mesmo você;
    Detesto questionar maneiras de te remeter:
    Detesto antecipadamente sofrer com a ideia de ti amassá-lo sem mesmo ler;
    Detesto o contraste entre a minha alma escritora e o seu analfabetismo;
    Detesto este caso concreto fazer valer a máxima "o que não vira amor, vira poema";
    Detesto pensar em jamais isto publicar, com receio de ti não gostar;
    Detesto apontar a nossa história como a minha mais intensa e o mesmo não partir de você;
    Detesto ter enganado a mim mesma naquela noite;
    Detesto aquela noite marcar a minha vida, enquanto para ti foi um anoitecer qualquer;
    Detesto constatar o tempo que despendi nisso aqui;
    Detesto cada fantasia minha frustrada;
    Detesto a música solene daquele 28 de agosto;
    Detesto sentir saudade daquele agosto;
    Detesto o quanto ainda queima as memórias dos dias quentes;
    Detesto cada uma das controvérsias. Por falar em controvérsias, desde o princípio foi assim, por muito tempo acreditei que te amei, de uma forma que jamais imaginei;
    Detesto este amor em cem linhas.

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