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  • Calidoscópio

    para tia Francisca Miriam

    Do outro lado    odal ortuo oD

    Ohlepse on ameop o    o poema no espelhO

    Não esconde nada    adan ednocse oãN

    Sarvalap sa euqrop    porque as palavraS

    São apenas um jogo    ogoj mu sanepa oãS

    Oãça-snegami ed    de imagens-açãO

     

     

     

     

     

     

     

     





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    © "Copyright" do Autor, IN: Concursos literários do Piauí. Teresina, 2005, Fundação Cultural do Piauí. 226 p. Página 192.
  • CAPÍTULO V – O SEGUNDO PROFESSOR.

    – Vaniel, se tiveste uma adolescência tão interessante na companhia de teus amigos, assim como também, o apoio dos mesmos – me perguntaram novamente, as lembranças daquela linda médica ruiva – por que nenhum deles vira o mesmo que você se, desde o início, todos estiveram a par de tudo?
    – Porque, com o tempo, nos tornamos adultos e nos afastamos – respondi – mais ou menos no fim de minha adolescência e início da idade adulta, e isso foi o mais difícil, ter tanto a mostrar, a compartilhar, mas ser rejeitado por todos. Nos distanciamos por quase uma década!
    É certo que não perdemos contato completamente mas, quase se poderia contar nos dedos as ocasiões em que nos reunimos para fazer o que quer que fosse, mesmo morando tão perto, e essas raras ocasiões, apenas aconteciam pelo fato de que eu podia ser tão insistente que, vez ou outra, as desculpas que inventavam não eram o suficiente para me afastar, os deixando sem outra opção senão me receberem!
    Mas, por mais difícil que fossem aqueles tempos, acho que eu não deveria reclamar de verdade sobre nada afinal, havia uma garota muito especial em minha vida, ela era quem me fazia companhia em todos os maus momentos, isto é, quando os horários de nossos respectivos trabalhos permitiam… pensando bem, acho que, apesar de ter falado sobre ela, não lhe dei, leitor(a), nenhuma descrição de sua aparência: ela tinha pele negra e sedosa, a mesma altura que eu e cabelos até os ombros, crespos, volumosos e brilhantes, tal qual se vê nessas fotos de modelos de embalagens de shampoos; seu rosto era o mais gentil que se possa imaginar, apenas um leve encontro com aqueles olhos negros, era o suficiente para perceber que se tratava daquele tipo de pessoa que se preocupa com as outras. Estava sembre bem-vestida pois, tal como eu, tivera também uma criação nos moldes religiosos, embora, na verdade, tivesse sido bem mais intensa do que a minha. O contraste entre nós era bem visível, isto é, o contraste entre minha pele extremamente clara e a sua, que era totalmente negra, o que atraiu muito preconceito contra nós, comentários tão maldosos e destrutivos, que eu jamais os registraria aqui, mas afirmo que vinham de todos ao meu redor, desde de minha mãe, avó e avô, até chegar a Ana.
    E o que mais me deixava admirado quanto a ela (quanto a minha namorada), tanto positiva quanto negativamente, era que, em face do comportamento de todos, ela ainda tentava me fazer ver as coisas por um “ângulo melhor”:
    – Todos te amam Vaniel, não dê bola para o que dizem, são apenas comentários da boca pra fora.
    – O que acontece, é que cada pessoa tem seu jeito próprio de ser, de se relacionar e, no caso de sua família, eles são um pouco brutos, nada mais do que isso, mas todos te querem muito bem, tenho certeza!
    Certamente, seria algo muito difícil pra qualquer pessoa aceitar, o fato de que, dentro de uma mesma família, seus membros não se queriam tão bem como se esperaria, e como isto é tão impensável, até certo ponto, as vezes buscamos desculpas para amenizar a situação e nos cegamos para a mesma, muito embora, minha companheira já possuísse ciência, ao menos, de alguns dos comentários que circulavam entre as pessoas próximas a nós, por exemplo, o mais comum (e também mais leve) deles, criado e espalhando por minha própria mãe (adotiva):
    – “Eu num esperava nunca, que o Vaniel, sendo desse jeito, arrumasse uma namorada”!
    O pensamento ingênuo de minha namorada pendia para a bondade cega, isso era o que mais me atraia nela, mas, às vezes, imagino o que ela pensaria se ouvisse a segunda parte do comentário, a parte que era reservada apenas para as reuniões de família que faziam sobre mim e que apenas circulava as nossas costas:
    – “Num quero sabê do Snow trazendo nenhum namorado baxim pra casa não”!
    Bem, eu realmente não sei para que lado seu pensamento pode ter se direcionado, então acho que se fazem necessárias muitas explicações aqui: já que minha pele era tão clara, segundo as palavras de minha própria mãe (tia): “…sendo desse jeito…”, seus comentários sempre refletiam a história da Branca de Neve1, agora, imagine só, o que imaginava cada pessoa que ouvia isso repetidas vezes:
    – “Num quero sabê do Snow trazendo nenhum namorado baxim pra casa não”!
    É precisamente por isso que, qualquer um que conhecia minha namorada, dava continuidade a repetição interminável do primeiro comentário:
    – “Eu num esperava nunca, que o Vaniel, sendo desse jeito, arrumasse uma namorada”!
    Creio que você, leitor(a), deva estar se perguntando agora, se o fato de que, minha própria mãe (como eu ainda pensava na época), repetir por tantas vezes e para qualquer um, piadas como esta, que chegavam a criar uma imagem distorcida da realidade na mente das pessoas, você deve estar se perguntando se isso me incomodava, certo?
    EU REALMENTE PRECISO LHE RESPONDER A ESTA MALDITA PERGUNTA?
    Achou mesmo que eu a destacava ao longo de meu relato sempre como uma mãe adotiva, bem ao estilo da madrasta da própria Branca de Neve, sem motivo algum?
    Felizmente, a mesma providência Divina que mantinha minha companheira ao meu lado neste momento tão difícil, também me apresentaria a um novo mundo, um que mudaria toda minha vida, muito embora, eu ainda não esteja lhe falando sobre aquele outro mundo sobrenatural que, em breve, eu visitaria. Mas, imagino que, ainda mais estranho do que o que lhe contei a pouco, deva estar lhe soando esta minha conversa sobre outros mundos, como se todo o meu relato fosse apenas uma estória literária do gênero de fantasia. A verdadeira fantasia, é mentir para si mesmo e ignorar a existência daquilo que contraria a mesma lógica débil que analisava os comentários sobre mim e tiravam conclusões tão incoerentes com a realidade, esta é a verdadeira fantasia irracional, acreditar que não existem outros mundos!
    Hebreus 11:3 - “Pela fé entendemos que os mundos foram criados pela palavra de Deus; de modo que o visível não foi feito daquilo que se vê.” (João Ferreira de Almeida Atualizada)
    Note bem que as Escrituras dizem, os mundos, e não, o mundo, ainda que, outras traduções optem por utilizar a palavra, o universo, no mesmo contexto. Mas há algo ainda mais revelador contido no versículo, percebemos isso comparando as diferentes traduções:
    “…de maneira que o visível veio a existir das coisas que não aparecem.” (Almeida Revista Atualizada 1993) “…de modo que o que se vê não foi feito do que é visível.” (Nova Versão Internacional)
    Teria então, “nosso mundo material sido feito seguindo os moldes de algum outro mundo, sendo este, um mundo inteiramente espiritual ou de ideias2?”
    SHAKESPEARE, William. HAMLET. 1602 – “Há mais coisas entre o Céu e a Terra do que pode imaginar nossa vã filosofia.”
    Hora, não afirmam também, os adeptos do Espiritismo, por exemplo, que se aventuram por outros mundos espirituais além do nosso?
    1 Coríntios 4:9 - “Porque tenho para mim, que Deus a nós, apóstolos, nos pôs por últimos, como condenados a morte; pois somos feitos espetáculo, ao mundo, aos anjos e aos homens.”3 (Almeida Revista e Corrigida)
    * * *
    Aqui, o uso da palavra mundo toma o lugar da palavra grega cosmos (Kósmos4), o que entendemos hoje em dia como universo5, mas, seria mesmo uma alusão a existência de outros mundos?
    – Então, é aí que entram os marcianos? – quase posso ouvir a voz de Batata me questionado sobre o assunto. É realmente um fato, o de que existem incontáveis boatos/histórias/estórias de avistamentos e contatos com raças supostamente vindas de outros planetas. Doutrinas religiosas até sustentam a existência de um concelho galáctico, o qual, foi atribuída a façanha de ter garantido, até o momento, a integridade de nosso planeta e da raça humana. Comenta-se também, sobre um suposto livro, em posse da KGB (equivalente russa do FBI), que listaria todas estas raças conhecidas de alienígenas, suas origens, datas e até propósitos das visitas a Terra. Mas, sinto desapontá-lo(a), ao dizer que, apesar de todas estas “informações” que circulam, quando visitei aquele outro Mundo, simplesmente não encontrei nenhum homenzinho verde, nenhum disco voador e NENHUM OUTRO PLANETA!
    – Mas, e os avistamentos de discos voadores? – perguntaria o Batata mais uma vez. Bem, eu mesmo, certa vez, vi, na companhia de Ana, uma luz que ziguezagueava no céu entretanto, o próprio comentarista me destratou, acreditando se tratar de uma piada, quando comentei sobre o caso. Apesar de ser pública, a existência do disco voador nazista e também, dos projetos para o mesmo, elaborados por Tesla ainda no ano de 1911, esses são fatos totalmente ignorados e tidos como fantasia pelas pessoas, mesmo sendo comprovadamente documentados e aceitos por autoridades militares. Seria apenas uma coincidência que, após o término da segunda guerra mundial, em 1945, vários projetos, centenas de cientistas, e de engenheiros alemães, tenham sido “recuperados” pelos EUA em operações secretas e que, a partir de 1947, os tais avistamentos de ÓVNIS naquele país (e posteriormente em todos os outros) tenham iniciado?
    * * *
    Mas, se há algo que minha futura experiência ainda me mostraria, é que outros mundos verdadeiros, simplesmente não são alcançados por naves espaciais ou coisas feitas por mãos humanas. A verdadeira porta para se chegar até eles, chama-se “crença”, e tudo o que eu aprenderei, a partir deste ponto solitário de meu relato, equivale ao ato de se abrir esta porta e olhar o que há além dela. Esta seria a segunda etapa, o aprendizado!
    Esta era como um mundo inteiramente novo para mim, e tudo começou quando retornei a praticar artes marciais6, mas não se engane, eu não havia retornado ao boxe. Durante a adolescência, meus amigos e eu, estivemos constantemente observando um dojo em que se praticava karatê, e que ficava em frente a praça principal de minha cidade. Certamente, esse era outro estopim para iniciarmos nossos grandes debates, onde fazíamos comparações do que observávamos, com os filmes que passavam na TV, até discutíamos sobre um possível embate entre aquela escola e a “antiga”, a de boxe em que meu primo dava suas aulas, ou seja, muito do que falávamos sobre o assunto, eram coisas de adolescentes apenas. O mais irônico é que, enquanto na companhia dos amigos, nenhum de nós teve coragem para, de fato, entrar pelas portas do lugar. Apenas com nosso distanciamento, anos atrás, é que o longo tempo ocioso me deu o empurrão necessário. Foi quando realmente vi que, a diferença entre o karatê7 e o boxe8 que meu primo me ensinou, era enorme: jab, cruzado, direto, gancho, jogo de pernas, isso tudo estava lá, estava na nova arte também, mas ainda haviam muitas cosias novas: oi zuki, gyaku zuki, yoko zuki, mae geri-keague, mae gueri-kekomi, uchiro-gueri, yoko tobi-gueri, entre outros, o treino anterior não havia me preparado para isso, sequer as roupas orientais deixaram de me serem estranhas, sim, tudo aquilo para mim, foi como entrar num outro mundo desconhecido!
    E a maior diferença eram os valores e comportamento “cortês”, mas não me refiro que esta diferença exista entre boxe e caratê em si, mas sim, entre os dois professores afinal, o que nos deixou mais temorosos (meus amigos e a mim mesmo) em entrar naquele dojo, era o que repetia meu primo sempre que alguém perguntava sobre aquele dojo:
    – “Fica longe das outras escola, vão querer fazê fama em cima d’ocês, dizendo que bateram em alguém da minha!”
    Sim, por culpa dele tínhamos medo de apanhar se fossemos procurar outros professores, mas, mesmo assim, num dia de total solidão, tomei coragem e me dirigi ao dojo, mas não entrei ainda, caminhei por toda a praça fazendo um pouco de hora, me sentei num banco qualquer, mas de onde poderia observar o local que, na verdade, parecia agora abandonado já que era um prédio muito antigo, que precisaria de muitas reformas e havia sido emprestado pela prefeitura para os treinos daquela escola. Só depois de haverem chegado alguns alunos e do professor notar a minha presença, é que tomei coragem, isto é, com uma última ajuda em fazê-lo, quando o ouvi falando de forma mais alta que o necessário com um de seus alunos:
    – “Quem quer fazer algo, encontra um meio, quem não quer fazer nada, arranja uma desculpa9”.
    Então me levantei e fui até o lugar. Observei de perto o piso, que era de um material tão liso quanto vermelho e que não é mais visto hoje em dia. As paredes tinham um rodapé de um metro e meio, na cor madeira e, logo acima disso, eram preenchidas de um branco marcado pela idade e sujeira. Haviam também alguns quadros com fotos dos praticantes anteriores, executando belas técnicas, mas tive a impressão de que os quadros só estavam lá só para ocultar atrás de si os vários buracos das paredes. O forro de madeira, que um dia já foi branco, ameaçava cair sobre nossas cabeças a qualquer segundo!
    No momento, era um rapaz muito estranho tomava conta das aulas e fazia isso voluntariamente, já que a escola nunca teve fins lucrativos. Ouvi um dos alunos o chamando apenas pelo sobrenome, Rodrigues, e passei um bom tempo treinando com ele sem conhecer seu primeiro nome, claro que, devido a vergonha que crescia a medida que o tempo também se esticava. Ele aparentava ser apenas um pouco mais velho e alto do que eu, tinha cabelos e olhos muito escuros e, mais estranho do que seu nariz torto (talvez por algum golpe), era sua maneira de falar. Embora exibisse uma faixa preta com alguns risquinhos vermelhos numa das pontas, na verdade, o rapaz não havia sido graduado naquela escola, pertencendo a um estilo diferente de caratê, após ter se mudado para a cidade (há cerca de dois anos), soube da sua existência de uma escola abandonada de caratê e procurou pelo local, então se ofereceu para continuar as aulas e recebeu a permissão do mestre que já possuía uma idade bem avançada e não conseguia mais acompanhar os alunos.
    E, se a primeira impressão que tive dele já foi bem curiosa, a primeira aula foi, ao mesmo tempo, interessante e bastante estranha, devido a sua maneira de exemplificar e citar certas coisas que, mesmo sendo eficiente, ainda me era desconhecida, embora eu esteja fazendo o mesmo neste livro agora. Durante a aula, o rapaz parecia falar com amigos e não “com alunos do alto de sua cadeira”, como era no caso de meu primo. De início, ele se pôs a tentar esclarecer as dúvidas que eu e outros dois outros principiantes tínhamos: “se há mesmo, alguma diferença entre dois estilos de artes marciais” já que, a maioria de nós pensamos (de maneira ofensiva) que, “são todos a mesma ***** (coisa?)!”
    Primeiro, ele ressaltou como as artes marciais são diferentes umas das outras, mas para a explicação, usou um exemplo bem esquisito10, o que me fez pensar se eu realmente deveria estar ali. Depois das explicações, passou a uma aula prática, demonstrando uma base bem mais ampla da que eu já conhecia, alguns socos e chutes com nomes em japonês, em seguida passou para a execução de um conjunto de movimentos que me pareciam “coreografados” mas que, segundo ele mesmo, visavam adaptar os golpes as diferentes situações, e confesso que, depois de entender do que isso realmente se tratava, senti certa vergonha de chamá-los, nos debates com meus amigos, de “dança”.
    E, para completar a estranheza (para mim) desta primeira aula, o professor nos falou um pouco sobre os benefícios que o autoconhecimento adquirido com o treino nos trariam e, até mesmo, usou uma história pessoal para ilustrar a necessidade dele, o que me deixou na dúvida se ele era um gênio ou um bobo:
    – Dentro do livro, A ARTE DA GUERRA11, encontramos:
    SUN TZU, A Arte da Guerra: Edira Martin Claret, São Paulo, 2001, 3ª Edição. Tradução de Pietro Nassetti – “Conheces teu inimigo e conhece-te a ti mesmo; se tiveres cem combates a travar, cem vezes serás vitorioso. Se ignoras teu inimigo e conheces a ti mesmo, tuas chances de perder e de ganhar serão idênticas. Se ignoras ao mesmo tempo teu inimigo e a ti mesmo, só contarás teus combates por tuas derrotas.”
    – Para se ter sucesso num combate, é necessário conhecer sua própria capacidade de luta, assim como também, a de seu inimigo. Se conhecerem bem a ambos, vocês sempre vencerão. Porém, se apenas conhecerem a vocês mesmos, mas não aos seus inimigos, será como tirar no cara ou coroa, ou seja, terão metade das chances de vencer a luta. Não conhecendo a nenhum dos dois, não terão nenhuma chance de vencer!
    – Eu mesmo, numa certa ocasião em que levei minha esposa as compras, precisei acomodar uma grande caixa no banco traseiro do carro, bem atrás do banco do passageiro, onde ela se sentaria logo em seguida. Mas, o detalhe aqui é que: quando o banco do meu carro retorna para a posição correta, após ter sido afastado, o mesmo deve fazer um som de “clik”, que indica um encaixe correto, o que não ocorreu porque ela estava com pressa e entrou rapidamente sem me permitir corrigir isso. A caixa havia impedido o banco de chegar a posição correta, então o som não foi ouvido.
    – O resultado desta viagem foi que precisei levar o carro a uma assistência técnica para receber os devidos concertos.
    – Mas, como isso se relaciona com o trecho do livro?
    – Hora, “conhece-te a ti mesmo”, neste caso, significava conhecer o meu próprio carro, e eu sabia a posição correta em que o banco deveria estar e como deveria soar. Enquanto que, “conheces teu inimigo”, equivale a saber o que aquela caixa faria ao banco. Mas, para não aborrecê-la, a minha esposa, acabei por ignorar tudo, ou seja, “se ignoras ao mesmo tempo teu inimigo e a ti mesmo, só contarás teus combates por tuas derrotas.”
    – Percebam que minha vitória estaria assegurada, caso tivesse me manifestado, já que eu conhecia a mim mesmo e ao inimigo, mas como os ignorei, a derrota do banco do meu carro é que foi o resultado deste combate!
    Certamente foram ensinamentos relevantes, mas vieram de uma maneira tão hilária que, talvez tenha sido por isso e não pelo treino em si, ao menos no início, que eu tenha retornado ao lugar nos anos seguintes. Encontrei novamente, um lugar onde se poderia realizar aqueles antigos debates sobre teorias, outros mundos e as coisas mais variadas possíveis, e era com ansiedade que eu esperava para limpar o dojo no início de cada aula, porque este era o momento em que mais falávamos sobre tais assuntos:
    – Já passaram pela experiência de se acordar a noite sem nenhum motivo aparente – perguntou sensei enquanto enchia um balde d'água – mas tomado pela sensação de desespero?
    – S-sim… algumas vezes – respondi, em seguida, outro aluno contou o seguinte caso:
    – Teve um dia em que sonhei com algo assim, mas nele, eu estava deitado exatamente no mesmo lugar, na minha cama, e mesmo sendo noite, tudo estava claro. A luz aparentemente vinha de minha própria visão; de repente, acordei muito desesperado sem saber o por que, como se houvesse algo ruim por perto.
    * * *
    Sensei falou:
    – Em meu caso, sempre percebo também uma silhueta negra em alguma direção, como se fosse um homem, mas, feito de escuridão!
    * * *
    Duas, três, quatro e logo a quinta história semelhante surgiu enquanto puxávamos a água do chão em direção a porta, já que não existia ralo em lugar algum do salão.
    * * *
    – Também tive um sonho – disse outro aluno – em que notei estar exatamente no mesmo lugar que havia adormecido, em meu quarto, e uma criatura apareceu ao lado da cama, vindo da direção da porta. “Ela” se aproximou e subiu pelo lençol, a princípio eu não a via com os olhos exatamente, mas sabia que estava lá. Só quando chegou em cima da cama é que pude dar uma boa olhada e perceber que era parecido com um escorpião, mas marrom como um tronco de madeira e tinha olhos vermelhos; quanto mais se aproximava, mais me sentia prezo. Foi quando uma voz chamou pelo meu nome, me acordando imediatamente!
    * * *
    Mas sensei interrompeu a conversa para dar início a aula12, e apenas após o término da mesma e de todos os exercícios, é que retomamos ao assunto anterior, ou seja, voltamos a falar sobre experiências “sobrenaturais”, então contei sobre alguns sonhos estranhos que vinha tendo:
    – Acho que desde que comecei a jogar RPG com os amigos, tenho sonhado com um grande livro, as vezes com sua capa escura e outras ele se torna vermelho, como se estivesse coberto de sangue. Mas, nunca tentei abri-lo nem lê-lo, não, antes ele parece ter vida em si e se abria sozinho para mim, revelando grandes dentes afiados e brancos que saltam de suas páginas.
    – O mais estranho era que mesmo, vendo um livro dentado, não havia medo, pelo contrário, era e é, algo que causa alegria… espera, eu disse que isso era o mais estranho?
    – Não é não, o mais estranho mesmo, é que em vários de meus sonhos, não apenas neste em particular, acabo olhando para o céu e avisto uma lua muito estranha, está quase toda negra, coberta por uma sombra, deixando apenas uma pequena parte iluminada.
    Sensei respondeu:
    – Há muito o que se levar em conta quando falamos de sonhos, pois podem tanto vir da parte de Deus, como uma mensagem, quanto também por influências malignas. Ou podem ainda, ser algo do seu próprio subconsciente, uma simples imaginação de criança de tanto jogar RPG!
    Porém, após uma breve pausa (em que talvez estivesse apenas inventando algo mais interessante para dizer, já que notou minha insatisfação com seu comentário vago), ele prosseguiu dizendo:
    – Quem sabe, você esteja tratando como um brinquedo aquilo que tem por objetivo dirigir sua vida, pois os dentes grandes que citou, mostram que isso tem também o poder de te ferir se for negligente…
    – Mas, o que é… “isso”? – perguntei. Ele fez uma cara estranha e falou quase rindo:
    – Eu não sou você, como poderia saber o que tem vivido?
    – Talvez seja algum livro que tem, ou que terá uma grande importância em sua vida, mas, o que mais me intrigou, como você mesmo ressaltou, foi a Lua parcialmente escura, já viu a mesma coisa em outros sonhos, certo?
    A resposta seria sim, por anos fui “assombrado” por ela, à estranha Lua estava presente em outros sonhos. E um deles, em particular, acabava sempre mudando para se adequar as condições de cada faze de minha vida em que o tinha: quando criança minha mãe (tia) estava presente nele, durante a adolescência, havia algum amigo como Batata ou Ana, e mais tarde, minha namorada. Assim como também as condições do local eram alteradas, por exemplo, quando nossa casa não possuía uma pintura totalmente acabada, apenas um fundo em azul-claro, era assim que a via nos sonhos, já alguns anos depois, quando recebeu a devida pintura, essa diferença do ambiente também se refletiu em diferentes versões de minhas “visões”:
    * * *
    – A cada nova versão, contemplo uma rua deserta, envolta numa atmosfera pesada e sombria, e durante este sonho, em particular, minha compreensão do que se passa ao redor é mais abrangente do que o normal, mesmo não vendo ou ouvindo exatamente, sei da existência de algum tipo de máquina estranha… um tipo de… de… “máquina do juízo final”, acho que se poderia dizer assim.
    – E talvez ela esteja na casa vizinha ou próxima a ela, já que sei que uma contagem regressiva se aproxima do fim. Este é o momento mais desesperador, a espera para que algo realmente ruim aconteça. Em todas as ocasiões em que este sonho se repete, tento desesperadamente fugir dali e ir para o mais distante possível, é nessa hora que se manifestam alguns reflexos de cada ponto de vida real, quando criança, simplesmente saía correndo pelo meio da rua com toda velocidade que meus pés podiam me proporcionar, indo na direção contraria à contagem regressiva.
    – Durante outra versão do mesmo, na adolescência, apanhei o celular que me foi presenteado por minha avó, e tentei, sem sucesso, ligar para um amigo, para, em seguida, saltar sobre minha bicicleta e me afastar, desta vez conseguindo alcançar uma distância maior do que havia conseguido a pé.
    – Na próxima vez, mais recentemente agora, entrei apressadamente num carro qualquer trazido ao simples acaso, liguei-o e arranquei do local, e novamente, a distância que fui capaz de me afastar foi proporcionalmente maior, conseguindo inclusive chegar a saída da cidade e a estrada.
    – Mas, o que permanece sempre inalterado é o desfecho: um céu noturno desprovido de estrelas torna-se subitamente visível, tendo unicamente a presença da mesma Lua tomada de escuridão, mas com uma pequena parte iluminada. É então que a tal máquina se ativa. Enquanto tento escapar, uma luz branca cresce atrás de mim e em instantes, assume uma forma esférica que se propaga por toda a cidade e avança mais e mais para cima, engolindo tudo o que encontra no seu caminho, casas, carros e pessoas, embora sejam sempre pessoas diferentes a cada versão do sonho.
    – Finalmente, quando a esfera luminosa fica tão grande a ponto de tornar-se só uma enorme parede de luz diante da visão, é que sou atingido e acordado imediatamente e quase sempre, muito desesperado…
    Depois de ouvir atentamente o relato, sensei ficou calado e pensativo por uns instantes, enquanto os demais presentes soltavam algumas rizadas baixas, mas em seguida, ele comentou:
    – Também já tive, durante um tempo, um sonho recorrente e que era bem parecido com o seu: lembra-se do tempo em que as televisões precisavam de um segundo aparelho externo chamado UHF para sintonizarem os canais?
    – Sim – respondi – havia um desses em minha casa até perto dos oito anos de idade.
    Ele continuou o que estava dizendo:
    – No meu sonho, me encontro sentado no chão com as pernas cruzadas, da mesma forma que estamos agora, no meio da sala da casa que morava com meus pais, e havia um aparelho destes, ou algo bem parecido, em minhas mãos. Mas quando girava um de seus botões, toda a imagem do sonho se distorcia, mais ou menos como os chuviscos que haviam nas imagens analógicas antigamente, ou seja, tudo ficava “des-sinalizado”, cheio de pontos faltantes pelo ar e acinzentado.
    – E, semelhante ao que nos descreveu antes, de algum modo, eu também sabia que, vindo do fundo da terra, havia sido ativada um tipo de máquina, algo que ia engolindo tudo para dentro da terra. Após sugar uma enorme área próxima, e no mesmo instante em que eu mesmo cairia para a escuridão, a queda sempre me acordava.
    – Descobro depois, que isso não era um sonho, e sim uma visão de algo que realmente veio a existir… num certo sentido é claro!
    Os olhares se voltaram para ele e as perguntas foram feitas:
    – Visão… como pode saber que era uma visão e não um simples sonho?
    – Quer dizer que um tipo de buraco negro no fundo da Terra vai sugar tudo?
    Ele respondeu:
    – Na verdade, meu sonho já aconteceu, mas não na prática!
    E antes que tivéssemos tempo de questioná-lo pela invenção de um fim do mundo que jamais aconteceu, ele explicou:
    – A alguns anos, foi anunciado um estudo que visava entender melhor como teria ocorrido o big bang13, e para isso, se utilizariam do maior colisor de hádrons14 já construído (na época). Diante daquele anúncio, algumas pessoas temeram que o choque entre partículas que o aparato promove fosse capaz de gerar um buraco negro e, se isso acontecesse, todo o “planeta” poderia ser engolido em um espaço de tempo menor que o de um piscar de olhos.
    Tendo, dessa vez, tempo suficiente, comentei:
    – Me lembro disso, passou no noticiário, mostraram até uma animação de como seria se um buraco negro engolisse a Terra.
    – Esta foi a primeira vez que vi um déjà vu15 – respondeu sensei – aquela animação que circulou na época, ilustrava com muita precisão o mesmo sonho que tive por tantas vezes, ainda que meus sonhos tenham começado muitos anos antes da tal estudo ser anunciado!
    * * *
    Qualquer pessoa acharia esta conversa no mínimo, estranha, e se podia notar isso na atitude dos demais, que simplesmente começavam a se levantar e pegar suas coisas para irem embora, e como se lesse meu pensamento, ou talvez fosse mera coincidência, sensei disse energicamente:
    – Snow, “algo” me diz que você passará por uma experiência muito curiosa antes de nossa próxima aula!
    * * *
    E, se levantando também para fechar o local, ele perguntou:
    – Já ouviu falar sobre o Programa de Investigação da Aurora de Alta Frequência16?
    Respondi negativamente balançando a cabeça, então ele acrescentou:
    – Comenta-se que, informações oficiais liberadas sobre ele são sempre manipuladas, e que tendo sido iniciado em 1993, o mesmo estaria em pleno funcionamento já em 1996, mesmo que o exército alegasse que só seria possível usá-lo por volta de 2020. Tal aparato, teria fins militares e seria capaz, inclusive de gerar terremotos com uso de ondas de alta frequência, amplificadas em milhões de vezes e direcionadas a pontos específicos das placas tectônicas.
    – Não entendo o que está dizendo – perguntei – como uma máquina poderia causar um terremoto?
    Ele respondeu:
    – Basta pensar naquele carro que passa com o som ligado no volume máximo, é possível sentir fisicamente o incomodo causado pelas vibrações sonoras, tais vibrações tornam-se visíveis ao interagir com objetos próximos, ou o próprio carro que vibra violentamente com o som. Agora imagine este mesmo efeito ampliado milhares de vezes e direcionado a pontos chaves das placas tectônicas. Vendo por este lado, torna-se, na realidade, algo bastante plausível.
    – E, de fato, se pesquisar, verá que existem muitas acusações públicas de governos, como por exemplo, da Rússia, a respeito da existência desta terrível arma dos EUA, inclusive o falecido Hugo Cháves já se declarou contra e apresentou documentos da inteligência a respeito. O que levou também, outros países a desenvolverem seus próprios equivalentes à aquela tecnologia, se preparando para uma possível guerra.
    * * *
    Depois de um momento de silêncio, imediatamente sensei mudou de assunto e perguntou:
    – Gosta de assistir animes Vaniel?
    – Sim – falei – desde pequeno, também sou fã games e outras coisas do gênero.
    Ainda hoje sou grande fã mas, como pode imaginar, não tenho mais contato com nada do tipo a anos, porém, meu sonho de criança sempre foi ser um desenhista, e até cheguei a fazer uma ou outra ilustração para uma revista local, pouco antes de que tudo acontecesse.
    Estava ficando tarde e os outros alunos já haviam ido embora, restando apenas nós dois, ocupados na conversa e em guardar as coisas que havíamos usado no treino, tatames, cadeiras e tudo mais, em seguida, fechamos as antigas portas de madeira branca, que sempre precisavam de mais de uma pessoa para isso, pois eram bastante velhas e emperradas, e cada um se dirigiu para sua casa. Durante meu caminho de volta para casa, ao qual, fazia a pé, pois eram poucas quadras de distância, refleti sobre a estranha conversa inacabada e o que os animes tinham a ver com tudo aquilo. E, foi só quando já estava quase na esquina de casa, que algo fez sentido e me lembrei estranhamente, do um anime chamado Akira17: numa das cenas finais, um tipo de poder que destruiria a tudo em seguida, é liberado e uma grande bola de luz branca começa a se propagar indefinidamente, engolindo tudo em seu caminho. A lembrança foi tão súbita e vivida que me causou certo espanto, provavelmente ela foi desencadeada pela pergunta anterior.
    Em casa, passei por minha mãe (adotiva) e meu primo, que as vezes chegava de seu próprio treino alguns minutos antes de mim, ambos me olharam de forma desdenhosa, por isso sequer tive fome e fui direto para a cama. Ainda refletindo sobre o assunto, me perguntei:
    – Qual a relação entre aquelas cenas e meu sonho?
    – Se fosse o caso de realmente ser uma visão, eu não deveria enxergar tudo mais claramente e não com a desnecessária ajuda de uma cena de anime?
    – Acho que não foi visão alguma, deve ter sido só um sonho comum, devo ter ficado impressionado com a cena, pois ainda era uma criança…
    Subitamente, um novo pensamento passou por minha cabeça, mas este foi ainda mais estranho do que a lembrança anterior, porque não foi como se eu mesmo tivesse juntado os pontos e chegado a uma conclusão, foi mais como se uma revelação houvesse sido jogada toda pronta em minha mente e, de um segundo para o outro, simplesmente havia a resposta, a epifania desencadeou outra lembrança, tão forte que se manifestou numa voz audível:
    – “Significa, que é impossível fazer alguém escrever o que não sabe ou, pelo menos, tem que ser o tipo de coisa que inventariam sozinhos!”
    Me sentei imediatamente na cama e busquei entender, mas era inútil,EU JÁ HAVIA ENTENDIDO exatamente como as visões funcionavam, o que restava agora, era entender o que havia ocorrido no momento em que entendi…
    – Será que é isso o que chamam de epifania18?
    Noite adentro fiquei imerso em teorias e divagações sobre o ocorrido, hora questionava a veracidade ou importância do que aconteceu, hora pensava se tratar de um sinal para um destino grandioso, até que o sono tomou conta, mas logo deu lugar aos tradicionais gritos de minha mãe pela manhã.
    Mesmo em dúvida, eu ainda teria de suportar dois dias inteiros antes da próxima aula, para ter a chance de falar com alguém sobre o assunto. E finalmente, passado esse período que foi escruciante, pude relatar a história de minha iluminação e ouvir o que ele tinha a dizer:
    – Não tentei explicar nada antes porque, as vezes, é muito melhor passar pela experiência real, do contrário, poderia não ser possível para você entender uma explicação de como funcionam as visões para algumas pessoas.
    Entretanto, como os alunos já começavam a chegar, ele disse:
    – No final da aula continuamos a conversa!
    Tudo correu exatamente como de costume durante o treino, exceto, é claro, pela minha ansiedade, terminamos a limpeza do dojo, realizamos os exercícios, alguns combates, e após o que me pareceu uma eternidade, encerramos. Depois da aula, enquanto falávamos, outros alunos também ficaram conversando na porta do local, então perguntei aquilo que eu já sabia, mas que precisava ouvir de outra pessoa:
    – Se fosse o caso de realmente ser uma visão, eu não deveria enxergar tudo mais claramente e não com a desnecessária ajuda de uma cena de anime?
    Ele respondeu:
    – Você não pôde ter uma visão da verdadeira forma, porquê jamais havia visto ou ouvido sobre aquilo antes, então como poderia saber que aparência tinha ou o que fazia?
    – Está entendendo?
    Acenei com a cabeça. Ele prosseguiu:
    – A construção da aparência do que houve nos seus sonhos, foi baseada em alguma outra imagem já existente em seu subconsciente, ou seja, em algo que você já conhecia, neste caso a luz que engolia a cidade durante o final daquela animação. E estou bastante certo de que, você também conhece a origem da frase que ouviu falando em sua cabeça, não conhece19?
    Novamente acenei.
    – Então tomemos como exemplo o seguinte caso: imagine que você visse, em sonho, Jesus Cristo. Provavelmente você o enxergaria com uma aparência já conhecida, que seria originaria de algum quadro que tenha visto antes, por exemplo, porquê seria esta a imagem que se associaria a Ele, seria assim que você O reconheceria mas, por que tem de ser desta maneira?
    – Certamente, alguns de nós até podemos experimentar a presença de Deus, porém, em um nível humano. De forma alguma estamos preparados para Sua plenitude em Espírito, pois a luz não tolera a sujeira, antes ela a consome, então tais “disfarces” se fazem necessários para nosso próprio bem e até para uma melhor entendimento, isto é, quando O buscamos o suficiente para recebermos também Sua interpretação!
    JOEL 2: “28 E há de ser que, depois derramarei de Meu Espirito sobre toda a carne, e vossos filhos e vossas filhas profetizarão, os vossos velhos terão sonhos, os vossos jovens terão visões”. (Almeida Revista e Corrigida)
    – Mas é preciso ter cuidado, porque também é assim que o inimigo pode agir as vezes. Pelo fato de existir um véu que nos impede de enxergar além destas três dimensões e divisar a quarta, ele (o inimigo) imita o agir de Deus e engana a muitos.
    Enquanto conversamos, estivemos observando os dois alunos que, agora estavam golpeando o saco de pancadas de forma desengonçada. Então sensei apanhou um lápis e um pedaço papel em sua mochila que estava bem ao lado de uma espada mal tratada que ele insistia em carregar consigo todo o tempo mesmo que jamais o tenhamos visto fazer um movimento sequer a usando, depois rabiscou alguma coisa, esticou o papel com as mãos, ergueu-o diante dos meus olhos e perguntou:
    – É essa é a Lua que sempre tem visto em seus sonhos?



    1BRANCA DE NEVE – Conto de origem Alemã, compilado pelos irmãos Grimm por volta de 1812 e 1822.
    2MUNDO DAS IDEIAS – Referência no MAKING OF – PARTE 2.
    3WESLEY, JOHN – Deus nos apresentou por último, como designados para a morte – Aludindo ao costume romano de trazer à tona essas pessoas por último no palco, seja para lutar umas com as outras ou com animais selvagens, que foram devotados à morte; de modo que, se eles escapassem um dia, eram trazidos de novo e de novo, até serem mortos.
    4COSMOS (KÓSMOS) – O termo teria sido cunhado primeiro pelo filósofo e matemático grego Pitágoras (nascido entre 571 e 570 a.C. e falecido entre 500 e 490 a.C.) mas, na verdade, não estaria se referindo exatamente ao espaço sideral que atribuímos hoje, nem a nenhum “outro planeta” pois, o significado de kósmos é: “bem-ordenado” ou “ornamentado”, referindo-se as estrelas que vemos no firmamento. Mas, apesar de significar apenas o (nosso) mundo em si, seria de uma maneira metafórica, aludindo a ordem da criação em oposição ao caos. Daí se originaria também a palavra “cosmético”, ou seja, algo que serve para “embelezar”.
    5A interpretação de “mundos” porém, pode não significar “mundos no plural”, mas sim, varis “partes” que compõem o nosso mundo, que é por definição, uma palavra que engloba “o todo” nas línguas mais modernas, tal qual John Calvin afirma. Também dentro das traduções latinas encontramos no lugar de mundo, termos mais relacionados a medias de “tempo”:
    AOS HEBREOS XI – 3 “Pela fé he que nós entendemos que foram formados os seculos pela palavra de Deos; para que o visivel fosse feito do invisivel.” (Antonio Pereira de Figueiredo, 1864)
     
    AD HEBRAEOS XI – III “Fide intellegimus aptata esse saecula verbo Dei ut ex invisibilibus visibilia fierent” (Vulgata Latina, São Gerônimo, Século IV – V)
    Nesta linha de pensamento, mundos, não se refere a outros planetas, mas aos vários aspectos da criação divina (que são melhor explicados no CAPÍTULO XVI – PIRÂMIDE DO UNIVERSO, deste livro).
    WESLEY, John – Pela fé entendemos que os mundos – céu e terra e todas as coisas neles, visíveis e invisíveis. Onde feito – formado, formado e acabado. Pela palavra – O único mandamento de Deus, sem nenhum instrumento ou assunto precedente. E como a criação é o fundamento e o modelo de toda a economia divina, a fé na criação é o fundamento e o modelo de toda a fé. Para que as coisas são vistas – Como o Sol e a Terra, as estrelas. Foram feitas de coisas que não aparecem – Fora do escuro, caos não aparente, GÊNESIS 1:2. E esse mesmo caos foi criado pelo poder divino; pois antes de ser criado, não existia natureza.
    6ARTE MARCIAL – A palavra, “marcial” (martial), tem origem no nome do deus Marte, que por sua vez é uma adaptação romana do deus Ares, deus da gerra (é por isso também, que o “planeta” Marte recebeu esse nome, devido à sua coloração vermelha que lembra um campo de batalha coberto de sangue), e, juntando-se “marcial” com a palavra “arte” (de “expressão artística” mesmo, como em pinturas, músicas e etc), obtemos o termo “arte marcial”, que, em uma tradução livre e pessoal, poderia significar algo como “arte do combate” ou, “arte para combate”.
    7KARATÊ-DO – (ou, caratê, na grafia do Brasil) significa “mãos vazias”, enquanto que, o “Do” no final, que não estamos acostumados a ver por aí, refere-se a um “caminho” (espiritual), já que é comum nas artes nipônicas, especialmente nas “terminadas em Do”, a mistura com a religião xintoísmo ou a budista. Numa tradução livre, Karatê-Do, poderia ser entendido como, “o caminho das mãos vazias”, em repudio ao uso de armas durante o combate. A arte é original da ilha de Okinawa, no Japão e nasceu da mistura das artes “indígenas” e do Wushu (Kung Fu Chinês).
    8KARATÊ VS BOXE – Alguns estudos sugerem uma origem diferente daquela comumente aceita para o caratê, pois atentam para uma possível “fabricação” da arte, seguindo os mesmos moldes do boxe que, naquele momento (por volta de 1920), estava se tornando muito popular no país então, num esforço de valorizar as tradições locais e o patriotismo, a pedido de certas pessoas influentes, “cunhou-se uma arte competitiva nacional, que visava ser superior ao esporte estrangeiro”.
    9Provérbio árabe.
    10APÊNDICE 4 – AULAS: ESTILOS DE ARTES MARCIAIS.
    11A ARTE DA GUERRA – Escrito por volta de 500 a.C. na China por um General/Filosofo chamado Sun Tzu, o livro visa desenvolver estratégias para guerras, incluído o uso de tropas, artes marciais e recursos. Ainda hoje após séculos, este livro tem extrema relevância sendo amplamente usado no mundo dos negócios. Publicado pela editora Martin Claret, com tradução de Pietro Nassetti, que a referência para esta nota, porém, há outras versões no mercado.
    12A transcrição desta aula pode ser encontrada no APÊNDICE 6 – AULAS – DEFESA CONTRA AGRESSÕES COM FACAS.
    13BIG BANG – A teoria mais aceita sobre a criação do universo, postula que uma grande explosão de proporções cósmicas, seria a responsável por toda a expansão e criação dos “planetas”, estrelas e de tudo o que existe.
    14COLISOR DE HÁDRONS – Maior acelerador de partículas do mundo.
    15DÉJÀ-VU – Termo originário da língua francesa, significa, “já visto”, refere-se ao sentimento de que algo já foi visto antes.
    16HAARP.
    17AKIRA – Filme de animação japonês de gênero ficção científica adaptado do mangá de mesmo nome escrito por Katsuhiro Otome e lançado em 1988, relatando a história de um futuro apocalíptico no ano de 2019. É considerado um marco na animação Japonesa, um dos responsáveis por popularizar os animes e mangás fora do Japão.
    18EPIFANIA – Súbita compreensão da verdade.
    19A frase foi dita por Light Yagami no episódio quatro do anime Death Note, logo após explicar como mediu os limites do que poderia fazer com o caderno. DEATH NOTE – Mangá escrito por Tsugumi Ohba e ilustrado por Takeshi Obata. Teve sua versão em anime lançada em 2006.
  • Colina - TEOMAKIA Prólogo

    O trato era mútuo: Caio ajudaria Maria a encontrar pistas sobre o passado de seu mestre enquanto ela o ajudaria a fazer o mesmo com relação ao seu. Era tarefa difícil mas, desde que foram nomeados para suas Cátedras, receberam permissão do próprio imperador para agir conforme lhes parecesse melhor. Desde que, é claro, não colocassem em risco a vida de terceiros. Seus mestres eram os dois ex-catedráticos mais misteriosos da geração passada. Quando perguntados, os outros dois se limitaram ao mínimo, dizendo que eles eram poderosos, tinham um entrosamento fora do comum e surpreendiam os inimigos sempre. Até o dia em que os surpreenderam a todos.Aidan, então catedrático do fogo, foi primeiro a nomear alguém completamente fora do padrão para sua sucessão. O paladino Éolo, catedrático do ar, foi primeiro a desertar e matar um companheiro.

    Hoje estavam atrás de pistas sobre Aidan. Sua mãe residia na casa grande atrás da antiga colina, 3 léguas a noroeste, seguindo a estrada do verão desde o portão leste. Após saírem pelos portões, ainda por meia légua havia a periferia da cidade. Apenas a estrada principal era calçada com pés de moleque¹, sendo as demais ruas, finas e tortuosas, de terra batida. Crianças descalças dividiam as poças de lama com porcos, cães, galinhas e patos, brincando e correndo. Foi assim por alguns minutos até que os dois catedráticos, montados em seus jovens garranos, finalmente encontraram a estrada rural, ladeada por chácaras pequenas. Do lado norte-nordeste as propriedades se estendiam até uma alta cadeia de montanhas. Do lado sul-sudoeste, as pastagens e pequenas plantações se perdiam de vista até o horizonte distante. A medida que avançavam, distanciavam-se das montanhas e adentravam mais na planície do grande Rio dos Bois.


    Uma estrada de terra numa região acidentada. Montes com vegetação verdejante ao fundo.

    Seguiram conversando sobre seus antecessores. Ambos estavam órfãos de mestre desde a mesma data. Num fatídico dia, dois anos antes, os dois haviam protagonizado uma luta totalmente improvável. A dupla, até então, era considerada a esperança de vitória na guerra. Sempre encontravam solução para qualquer crise, vencia batalhas impossíveis, realizavam verdadeiros milagres. Mas a fatalidade ocorreu, e até hoje ninguém soube explicar o motivo.


    Maria e Caio tinham um certo entrosamento também. Tinham idades semelhantes, dezessete anos, e gostavam de conversar sobre livros e idéias. Contudo, muito por conta do ocorrido entre seus antecessores, os dois não eram assim tão próximos. Sempre pairou sobre eles o fantasma da insegurança, que os impedia de se aproximarem um do outro sem imaginar que isso poderia acabar como acabou antes.


    Aliás, diferente dos outros dois catedráticos, eles viviam a sombra de seus mestres. Caio era visto com desconfiança por todos, por ter aprendido por anos a arte da guerra com um homem que traiu o Império e passou a servir os deuses pagãos. Maria, de uma forma completamente diferente, também amargava um destino semelhante. Nunca antes uma mulher, cabocla² e plebeia havia sido escolhida como Catedrática. Presente de Aidan, o homem que admirava, e que lançava sobre ela uma sombra gigantesca. Ela tinha que mostrar valor para provar que podia ser sucessora de um Dragão, mas não qualquer Dragão. Era Aidan, o "herói improvável", o sucessor indesejado. Ele tinha uma aura tão mitológica que nem parecia que esteve com Maria durante anos.

    Um calor abrasador, logo após o final de uma chuva pela manhã, dava o tom quente e úmido daquele dia. As pedras escorregadias da estrada logo deram espaço a uma via sem pavimento, com lama e terra batida. Ao longo do caminho, encontraram algumas pessoas, para as quais sempre perguntavam se estavam no caminho certo. Primeiro, um pai com três filhos numa carroça de leite, lhes disse que estavam próximos da antiga colina, que ela ficaria a direita da estrada após a próxima subida. Durante a subida, um homem com uma enxada e chapéu de palha que caminhava e cruzou com eles lhes disse o mesmo. Quando chegaram ao topo encontraram um casal com dois filhos pequenos, uma menina mais velha e um de colo. O homem mostrou a casa atrás da colina, mas não havia colina. Na verdade haviam dois pequenos declives que acabavam num descampado plano e redondo onde deveria haver uma. A mulher confirmou que era isso mesmo. Não souberam dizer o que houve com a colina, mas insistiram que ela existiu.

    Ao entrarem pela estrada de cascalho, após atravessarem uma porteira e mais um mata-burro a frente, chegaram a porta da casa. Era um edifício relativamente novo, em arquitetura colonial clássica, com dois andares, portas grandes de madeira vermelha e duas janelas da mesma cor de cada lado. Encima, uma varanda de fora a fora. Tinha um curral pequeno próximo e parecia ter uma horta nos fundos. Aparentemente não haviam escravos. Era um tanto modesto, levando em consideração que já foi a casa de um dos generais do império.

    Bateram na porta. Caio e Maria estavam vestidos mais informalmente, para não passar estranheza. Logo, dona Maria José, ultima integrante da família Silva, abriu a porta. Era uma mulher triste, muito abatida, de baixa estatura. A maioria dos cabelos já brancos e presos, óculos simples sobre seus olhos de um profundo negro, tão tristes como uma mãe que acabou de perder seu único filho poderia ter. Ver ela assim partiu o coração de Maria, que ficou profundamente abalada. Caio ficou mudo, todo sem jeito. Talvez fosse melhor assim, já que ele era irreverente demais. A voz dela, fraquinha, deu até um nó na garganta da menina.

    - Boa tarde meus filhos, vamos entrar, tomar um cafezinho?! - aparentemente dona Maria reconheceu os dois. Isso encurtava a parte das apresentações, o que era bom, ainda mais naquelas circunstâncias. Abraçou os dois com toda a força que nem aparentava mais ter. - Estou tão feliz de ver vocês bem. Seu olhar me lembra do meu filho. Os olhos vermelhos lhe caem bem também. - Boa tarde dona Maria. Obrigada. - respondeu a jovem. - A senhora está bem?

    Após um cumprimento tímido de Caio, a conversa prosseguiu. Foi melhor ele ser mais discreto mesmo. Se o olhar da catedrática lembrava o de seu mestre, o olhar do companheiro certamente a lembraria do que o matou. Não tinham pensado nisso antes, agora esperavam que isso não piorasse as coisas. Vendo que não seria um problema, Maria perguntou a dona Maria José se poderiam entrar num assunto mais delicado. Ela já imaginava o que era, consentiu com a cabeça. - Eu queria saber mais sobre seu filho. Como ele era? como a senhora o via? - Ele era meu filhinho. Foi uma criança ativa, mas educada e bem comportada. Seu pai faleceu na guerra quando ele tinha 6 anos, e acabou deixando para ele tanto o título de Barão quanto a cátedra, já que acabou sobrando como único homem chefe da família Silva vivo. Por conta disso, foi atrás de aprender com um tutor na Marca Oriental. Eu tive que aceitar, era o ultimo pedido do pai dele. Por isso, por quase 10 anos em que ele foi criado como irmão daquele homem, eu tive pouco contato com meu menino. E mesmo depois que voltou, ele sempre se referia a aquele bandido como irmão dele.

    - Senhora, me desculpe por perguntar sobre isso, mas eu preciso saber mais sobre meu mestre. Sei que dói muito perder alguém importante. Afinal, ele também era importante para mim. Mas sei que para a senhora foi uma perda muito pior.

    - Menina, a gente cria o filho é pro mundo. Eu sabia que um dia ia ter que deixar ele ir, mesmo que eu nunca tenha querido isso. Mas perder um filho pra vida é normal. Perder pra morte? A dor é grande demais! Não é justo que uma mãe enterre um filho. Ele tinha que viver muito depois que eu me fosse. Eu devia ter poder de protegê-lo a minha vida toda.

    Era algo muito pesado de ouvir, quanto mais deveria ser, de sentir. Maria entendia a dor de perder alguém, que era amado com tanta força por ela, mas não podia imaginar o que era para uma mãe perder um filho. Entretanto o que mais impressionava era a forma como a mãe via o filho. Maria já tinha ouvido todo tipo de história sobre seu mestre, mas nunca que ele tivesse sido dócil, tímido, frágil ou comportado. Educado era, mas quando tratava com desconhecidos e quando era necessário. Quando estava sério confrontava aqueles de quem discordava com energia. Quando não, fazia chacota com tudo e com todos, passava raiva nos adversários, humilhava opositores, fazia piadas de duplo sentido. Nunca viu ele realmente nervoso, mas ouviu falar que era uma cena atemorizante. Já ouviu histórias de que asters ou até mesmo deuses foram orientados a abandonar o campo de batalha se ele estivesse presente. Gostava de lutar, sorria sempre que estava em combate e preferia estar em desvantagem. Mas agora estava ouvindo sobre a outra face desse mito. E, por incrível que pareça, conseguia imaginar. Com ela ele já havia sido gentil, humilde, tímido e até mesmo tinha demonstrado insegurança. Cruzar esses fatos fazia dele uma pessoa de verdade. E dava uma saudade dele grande por demais.

    Para os colegas de cátedra, ele era um palhaço, mas quase sempre a certeza de uma vitória, já que era o mais poderoso deles. Para os novos catedráticos, ele fazia medo, parecia ser imprevisível e um tanto desequilibrado psicologicamente. Para os inimigos, o apelido que o deram, Flagelo dos Santos, diz muito. Eles o consideravam a arma suprema da Igreja dos Santos para eliminar os deuses, dando a entender que o próprio rei dos deuses deveria ter cuidado com ele. Mas, para essa mãe, ele era simplesmente seu menino.

    Por fim, antes de ir embora, Maria perguntou sobre a suposta colina que haveria em frente a casa. Era uma história comprida, mas resumindo, os deuses haviam descoberto sobre a família de Aidan, 12 anos atrás. Naquela época os Asters faziam incursões profundas dentro do Império, e pela vastidão do território, eles conseguiam chegar perto da capital sem muita dificuldade, antes de serem interceptados por cavaleiros de elite. Ocorreu, então, que um grupo de dezenas de Asters cercou aquela casa. Pela época e pela quantidade, certamente era o Destacamento Dourado do Carneiro. Quando eles começaram a atear fogo entorno da propriedade, de alguma maneira que ela não soube explicar, Aidan caiu do céu, controlou as chamas, as fez atear-se nos inimigos e se colocou a frente da casa. Dona Maria José, mesmo muito preocupada, conseguiu apenas olhar para o que estava acontecendo.

    Aquele que parecia ser o capitão do destacamento, provavelmente Hamal, Aster Capital Major, que estava sobre a colina que havia ali, começou a descer em disparada. Quando ele estava a meio caminho, Aidan encheu o peito e cuspiu uma rajada de fogo. Após um forte estrondo, muita fumaça e poeira, sobraram inimigos mortos nas duas laterais e atrás da casa. Porém, onde estava o grosso do destacamento e seu capitão, nem a colina sobrou. O incêndio do outro lado da estrada só foi ser controlado no dia seguinte, com a ajuda do exército imperial. Desde esse dia nenhuma incursão foi vista dentro do império novamente sem ao menos um deus no meio e a guerra passou a ser majoritariamente do outro lado da fronteira. Tempos depois, passou a ser conhecido como Flagelo dos Santos. Apenas uma coisa não mudou: a mãe continuou a ver seu filho como um menino frágil e dócil. Somente ela, no entanto.


    ¹ pés de moleque: um tipo de calçamento de estradas e ruas caracterizado por pedras irregulares encaixadas, que com o tempo tendiam a ficar pretas e lisas. Foi um método bastante utilizado durante o Brasil Império.

    ² caboclo: mestiço de indígena com branco europeu.

  • Contos Griot: Os nossos Primeiros Pais e as Nossas Primeiras Mães

    Ali, sentado numa grande pedra com o seu M’bolumbumba na mão direita, segurando como se fosse um cajado. E seu cachimbo na mão esquerda, levando-o sempre à boca, em que dava várias pitadas. Estava o preto velho em plena paz de espírito. E todos que o fitavam podiam sentir essa paz. Seu rosto negro reluzia de serenidade iluminado pelos raios solares. E seus olhos, brancos como as nuvens do céu, transmitiam uma profunda força como o próprio sol em seu esplendor. Então, todos os k’ilombolas com as suas crianças se sentavam ao redor da grande pedra onde o ancião se encontrava, para beber das águas de sabedoria que proviam de suas palavras. E como era doce e confortante a voz que saía de sua boca. Assim, as crianças corriam, e eram as primeiras a se sentarem aos seus pés. E os jovens e os adultos iam cada qual se sentando e acomodando-se por detrás das criancinhas.
    O velho griot ancião, ao ver o povo sentado ao seu redor, pegava o seu M’bolumbumba, levava à barriga e começava a tocar. E o som do seu instrumento ecoava pela floresta e na cabeça de cada pessoa que se encontrava ali presente. Todos se maravilhavam com o toque daquele instrumento e a beleza de sua música. Criando, assim, um clima de magia e nostalgia a todos que ouviam. E o velho Djeli contava uma história cantada. E todos ficavam em grande silêncio e prestavam muita atenção a cada som que emanava da sua boca. E dessa maneira contava o preto velho griot Djeli:
    — No tempo dos nossos Primeiros Pais e das nossas Primeiras Mães, toda vida na nossa amada Ama Terra estava iluminada e devidamente equilibrada e unificada. E toda humanidade era um só povo. Uma só raça. Uma só cor. Uma só nação. Um só pensamento. Um só sentimento. Uma só expressão. Uma só língua. Um só amor. E havia uma só terra que formava um único e grande continente. E nessa terra havia um único e só rei, Kee’Musoo: “Aquele que Criou o Todo e o Tudo”…
    Nesse tempo, Kee’Musoo. A grande e maravilhosa Essência que habita em todos e em tudo. O grande Criador de todo o universo e de toda a natureza, onde toda a vida caminha, vive e respira. O Maravilhoso dos maravilhosos. O mais Belo dos belos que dá cor, cheiro e embeleza toda a vida. Aquele que é Rei dos reis e o Senhor dos senhores, e o maior Amor de todos os amores. Aquele que é a Fonte. Aquele que é Raiz. Aquele Luminoso que é a matriz da luz, do cheiro, do som e de todo o sentir, da visão, da inteligência e de todo o entendimento. Essa magna Energia Vivificante que movimenta, sustenta e faz existir todas as coisas pela sua imensa sabedoria. Sempre habitava e sempre imperava nas cabeças e nos corações dos homens e das mulheres…
    Sendo Kee’Musoo o maravilhoso e Amado Esposo para as mulheres e a bondosa e Amada Esposa para os homens. E, assim, os homens e as mulheres viviam em eterna comunhão de amor com o seu Criador…
    Kee’Musoo, “Aquele que Criou o Todo e o Tudo”, era ação, e não palavras. Era harmonia, e não esforço. Era caridade, e não sacrifícios. Era a fonte da fé e de todo amor dos nossos Primeiros Pais e das nossas Primeiras Mães…
    “Aquele que Criou o Todo e o Tudo” nunca os corrigia. Pois a venda da ignorância do orgulho e de todo egoísmo humano ainda não existia nos olhos dos nossos Primeiros Pais e das nossas Primeiras Mães. Dessa forma, os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães tornavam a luz “Daquele que Criou o Todo e o Tudo” útil. Dentro, entre e fora dos seus corpos. Emanavam apenas sentimentos bons, positivos e amorosos. Fazendo-se um só com “Aquele que Criou o Todo e o Tudo”. E caminhavam como reis e rainhas em meio a todas as outras criaturas, em todas as formas, em toda existência individual, como em toda a comunidade e em toda Luz…
    Não procuravam compreender o porquê de todas as coisas: Quem eram? O que eram? De onde vieram? E todas essas perguntas que sufocam a nossa consciência. E nem pensavam em questionar ou ir contra as leis naturais e universais de toda a vida. Apenas viviam o que eram…
    A mais perfeita de todas as criações “Daquele que Criou o Todo e o Tudo”…
    Os corações dos nossos Primeiros Pais e das nossas Primeiras Mães pulsavam em ressonância com o coração da Vida Infinita, através dos rufares dos seus tambores. Nos seus rituais sagrados, os seus espíritos eram arrebatados pela canção das estrelas, que os faziam dançarem em círculo por toda a noite, ao redor de uma grande fogueira, com labaredas ardentes azuladas, amareladas e avermelhadas. Dançavam imitando os movimentos dos astros ao redor do fogo, que representava o sol. Dançavam imitando as nuvens que caminhavam ofuscando o brilho da lua e dos outros inúmeros corpos celestiais que animavam e iluminavam o escuro do céu…
    Em seus rituais sagrados celebravam a magia da vida conservando a Criança Interior, dançando em volta da Fogueira da Alegria. Fazendo a Magia do Sorriso florescer em seus corações…
    Dentro dos seus peitos as vozes de todo o universo e toda a natureza faziam a Magia da Canção acontecer. E dessa forma o povo alado do imenso céu ensinava-lhes a arte de ver o que hoje é oculto aos nossos olhos de carne…
    Através dos seus trabalhos ritualísticos e das suas manifestações culturais circulares, a Magia do Amor se manifestava nos seus corpos. Por terem a humildade de fincar os seus pés descalços no chão e olhar para as alturas e para as bordas do horizonte infinito, obtendo a dignidade de compreender que emanação “Daquele que Criou o Todo e o Tudo”, eles e elas eram…
    Para os nossos Primeiros Pais e para as nossas Primeiras Mães, o Amor era o solo fértil onde cresciam todas as suas ações. A alma da nossa amada Ama Terra, iluminada pelo nosso amado Padrasto Sol e pela nossa amada Madrasta Lua pulsava em seus corpos, sentindo a sabedoria do Sagrado e Eterno Contínuo que existe em todos e em tudo. Dessa maneira, a superficialidade das aparências que existe no mundo hoje não os iludia. Não impedindo em seus crescimentos como manifestações da mais pura e perfeita perfeição…
    Ouviam a Canção da Criação que se renova de tempos em tempos. E que pelo movimento perfeito da sua dança a tudo faz crescer e embeleza…
    Nesse tempo em que a nossa amada Ama Terra era unida, formando uma grande e elevada montanha plana, no meio de um grande e único oceano de águas reluzentes, que estava envolto e contido por imensos paredões de gelos, como se o nosso mundo fosse o olho único de um gigante ciclope universal, os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães conheciam que “Aquele que Criou o Todo e o Tudo” dançava em todas as coisas, e falava através de todo movimento que se podia ver, ouvir, cheirar, sentir e perceber. Pois os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães podiam ver, ouvir, cheirar e sentir com o coração. Pelo coração entendiam o Movimento Sagrado que impulsiona a circulação de todas as coisas…
    Conheciam Aquele que Criou o Todo e o Tudo nos seus próprios corpos e nas três manifestações primárias da vida, que pela verdade entendiam ser uma só. O ÚNICO CRIADOR, TODA A CRIAÇÃO E AS VARIADAS CRIATURAS. Que de geração em geração se manifestava em nossa natureza como: Pai “CRIADOR”, mãe “CRIAÇÃO” e filhos “CRIATURAS”. E, assim, reconheciam a maravilhosa presença e vida “Daquele que Criou o Todo e o Tudo” neles mesmos, nelas mesmas e nos seus filhos…
    Os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães compreendiam a vida em toda sua totalidade. Tinham o entendimento oculto de reconhecer que vivíamos em um corpo. Sabiam que esse corpo era a nossa primeira casa. E que essa casa deveria ser tratada como um Templo Sagrado de Pureza Sublime da Morada da Alma e Manifestação da Vida. E que éramos, entretanto, seres bipartidos e, por consequência, seres sexualizados. Assim, compreendiam o conhecimento oculto que há por detrás de nossa sexualidade, servindo como um veículo para honrar e respeitar a vida de todos os seres, através da união sexual dos corpos bipartidos. Fazendo do “Dois (2) Um (1), e do Um (1) Três (3)” na chegada dos novos seres. Aí está o segredo do Sagrado e Eterno Contínuo de Toda Criação, manifestado nas formações das criaturas…
    Isso particularmente eu chamo de O PODER DAS PIRÂMIDES.
    Pois, naquele tempo, os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães louvavam a Grande e Perfeita Criação. Provinda da união amorosa do Grande e Majestoso Universo Magnífico “Kee, O Esposo”, com a Grande e Majestosa Natureza Maravilhosa “Musoo, A Esposa”, representados nos seus corpos como o MACHO e a FÊMEA…
    Este era o momento mais sagrado para os nossos Primeiros Pais e para as nossas Primeiras Mães. Pois compreendiam perfeitamente que, pela união dessas manifestações, manifestava-se O NOVO. Assim, o ato sexual era o que havia de mais sagrado, e só podia ser vivenciado num imenso ritual de amor e dança sob a luz da lua nova. E unicamente se aprofundavam nesse prazer só para gerar uma nova existência. Nesse momento, eles e elas compreendiam o poder em que o Dois (2) se faz Um (1). Pelo nascimento de uma nova vida no mundo, provinda pela união dos seus corpos…
    Assim, pela manifestação e popularização da vida, os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães entendiam que vivíamos em um mundo de relacionamentos, contatos e sentimentos com nossos semelhantes e outras criaturas animadas e inanimadas. E éramos, entretanto, seres sociais. E que cada contato nos oferta presentes e surpresas, e cada relacionamento nos oferece inúmeras alegrias, desafios e oportunidades de seguirmos AS VIAS DO CONHECIMENTO. Dando e recebendo de bom grado. Aprendendo e depois ensinando. Sabendo respeitar o momento em que todas as coisas se encaixam. E de que tudo tem o seu tempo, lugar, coração e inteligência certa…
    Os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães compreendiam que todos nós participamos direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente das estruturas que nos governam, e de que somos seres poderosos e politizados em virtude dessa participação. Sabiam, dessa forma, que nossa vida sempre permite contribuir para a criação de estatutos, leis e estruturas que respeitem a dignidade e o espírito de todos os seres…
    A ninguém adulavam, bajulavam ou prestavam homenagens, nem davam poder aos homens e às mulheres que hoje julgamos ser grandes e poderosos. Nem ninguém classificava ou distinguia os homens e as mulheres por suas notáveis habilidades, cargos, posições hierárquicas ou acúmulos de posses. Pois todos observavam os dons e os talentos em si e no outro. Sabendo que cada existência individualizada é única. Trazendo em si mesma sua sabedoria individual, pelo seu pessoal ponto de vista do universo e da natureza, que contém um mistério envolto em um segredo oculto que só esse ser individualizado pode conceber…
    E, por isso, seus trabalhos se baseavam em aprimorar as suas faculdades inatas, como Portadores da Luz em diversas faces, em adoração e obediência ao Criador de Todas as Coisas Existentes. Sendo cada homem e cada mulher ponte para o outro homem e para a outra mulher na diversidade dos seus dotes, talentos e conhecimentos. Formando uma natural cadeia comunitária de autoajuda, suficiência e sustentabilidade solidária…
    Os sacerdotes e governantes eram como as grandes montanhas e vulcões. E o povo era como as grandes árvores, e os outros seres como as pequenas plantas e arbustos em meio a uma imensa biodiversidade florestal. Dando sua sombra, água dos páramos, adubos, alimentos e proteção, para suprir as necessidades do ciclo de toda vida da natureza, em troca e comunhão contínua…
    Todos eram honestos, bondosos, fiéis e justos sem se darem conta de que estavam sendo o que verdadeiramente deviam ser. Naturalmente amavam-se uns aos outros. Mas não se classificavam bons, ou se qualificavam generosos, ou compreendiam e valorizavam por meio de doutrinas e dogmas o significado do amor ao semelhante e ao seu próximo…
    A ninguém enganavam, usurpavam ou tiravam proveitos de nenhuma situação adversa, tiranicamente em intrigas e mentiras. Mas nenhum deles sabia o que era ser sincero e o que era ser honesto…
    Eram fiéis ao seu rei, à natureza e ao universo, ao equilíbrio, ao seu Deus: “O AMADO e A AMADA”. Quem chamavam de: “PAI-MÃE DE TODA CRIAÇÃO”, “GRANDE E PODEROSO ESPÍRITO”, ou simplesmente “AQUELE QUE CRIOU O TODO E O TUDO”. Mas desconheciam ser esse entendimento a verdadeira fé e verdade…
    Viviam todos juntos em plena liberdade, dando e recebendo em comunhão contínua. Mas não sabiam o que era gentileza, o que era generosidade e o que era liberdade…
    Assim, os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães compreendiam e entendiam essas simples, porém grandes, coisas. Respeitavam a Natureza como sua mãe, o Universo como seu pai e todas as Coisas Vivas como irmãos…
    Cuidando deles, os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães sabiam que estavam cuidando de si mesmos…
    Dando a eles, os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães compreendiam que estavam dando a si mesmos…
    Ficando em paz com eles, os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães sentiam em seus corações que estavam sempre em paz consigo mesmos…
    Aceitavam a responsabilidade pela energia que ambos manifestavam. Tanto na sua atividade como um integrante das suas comunidades sociais, quanto no Reino Sutil de se conhecerem como parte integrante do Reino Animal. E, quando os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães estavam admirando uma bela flor, pela prática da observação, eles e elas não viam apenas um acontecimento isolado. Mas raízes, folhas, galhos, caule, água, solo, minúsculos seres da terra, vento e sol, estrelas, lua e o todo do cosmos. Cada um deles se relacionando com os demais, e as pétalas aflorando dessa bela relação…
    E, olhando para Si mesmos ou para as outras pessoas, os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães podiam ver a mesma coisa. Grandes árvores e pequenos insetos. Complexos seres humanos e a simplicidade da beleza das flores. Pássaros voando no firmamento e animais rastejando no solo. Sol escaldante e lua deslumbrante. Astros luminosos, planetas errantes, estrelas cintilantes, águas correntes e um minúsculo grão de areia parado no chão. E em sua superioridade como imagem e semelhança da Fonte Criadora, os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães compreendiam e entendiam que suas próprias energias tinham parte nisso…
    Em seus pensamentos não havia a separação das coisas, e nem havia as variadas fragmentações do saber de cada coisa. Tudo e todos eram um só em toda sua biodiversidade, manifestando uma grande espiral de personificações, em um único perfeito movimento contínuo do existir…
    Não contavam as horas do dia, nem contavam os dias, nem tampouco os meses e os anos. Apenas viviam de acordo com os ciclos da Majestosa Natureza Maravilhosa, em plena comunhão com o Magnífico Universo Absoluto…
    Naquele tempo os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães não dividiam o dia como hoje fazemos. Não havia manhãs, tardes ou noites. Mas percebiam o movimento do dia como o ciclo da vida de todas as coisas existentes. Início, trajetória e fim. Luz e trevas, trevas e luz. E no movimento do dia percebiam a dança de todas as coisas existentes em evolução contínua, e em diversas situações de ganho e perda, vida e morte. E nas mudanças das estações podiam compreender a totalidade dos ciclos de suas vidas…
    Primavera, verão, outono e inverno…
    Nascimento, juventude, maturidade e velhice…
    O início e o fim, o fim e o início…
    Não possuíam a linguagem escrita. Não por ignorância ou por serem julgados como povos primitivos. Mas porque em seus pensamentos não existia o esquecimento do Saber do Sagrado e Eterno Contínuo, que manifestava na nossa amada Ama Terra o Entendimento Ancestral. Pois, de geração em geração, os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães guardavam as palavras dos antepassados dentro deles e dentro delas, desde muito tempo. E continuavam a passar para os seus descendentes, AS CRIANÇAS. As quais nossos Primeiros Pais e nossas Primeiras Mães compreendiam que seriam os herdeiros da vida e guardiães do mundo, manifestando O NOVO…
    Em suas linguagens não existiam palavras que denominassem toda e qualquer forma egocentrista. Não existia eu… seu… ou meu… só havia NOSSO. E não existia nenhuma palavra ou expressão que justificasse falsidades, infelicidades, discórdias, avarezas ou mentiras. E assim os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães valorizavam as suas palavras como o Alimento Sagrado da Alma. E através de suas palavras de puro e pleno poder transmitiam a visão e conhecimento do não tempo, das estrelas e dos astros, das coisas, dos animais, das plantas, de todo o Universo e de toda a Natureza, do SER e do Espírito a cada um…
    Assim, o Saber Ancestral do Sagrado e Eterno Contínuo nunca morria, e os pais de seus pais e as mães de suas mães sempre se faziam eternamente vivos em seus corpos por indefinidas gerações. Pois sabiam que o novo é a continuação do velho. E, assim, velho e novo não existiam. Era o fim e o começo do ciclo da roda girante do Sagrado e Eterno Contínuo…
    Hoje, com a quebra do Sagrado e Eterno Contínuo, e por desvalorizarem as histórias e banalizarem as palavras de sabedoria dos templários antepassados ancestrais, os nossos Primeiros Pais e as nossas Primeiras Mães morreram nos novos corpos. E o Saber Ancestral, que transmitia o princípio educacional das maravilhas deste mundo, pela ignorância se extinguiu. Por esses motivos, seus feitos por muito tempo até os dias de hoje nunca foram narrados. E, como consequência, o esquecimento do Sagrado e Eterno Contínuo se tornou o conhecimento dos povos. E a sede do Espírito se tornou a decadência dos novos…
    E os novos seres de hoje seguirão tentando inutilmente inventar mais cores, mais sabores, mais odores, mais luzes, mais deuses, mais líderes e gurus, mais ídolos, mais verdades, mais religiões e mais ciências. E inúmeros mais objetos e mais utensílios, sendo que caminharão e cambalearão de lugar em lugar procurando inutilmente o que é de mais sagrado para tentarem matar essa sede insaciável do espírito. Que nos torna cada vez mais ignorantes e distantes da vida, da natureza e do universo, da verdade, do saber e do “Criador de Todas as Coisas Existentes”…
    E o Saber Ancestral do Sagrado e Eterno Contínuo, que transmitia o princípio educacional das maravilhas deste mundo, se extinguiu. E dos nossos Primeiros Pais e das nossas Primeiras Mães…
    Fez-se uma breve pausa. E o ancião Djeli com os olhos mergulhados no vasto horizonte verde. Onde as inúmeras palmeiras de guarirobas bailavam ao movimento suave e dançante dos ventos marítimos. Exclamou com um tom forte e firme de voz, balançando a cabeça para um lado e para o outro:
    — Não nos restaram mais lembranças!
    (Trecho do livro: O FILHO DAQUELA QUE MAIS BRILHA — A incrível saga do Quilombo dos Palmares no Novo Mundo, Jp Santsil, CHIADO BOOKS, 2019)
  • Contos Griots: A Criação Yoruba

    No princípio existia um lugar… em que nada do que existe hoje havia e existia.
    Esse lugar é o primeiro mundo, que se chama Orún.
    No Orún, o primeiro reino, só existiam os seres de luz e a Grande Fonte Luminosa. Que é o Ser Supremo, que criou o todo e o tudo e deu existência a todas as coisas que hoje existem.
    Esses seres luminosos eram um só em comunhão ao Grande Espírito Supremo. E só uma coisa diferenciava uns dos outros, apenas os brilhos dos seus corpos e a cor da luz que eles emanavam.
    Esses seres eram completos e perfeitos em união e reverência à Grande Fonte Luminosa. E manifestavam no Orún um grande baile luminoso, que formava um redemoinho em espiral repleto de todas as cores que se possa imaginar.
    Assim, o Orún resplandecia uma beleza de maravilhas de luzes e cores, que nem um baú repleto de pedras preciosas multicoloridas, irradiadas pelos raios solares que penetram em uma janela dentro de um quarto escuro, podia emanar.
    A Grande Fonte Luminosa, O Deus Todo-Poderoso, O Primeiro e o Último, que além dele não há outro deus. É conhecido pelos povos iorubás pelos atributos de Olódùmarè, que quer dizer “Aquele Luminoso que possui o imenso brilho que ninguém pode alcançar”. Ou Olórun, que quer dizer “Aquele Luminoso que impera no Céu”. Ou simplesmente Olófin, que quer dizer “Aquele Luminoso que é o Rei dos reis e Senhor dos senhores” e também Olodúm, que quer dizer “Aquele Luminoso que é o senhor dos destinos”.
    Os habitantes do Orún, os seres luminosos criados por Olódùmarè, eram chamados Imolè.
    Os Imolès eram uma comunidade de seres de luz regidos por um único Rei, Olódùmarè. Tendo alguns ordenadores templários que eram chamados Funfuns. Esses seres eram assexuados, pois eram à semelhança de Olódùmarè.
    Os Funfuns foram os primeiros seres luminosos criados por Olódùmarè, e os seus corpos são transparentes como os cristais, e as suas luzes são de cor branca, como as luzes das estrelas.
    Olódùmarè, “Aquele que é não criado”, antes de criar o Orún, era inconcebível e inimaginável.
    Era o tudo e era o nada, e não era o tudo e não era o nada. Pois nem o tudo, nem o nada ainda não veio à existência.
    Olódùmarè, o solitário não criado, de repente, movimentou-se em si mesmo e começou a inflar-se, gerando em si mesmo a EXISTÊNCIA. E a EXISTÊNCIA era a LUZ.
    Olódùmarè inflamava e se expandia cada vez mais, e mais, e mais, e mais. A partir desse momento, Olódùmarè existiu dentro de si mesmo, e o nada se tornou o todo dentro dele mesmo.
    A EXISTÊNCIA era o primeiro PENSAMENTO de Olódùmarè, o sonho da Criação.
    Olódùmarè prendeu o PENSAMENTO por uma eternidade de oito ciclos, e ao longo dos ciclos Olódùmarè se expandia cada vez mais. No final do nono ciclo e no início do décimo ciclo eternário, Olódùmarè não conseguiu mais se conter. E saiu de dentro de si o èmí, um sopro entoado pela primeira vez, que deu origem ao òfurufú, a PALAVRA. E a PALAVRA era a VIDA. E Olódùmarè disse bem alto, pronunciando:
    EU SOU!
    Olódùmarè explodiu ao pronunciar “o sopro entoado”, o èmí. Expelindo para fora de si a PALAVRA, o òfurufú.
    E a PALAVRA se fez EXISTÊNCIA, e Olódùmarè, olhando a EXISTÊNCIA, se viu pela primeira vez. Pois a EXISTÊNCIA ainda não tinha forma definida, porque a EXISTÊNCIA estava dentro de Olódùmarè. E era Olódùmarè.
    A PALAVRA estava com Olódùmarè no princípio, e, Olódùmarè era a PALAVRA. Por meio da PALAVRA, Olódùmarè gerou todas as coisas criadas e nada do que veio à EXISTÊNCIA veio a ser sem a PALAVRA, que era Olódùmarè.
    A PALAVRA veio a ser a FONTE DA LUZ. E dessa PALAVRA todas as criaturas, coisas e formas se iluminaram. E a LUZ brilhou pela primeira vez nas trevas, essa LUZ veio a ser a VIDA, e a VIDA compreendeu o Todo e o Tudo, e Olódùmarè veio a ser, expelindo-se para fora de si mesmo.
    A EXISTÊNCIA agora estava fora de Olódùmarè. Mas Olódùmarè estava agora dentro e fora da EXISTÊNCIA que se tornou LUZ.
    E a LUZ era a VIDA. A VIDA ganhara corpo e forma. E quando a VIDA observou Olódùmarè, o seu criador, a VIDA ganhara também CONSCIÊNCIA. E dessa CONSCIÊNCIA surgiu o SENTIMENTO. E esse SENTIMENTO foi o AMOR, em forma de um singelo sorriso.
    E Olódùmarè amou a VIDA. E desse AMOR a FELICIDADE raiou iluminando a CRIAÇÃO. E dessa LUZ surgiu a HARMONIA. E a HARMONIA manifestou a PERFEIÇÃO. Então, Olódùmarè disse:
    — VOCÊ É MEU PRIMEIRO FILHO. ATRAVÉS DE VOCÊ EU VIM A EXISTIR E FIQUEI CONHECIDO. EU ESTOU EM VOCÊ E VOCÊ ESTÁ EM MIM. SOMOS UM SÓ, POIS SEM VOCÊ EU NÃO EXISTO, E SEM MIM VOCÊ NÃO PODERIA EXISTIR. EU TE VEJO PORQUE VOCÊ ME VÊ. EU TE SINTO PORQUE VOCÊ ME SENTE. MEU PRIMOGÊNITO, MEU ESPÍRITO ESTÁ LIGADO AO SEU, E O SEU AO MEU, POR TODA VIDA E QUALQUER ETERNIDADE.
    Olódùmarè, depois de dizer essas palavras, o chamou de Obàtálá, que quer dizer “Rei Supremo de luz branca acima de tudo e de todos”.
    Obàtálá, rei supremo e filho único de Olódùmarè, foi coberto de um véu de luz majestosamente branco. Olódùmarè, vendo o seu filho amado que flutuava solitário no espaço como a Grande Estrela de todas as tardes e manhãs, aquela que mais brilha, disse:
    — VAMOS, MEU FILHO, E CONSTRUAMOS UMA CASA PARA QUE JUNTOS POSSAMOS HABITAR.
    E Olódùmarè, junto a Obàtálá, edificou o Orún. Depois da edificação do Orún, Olódùmarè percebeu que Obàtálá necessitava de um ser semelhante a ele, para coagir e interagir. Pois Olódùmarè não tinha forma definida, podendo ser qualquer coisa, e ele se manifestava a Obàtálá de diversas formas e maneiras. Sendo que Obàtálá não tinha nenhuma referência dele próprio, porque não havia ainda na criação um ser semelhante a ele. Então, Olódùmarè disse:
    — VAMOS, MEU FILHO, SOPRAREI SOBRE VOCÊ O ÈMÍ, O MEU HÁLITO.
    Olódùmarè, ao soprar o èmí sobre Obàtálá, fê-lo girar como um redemoinho. E, ao girar, parte de si desprendeu-se dando origem a outro corpo. Porém, esse corpo estava estático e sólido como uma rocha porosa. Vendo-o, Olódùmarè disse:
    — AGORA SOPRAREI SOBRE ESSA FORMA O MEU ESPÍRITO, O ÒFURUFÚ, MEU AR DIVINO. PORQUE MEU ESPÍRITO É A PALAVRA DA VIDA, E DOU LUZ A TUDO QUE QUERO.
    Olódùmarè soprou o seu òfurufú sobre a forma sólida e acinzentada, e ela ganhou Luz e Vida. E da mesma forma que fez com seu filho único Obàtálá, o encobriu com um manto de luz de cor branca.
    E Olódùmarè o chamou de Èsú’Yangí, que significa “A esfera porosa que ganhou movimento”.
    Èsú’Yangí foi a primeira forma viva individualizada do universo. Pois Èsú’Yangí fora retirado diretamente de Obàtálá, sendo por natureza inferior a Obàtálá, o primogênito de Olódùmarè. E Olódùmarè, disse:
    — ÈSÚ’YANGÍ, VOCÊ SURGIU DE OBÀTÁLÁ E AGORA VOCÊS SÃO IRMÃOS. VOCÊ DEVERÁ HONRAR SEU IRMÃO MAIS VELHO E RESPEITÁ-LO COMO SUPERIOR A VOCÊ. POIS SEM ELE VOCÊ NÃO PODERIA VIR A EXISTIR. PORÉM, EU TE FIZ À SUA IMAGEM E SEMELHANÇA, E TAMBÉM TE ENCOBRI COM O MESMO VÉU DE LUZ QUE O ENCOBRI, PARA QUE VOCÊS SEJAM UM SÓ PERANTE MIM. MAS SEU IRMÃO É O MAIOR, POR SER ELE À MINHA IMAGEM E TER PROVINDO DE DENTRO DE MIM, PORQUE EU O GEREI E ME MANIFESTEI ATRAVÉS DELE. PORTANTO, HONRA E AMA A ELE COMO VOCÊ DEVE HONRAR E AMAR A MIM. ESTE É O ÚNICO MANDAMENTO QUE LHE DOU.
    E Olódùmarè disse a Obàtálá:
    — MEU PRIMOGÊNITO, VOCÊ SABE QUE O MEU ESPÍRITO ESTÁ EM TI, E ATRAVÉS DE TI TODAS AS COISAS VIVAS SERÃO CRIADAS. E ENCHEREI TODO UNIVERSO DE VIDA ATRAVÉS DE TI. CUIDA ASSIM DO TEU IRMÃO, POIS ELE É FRUTO DE TI, AMA-O COMO VOCÊ ME AMA E EU TE AMO, AMA-O COMO VOCÊ DEVE AMAR A SI MESMO PELA MINHA VIDA EM TI. ESTE É O ÚNICO MANDAMENTO QUE TE DOU. POIS A COROA DA VIDA É SUA, SENDO TU MESMO REI SOBRE TODA A VIDA.
    Depois de dizer essas palavras e dar os seus primeiros mandamentos aos dois. Olódùmarè se retirou do meio deles e os observava, pois ele mesmo já sabia o que havia de acontecer com a criação.
    Obàtálá e Èsú’Yangí eram puros como as criancinhas, pois ainda não havia maldades na criação.
    Juntos caminhavam, dançavam e brincavam no Orún, e Olódùmarè sempre os vigiava. Até que pela primeira vez surgiu uma desavença entre os dois, pois Obàtálá queria dançar, e Èsú’Yangí queria brincar.
    Olódùmarè, vendo essa desavença, foi até eles para interrogá-los, e disse:
    — MEUS AMADOS FILHOS, QUAL O PORQUÊ DESSA DESAVENÇA ENTRE VOCÊS DOIS? VOCÊS DEVERIAM ESTAR FELIZES, UM EM COMPANHIA DO OUTRO.
    Obàtálá, então, disse:
    — Tudo isso foi por causa de Èsú’Yangí, pois estávamos brincando o tempo todo, aí eu falei para ele que eu não queria mais brincar, e chamei-o para dançar e ele não quis.
    Èsú’Yangí disse em resposta a Obàtálá:
    — Já tínhamos dançado antes de brincarmos, e eu não queria mais dançar.
    Olódùmarè ouvindo-os, percebeu que nesse momento havia dois mundos. E que sempre existiria rivalidade entre eles pelas divergências de suas vontades. E isso o preocupou. Pois a sua criação não se tornará harmônica, e sem harmonia não poderia existir a perfeição. Olódùmarè pensou por um momento e disse:
    — ALGUM DE VOCÊS DOIS VAI TER QUE SE RENDER A FAZER O QUE O OUTRO QUER. QUEM SERÁ?
    Obàtálá, então, disse:
    — Eu sou o primeiro. E sendo eu o primeiro, Èsú’Yangí tem que fazer a minha vontade.
    Èsú’Yangí também disse:
    — Eu sou o seu irmão, portanto você tem obrigações comigo, pois provim de você, e por isso, você tem que me servir.
    Então, eles viraram as costas um para o outro, como sinal de não se rederem um à vontade do outro.
    Olódùmarè, vendo que a coisa só piorava, percebeu que a igualdade individualizada entre os dois criara a rivalidade. E, dessa forma, decidiu criar outro ser em aparência como a deles, mas diferente. Pois Obàtálá e Èsú’Yangí eram assexuados, mas em semelhança masculina.
    Assim, enquanto os dois se encontravam de costas, Olódùmarè pegou um pouco de luz dos seus corpos e fez surgir no meio deles um ser de beleza sublime e de forma afeminada.
    Este ser também de luz branca era tão lindo e de grande pureza, que ninguém o poderia resistir. Este ser surgiu das divergências de Obàtálá e Èsú’Yangí. E Olódùmarè o chamou de Odùduwà, que quer dizer “Aquela que jorra a harmonia do Criador”. Assim, Olódùmarè se retirou e os deixou.
    Obàtálá e Èsú’Yangí de repente ouviram por detrás de si um choro, e, virando-se os dois ao mesmo tempo, depararam-se com um ser luminoso de beleza encantada, e juntos maravilharam-se. E Obàtálá perguntou:
    — Quem é você e por que chora?
    — Meu nome é Odùduwà. Estou chorando porque vocês não querem brincar e dançar comigo. — Respondeu.
    Èsú’Yangí, disse:
    — Eu quero brincar.
    — E eu quero dançar. — Disse em seguida Obàtálá.
    E juntos brincaram e dançaram. Foi assim que Olódùmarè, o Senhor de toda Criação, apaziguou as primeiras divergências no Orún. Pois agora a criação se tornara perfeitamente harmônica.
    Olódùmarè decidiu criar outros seres de luz para popular o Orún, e assim fez, gerando a sua corte real de Imolès Funfuns, “Aqueles de Luz Branca”.
    Os principais Imolès Funfuns, eram Obàtálá, que foi o primeiro, sendo este o rei de todos os Imolès, Èsú’Yangí, representando a disputa dual que movimenta o uno, Odùduwà, a trindade da harmonia que traz a perfeição, e por consequência Eteko, Akiré, Olúorogbo, Ògiyán, Olufan, Oko, Òkè, Lòwu, Ajagemo, Olúwofín, Pópó, Eguin, Jayé, Olóbà, Obaníjìta, Alajere, Olójó, Oníkì, Onírinjà, Àrówú, Ko, entre outros Funfuns. E, os criando, Olódùmarè se retirou.
    Os Imolès Funfuns viviam em perfeita harmonia com o seu Criador no Orún. Mas sentiram algo faltando na criação, e não sabiam o que era. Algo como sentir fome, mas não existir comida. Sentir sede, mas não existir bebida.
    Então, todos, de mãos dadas, se reuniram no centro do Orún, em um grande círculo invocando a presença de Olódùmarè. Perguntando que coisas era essa que faltava? Que vazio era esse a ser preenchido?
    Olódùmarè, o sem forma que adquire todas as formas, o não criado que criou o todo e o tudo, ascendeu em uma grande chama de luz extremamente branca no meio dos seus filhos. E, quando isso aconteceu, a sua grande, potente e poderosa luz atravessou os corpos cristalinos dos Imolès Funfuns, gerando por detrás deles as maravilhas das muitas cores. Transformando o Orún em um universo mágico de um grande e circular arco-íris multicolorido. E Olódùmarè, disse:
    EU SOU!
    E ao pronunciar a sua grande e poderosa presença, todas as cores adquiriram vida, e novos Imolès multicoloridos vieram a existir no Orún. Preenchendo o vazio que faltava dentro e entre os Imolès Funfuns.
    E esses novos seres multicoloridos foram chamados Irun Imolè.
    E esse vazio que faltava no Orún era o que conhecemos hoje como os SENTIMENTOS.
    Pois cada cor manifestada despertara nos Funfuns os variados sentimentos que no princípio todos eram de ordem positiva. A partir desse momento, os SENTIMENTOS se tornaram os alimentos dos Imolès, e suas vidas agora giravam em torno deles.
    O Orún resplandecia sua luz de pureza harmônica por ciclos e ciclos eternários. Até o dia que Èsú’Yangí ficara insatisfeito com a sua posição na Criação. Pois ele queria ser como Obàtálá, e ter a coroa do primogênito de Olódùmarè, o Criador.
    E, pela primeira vez no Orún e na Criação, surgiu algo de que nenhum Imolè ainda tinha conhecimento e consciência. Algo que ninguém nunca experimentara, um sentimento terrível que surgiu em Èsú’Yangí, e foi a origem de todos os males conseguintes.
    Um sentimento de tristeza perante o que Obàtálá tinha, e Èsú’Yangí não entendia o porquê de que ele não tinha. E este sentimento gerou o desejo de ter exatamente o que Obàtálá possuía, a primazia e a coroa de rei dos Imolès.
    Este sentimento, até então, não experimentado na criação era definido como uma vontade frustrada de Èsú’Yangí querer possuir os atributos ou qualidades de Obàtálá. Sendo esse sentimento o que conhecemos hoje como a INVEJA e a COBIÇA.
    Secretamente, entretanto, Èsú’Yangí procurava uma maneira de persuadir Obàtálá para que ele pudesse cometer alguma falha em sua administração no Orún e ter sua moral rebaixada perante Olódùmarè.
    Olódùmarè, o Criador onisciente, onipresente e onipotente já sabia do rigoroso teste, em que a criação tinha que passar para o aprimoramento espiritual das suas almas criadas. E principalmente sabia da importância e do papel de Èsú’Yangí nisso.
    E Olódùmarè pensou: “Eis que já começou a provação dos seres que criei, agora não depende só da minha vontade. Como eu quis que isso nunca acontecesse com os meus filhinhos amados, mas tudo tem um propósito sem propósito, sendo que agora toda alma vai ter que ser lavada com a água do arrependimento e purificada com o fogo do sofrimento, para encontrar a verdadeira felicidade e vida em mim. Mas não deixarei meus amados sozinhos, corporificarei a minha SABEDORIA, com a qual criei todas as coisas, para que eles possam encontrar auxílio nela, e ela servirá como um guia e protetor para eles me encontrarem, quando arrependidos, humildemente me buscarem”.
    Assim, Olódùmarè convocou todos os Imolès Funfuns para uma reunião na Morada dos Justos, o Àwosùn Dàra, seu palácio que até então ficava no centro do Orún. Mas excluiu Èsú’Yangí, pois ele já não era mais digno de sua presença, pelo fato de se encontrar impuro, pela maldade que se fez crescer em seu coração, não tendo mais a dignidade de entrar no Àwosùn Dàra.
    E na presença de todos os Funfuns reunidos na Morada dos Justos, Olódùmarè disse:
    — MEUS AMADOS FILHOS, É CHEGADO O MOMENTO EM QUE TODA CRIAÇÃO PASSARÁ PELO DESERTO DA ILUSÃO, ONDE AS TREVAS TENTARÃO EM VÃO OFUSCAR A LUZ. MAS, NO FINAL A LUZ PREVALECERÁ. DURANTE ESSE MOMENTO EU RETIRAREI MINHA PRESENÇA DO MEIO DA CRIAÇÃO, PARA QUE TODA VIDA SEJA PROVADA PELA FÉ EM MIM. PORÉM, CORPORIFICAREI MINHA SABEDORIA E ELA VIVERÁ COM VOCÊS, E ME COMUNICAREI COM VOCÊS ATRAVÉS DELA. ASSIM MEUS AMADOS, NÃO PODEREI MAIS PERMANECER JUNTO A VOCÊS NO FUTURO. SENDO QUE VOCÊS NÃO MAIS PODERÃO ME VER COMO ME VEEM AGORA. POIS SOU PURO E SEM MÁCULA, SENDO EU O SANTO DOS SANTOS E O JUSTO DOS JUSTOS, DEVO PERMANECER NA MINHA MORADA QUE É A CASA DOS JUSTOS.
    Assim, Olódùmarè retirou de si o seu Espírito Santo de grande e perfeita sabedoria, e o corporificou, o chamando de Ibi Keji Olódùmarè, que significa: “O Segundo Espírito de Olódùmarè, que testificou a criação”. Porém, os Funfuns o chamaram de Orunmilá, que significa: “A palavra criadora que deu luz ao mundo”. Orunmilá ganhara um palácio no Orún e sua morada fora chamada de Ifá, que significa: “Morada da Beleza”. E Olódùmarè, ao corporificar e individualizar Orunmilá, falou:
    — ORUNMILÁ, MEU ESPÍRITO SANTO DE SABEDORIA, COM VOCÊ EU CRIEI O ORÚN E SUAS ALMAS, E OS COLOQUEI NO LUGAR PRÓPRIO. VOCÊ SERÁ COMO UM FAROL PARA AS ALMAS PERDIDAS NO MAR DA ILUSÃO. SERÁ UM EDUCADOR DE ALMAS QUANDO A IGNORÂNCIA PREVALECER SOBRE ELES. E ESTARÁ DO LADO DOS JUSTOS E SE AFASTARÁ DOS INSENSATOS. A PARTIR DE AGORA, TODA ALMA QUE DESEJE ME ENCONTRAR E ESTAR EM COMUNHÃO COMIGO, DEVERÁ SER ABENÇOADA POR TI. POIS SÓ A VOCÊ, ORUNMILÁ, É CONFIADA A CHAVE QUE ABRIRÁ TODAS AS PORTAS. E TODAS AS ALMAS QUE TE HOMENAGEAREM E TE TEREM COMO PRIMAZIA POSSUIRÃO ESSA CHAVE.
    E Olódùmarè, virando-se para os Funfuns, disse:
    — MEUS AMADOS FILHINHOS, LEMBREM-SE DAS MINHAS PALAVRAS E NUNCA AS ESQUEÇAM. FAÇAM O QUE EU DIGO E VOCÊS VIVERÃO. PROCUREM CONSEGUIR SABEDORIA E COMPREENSÃO. NÃO ESQUEÇAM, NEM SE AFASTEM DO QUE EU DIGO. NÃO ABANDONEM A SABEDORIA, E ELA PROTEGERÁ VOCÊS. AME-A, E ELA LHES DARÁ SEGURANÇA. PARA SE TER SABEDORIA, É PRECISO PRIMEIRO PAGAR O SEU PREÇO. USEM TUDO O QUE VOCÊS TÊM PARA CONSEGUIR A COMPREENSÃO. AMEM A SABEDORIA, E ELA OS TORNARÁ IMPORTANTES, ABRACE-A E VOCÊS SERÃO RESPEITADOS. A SABEDORIA SERÁ PARA VOCÊS UM ENFEITE, COMO SE FOSSE UMA LINDA COROA. ESCUTEM, MEUS FILHINHOS! ACEITEM O QUE ESTOU DIZENDO E VOCÊS TERÃO UMA VIDA LONGA. EU LHES TENHO ENSINADO O CAMINHO DA SABEDORIA E A MANEIRA CERTA DE VIVER. SE VOCÊS ANDAREM SABIAMENTE, NADA ATRAPALHARÁ OS SEUS CAMINHOS, E VOCÊS NÃO TROPEÇARÃO QUANDO CORREREM. LEMBREM-SE SEMPRE DAQUILO QUE VOCÊS APRENDERAM COMIGO. A SUA EDUCAÇÃO É A SUA VIDA, GUARDE-A BEM! NÃO VÁ AONDE VÃO OS QUE SE FARÃO MAUS. NÃO SIGAM O EXEMPLO DELES. NÃO FAÇAM O QUE ELES FAZEM. AFASTEM-SE DO MAL. DESVIEM-SE DELE E PASSEM DE LADO. ESSES QUE SE FARÃO MAUS NÃO PODERÃO DORMIR SEM TER FEITO ALGUMA COISA MÁ, ELES FICARÃO ACORDADOS ATÉ CONSEGUIREM PREJUDICAR ALGUÉM OU A SI MESMOS. PORQUE PARA ELES A MALDADE E A VIOLÊNCIA SERÃO COMO COMIDA E BEBIDA. A ESTRADA EM QUE CAMINHAM AS PESSOAS DIREITAS É COMO A LUZ DA AURORA, QUE BRILHA CADA VEZ MAIS ATÉ SER DIA CLARO. MAS A ESTRADA DAQUELES QUE SE FARÃO MAUS É ESCURA COMO A NOITE, ELES CAIRÃO E NÃO PODERÃO VER NO QUE FOI QUE TROPEÇARAM. FILHINHOS, PRESTEM ATENÇÃO NO QUE EU DIGO. ESCUTEM AS MINHAS PALAVRAS. NUNCA DEIXEM QUE ELAS SE AFASTEM DE VOCÊS. LEMBREM-SE DELAS E AMEM-NAS. ELAS DARÃO VIDA LONGA E SAÚDE A QUEM ENTENDÊ-LAS. TENHAM CUIDADO COM O QUE VOCÊS PENSAM, INDEPENDENTEMENTE DAS CIRCUNSTÂNCIAS EM QUE VOCÊS SE ENCONTRAREM, POIS AS SUAS VIDAS SÃO DIRIGIDAS PELOS SEUS PENSAMENTOS. NUNCA FALEM O QUE NÃO FOR VERDADE, NEM DIGAM PALAVRAS QUE NÃO FOREM BOAS. OLHEM FIRME PARA FRENTE, COM TODA CONFIANÇA, NÃO ABAIXEM A CABEÇA, ENVERGONHADOS. PENSEM BEM NO QUE VOCÊS VÃO FAZER, E TODOS OS SEUS PLANOS DARÃO CERTOS. EVITEM A MALDADE QUE INSISTIRÁ EM REINAR NA CRIAÇÃO, ESSA ILUSÃO QUE LOGO SE FARÁ MANIFESTA NO REINO, E CAMINHEM SEMPRE EM FRENTE, NÃO SE DESVIEM NEM UM SÓ PASSO DO CAMINHO CERTO. E EM TUDO O QUE VOCÊS FIZEREM, PEÇAM CONSELHOS AO MEU ESPÍRITO SANTO DE SABEDORIA QUE AGORA SE ESTABELECEU NO MEIO DE VOCÊS.
    Enquanto acontecia o concílio promovido por Olódùmarè, reunido com os Imolès Funfuns no Àwosùn Dàra. Èsú’Yangí, percebendo sua exclusão, nem se importou e começou a colocar o seu plano malévolo em prática.
    Também era a oportunidade certa, porque todos os Funfuns não estavam presentes nas periferias do Orún.
    Èsú’Yangí percebeu que a hegemonia de Obàtálá perante todos os Imolès era porque no Orún havia um só pensamento, um só sentimento e uma só expressão.
    Então, Èsú’Yangí teve uma ideia e saiu para colocá-la em prática.
    Èsú’Yangí viu dois Imolès um ao lado do outro conversando, e disse a si mesmo: “Se eu tão somente fizer esses dois discordarem um do outro, eu quebrarei a unidade de pensamento, expressão e sentimento no Orún”.
    Rapidamente, Èsú’Yangí se disfarçou e vestiu um manto de duas cores. De um lado o manto era branco e de outro lado o manto era preto. Assim, quem olhasse Èsú’Yangí de um lado pensaria que ele estava vestindo um manto branco, e quem olhasse Èsú’Yangí do outro lado pensaria que ele estava vestindo um manto preto.
    Èsú’Yangí, vestido com o seu manto de duas cores, preto e branco, apressou-se e passou no meio dos dois Imolès, que se encontravam sentados um ao lado do outro sem nem ao menos os cumprimentar, e desapareceu. Os dois Imolès, vendo o acontecido ficaram pasmados, e um disse ao outro:
    — Que estranho aquele Imolè de manto preto que passou assim por nós sem nem nos cumprimentar. — Ele disse isso, porque sempre os Imolès saudavam uns aos outros em reverência e afeto ao se encontrarem, e continuou:
    — Quem será ele, pois nunca o vi aqui no Orún.
    — Manto preto?! — Exclamou o outro Imolè, e continuou:
    — Eu não vi nenhum Imolè de manto preto, o manto era branco.
    — O Manto era preto, irmão. — Disse o primeiro.
    — Não! O manto era branco. — Disse o segundo.
    E dessa forma eles ficaram discutindo o tempo todo. Um dizendo que o manto era preto e outro dizendo que o manto era branco. Èsú’Yangí, às espreitas, via tudo isso e se divertia muito, pois conseguira o seu objetivo com sucesso.
    Os Imolès que discutiam sobre a cor do manto acabaram brigando e foram para suas moradas, e começaram a espalhar toda aquela discórdia e confusão.
    Dessa maneira, influenciaram os outros Imolès em ideologias adversas, até que o Orún se dividiu em dois lados.
    Do lado direito estavam aqueles que defendiam a ideologia do manto preto, e do lado esquerdo estavam aqueles que defendiam a ideologia do manto branco.
    Eles construíram assim uma grande cerca, e pela primeira vez no reino da criação houve uma fronteira. Havendo uma fronteira, houve a fragmentação dos pensamentos, sentimentos e expressões. E a esfera da dualidade que movimenta todas as coisas veio à existência por obra mentirosa de Èsú’Yangí.
    Quando os Imolès Funfuns se retiraram da presença de Olódùmarè no Àwosùn Dàra, perceberam algo de errado no Orún. E viram o Àwosùn Dàra subir ao mais Alto dos altos e desaparecer. Uma energia de luz acinzentada e pesada pairava sobre o primeiro reino.
    E, observando mais, viram os Imolès separados por uma grande cerca, onde de um lado vestiam mantos pretos, e do outro lado vestiam mantos brancos. E ambos os mantos ofuscavam as suas multicoloridas luzes corporais.
    Os Funfuns, nada entendendo, foram perguntar a Orunmilá o que se sucedeu no Orún enquanto estavam ausentes. E Orunmilá disse:
    — É chegada a hora em que os seres se afastaram da verdade única e absoluta, do todo em comunhão e unidade com o seu Criador. Os seres agora repeliram de si o vivificante e inspirador Espírito Santo de sabedoria do Grande e Poderoso Criador. É por isso, meus irmãos, que me faço presente no meio de vocês corporificado. Para que também vocês não possam repelir a verdade absoluta e serem dominados pelo mal que agora insiste em existir. Falo que insiste em existir, pois o mal é uma mentira, e como toda mentira, o mal não é verdade. É por si só falsidade e ilusão, não existindo, mas fingindo existir. Porque tudo que verdadeiramente existe é somente o Criador e a sua Criação, sendo o Criador a mais pura e perfeita perfeição e verdade, tudo o que foi feito por ELE/ELA é perfeita perfeição e verdade pura e absoluta também. Assim sendo, o mal não foi criado pelo Criador. Portanto, o mal com seus frutos de sofrimentos não possui vida e luz em si próprio. Sendo mentiras que encobrem a verdadeira perfeição do Criador. Agora a dualidade se faz presente na Criação, e com ela veio o conflito, onde o ilimitado se limitará num todo fragmentado. Então, o que é belo que sempre existiu será conhecido pelo feio que pela mentira se fez existir. O bom que sempre existiu será conhecido pelo mal que pela mentira se fez existir. E a verdade que sempre existiu será conhecida pela mentira que se fez existir. Os seres se perderão nos conflitos dos seus pensamentos fragmentados, entrando no labirinto sem saída da dualidade. E assim fugirão do difícil e procurarão o fácil. Amarão o grande e desprezarão o pequeno. Valorizarão o alto e rejeitarão o baixo. Distinguirão o som do silêncio. O passado e o futuro. E em seus pensamentos dualísticos fragmentarão e nomearão todas as coisas. E a isso chamarão de inteligência, esquecendo-se da Grande e Perfeita Sabedoria do Criador, que nos ensina sem palavras. Que tudo cria e faz, nada tomando para si. Realizando todo o trabalho sem colocar seu nome neles. Terminando sua Grande Obra, mas sempre se mantendo no princípio de todas as coisas. Dando o livre-arbítrio a todos os seres. E só interferindo nos seus destinos unicamente por compaixão. Porque se assim não fosse, pelo mal que insiste em existir, nenhuma vida ainda subsistiria.
    Os Imolès Funfuns vendo uma nuvem acinzentada que encobria o Orún, que era tão belo e colorido pelas resplandecentes emanações das luzes dos corpos dos Irun Imolès, se entristeceram e choraram de tristeza pela primeira vez.
    Em vão eles tentaram reconciliar os Irun Imolès. Mas eles não queriam reconciliação. Pois cada um defendia a sua parte e filosofia, e queriam que um aderisse à verdade do outro, e só assim haveria paz.
    E os Funfuns sabiam que ambas as ideologias que eles sustentavam nada tinham de verdade. Porque a verdade une, e nunca separa.
    Passaram-se então outros ciclos eternários e o Orún se afundava mais e mais em trevas.
    Èsú’Yangí fora banido do Orún, e perdera a dignidade e a honra de vestir um manto branco, e dessa forma não era mais um dos Imolès Funfuns. Agora, Èsú’Yangí habitava nos arredores do Orún, guardando as suas fronteiras e vivendo absolutamente solitário. Pois tornara-se feio e medonho, porque a cólera e a raiva o dominaram.
    Sem a presença de Olódùmarè no Orún, também os Imolès Funfuns se dissiparam e foram viver cada um por sua própria conta. Mas sempre se reuniam de tempos em tempos na morada de Ifá, tomando conselhos e louvando o Grande Criador de todas as coisas existentes.
    Depois de alguns ciclos eternários, desde a decadência do Orún e da corrupção que imperava na criação, Olódùmarè, com toda a sua glória, sabedoria e compaixão, percebendo que o mundo que criara ficara feio e sem luz, triste e cinzento, e que o ódio dominara os seus seres de luz, resolveu, a partir dali, criar um novo reino.
    Então, Olódùmarè apareceu a Obàtálá, e disse:
    — MEU FILHO OBÀTÁLÁ, ESTOU MUITO TRISTE COM O ORÚN E COM O QUE ELE SE TORNOU. APESAR DE JÁ SABER O QUE VIRIA A ACONTECER, OS DETALHES E MODOS PERVERSOS DOS MEUS SERES ME IMPRESSIONARAM. POIS O MAL CRESCE E EVOLUI TAMBÉM, E O ABISMO SE TORNA CADA VEZ MAIS PROFUNDO E TENEBROSO. ABRIREI UMA PORTA PARA VOCÊ ENTRAR NO ÀWOSÙN DÀRA, A MORADA DOS JUSTOS. SE PURIFIQUE E VÁ AO CENTRO DO ORÚN, ONDE ANTES EU HABITAVA.
    Obàtálá sem demora partiu de sua habitação para o centro do Orún, como Olódùmarè pediu. Chegando lá, viu uma coluna de luz estendida ao mais Alto dos altos, e falou para os seus seguidores esperarem por ele ao redor da coluna de luz.
    Obàtálá adentrou na coluna luminosa e elevou-se até o Àwosùn Dàra. Estando lá, Olódùmarè ascendeu em chamas na sua frente, e falou:
    — MEU PRIMEIRO! FICO MUITO FELIZ POR TER ATENDIDO O MEU PEDIDO. EIS QUE AQUI ESTOU, E UMA GRANDE MISSÃO TE DAREI. QUERO QUE VOCÊ, MEU FILHO, REALIZE ESSE IMPORTANTE TRABALHO. OBSERVEI VOCÊ DURANTE TODO ESSE TEMPO PELO QUAL O ORÚN DECAIU, E VI QUE VOCÊ NÃO ABANDONOU AS MINHAS LEIS E OS MEUS MANDAMENTOS SAGRADOS. PORÉM, UMA ACUSAÇÃO TENHO CONTRA VOCÊ, MEU FILHO. VOCÊ SE JULGA SER MAIS DO QUE VOCÊ É, E MENOS DO QUE PODERIA SER. SE APOIANDO NA SUA PRÓPRIA SAPIÊNCIA, E DESMERECENDO A SABEDORIA DE QUEM TEM ALGO A LHE ACRESCENTAR. CUIDADO! POIS O CAJADO EM QUE VOCÊ SE SUSTENTA É O MESMO QUE LHE FARÁ TROPEÇAR.
    Olódùmarè disse isso advertindo Obàtálá do seu amor próprio. Mas Obàtálá pensara que Olódùmarè falara do seu òpá-sóró, que ele sempre trazia nas mãos. E Olódùmarè continuou a dar-lhe instruções:
    — AQUI ESTÁ UM SACO COM O ELEMENTO PRIMORDIAL DA EXISTÊNCIA, O ÀPÒ-IWÀ, PEGUE-O E VÁ À MORADA DE IFÁ E PEÇA CONSELHOS A ORUNMILÁ. IFÁ LHE DIRÁ O QUE VOCÊ DEVE FAZER PARA CRIAR O MEU NOVO REINO, QUE SERÁ CHAMADO DE ÀIYÉ. É ESSA A MISSÃO QUE TE DOU.
    Obàtálá pegou o saco primordial da existência, o àpò-iwà, e retirou-se da presença de Olódùmarè, descendo da coluna de luz no Àwosùn Dàra até o centro do Orún. Lá, se ajuntou aos seus seguidores e sem demora foi para a morada de Ifá, para pedir conselhos a Orunmilá, o Grande Oluwò, O Senhor da Sabedoria e do Destino.
    Ainda no centro do Orún, Obàtálá deu uma volta ao redor de si mesmo, a fim de observar toda a circunferência do primeiro reino. E um sentimento estranho que ainda nenhum ser criado sentira apossou-se dele.
    Obàtálá começou a sentir uma grande satisfação pela sua capacidade de realização, e um sentimento elevado de dignidade pessoal, que logo se transformou em um senso de superioridade sobre os demais seres do Orún, levando-o a pensamentos de ostensivas arrogâncias, de modo que ele mesmo se colocou no centro do universo e da criação, em pretensões de superioridade aos demais. Por se achar digno de ser o único Imolè incumbido para criar o novo reino, o Àiyé…
    Esse sentimento é o que nós conhecemos como: o ORGULHO, a SOBERBA, a VAIDADE, a OSTENTAÇÃO de si mesmo, e tudo o que resume a manifestação do EGOÍSMO.
    Obàtálá, centrado em si mesmo, disse aos seus seguidores, os outros Imolès:
    — Como é grande a missão que o mais Alto dos altos me confiou. Isso comprova o meu grande poder, a fim de mostrar a todos a minha grandeza e a minha glória. De agora em diante serei conhecido como Òrínsànlá. — que quer dizer o “O Grande entre Todos os seres do Criador”.
    E todos os seus seguidores o reverenciaram, e juntos partiram para a morada de Ifá…
    Ao chegar à morada de Ifá. Obàtálá, que agora se chamava Òrínsànlá, pensava consigo mesmo: “Por que Eu, Òrínsànlá, filho unigênito de Olódùmarè, tenho que pedir conselhos a Orunmilá?”.
    Mas logo percebera que precisava de instruções, até porque ele mesmo não sabia onde e como criaria o Àiyé. E o que deveria fazer com o saco da existência, o àpò-iwà, que continha o elemento primordial da criação.
    Então, só por conveniência e interesse próprio, Òrínsànlá fora pedir conselhos a Orunmilá.
    Nos portões da morada de Ifá, Òrínsànlá arrogantemente falou ao porteiro:
    — Vá e diga a Orunmilá que eu, Òrínsànlá, o primeiro entre todos os Imolès Funfuns e toda a criação, o unigênito de Olódùmarè, pelo qual recebi do mais Alto dos altos a incumbência de criar o novo reino, desejo-lhe falar.
    Apressadamente, o porteiro da morada de Ifá foi ao encontro de Orunmilá. E, antes que ele pudesse abrir a boca para falar, Orunmilá lhe disse:
    — Diga a este, que eu não conheço nenhum Imolè de nome Òrínsànlá.
    O porteiro foi e disse a Òrínsànlá o que lhe foi dito. E Òrínsànlá disse ao porteiro:
    — Vá e fale a Orunmilá que Obàtálá, que agora se chama Òrínsànlá, é quem aqui está.
    E, antes que o porteiro pudesse virar-se e ir, Orunmilá lá estava. E disse:
    — Entre, Obàtálá, que agora pelo seu próprio poder se chama Òrínsànlá, tenho conselhos a te dar. Para que sejas vitorioso na empreitada que Olódùmarè te confiou.
    Òrínsànlá e os seus seguidores entraram na morada de Ifá. E Orunmilá lhe falou:
    — Vejo um grande cajado que estava em pé diante do mais Alto dos altos cair. Mas que, ao cair, pequenos brotos surgiram de sua cana, e tornou-se um grande arbusto. E muitos animais rastejantes, como também insetos e pequenas aves dos céus fizeram morada nele. E uma fonte de águas borbulhantes ali brotou, e dela jorrou um grande rio. E no lugar onde esse arbusto floresceu surgiu uma grande floresta. E um jardim foi posto ali, donde proveio toda a vida animada e inanimada, inteligente e de instinto que há de existir na face da terra.
    — Do que você está falando? — Perguntou Òrínsànlá.
    — De você, filho de Olódùmarè. — Respondeu Orunmilá.
    — Não posso perder tempo com suas parábolas, Ó Grande Oluwò. Vamos, me fale o que eu tenho que fazer para criar o novo reino. — Disse Òrínsànlá.
    — “Owe ni Ifá Ipa òmòràn ni ímò ó”, Ifá fala sempre por parábolas e sábio é aquele que sabe entendê-las. Vamos ver o que o oráculo tem a falar. — Disse Orunmilá.
    E, jogando para o alto os seus dezesseis búzios, os Odus, quinze dos dezesseis deles caíram no chão e apenas um flutuou. O primeiro Odu de nome Ejiogbe. E falou Orunmilá:
    — Eis que você será testado e passará por uma grande dificuldade em sua jornada, pois assim Olódùmarè, o Deus Supremo, determinou. Você deverá ir até a fronteira dos mundos no Òrun Àkàsò. Para que alcance o lugar determinado por Olódùmarè, em que você criará o Àiyé. Lá você encontrará um grande pilar, o Òpó-Òrun-oún-Àiyé. É lá que você deverá realizar esse grande trabalho. Aconselho-te que leve consigo outro saco com alguns itens e elementos, para que sejas vitorioso em sua missão. Pois você sabe muito bem que o Òrun Àkàsò, o reino astral, tornou-se a prisão etérea do acusador dos nossos irmãos. Aquele disseminador de ofensas e pai de toda mentira, que fora banido do meio dos Imolès Funfuns. Você sabe muito bem de quem eu falo, o pai de toda desarmonia, Èsú’Yangí.
    E, tomando a palavra, Òrínsànlá disse:
    — Eu não temo Èsú’Yangí. E também não preciso de sua magia e dos seus itens e utensílios, Ó Grande Oluwò. Eu, Òrínsànlá, primogênito entre todos os Imolès Funfuns, filho unigênito de Olódùmarè, provarei para você que derrotarei aquele traidor, com o poder e a magia do meu òpá-sóró.
    — Mas o que eu tenho a lhe dar, Òrínsànlá, será de grande valia para que sejas bem-sucedido em sua missão. — Disse Orunmilá.
    — Você, Ó Grande Sacerdote de Ifá, já me deu o bastante para o sucesso da minha missão. A localização exata para eu realizar o trabalho. A respeito de Èsú’Yangí, cuido eu. — E Òrínsànlá, falando isso, retirou-se da morada de Ifá.
    Orunmilá, avistando Òrínsànlá partir, disse consigo mesmo: “Eis que este caminha para o seu próprio fracasso. Pois rejeitou os conselhos de quem tem algo a lhe acrescentar. O seu orgulho o cegou, e eis que caminha em direção ao precipício. A sua grande loucura o levará à cova”.
    Orunmilá, sabendo que Òrínsànlá fracassaria em sua missão por não ouvir os seus conselhos, mandou os seus seguidores chamar Odùduwà. Pois Orunmilá acreditava que se Odùduwà fosse falar com Òrínsànlá, talvez ele pudesse corrigir o seu erro e seguir os conselhos do grande oráculo de Ifá.
    Odùduwà sem demora partiu com os seguidores de Orunmilá para a morada de Ifá. Chegando lá, Orunmilá lhe disse:
    — Odùduwà, a cabaça de onde Olódùmarè jorrou a vida, você será a Grande Mãe da existência material, e os novos seres que lá viverem te chamarão de MÃE NATUREZA. Eis que Obàtálá, que por amor a si próprio agora se chama Òrínsànlá, está prestes a tropeçar pelos seus próprios pés. Pois rejeitou os conselhos de Ifá, e daquele que tem sabedoria de lhe instruir. Peço-te, pelo amor que você tem por ele, que vá e o ajude. Para que ele possa se proteger de si mesmo e, assim, possa se desviar do caminho do precipício. Mas, se ele não te ouvir, e fracassar na sua missão, então você deverá realizar a Grande Obra do mais Alto dos altos. Pegue este saco, que contém um camaleão, cinco galinhas das que têm cinco dedos em cada pé, cinco pombas brancas e uma corrente de dois mil elos. Vá e siga Òrínsànlá às espreitas. Ele te conduzirá ao local exato para realizar a Grande Obra.
    E Orunmilá, pegando os seus dezesseis Odus, os jogou para o alto, e o segundo búzio, Oyeku Meji, que é a contraparte de Ejiogbe flutuou. Orunmilá então disse:
    — O mesmo que vem contra Òrínsànlá virá contra você. Mas, ao contrário do que acontecerá com Òrínsànlá, você obterá a vitória contra o acusador dos nossos irmãos. Ele tentará você para que tropece no caminho, você necessitará de ajuda, e no momento certo ela virá. Também não se preocupe de como você deverá realizar a Grande Obra. Ouça o seu coração e vai entender, pois toda inspiração vem do ouvir o coração…
    Odùduwà, retirando-se da morada de Ifá, convocou os outros Imolès Funfuns e partiu ao encontro da comitiva de Òrínsànlá. Alcançando-os no Òna Òrun, a via que dava acesso para o Òrun Àkàsò. E Odùduwà disse a Òrínsànlá:
    — Obàtálá, que por amor a si próprio agora se chama Òrínsànlá, viemos ao seu encontro para ajudá-lo em sua missão.
    — Odùduwà, Eteko, Akiré, Olúorogbo, Ògiyán, Olufan, Oko, Òkè, Lòwu, Ajagemo, Olúwofín, Pópó, Eguin, Jayé, Olóbà, Obaníjìta, Alajere, Olójó, Oníkì, Onírinjà, Àrówú, Ko e os demais Imolès Funfuns. Fico feliz em saber que vocês estarão comigo, me assistindo na criação do novo reino. Pois a mim foi confiada a honra, o poder e toda glória de criar o novo reino. Para isso terei que combater o meu maior inimigo e o malfeitor de todos os Imolès, que com ajuda de vocês serei vencedor. — Disse Òrínsànlá aos Imolès Funfuns.
    E Odùduwà lhe disse:
    — O poder, a honra e a glória não vêm de ti, Ó Grande Imolè, ela vem do mais Alto dos altos. E você rejeitou os conselhos provindos do grande oráculo. Viemos aqui para ajudar você a combater o seu maior inimigo, que pelo que vemos não é Èsú’Yangí, e sim você mesmo. Ouça o nosso conselho e siga as instruções de Ifá.
    — Eu, o Grande e o Primeiro Imolè, Òrínsànlá, a quem o mais Alto dos altos deu a missão de realizar a sua Grande Obra, tenho que ouvir os seus insultos. Saiam diante de mim, porque tenho um grande trabalho a realizar.
    Dizendo isso à comitiva dos Imolès Funfuns, Òrínsànlá virou-se e, sem demora, seguiu seu rumo em direção ao Òrun Àkàsò.
    Odùduwà e os outros Imolès Funfuns observaram a comitiva de Òrínsànlá partir. E Odùduwà disse aos demais:
    — O oráculo me falou que Òrínsànlá não vai ter sucesso nessa empreitada. Vamos segui-los às escondidas e vejamos o que acontecerá.
    Chegando aos portões do Òrun Àkàsò. Que é a faixa etérea, sendo o reino astral entre o Orún e o Òpó-Òrun-oún-Àiyé, delimitando o primeiro reino e o caos, Òrínsànlá, com sua impetuosidade, deu ordem aos seus súditos que abrissem os portões. Mas logo sem demora Èsú’Yangí, o banido que se tornará o porteiro e guardião das fronteiras dos mundos, surgiu e falou:
    — Quem ousa abrir os portões do Òrun Àkàsò sem me pedir permissão e me trazer oferendas.
    — Desde quando Eu, o filho unigênito de Olódùmarè, o Primeiro entre os primeiros, tenho que pedir permissão a um velho Imolè banido e traidor? — Disse Òrínsànlá.
    — Obàtálá, por sua causa vim eu a morar aqui neste ermo. E ainda você tem a coragem de vir aqui me desafiar? Saiba que o Òrun Àkàsò é o meu reino, e só eu decido quem entra e quem sai. E ninguém pode aqui entrar sem me render homenagens. — Disse Èsú’Yangí.
    — Saia da minha frente, seu traidor, ou eu, Òrínsànlá, te farei desaparecer com o poder do meu òpá-sóró. — Disse Òrínsànlá severamente.
    — Pois bem. Que seja feita a sua vontade, Ó Òrínsànlá. Pois não precisarei guerrear contigo, nessa batalha eu já sou vencedor. Pois o mal que agora há em ti é a brecha que eu tanto esperava, para que eu possa habitar finalmente em tua morada. — Èsú’Yangí, dizendo isso, deu uma sinistra gargalhada e sumiu diante da vista de todos.
    E assim Obàtálá, que por amor a si mesmo se fez Òrínsànlá, abriu sem permissão os portões do Òrun Àkàsò e seguiu caminho adentro.
    E, assim, desprezou as ordens de Olódùmarè, recusando os conselhos do oráculo de Ifá e repudiando Èsú’Yangí, que agora o dominara.
    Èsú’Yangí, olhando para o alto, falou, com o intuito que Olódùmarè ouvisse:
    — Aí está, Ó Grande Olórùm, o seu filho amado pelo qual Tu tanto te orgulhas. Desprezando e rejeitando as suas leis e mandamentos. Que diferença tem este de mim, Ó Grande Olódùm. Sei que, como conheces tudo e sabe do destino de todas as coisas, sabíeis Vós que isso viria a acontecer, e que seu protegido fracassaria. Se encontrando ele agora nos meus domínios e sob as minhas regras. Diga-me, Ó Grande Oló, o que eu devo fazer com ele. Pois bem sei eu que Tu o amas. E de que nada posso fazer com este sem que Tu o permitas.
    E uma forte voz, como de uma trombeta, potente como um trovão, vindo do mais Alto dos altos, falou:
    — ACUSADOR. SEI QUEM É VOCÊ, E SEI QUEM É O SEU IRMÃO. VOCÊ PECA CONTRA MIM, PORQUE SABE MUITO BEM O QUE FAZ A TODO O MOMENTO, E POR QUE O FAZ. JÁ O SEU IRMÃO APENAS FALHA CONTRA MIM, POIS ELE NÃO SABE O QUE ESTÁ FAZENDO. POR IMATURIDADE ELE FAZ ESSAS COISAS, E POR ISSO AQUI ESTOU PARA CORRIGI-LO. MAS VOCÊ, Ó ASTUTO, FAZ TODAS AS SUAS MALDADES COM A MAIS PLENA CONSCIÊNCIA, E CÁLCULO, E MAQUINAÇÕES. ESTA É A GRANDE DIFERENÇA ENTRE TI E O TEU IRMÃO. FUI EU QUE O ENTREGUEI EM SUAS MÃOS. APENAS NÃO O DANIFIQUE, MAS FAÇA COM ELE DE ACORDO COM O SEU BEL-PRAZER, PARA QUE SE ACUMULE A SUA MALDADE E PECADO. E NO DIA DA MINHA IRA EU POSSA COBRÁ-LA DE TI. — E, depois que a Voz do mais Alto dos altos falou isso, houve um grande silêncio e calmaria.
    Èsú’Yangí, sabendo que Òrínsànlá estava sob o seu domínio, apressou-se em lhe fazer o mal. Então, Èsú’Yangí estendeu o seu cajado de três pontas, em que cada ponta continha um crânio de bode com chifres envergados. E dos crânios de bode saíram uma tenebrosa fumaça preta, que seguiu ao passo de Òrínsànlá.
    De repente, ao redor da comitiva do Grande Imolè Funfun, surgiu uma névoa tenebrosa e assustadora. Que por um instante foi inalada por Òrínsànlá.
    Ao inalar aquela fumaça preta, Òrínsànlá ficou completamente desorientado no Òrun Àkàsò, que logo se transformara num sombrio deserto de areias, pedras e grandes rochas.
    Òrínsànlá e seus seguidores caminharam arduamente por longos tempos, que pareciam eternidades. Então, pararam para descansar debaixo de uma grande palmeira, o Igí-òpe.
    Ao observar aquela grande árvore, Òrínsànlá e seus seguidores ficaram abismados. Pois nunca vira algo assim parecido no Orún.
    Curioso, Òrínsànlá pegou o seu òpá-sóró e cravou a sua base dentro da grande palmeira. Então, uma seiva jorrou de dentro do seu tronco, o emun. E, vendo aquele sumo, o emun, ser derramado, um encanto saiu do Igí-òpe e dominou Òrínsànlá.
    De repente uma sensação desconfortante de insatisfação, iniciada por estímulos originados dentro de Òrínsànlá, o dominou. Uma sensação horrível que jamais nenhum outro Imolè sentira antes.
    Òrínsànlá desejava fortemente pôr algo dentro dele. Algo que faltava e que ele não sabia o que era. Algo que o deixava irritado e desesperado por não o ter. Essa sensação é o que conhecemos como SEDE. Òrínsànlá estava sedento.
    Òrínsànlá, ao ver o emun derramando pelo tronco do Igí-òpe, sentiu-se fortemente atraído, necessitado e desejoso do líquido. Naquele momento e naquela situação era o que ele mais queria.
    Então, ele jogou todas as coisas que carregava para fora de si. Como o seu manto, o seu cajado e também o saco da criação, que continha o àpò-iwà. E, correndo desesperadamente, debruçou-se embaixo da grande palmeira e começou a beber freneticamente todo o suco que escorrera dela.
    Porém, o que Òrínsànlá não sabia é que o emun é um sumo fermentado contido no tronco do Igí-òpe, com um alto teor alcoólico.
    Saciando sua sede, Òrínsànlá apresentou um comportamento inquieto, estava excitado e falante como um macaco. Mas ainda consciente dos seus atos e palavras, falando aos seus seguidores eloquentemente, atingindo níveis elevados de persuasão, como jamais eles o ouviram antes.
    Mas, passado um determinado tempo, Òrínsànlá tornava-se mais confuso, e como um leão ficara nocivo e voluntarioso, agindo irrefletida e violentamente. Fazendo com que os seus seguidores tomassem certa distância.
    E logo mais lá estava Òrínsànlá como um porco, completamente atirado ao chão, molhado pelo emun, que fizera uma poça no solo.
    Òrínsànlá estava em estado de sono profundo, caído ali debaixo do Igí-òpe, descuidado. Jamais nenhum Imolè sentira isso, que é o que conhecemos como a EMBRIAGUEZ.
    Os outros Imolès, seus seguidores, vendo aquele estado de Òrínsànlá. Ficaram assustados e perplexos diante de tais acontecimentos e transformações. Nunca viram aquilo antes e nada entendiam.
    Então, temerosamente se aproximaram com muito cuidado do corpo do seu mestre estendido ao chão. E começaram a observá-lo por longos tempos, e viam que nada acontecia. Pois os Imolès não têm a necessidade do sono, nem um período de repouso para o corpo e a mente, como nós seres humanos. Sendo este estado experimentado pela primeira vez por Òrínsànlá.
    Enquanto os seguidores de Òrínsànlá o observavam. Formou-se no meio deles um pequeno redemoinho de fumaça acinzentada, que evoluiu e logo se transformou em um corpo enegrecido, dando forma a Èsú’Yangí. Este rapidamente pegou o saco da existência, que continha o àpò-iwà, e da mesma forma que surgiu desapareceu.
    Èsú’Yangí mais uma vez elevou sua voz ao mais Alto dos altos, atestando:
    — Ó Grande e Poderoso Oló, aqui está o àpò-iwà, comprovando a falha do teu amado filho na missão que tu o deste.
    E uma grande voz veio do mais Alto dos altos, dizendo:
    — DEPOSITA O CONTEÚDO DO SACO EM UMA DE SUAS CABAÇAS QUE TRAZ NA CINTURA. SELA-O, E ENTREGUE A CABAÇA A QUEM PRIMEIRO TE PEDIR PERMISSÃO PARA ENTRAR.
    E assim Èsú’Yangí o fez, se posicionando nos portões das fronteiras dos mundos.
    Ainda na via Òna Òrun que dava acesso ao Òrun Àkàsò, Odùduwà e os outros Imolès Funfuns aguardavam um sinal do fracasso de Òrínsànlá em sua missão. Quando, de repente, eles avistaram ao longe um ser de aparência franzina e de pele enrugada, cabelos cinza e andar descompassado. Este ser de aparência estranha, estava caminhando como se viesse do Òrun Àkàsò. E, aproximando-se da comitiva dos Imolès Funfuns, este ser de aparência estranha os cumprimentou, e disse:
    — Saudações, grandes Imolès, eu sou Olónan, o senhor dos caminhos. Não se assustem com a minha forma decadente. Venho aqui a mando de Olódùmarè, para lhes dizer que Òrínsànlá falhou em sua missão. Prossigam até o Òrun Àkàsò e levem os presentes ao porteiro, e sereis bem-sucedidos.
    Falando isso, o velho prosseguiu caminhando e desapareceu. Entretanto, o que os Imolès Funfuns não sabiam é que aquele ser estranho era Èsú’Yangí empossado.
    Chegando aos portões das fronteiras dos mundos, o Òrun Àkàsò, Odùduwà, que carregava o saco das oferendas, que contém um camaleão, cinco galinhas das que têm cinco dedos em cada pé, cinco pombas brancas e uma corrente de dois mil elos, apressou-se na frente dos outros Imolès Funfuns, e disse em alta voz:
    — Porteiro! Peço permissão para passar. Eu e meus irmãos Funfuns.
    — Ninguém pode entrar no meu reino sem primeiro me render oferendas. — Disse o Porteiro.
    — Aqui estão as suas oferendas. — Falando isso, Odùduwà deixou o saco com as oferendas que Orunmilá lhe deu aos pés do portão, e se afastou.
    O Porteiro se aproximou, pegou o saco com as oferendas e, abrindo-o, viu os presentes que lhe foram ofertados. E disse:
    — Odùduwà, se aproxime. — Odùduwà foi até o Porteiro, e este lhe disse. — Dá-me o teu braço. — Odùduwà estendeu o seu braço e o Porteiro retirou do saco a corrente de dois mil elos. E, retirando um dos elos, colocou em seu pulso, e disse. — Faço isso como um sinal eterno, comprovando que você obteve a graça de realizar a Grande Obra. — Depois o Porteiro lhe deu o restante da corrente, e ainda uma galinha das que têm cinco dedos em cada pé, um pombo e o camaleão, e lhe disse:
    — Tome isso, pois eu costumo agradar àqueles que me agradam e menosprezo aqueles que me menosprezam. Aqui, também, está a cabaça contendo o àpò-iwà. Todos esses utensílios que lhe dei serão importantes para a boa conclusão do seu trabalho. Entre e prossiga na sua jornada.
    Os portões do Òrun Àkàsò se abriram, e Odùduwà, junto aos demais Imolès Funfuns, entraram e prosseguiram em direção ao grande pilar, que ficava nas bordas das fronteiras dos mundos, o Òpó-Òrun-oún-Àiyé.
    Entretanto, como estava previsto pelo oráculo de Ifá, Èsú’Yangí não deixaria Odùduwà passar livremente pela sua morada sem lhe fazer passar por dificuldades e provações.
    Quando a comitiva dos Imolès Funfuns prosseguia pelo grande caminho reto, este se bifurcou logo mais à frente. Sendo que um dos caminhos estava iluminado por uma cor vermelha, e o outro estava iluminado por uma cor azul. E na encruzilhada dos dois caminhos estava ali bem no meio um ser de forma feminina vestida com uma grande túnica púrpura de um vermelho escarlate. E, quando a comitiva dos Funfuns se aproximou, Odùduwà, então, disse:
    — Quem é você?
    — Não está me reconhecendo. Nos encontramos na via Òna Òrun. Sou eu, Olónan, o senhor dos caminhos quem vos fala.
    — Mas você está diferente, como pode isso ser assim. — Disse Odùduwà.
    — Posso ser o que quero, e ter a forma de qualquer coisa que penso ou desejo. — Disse Olónan.
    — Você, que é o senhor dos caminhos, pode me ajudar a escolher o caminho certo para chegar no Òpó-Òrun-oún-Àiyé? — Falou Odùduwà.
    — Um caminho é o caminho da verdade, e lá se encontra o Òpó-Òrun-oún-Àiyé, que pode ser o vermelho ou o azul. E o outro caminho é o caminho da mentira. E lá nada se encontra. E esse caminho também pode ser o azul ou o vermelho. Sendo que eu provim de um dos dois caminhos. O enigma é: se eu vim do caminho da verdade, eu te falarei apenas a verdade, e lhe direi qual o caminho certo a tomar. Mas, se eu vim do caminho da mentira, eu te falarei apenas a mentira, sendo que te conduzirei ao caminho errado, onde as trevas os aguardam. Você só pode me fazer apenas uma pergunta. Caso você acerte, saberá qual o caminho certo a tomar para chegar ao Òpó-Òrun-oún-Àiyé. Se errar, você e seus irmãos ficarão presos para sempre nas trevas, e atormentados pela escuridão. — Disse assim Olónan.
    Diante daquele enigma, Odùduwà e os demais Imolès Funfuns sabiam que Olónan verdadeiramente era Èsú’Yangí disfarçado.
    Então, eles se reuniram para debater o assunto, e logo chegaram a uma conclusão. Sendo que Oko, um dos Funfuns de grande sabedoria, que conhecia e manipulava bem as palavras e seus enigmas, disse aos demais:
    — Irmãos, agora ouçam com atenção, a chave para essa questão é muito simples. A pergunta correta a se fazer é… (e cochichou bem baixinho para todos). Pois, se Olónan proveio do caminho da mentira, e este for mentiroso, e falar que o caminho é azul, então, saberemos que o caminho azul é o verdadeiro. Pois ele estará mentindo, porque ele veio do caminho vermelho. E se por acaso ele veio do caminho da verdade, e, deste modo, for verdadeiro, e nos falar que o caminho é azul, é este o caminho correto! Porque ele veio do caminho azul. E essa regra vale também se ele disser que o caminho é vermelho. Aí então, saberemos que o caminho azul é o falso caminho, e neste caso o caminho vermelho é o verdadeiro caminho. Portanto, amados irmãos, independentemente do que ele diga, sendo verdade ou mentira. A verdade sempre prevalecerá!
    A maioria dos Imolès Funfuns estando de acordo, e outros ainda em dúvida, não entendendo a explicação de Oko, decidiram então fazer como ouviram, e Odùduwà adiantou-se, e disse a Olónan:
    — Não adianta se esconder em disfarces, ó acusador e traidor dos nossos irmãos. Bem sei quem és, ó enganador.
    Olónan, quando viu o seu disfarce cair, tomou a sua originária forma de Èsú’Yangí, e disse:
    — Odùduwà, como eu te amava. Mas agora você e seus irmãos serão os meus prisioneiros para sempre. Pois quem é sábio o bastante para decifrar os meus enigmas? E, mesmo que consigas desvendá-lo, passarás aqui uma eternidade de ciclos, até a destruição total do Orún. — E, dando uma grande e sinistra gargalhada, calou-se.
    — Acusador e traidor dos nossos irmãos, eis aqui a minha pergunta: qual a cor do caminho de onde você veio? — Disse Odùduwà, respondendo ao enigma.
    Èsú’Yangí, vendo que Odùduwà perguntou sabiamente, sendo que a verdade prevaleceria não importando qual cor ele desse como resposta, e assim, tendo sido decifrado inteligentemente o seu enigma, viu-se encurralado na pergunta, e derrotado desapareceu como fumaça no ar.
    Então, o caminho, que antes era bifurcado, converteu-se em uma reluzente estrada dourada, de brilho tão intenso, que, quando os Funfuns pisavam nela, seus pés desapareciam submersos em tamanha luminosidade.
    A comitiva dos Imolès Funfuns, liderada por Odùduwà, avistou ao longe um monólito na figura de um obelisco, constituído de um pilar de pedra única em forma quadrangular alongada e sutil, que se afunila ligeiramente em direção a sua parte mais alta, formando uma pequena pirâmide em sua ponta.
    Era o Òpó-Òrun-oún-Àiyé
    Chegando no Òpó-Òrun-oún-Àiyé, Odùduwà falou aos seus irmãos Funfuns:
    — Eis aqui o lugar exato onde iniciaremos o nosso grande trabalho de criar o novo reino.
    Mas o que agora incomodava Odùduwà era o fato de não saber como fazer esse grande trabalho. Pois Odùduwà continha em suas mãos todos os elementos para a Grande Obra, mas faltava a explicação exata para realizá-la.
    Então Odùduwà meditou e recordou-se das palavras de Orunmilá, o sacerdote de Ifá, que dizia: “Escute o seu coração e vai entender”.
    Odùduwà fechando os seus olhos, centrou-se em si mesma, buscando o mais profundo do seu íntimo, até alcançar as vias que levam ao coração. E, ainda meditando, perguntou aos seus irmãos quais eram os elementos que continham o saco para a realização da Grande Obra. E os Funfuns responderam:
    — Temos a corrente e ainda uma galinha, um pombo e o camaleão. E a cabaça contendo o elemento primordial, o àpò-iwà.
    Odùduwà, vendo um dos elos da corrente preso em seu pulso, disse:
    — Dá-me a corrente.
    E, pegando-a, prendeu uma das pontas no elo do seu pulso. E a outra ponta prendeu no grande pilar, o Òpó-Òrun-oún-Àiyé.
    Então, pegou o saco com o restante dos conteúdos e pulou para o caos. Ficando pendurada pela corrente, em meio ao nada, Odùduwà assim pensou: “Lançarei primeiro nesta vastidão o elemento primordial, que foi dado pelo mais Alto dos altos”.
    Odùduwà retirou a cabaça que continha o àpò-iwà, que estava dentro do saco. E, quebrando-a com uma das mãos que se encontrava livre, fez com que o seu conteúdo caísse sobre o vazio do nada, que escorregava leve e lentamente pelos seus dedos.
    Esse conteúdo, o àpò-iwà, é o que conhecemos hoje como as minúsculas pedras que formam os grãos de areia. O que chamamos de TERRA.
    O àpò-iwà, ao cair, formou uma base flutuante sobre a vastidão do nada, e continuou se estendendo até formar uma grande montanha. Odùduwà, vendo aquela montanha, sentiu a necessidade de jogar a galinha.
    E, lançando-a sobre a montanha recém-formada, a galinha de cinco dedos em cada pé começou a ciscar e espalhar a terra ao redor. Deixando somente uma grande elevação de terra no centro, formando uma grande montanha plana.
    Odùduwà, vendo o que a galinha fizera à terra, sentiu a necessidade de descer. Mas, temendo que a terra não fosse firme, jogou sobre ela o cameleão.
    O camaleão, ao cair sobre a terra, começou a andar lentamente e suas pisadas pilavam a terra fofa, as tornando mais condensadas e firmes. Sendo que em alguns lugares a terra descia extremamente, em quanto em outros lugares a terra se mantinha firme, formando grandes buracos e ecos na terra, junto a grandes platôs.
    Vendo que a terra era realmente firme, Odùduwà largou-se da corrente e saltou caindo com um dos pés sobre a terra recém-criada. E assim Odùduwà pisou no novo reino, deixando sobre a terra a sua primeira pegada, que até hoje existe na nossa Terra-Mãe África. O nome dessa primeira pegada deste ser alado gigante é Esè-Ntaiyé-Odùduwà.
    Quando os Imolès Funfuns viram Odùduwà caminhar sobre a terra, que era o segundo reino recém-criado, ficaram maravilhados. Então, choraram de grande emoção. E de lá de cima das bordas do Orún as suas lágrimas preencheram e nutriram toda a terra, dando origem às chuvas. E as águas ocuparam os grandes buracos formados pelas pegadas do camaleão, o que veio originar os grandes oceanos de hoje.
    Odùduwà, então, retirou do saco das oferendas a pomba. E, como um sinal de agradecimento pela maravilha da criação, lançou-a no ar em reverência ao mais Alto dos altos. A pomba, ao voar batendo as suas asas, lançou sobre a terra o vento e espalhou as águas. E sobre a terra formaram-se as lagoas e os lagos. Dando origem aos berços dos vales com seus planaltos e planícies.
    E por detrás do grande monte uma forte luz raiou, subindo lentamente, e clareando pela primeira vez o segundo reino. Era Olódùmarè em sua nave em forma de disco de fogo, e assim o mais Luminoso dos luminosos disse:
    EU SOU!
    E da terra começaram a brotar ervas diversificadas. E a vida se expandiu sobre a terra. E, assim como fizera no primeiro dia, todos os dias Olódùmarè visita a sua criação em seu disco de fogo, dando voltas em toda a Terra e depois partindo para sua morada, o Àwosùn Dàra.
    E Odùduwà concluiu a Grande Obra e criou o novo reino.
    Assim, pelo sucesso do seu trabalho, Olódùmarè deu a Odùduwà o título de Olófin. Que significa “O Senhor do Palácio”, por assim criar o novo mundo. Assim Olófin Odùduwà criou o novo reino em lugar de Obàtálá…
    Nesse ínterim, enquanto Olófin Odùduwà e os outros Funfuns contemplavam a criação do novo reino. Obàtálá, que por amor a si próprio se fez Òrínsànlá, despertou do seu sono profundo.
    Quando retornou a si, atordoado e ainda muito confuso, rapidamente levantou-se, vendo os seus seguidores o cercando. E, não se lembrando de muita coisa, perguntou a eles o que lhe se sucedeu. Então, os seus seguidores começaram a lhe relatar todo o acontecido depois que ele bebeu o néctar da palmeira.
    Nisso, enquanto os seus seguidores ainda falavam. Òrínsànlá foi com a mão em sua cintura para pegar o àpò-iwà, e logo percebeu que o saco não se encontrava mais ali. E de súbito perguntou aos seus seguidores:
    — Cadê o saco com o elemento da criação que o mais Alto dos altos me deu?
    Os seus seguidores, então, contaram tudo o que lhe sucedera depois do sono.
    Rapidamente, Òrínsànlá, junto aos seus seguidores, foi ao local indicado por Orunmilá, onde se deveria criar o novo reino, o Òpó-Òrun-oún-Àiyé.
    Chegando lá, e para sua maior dor, Òrínsànlá teve uma visão surpreendente do novo reino criado. E ali mesmo, segurando a grande pilastra, Òrínsànlá sentiu pela primeira vez um complexo de sentimentos que ainda nunca foram sentidos na criação.
    Uma dor profunda do âmago do seu íntimo o dominou, sentiu-se tão fraco que não mais conseguia erguer-se em seus pés, senão ficar de joelhos. Seus olhos se fecharam por não poder olhar mais os seus seguidores, pois diante deles se sentia fracassado. Lembrara-se de todas as coisas que fizera de errado, principalmente por não ouvir os conselhos do oráculo. E as recordações das palavras de Orunmilá e Odùduwà eram-lhe como estacas cravadas em seu coração.
    Essa dor era tão forte, que o sufocava gravemente.
    Òrínsànlá, que antes se sentira o maior entre todos os seres criados, agora se sentiu o pior entre todos os seres da criação.
    A maior das dores ainda estava por vir, era a de encarar Olódùmarè. Pois fracassara na missão que o mais Alto dos altos lhe confiou, e pela qual tanto se orgulhava.
    Ali mesmo, aos pés do Òpó-Òrun-oún-Àiyé, Òrínsànlá sentiu a vontade de querer desaparecer. Depois que experimentara o sono desejou nunca acordar, quem dera antes tivera dormido para sempre, e de ir embora, e nunca mais voltar.
    Um vazio imenso o dominara. Um desespero o cobrira. Uma impotência. Uma inutilidade de si mesmo o despira. Sentiu-se pela primeira vez numa dor interna tão forte e agonizante. E, em todos esses complexos sentimentos que deram origem ao que hoje conhecemos como a CULPA, a VERGONHA, a TRISTEZA, a MELANCOLIA, o ARREPENDIMENTO, o FRACASSO e todos esses demais sentimentos derivados da DERROTA, que afligem a alma dos seres pensantes e dominantes sobre esta terra.
    Rasgando suas vestimentas e depois caído ao solo, Òrínsànlá, sussurrando dolorosamente, disse aos seus seguidores:
    — Por favor, eu já não tenho mais forças para caminhar, me levem ao centro do Orún. Depois me deixem lá e vão procurar outro mestre, pois eu já não sou mais digno desse título.
    Seus seguidores, vendo o estado do seu senhor, entristeceram-se e fizeram tudo quanto este o pediu. Carregaram-no e caminharam em direção aos portões que davam acesso ao Orún.
    Ao se aproximarem dos portões, o Porteiro lá estava, e este começou a caçoar de Òrínsànlá, dizendo:
    — Ora, ora! Eis aí o mais poderoso entre todos os Imolès da criação. Pelo que vejo, já não tem mais esse poder todo que dizia. Diante dos meus olhos aí está um fracassado… Hahahahaha… Também tu serás banido, seu derrotado, assim como eu por sua causa, também fui.
    Òrínsànlá, diante das palavras de Èsú’Yangí, nem se abalou, pois tudo já perdera sentido diante dos seus olhos. Então, atravessaram os portões e foram até o centro do Orún, e os seus seguidores o deixaram ali como ele mesmo pedira.
    Quando Òrínsànlá viu que se encontrava só no centro do Orún, ajoelhou-se e olhando para o alto rogou:
    — Grande Oló, o mais Alto dos altos, o mais Belo entre os belos em que toda beleza se faz. Os mistérios e os segredos que a tudo embeleza se fazem em tua manifestação. Força dos fortes. Poderoso és Tu. Grande Presença que a tudo preenche e que movimenta, dançando em todas as coisas. Matriz de todos os sentidos e de todas as cores. Fonte luminosa que a tudo incendeia, encandeia e floresce. Grande e Magnífico Espírito de Santidade Infinita! Ouve os meus gemidos de dor e de angústia. Não te escondas de mim, porque estou aflito. Venha a mim, e que eu possa ascender a sua morada. Tive raiva daqueles que me aconselharam. Não ouvindo os que tinham sabedoria a me acrescentar, e eis-me aqui, fracassado e caído em desgraças. Sinto uma dor tão profunda, como se estivesse queimando em chamas por dentro. Já não sou mais digno, Ó Grande Oló, do sopro de vida que me deste. Leve esta vida de mim, e apaga essa chama que alumia, pois, o peso que carrego me enfraqueceu, e não tenho mais olhos para olhar mais nada e nem ninguém.
    Sem que Òrínsànlá percebesse, enquanto ainda suplicava, Olódùmarè o levou ao Àwosùn Dàra, a Morada dos Justos. Òrínsànlá ainda se encontrava de joelhos com o rosto prostrado ao solo, quando o mais Alto dos altos falou:
    — OBÀTÁLÁ, MEU FILHO, ERGA-SE E LEVANTE!
    Òrínsànlá, ouvindo a voz do mais Alto dos altos, e percebendo que se encontrava no Àwosùn Dàra, continuou de joelhos, e disse:
    — Grande Oló e meu Pai-Mãe Amado, não sou mais digno de tua Grande Presença, pois falhei na missão que me deste. Devo também ser banido como meu irmão Èsú’Yangí.
    — MEU FILHO, VOCÊ SABE QUE TE AMO, E VEJO QUE VOCÊ ESTÁ ARREPENDIDO. VOCÊ NADA TEM A VER COM SEU IRMÃO. LEVANTA-TE DEPRESSA, POIS TENHO OUTRA MISSÃO MUITO MAIS IMPORTANTE PARA TI. VOCÊ TEM AGORA O MEU PERDÃO.
    De repente, o ânimo de Òrínsànlá se restabeleceu. Então, ele se levantou e Olódùmarè continuou a lhe falar:
    — EIS QUE O NOVO REINO ESTÁ FORMADO, E AGORA EU SOU O SENHOR DO ÒRUN E DO ÀIYÉ. O QUE ERA PARA SER UM SÓ REINO AGORA É DOIS. E EIS O QUE ERA PARA SER UM SÓ SER, AGORA SERÃO DOIS. DOIS PRINCÍPIOS, DUAS SUBSTÂNCIAS E DUAS REALIDADES. EIS AGORA O CONHECIMENTO DO OPOSTO, DO DIFERENTE E DA DISCRIMINAÇÃO, E DO QUE SE FAZ REALIDADE, E DO QUE SE FAZ ILUSÃO. CONFUSÃO, E DETURPAÇÃO, E SUBORDINAÇÃO. SEPARAÇÃO E UNIÃO. VIDA E MORTE. NÃO E SIM. MACHO E FÊMEA. O ABSOLUTO E O VAZIO. AS TREVAS E A LUZ, E A LUZ E AS TREVAS. O CAIR E O LEVANTAR. EIS QUE AGORA O UNO SE FARÁ DUAL E NÃO MAIS ME VERÃO, QUANDO O DUAL SE FIZER UNO, EU ENTÃO RETORNAREI AO QUE VERDADEIRAMENTE EU SOU. E ME REVALAREI.
    — Das coisas que falou, Ó Grande Oló, eu nada entendi. — Disse Òrínsànlá…
    — AGORA, MEU FILHO, NADA ENTENDE. MAS LOGO ENTENDERÁ. AFINAL, VOCÊ TAMBÉM MUDOU. OU SERÁ QUE AINDA NÃO PERCEBEU?!
    Quando Òrínsànlá se olhou nos reflexos do palácio de cristais luminosos do Àwosùn Dàra, para seu espanto, viu que agora tinha duas cores. De um lado ele era branco, e de outro lado ele era negro, e disse:
    — Grande Oló, o que vem a ser isso?
    — UMA NOVA RAÇA BROTARÁ DE TI, E DENTRE ELA OUTRA RAÇA, E RAÇAS INTERMEDIÁRIAS TAMBÉM. PORQUE EU SOU O UM, E TAMBÉM O DOIS, E NISSO ME FAÇO TRÊS. POIS ENTRE UM E OUTRO, EU SOU A EXCEÇÃO. ESCUTE! AGORA TE DAREI UMA NOVA MISSÃO. OLÓFIN ODÙDUWÀ CRIOU O ÀIYÉ. E DOS TRÊS ANIMAIS ELEMENTARES, A SABER: A POMBA, A GALINHA DE CINCO DEDOS EM CADA PÉ E O CAMALEÃO, A VIDA ANIMAL SE DESENVOLVEU POR ADAPTAÇÃO. QUERO QUE VOCÊ CRIE OS SERES QUE HABITARÃO ESSE NOVO REINO, PARA DO ÀIYÉ SEREM SENHORES, REIS E DEUSES. ESSES SERES SE CHAMARÃO IGBÁ IMOLÈS. DESSA FORMA, MEUS PRIMEIROS SERES SÃO OS IMOLÈS FUNFUNS, DOS QUAIS VOCÊ FOI O PRIMEIRO, SENDO AQUELES DE COR E LUMINOSIDADE BRANCA. DEPOIS ACENDI MINHA LUZ ATRAVÉS DE SEUS CORPOS TRANSPARENTES, E FORMEI DE VOCÊS OS IRUN IMOLÈS, PARA LHES SERVIREM E LHES ALEGRAREM, QUE SÃO AQUELES DE CORES E LUMINOSIDADES MÚLTIPLAS E VARIADAS, E QUE DIVIDEM O ORÚN COM VOCÊS. AGORA QUERO QUE VOCÊ VÁ E CRIE OS IGBÁ IMOLÈS.
    — Grande Oló, como eu criarei esses seres, e qual elemento tu me darás para formá-los? — Perguntou Òrínsànlá.
    — DESTA VEZ NÃO TE DAREI MAIS ELEMENTOS. POIS VOCÊ PERDEU O ELEMENTO QUE TE DEI PARA A REALIZAÇÃO DA SUA PRIMEIRA MISSÃO, EM QUE VOCÊ FRACASSOU. E TAMBÉM, VOCÊ NÃO TERÁ MAIS CONSELHOS DOS SÁBIOS E DO ORÁCULO. POIS NEGLIGENCIOU AQUELES QUE TINHAM ALGO A LHE ACRESCENTAR. AGORA TODA AÇÃO TERÁ UMA REAÇÃO, E TODA CAUSA TERÁ UM EFEITO. VOCÊ COMERÁ AQUILO QUE COZINHOU, E COLHERÁ AQUILO QUE PLANTAR. VÊ, OBÀTÁLÁ, QUE TODAS AS COISAS COMEÇAM E TERMINAM EM VOCÊ. E TUDO QUE TE OCORREU OCORRERÁ NAQUELES QUE PROVÊM DE TI. VOCÊ SERÁ O ARQUÉTIPO DOS NOVOS SERES. E EM VOCÊ ELES ESPERARÃO E SE ESPELHARÃO. SAIBA TAMBÉM QUE O SEU OPOSTO, SERÁ TAMBÉM O OPOSITOR DELES. A ELES ENGANARÃO, SENDO QUE FARÁ DE TUDO PARA COLOCÁ-LOS CONTRA VOCÊ. ENTÃO, VOCÊ TERÁ QUE FAZER UMA ESCOLHA E DESCERÁ NO MEIO DELES, SE TORNANDO FRÁGIL E MORTAL COMO ELES, E SE SACRIFICARÁ PARA SALVÁ-LOS. E, MESMO ASSIM, MUITOS DELES TE REJEITARÃO, E NÃO MAIS TE RECONHECERÃO COMO O SEU CRIADOR E SALVADOR. VOCÊ SE LEVANTARÁ E ASCENDERÁ NOVAMENTE AO MAIS ALTO DOS ALTOS, E SE ASSENTARÁ COMIGO NO MEU TRONO, À MINHA DESTRA. E EXPULSARÁ O OPOSITOR DA EXTREMIDADE DO PRIMEIRO REINO, PRECIPITANDO-O NO ÀIYÉ. E QUANDO VOCÊ ESTIVER COMIGO, NÃO EXISTIRÁ MAIS NEM EU E NEM TU, POIS SEREMOS UM, SENDO QUE TUDO QUE É MEU SERÁ SEU. E JUNTOS PROCURAREMOS UM OUTRO, QUE NASCERÁ NO ÀIYÉ, O ÚLTIMO DA TRINDADE, E NELE FAREMOS MORADA PARA TODO O SEMPRE, E QUANDO ESTE VENCER, EU, TU E ELE SENTAREMOS NUM SÓ TRONO. E O ORÚN DESCERÁ AO ÀIYÉ E O ÀIYÉ SUBIRÁ AO ORÚN. E O UM QUE SE TORNOU VÁRIOS TORNARÁ A SER UM NOVAMENTE. MAS, POR AGORA MEU FILHO AMADO, REALIZA A TUA MISSÃO, E RESOLVE AS TUAS PENDÊNCIAS COM OS TEUS IRMÃOS, PARA QUE TUA OBRA SEJA PERFEITA, PELA OBSERVÂNCIA DA HARMONIA.
    Ao descer do Àwosùn Dàra, a Morada dos Justos, Obàtálá, que por amor a si próprio se fez Òrínsànlá, deu uma volta ao redor de si mesmo, olhando toda a circunferência do Orún.
    E um profundo sentimento de desconforto tomou conta de si. De repente, se viu desolado e imbuído em muitas dúvidas. Por um lado, obteve o perdão de Olódùmarè, e por outro tinha que enfrentar as consequências dos seus atos passados, para realizar um trabalho sem informações de como fazê-lo, e elementos para criá-lo. Também desta vez não podia nem pensar em fracassar na sua nova missão.
    Diante de todas essas coisas, que rodopiavam em seu íntimo, Òrínsànlá sentou-se, e pôs-se a meditar em todas as coisas que o fizeram falhar em sua primeira missão.
    Percebeu que o seu orgulho o autodestruíra, e desta vez queria reparar todos os erros passados, para que sua nova missão seja bem-sucedida e perfeita. E, pesando seus pensamentos consigo mesmo, disse:
    — A partir de agora em diante, não mais me autoproclamarei Òrínsànlá. De agora em diante todos me chamarão Òòsàálà. — Que significa “Aquele humilde de luz branca que a todos iluminará”.
    Òòsàálà iniciou sua jornada convocando todos os Irun Imolès que se encontravam no Orún. Pois os Imolès Funfuns se encontravam no Àiyé. Onde, a mando de Olófin Odùduwà, fundaram uma casa-cidade que chamaram de Ilé, que significa “casa, morada ou comunidade”.
    Òòsàálà convenceu os Irun Imolès a deixarem de lado todas as suas divergências e se unirem a ele, para fazerem parte de sua nova missão. E eles se despiram dos seus mantos brancos e pretos, unindo-se ao Grande Imolè Funfun.
    Reunindo todos os Imolès, Òòsàálà partiu em direção ao Òrun Àkàsò. Para de lá ir ao Òpó-Òrun-oún-Àiyé, e descer pela corrente até chegar ao Àiyé, e ir reunir-se aos demais Funfuns no Ilé.
    Os Irun Imolès, ao comando de Òòsàálà, chegaram nos portões das fronteiras dos mundos, o Òrun Àkàsò. Òòsàálà adiantou-se, e disse:
    — Porteiro, abra os portões para a corte dos Imolès passar.
    O Porteiro, vendo toda aquela multidão de Imolès juntos e unidos a Òòsàálà, ficou perplexo e indignado. Pois acreditava ele que o seu opositor Obàtálá se encontrava derrotado, e que os Irun Imolès estavam divididos em divergências entre eles por causa do engano.
    Mas agora Òòsàálà se apresentava diante dos seus olhos mais pleno de poder e com uma luminosidade muito clara, como se fosse o próprio Olódùmarè estando ali presente. Temeroso de receber alguma represália da parte de Òòsàálà, este nada questionou. Apenas abriu os portões e desapareceu diante da vista de todos.
    Chegando ao Òpó-Òrun-oún-Àiyé, a corte dos Irun Imolès, liderada por Òòsàálà, avistou ao longe e abaixo o novo reino. E como era belo, parecia um grande globo ocular azul com uma pupila amarronzada ao meio! Um montante de terra arrodeada por águas, contida num recipiente de gelo. Pois naqueles primeiros dias da criação a terra era unificada num só continente, que mais parecia uma grande montanha plana.
    Enquanto isso, no Àiyé, Èsú’Yangí fora rapidamente encontrar os Imolès Funfuns no Ilé. Chegando lá, ele se disfarçou e se apresentou aos Funfuns como Òjísé, o mensageiro. E disse-lhes:
    — Trago-lhes uma mensagem do Grande Oló. Obàtálá, que se fez Òrínsànlá, depois de ter fracassado na missão de criar o novo reino, ficou furioso e, assim, reuniu todos os Irun Imolès e agora planeja uma revanche por vocês terem furtado o saco com o elemento da criação, o àpò-iwà, e realizado a Grande Obra. Neste exato momento, eles já se encontram no Òpó-Òrun-oún-Àiyé.
    Quando Olófin Odùduwà e os demais Imolès Funfuns ouviram isso, ficaram tão apavorados que nem questionaram a notícia e nem o mensageiro delas, que por alguma razão, pela arrogância que eles já presenciaram da parte de Òrínsànlá, essa informação lhes parecia óbvia.
    Nesse ínterim, enquanto os Imolès Funfuns discutiam entre eles o assunto, Èsú’Yangí, disfarçado como Òjísé, desapareceu rindo ironicamente sem que eles o percebessem.
    Então, diante desse fato apresentado a eles por Òjísé, os Imolès Funfuns decidiram fortificar a cidade de Ilé, com uma grande muralha feita de grandes tijolos de pedra.
    Enquanto isso, Òòsàálà e os Irun Imolès desciam em fila pela corrente que unia o Orún ao Àiyé. E, pisando no Àiyé, Òòsàálà sentiu uma forte dor nos seus pés, que a cada passo ia se dissolvendo até parar.
    Então, eles caminharam em direção ao Ilé e encontraram uma grande cidade fortificada por muralhas de pedra. Ao chegar aos portões da cidade de Ilé, Òòsàálà disse em alta voz:
    — Irmãos Funfuns, abram os portões! Pois eu e a corte dos Irun Imolès queremos entrar e falar-lhes sobre uma nova missão que o mais Alto dos altos nos deu.
    Então, os Imolès Funfuns subiram nos muros da cidade, e Olófin Odùduwà adiantou-se, e disse:
    — Obàtálá, que por amor a si próprio se fez Òrínsànlá, o que temos nós contigo? Sei que você veio nos destruir, porque pelo seu fracasso realizamos a Grande Obra.
    — Não, meus irmãos, eu jamais faria isso. Pelo contrário, aqui estou arrependido diante de vocês, e venho lhes pedir perdão. E já não sou mais Òrínsànlá, o orgulhoso, e sim Òòsàálà, o humilde. E eis que agora me faço o menor dos menores entre vocês.
    — Vemos que você se tornou mentiroso como o traidor dos nossos irmãos. Pois, através de um mensageiro vindo do mais Alto dos altos, sabemos que você veio nos destruir, e por isso reuniu todos os Irun Imolès. — Disse assim Olófin Odùduwà.
    — Que mensageiro é este, que veio vos falar? Não vim destruir vocês, e sim lhes pedir ajuda. Pois o mais Alto dos altos me deu uma nova missão, que é a de criar os novos seres que habitarão este mundo. E, como eu falhei na minha primeira missão, por causa do meu orgulho, agora eu reuni todos os Imolès, do mais alto ao mais baixo entre eles, para que juntos viéssemos aqui encontrar-vos, e assim realizarmos juntos esse grande trabalho. Porque essa é a maneira que encontrei de me redimir, e de pedir perdão a todos pela minha primeira falha.
    Ouvindo isso, os Imolès Funfuns ficaram confusos e procuraram pelo mensageiro para pô-lo à prova diante de Òòsàálà, e não o encontraram. Então, eles rogaram ao mais Alto dos altos para que lhes esclarecessem aquela dúvida. E, uma voz potente como a de um trovão vinda do mais Alto dos altos, falou:
    — IMOLÈS! POR QUE DISCUTEM ENTRE SI OS MEUS MANDAMENTOS E AS MINHAS DETERMINAÇÕES? NÃO DEEM OUVIDOS A CONVERSAS E DIVERGÊNCIAS ENTRE VÓS. ÈSÚ’YANGÍ, AQUELA ESFERA PEDRA POROSA E FRÁGIL, QUE HABITA ENTRE VOCÊS, OS DIVERGIU, E AINDA CONTINUA DIVERGINDO. NÃO TROPECEM MAIS DE UMA VEZ NESSA CANA QUEBRADA, APRENDAM COM OS SEUS PRÓPRIOS ERROS.
    Ao ouvirem essa voz, eles compreenderam que aquele mensageiro de nome Òjísé, era de fato Èsú’Yangí disfarçado.
    De repente, as muralhas de pedra que separavam os Imolès se dissolveram na vista de todos. E Òòsàálà, junto aos Irun Imolès, entrou na cidade de Ilé e se uniu a Olófin Odùduwà e os demais Imolès Funfuns.
    Quando todos os Imolès estavam reunidos no Ilé. Surgiu de repente no meio deles o grande sacerdote do oráculo de Ifá, Orunmilá.
    Orunmilá chamou todos os Imolès, e falou para que eles ficassem em círculo com as mãos dadas. Sendo que fizeram dois círculos, um dentro do outro. Havia um círculo maior composto pelos Irun Imolès, que eram a maioria, e dentro dele um círculo menor, formado pelos Imolès Funfuns.
    Esses círculos eram tão perfeitos de tal forma, que todos observavam o grande sacerdote de Ifá que estava no centro dele. Pois cada Irun Imolè se posicionava entre os espaços das mãos dadas dos Imolès Funfuns.
    Ali, diante de todos Imolès, o grande sacerdote de Ifá, Orunmilá, convocou ao centro Òòsàálà e Olófin Odùduwà, e disse:
    — Imolès, seres do Orún, que é o primeiro reino da criação. Aqui estamos todos reunidos no novo reino, o Àiyé. Agora todos juntos celebraremos a união que se deu com o fim das divergências entre vós.
    Orunmilá, com sua mão esquerda, pegou a mão direita de Òòsàálà. E com sua mão direita pegou a mão esquerda de Olófin Odùduwà. E, ali no centro, uniu as mãos dos dois Funfuns, e disse:
    — Faço isso em representação da união de todos os seres criados. Esse dia será sempre um dia de comemoração entre vocês, e também entre aqueles que virão de vocês. Os novos seres que habitarão este novo mundo. Esses seres que serão um, virão como dois. Macho e fêmea. Os machos serão da descendência de Òòsàálà, o universo. E as fêmeas serão da descendência de Olófin Odùduwà, a natureza. Um representará o acima e o outro o abaixo. Um será forte e ardente como o dia, sendo este o sol. Outro será calmo e leve como a noite, sendo este a lua. Um agitará e o outro acalmará. Um completará o outro, e juntos movimentarão. Nascerão separados, mas viverão unidos. E pela união dos seus corpos a vida se multiplicará. Assim como agora eu faço com Òòsàálà e Olófin Odùduwà, eles também farão da mesma maneira diante de um sacerdote, para juntarem-se e se multiplicarem. Este dia será conhecido como Odù Ifá Ìwòrì-Òbèrè. O dia em que celebrarão o casamento, o acordo e o pacto de união.
    Falando isso, o sacerdote de Ifá pegou uma cabaça e pintou-a de branco. Depois cortou essa cabaça horizontalmente ao meio, separando-a em duas partes. Então, fez com que Òòsàálà ficasse ao lado de Olófin Odùduwà. Fazendo com que eles se abraçassem de lado com um dos braços. Sendo que Òòsàálà ficou ao lado esquerdo de Olófin Odùduwà, abraçando-a pelas costas com seu braço direito. E Olófin Odùduwà ficou ao lado direito de Òòsàálà, abraçando-o também pelas costas com o seu braço esquerdo.
    O grande sacerdote pegou uma das metades da cabaça, que era a parte de cima, e colocou na mão esquerda de Òòsàálà. Depois pegou a outra metade, a parte de baixo e colocou na mão direta de Olófin Odùduwà. Fazendo isso ordenou com que Olófin Odùduwà e Òòsàálà levassem ambas as metades da cabaça ao centro dos seus corpos. Sendo que Olófin Odùduwà segurava a sua metade abaixo, e Òòsàálà segurava a sua metade acima…
    Então, o grande sacerdote pegou do solo um pouco do àpò-iwà, colocando dentro da metade da cabaça que servia como base, que estava na mão de Olófin Odùduwà, para representar o elemento primordial da criação do novo reino.
    Também, colocou outros elementos primordiais da criação. Como carvão para representar o sangue da terra. O efun, que é o sangue branco, onde toda vida orgânica germina. E o osún, que é o sangue vermelho, onde a vida no novo reino habitará.
    Depois ordenou que Òòsàálà descesse com sua metade da cabaça sobre a metade que se encontrava na mão de Olófin Odùduwà, selando-a. E disse:
    — Eis aqui o igbá-odù. A representação do útero de toda a vida no novo reino. Separar as duas partes do igbá-odù, significará a própria destruição deste mundo.
    Falando isso, Orunmilá se retirou ascendendo ao Orún, levando consigo o igbá-odù.
    Então, Òòsàálà e Olófin Odùduwà se abraçaram e se beijaram. E, quando estavam se beijando, acendeu neles um glorioso sentimento que nunca fora antes sentido dessa forma em toda a criação.
    Sentiram o que depois viemos a conhecer como a atração que um homem sente por uma mulher, e que a mulher sente por um homem em seu primeiro contato. Esta sensação que une o macho e a fêmea. Sentiram e presenciaram uma nova e real forma de experimentar o AMOR.
    Depois daquele primeiro beijo, em que o inexplicável brotou, eles já não eram mais os mesmos, pois experimentaram o que ninguém jamais provou. O amor dos amantes. E a partir daí a cidade de Ilé se tornou Ilé-Ifè, a “Morada do Amor”.
    Òòsàálà, movido por uma grande compaixão, compartilhou sua missão com todos os Imolès ali presentes. Mas nem Òòsàálà e nenhum dos outros Imolès sabiam como poderiam criar os novos seres. Pois não havia elementos dados da parte de Olódùmarè, e nem instruções a serem dadas pelo sacerdote do oráculo de Ifá, Orunmilá.
    Òòsàálà, meditando nessa questão, obteve uma iluminação. Ele sabia que muitos dos Irun Imolès trazia consigo um segredo palpável. Sendo na verdade esse segredo um elemento que o representava.
    Então, ele teve a ideia de ir a cada Irun Imolè e lhe pedir o seu elemento, para ver se serviria para criar os novos seres, os Igbá Imolès.
    Òòsàálà foi pessoalmente a cada um dos Irun Imolès, do mais alto ao mais baixo em luz e sabedoria. Procurando um único elemento específico, para ver se era possível, a partir dali, moldar os corpos dos novos seres.
    Òòsàálà foi até Aganjú e lhe pediu o seu segredo. E Aganjú lhe revelou o enxofre. Òòsàálà tentou moldar os novos seres com esse elemento, mas não deu certo. Pois o enxofre era mole, frágil e leve, e se quebrava com facilidade. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.
    Òòsàálà foi até Egbé e lhe pediu o seu segredo. E Egbé nada tinha para lhe oferecer. Pois, naqueles dias antes da criação dos Igbá Imolès, havia alguns dos Irun Imolès que não conheciam os seus segredos. Só sendo revelados a eles depois da criação dos Igbá Imolès, quando esses elementos ainda desconhecidos, se tornassem futuramente úteis para os novos seres.
    Òòsàálà foi até Elegbàrà e lhe pediu o seu segredo. E Elegbàrà, também, nada tinha para lhe oferecer.
    Òòsàálà foi até Erinlè e lhe pediu o seu segredo. E Erinlè, também, nada tinha para lhe oferecer.
    Òòsàálà foi até Ìdejì e lhe pediu o seu segredo. E, também, Ìdejì nada tinha para lhe oferecer.
    Òòsàálà foi até Ògún e lhe pediu o seu segredo. E Ògún lhe revelou o ferro. Òòsàálà tentou moldar os novos seres com esse elemento, mas também não deu certo. Pois o ferro era rígido, muito duro e pesado, e não havia possibilidades de moldá-lo. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.
    Òòsàálà foi até Òsùn e lhe pediu o seu segredo. E Òsùn lhe revelou o ouro. Òòsàálà tentou moldar os novos seres com esse elemento, mas, também não deu certo. Porquanto, o ouro era um pouco rígido, um pouco duro e pesado, e também, não tinha como moldá-lo. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.
    Òòsàálà foi até Obà e lhe pediu o seu segredo. E Obà lhe revelou o minério. Òòsàálà tentou moldar os novos seres com esse elemento, porém, também não deu certo. Pois o minério às vezes era rígido, duro e pesado, e às vezes era mole, frágil e leve. Não tendo assim, como moldá-los. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.
    Òòsàálà foi até Sànpànná e lhe pediu o seu segredo. E Sànpànná nada tinha para lhe oferecer, além de palhas e cipós. Òòsàálà viu que com as palhas e cipós ele nada poderia formar que se assemelhasse a um novo ser. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.
    Òòsàálà foi até Òrànmíyàn e lhe pediu o seu segredo. E Òrànmíyàn, também, nada tinha para lhe oferecer. Pois, ainda não conhecia o seu segredo.
    Òòsàálà foi até Òsànyìn e lhe pediu o seu segredo. E Òsànyìn, também, nada tinha para lhe oferecer. Pois, também, ainda, não lhe foi revelado o seu mistério…
    Òòsàálà foi até Òsóòsì e lhe pediu o seu segredo. E Òsóòsì, também, nada tinha para lhe oferecer. Pois, naqueles dias, ainda, não lhe foi revelada a sua bravura.
    Òòsàálà foi até Òsùmàrè e lhe pediu o seu segredo. E Òsùmàrè, também, nada tinha para lhe oferecer. Pois, ainda não lhe foi revelado o seu dote.
    Òòsàálà foi até Oya e lhe pediu o seu segredo. E Oya lhe revelou o fogo. Porém, o fogo não era maleável e a tudo consumia. Então, Òòsàálà foi até Sàngó e lhe pediu o seu segredo. E Sàngó lhe revelou os gases. Òòsàálà tentou pelo menos conter os gases em sua mão, algo que lhe parecia impossível, e não deu certo. Não podendo nem ao menos conter os gases e nem o fogo, Òòsàálà jogou esses elementos na terra, e a terra os absorveu…
    Òòsàálà foi até Yemoja e lhe pediu o seu segredo. E Yemoja lhe revelou a prata. Òòsàálà tentou moldar os novos seres com esse elemento, mas, também, não deu certo. Pois, a prata era um pouco rígida, um pouco dura e pesada, e, não tinha como moldá-la. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.
    Òòsàálà foi até Yewa e lhe pediu o seu segredo. E Yewa lhe revelou o cobre. Òòsàálà tentou moldar os novos seres com esse elemento, mas também não deu certo. Pois também o cobre era rígido, duro e pesado e não tinha como moldá-lo. E Òòsàálà jogou esse elemento na terra, e a terra o absorveu.
    Òòsàálà prosseguiu indo a cada Irun Imolè, e de um a um pedia o seu elemento. Uns tinham algo a lhe oferecer e outros não tinham. Mas, nenhum dos elementos apresentados pelos Irun Imolès lhe serviu para criação dos novos seres.
    Depois de falar com todos e provar todos os elementos, Òòsàálà entristeceu-se. Porque desta vez não poderia fracassar em sua missão. E, se afastando de todos, Òòsàálà subiu numa grande montanha para ali meditar. E de joelhos e cabeça baixa ao solo, em cima da grande montanha, Òòsàálà chorou de tristeza.
    Òòsàálà chorou tanto, que suas lágrimas escorreram pelo pico da grande montanha. E as lágrimas tristes de Òòsàálà formavam pequeninos flocos cristalizados, embranquecendo toda região acima.
    As lágrimas de neve de Òòsàálà foram se derretendo da metade da montanha para baixo, formando nascentes de águas doce. Essas nascentes formaram grandes extensões de águas flutuantes, que deram origens aos primeiros rios.
    Porém, havia um dos Irun Imolès com quem Òòsàálà não se encontrou, porque se encontrava na beira do mar.
    Esse Irun Imolè estava encantado com as águas do novo reino. E, desde que pisou no Àiyé, brincava na beira do mar, entre as águas e a areia. O nome deste Irun Imolè é Nàná Bùùkúù.
    Nesse ínterim, enquanto Nàná Bùùkúù brincava à beira-mar, ela avistou os fluentes de águas provocados pelas lágrimas de Òòsàálà indo ao seu encontro. E, chegando velozmente, precipitaram-na ao mar. As águas arrastaram Nàná Bùùkúù até as profundezas do oceano.
    Ciclos eternos se passaram, e Nàná Bùùkúù, depois de dar um grande giro nas profundezas marítimas, regressou ao lugar onde se encontrava antes. Porém, viu que o lugar mudara. E, onde antes havia grãos de areia, surgiram grandes piscinas de águas acinzentadas pela lama, que resultaram do encontro do rio com o mar.
    Maravilhada, Nàná Bùùkúù começou a brincar com toda aquela lama, e dela formou muitas pequeninas criaturas, modelando-as com esse material. Essas são as muitas criaturas do mangue. Os variados tipos de crustáceos, conchas e moluscos. E, desde aquele momento, a lama se tornou o elemento de Nàná Bùùkúù.
    Descendo montanha abaixo pela neve branca, Òòsàálà já não tinha mais esperança de realizar sua grande missão que o redimiria. E, chegando à cidade de Ilé-Ifè, Òòsàálà estava prestes a contar a todos o seu fracasso, quando Olófin Odùduwà lhe contou que havia mais um dos Irun Imolès que ele não entrevistara.
    Òòsàálà recebendo essa boa notícia, restabeleceu o seu ânimo rapidamente, pois algo lhe dizia que sua missão não estava perdida. E sem demora foi ao encontro desse Irun Imolè.
    Os outros Irun Imolès lhe contaram que Nàná Bùùkúù se encontrava brincando na beira do mar. Então, Òòsàálà reuniu todos os Imolès, e juntos foram ao encontro de Nàná Bùùkúù.
    Chegando lá, Òòsàálà a cumprimentou e viu-a modelando as pequeninas criaturas no novo habitat que se formou pelo encontro do rio com o mar. Então, Òòsàálà foi até Nàná Bùùkúù e lhe pediu o seu segredo. E Nàná Bùùkúù lhe deu a lama negra acinzentada do manguezal.
    Òòsàálà pegou esse elemento, e moldou o primeiro Igbá Imolè à imagem e semelhança dele mesmo.
    Vendo que esse era o elemento certo para formar os novos seres, Òòsàálà encheu-se de alegria. Então, ele foi a Olófin Odùduwà e pediu que fizesse o mesmo, assim como ele fez. Olófin Odùduwà moldou o segundo Igbá Imolè a sua imagem e semelhança.
    Então, macho e fêmea os criaram. E a estes dois primeiros moldes Òòsàálà chamou de Egungun.
    Òòsàálà falou para que todos os Imolès o ajudassem a modelar mais corpos à semelhança dos Egunguns. E a estes derivados de corpos, Òòsàálà chamou de Egun.
    Depois de terem modelado todos os corpos dos Igbá Imolès, todos se reuniram em um grande círculo ao redor do montante de corpos feitos de lama enegrecida do manguezal. E juntos suplicaram ao mais Alto dos altos para que manifestasse sua glória, e respirasse o seu hálito de vida nos corpos de lama dos novos seres. E do mais Alto dos altos veio um sopro de vida dizendo:
    EU SOU!
    Então, os corpos de lamas criaram vida e se animaram. Todos ficaram maravilhados diante dos novos seres. E Òòsàálà foi bem-sucedido em sua missão de criar os seres que cuidarão do novo mundo.
    Mas de repente, diante de todos, Yemoja levantou uma questão e disse:
    — Se os Igbá Imolès cuidarão do Àiyé e de suas outras criaturas, quem cuidará dos Igbá Imolès?
    Yemoja disse isso porque sabia da fragilidade dos novos seres, já que eles eram feitos de lama, sendo que os seus corpos negros eram densos e grotescos. Muito diferentes dos corpos luminosos e graciosos dos Irun Imolès e dos Imolès Funfuns.
    De repente, Òòsàálà se viu diante de mais uma questão, que tornava sua missão ainda incompleta e imperfeita na criação. Mais uma vez Òòsàálà pôs-se a meditar, e, refletindo, obteve uma iluminação, e disse a todos:
    — Imolès do Orún, quero que cada um de vocês que tem um segredo, tome para si determinado grupo de Igbá Imolès.
    E, assim, como Òòsàálà disse, eles fizeram. E Òòsàálà continuou a dizer:
    — Agora com o dedo furem a cabeça de todos os Igbá Imolès, e coloquem em cada um o seu elemento dentro dela. Aqueles que ainda não tiverem elementos não se preocupem, pois no tempo certo em que o segredo for revelado a cada um de vocês, eu, também, lhes darei um grupo de Igbá Imolès. E aqueles que por ordem da própria natureza universal, não tiverem seus segredos nunca revelados, serão os pais e guardiões dos seres inorgânicos que farão companhia e servirão aos novos seres deste mundo. Por esse tempo, auxiliem os seus irmãos a cuidarem desses novos seres e de toda criação.
    E assim todos fizeram como Òòsàálà falou. E os Irun Imolès se tornaram os guardiões e pais dos Igbá Imolès.
    Porém, aconteceu uma coisa estranha e imperfeita na criação. Os Igbá Imolès do grupo dado a Nàná Bùùkúù agiam de forma esquisita e medonha. Òòsàálà vendo isso, se escandalizou. E, pôs-se novamente a meditar para resolver essa questão e obter a perfeição na criação, que era a satisfação de todos os seres.
    Òòsàálà meditando percebeu que cada segredo dos Irun Imolès, sendo colocado na cabeça dos novos seres, lhes dava personalidades, faculdades, inteligências e habilidades específicas. Sendo estes segredos a alma deles.
    E viu que esse novo ser já era composto de lama, e que colocar novamente lama em sua cabeça faria seres desmiolados e sem especialidades. Seres desprovidos de alma. Por isso que eles se comportavam de forma esquisita.
    E, rapidamente, Òòsàálà impediu Nàná Bùùkúù de colocar seu elemento nas cabeças dos corpos dos novos seres, e lhes tirou os seus filhos.
    Diante desse acontecido, Nàná Bùùkúù se sentiu muito ofendida, pelo fato de contribuir com o seu elemento para formação dos corpos dos novos seres. Mas, porém, não ser digna de obter a graça de nem sequer ter um só Igbá Imolè para cuidar.
    Òòsàálà mais uma vez pôs-se a meditar, e se viu diante de um problema hediondo e difícil de resolver. Pois ele sabia que, se um dos Imolès do Orún não estivesse satisfeito com a criação, não haveria perfeição. Porque a perfeição é a plena satisfação e aprovação de todos.
    Então, diante desse problema, Òòsàálà teve que tomar a decisão mais triste diante de toda a vida. E lembrou-se das palavras ditas a ele por Olódùmarè, de que a dualidade será a expressão dos novos seres e do novo reino. Pois se há vida no segundo reino, haverá também a morte.
    E, chorando lágrimas vermelhas, que escorreram na terra do novo mundo, que deram origem ao barro vermelho que provém a argila, Òòsàálà disse a Nàná Bùùkúù:
    — Nàná Bùùkúù, ouça! Você, que deu a lama, que foi responsável para formar o corpo dos seres deste mundo, digo-te agora que esse elemento lhe será devolvido. Porquanto, os seres deste mundo nasceram com uma dívida contigo. Dívida essa, de um empréstimo que todos eles terão que te pagar mais cedo ou mais tarde. E no dia desse pagamento, em sua morte, os seres deste mundo chorarão de tristeza, assim, como também, choraram de alegria ao nascerem, quando receberam de ti este valoroso empréstimo. E depois de acertarem as suas contas contigo, Nàná Bùùkúù, os segredos postos em suas cabeças pelos demais Irun Imolès, que permanecerem puros pelas suas ações de vida no Àiyé, subirão ao Orún e terão a permissão de passar pelos portões das fronteiras do mundo, o Òrun Àkàsò. Mas, aqueles que corromperem as suas almas no Àiyé e se acinzentarem, e, assim, atrofiarem os seus segredos, não terão permissões para passar pelos portões das fronteiras do mundo. Sendo que ficarão presos para sempre no reino astral, o Òrun Àkàsò.
    E, assim, Òòsàálà concluiu sua missão, obtendo a perfeição tão almejada pela Criação e pelo Criador de todas as coisas existentes.
    O Orún voltou a ser perfeito e iluminado como era no princípio, e suas fronteiras foram dissipadas. Pois, os seus seres alados estavam muito ocupados e felizes de cuidar dos novos seres do novo reino.
    E, assim, os Imolès Funfuns tinham os Irun Imolès por filhos, e estes tinham os Imolès Funfuns por pais. E os Imolès Funfuns se ocupavam e se empenhavam em manter a harmonia entre os Irun Imolès.
    E os Irun Imolès tinham os Igbá Imolès por filhos, e estes tinham os Irun Imolès por pais alados e celestiais. E os Irun Imolès se ocupavam e se empenhavam em manter a harmonia entre os Igbá Imolès.
    Por sua vez, os Igbá Imolès se ocupavam por cuidar deles mesmos, dos seus semelhantes e dos seus descendentes. E, também, de manter a harmonia entre os seres e as criaturas que dividem o Àiyé com eles.
    Dessa forma, Olódùmarè, o Deus Supremo, Pai e Mãe de toda Criação, encontrou uma perfeita solução para harmonizar os seus seres. Dando-lhes responsabilidades uns para com os outros, para manutenção da própria vida e de toda sua criação.
    E essa responsabilidade de cuidar um dos outros, é a mesma que o mais Alto dos altos tem com toda a sua criação.
    E essa responsabilidade é o único propósito de nossas existências neste mundo.
    É o que nos faz semelhantes ao nosso Criador Perfeito, O Pai e Mãe de Todas as Coisas Existentes.
    Essa responsabilidade é o que hoje conhecemos e sentimos como o verdadeiro AMOR, o verdadeiro AMAR e o verdadeiro SER AMADO.
    E os Irun Imolès, juntos aos Imolès Funfuns foram chamados pelos Igbá Imolès de Òrìsà, que quer dizer: “Aquele que me deu a minha alma” ou “Aquele que comanda a minha cabeça”.
    E, finalizando o conto, Djeli encarou N’zambi e disse:
    — Por isso, meu jovem, que na crença dos povos iorubás, os homens ao nascerem vêm com a cabeça aberta. Pelo fato de os Òrìsàs terem naquele momento colocado o seu elemento-alma dentro dela.
    O céu começara a clarear no K’ilombo dos Palmares, quando o preto velho griot Djeli terminou de contar a história da criação iorubá. O jovem príncipe N’zambi sentiu que vivenciou toda aquela experiência contada. E teve uma leve e profunda sensação de viver uma eternidade naquela noite. Vivera e experimentara todo o drama dos Òrìsàs. E algo do que ele não sabia havia mudado dentro dele. Sentiu uma mudança na maneira de como via e interpretava a vida, e o mundo em que vivia. Mas, também, se sentia muito confuso e desconfortável com as suas credulidades. Já que desde muito jovem fora educado no pensamento cristão do catolicismo, que não admitia outra forma de crença, senão as dos seus dogmas religiosos.
    Houve um silêncio profundo entre Djeli e N’zambi naquele momento. O preto velho esperava que N’zambi quebrasse o silêncio lhe perguntando algo. Porém, ambos permaneceram sentados por algum tempo, ao lado das cinzas do que antes era fogueira. Restando apenas poucas brasas, que soltavam uma leve fumaça. Enquanto o céu se acinzentava, anunciando que um novo dia estava preste a brotar.
    Djeli vendo que o rapaz permanecera numa quietude profunda, preso em seus próprios pensamentos, resolveu quebrar o silêncio ao comtemplar a solitária Estrela da Manhã, dizendo:
    — Imaginemos um grupo de pessoas vivendo uma fantasia. Imaginemos agora, que esse grupo de indivíduos não saiba que vive em uma fantasia, e que essa fantasia seja a realidade do mundo em que vivem. Agora imaginemos que dentro dessa “realidade”, algumas pessoas desse grupo criem fantasias para suas diversões e entretenimentos. Para, digamos, sair um pouco dessa “realidade” entediante em que eles vivem. E, também, criem fábulas para darem respostas para o porquê de eles existirem naquele grupo. Feito isso, agora eis a pergunta: Se algumas pessoas desse grupo procurarem saber a verdade, como elas distinguirão a realidade da falsa “realidade” e a “fantasia” da verdadeira fantasia?
    Fez-se um breve silêncio. N’zambi encarou o velho griot meio que embaraçoso em seus pensamentos, e Djeli continuou:
    — Se você acha isso complexo, meu jovem. Saiba que a nossa realidade não passa de fábulas e fantasias, dentro de outras muitas fábulas e fantasias ao longo dos tempos e gerações. Em que também, o tempo e o espaço e toda cadeia de pensamentos, palavras e sentimentos são meramente falsos e fantasiosos.
    — E o que é então a realidade e a verdade, Djeli? — Perguntou o jovem príncipe desesperado.
    — É aquilo que não se encontra, porque não se procura. — Disse o preto velho.
    — Se não se encontra e não se procura, é porque a realidade e a verdade nunca se perderam. Então, onde ela está, Djeli? — Tornou a questionar o jovem.
    — No aqui e no agora!
    Exclamou Djeli, e continuou:
    — Preferimos acreditar e viver as fantasias, não é? Porque encarar a realidade… hahahahaha… a realidade não tem cara! Vamos, meu jovem, o dia já raiou e você precisa descansar.
    E, sorrindo, abraçou com força o jovem príncipe, olhou profundamente em seus olhos, e disse:
    — Há de se construir sempre bons sonhos, pois o pesadelo em que vivemos é real.
    (Texto retirado do livro: O FILHO DAQUELA QUE MAIS BRILHA — A incrível saga do Quilombo dos Palmares no Novo Mundo, Editora Chiado Books, Jp Santsil)
  • Crônicas do Parque: Rápido Demais

    Já fazia cinco solitários anos em que se encontrava separado e divorciado. Se mantinha firme em sua promessa de não mais se envolver e se entregar a um relacionamento amoroso. Afinal, sofrera bastante quando se separou da sua amada e louca esposa norte-americana (USA), que de repente enlouquecera quando ele achava estar tudo indo bem.

    Lembrara-se quando, por causa da separação, se ergueu de uma depressão que quase o matou de fome, em que ao final do quinto dia sem comer desmaiara caindo da cadeira em que estava sentado solitário trancado no escuro do seu apartamento. Em um instante se viu envolto em uma luz alvamente branca, flutuando em um corredor que o erguera para cima. Aquilo o atraia majestosamente como dando um basta a sua vida terrena de sofrimentos. Porém, de repente, ao súbito, olhara para baixo vendo o seu corpo caído ao chão desgraçadamente. E disse para si mesmo:

    — Não! Não é minha hora, tenho que voltar. Por favor me ajuda!

    E, novamente, lá estava ele, desgraçadamente em seu corpo caído ao chão. Juntou forças e foi se arrastando até a cozinha. Ao chegar, viu um pedaço de baguete duro sobre a mesa, e se esforçando em seu íntimo, apoiando penosamente os seus braços na cadeira, ergueu-se com considerável esforço para pegá-lo. Já com o pão-duro na mão, rastejou até o filtro de água potável em que enchera um copo. E ali caído ao solo com as costas recostadas nas gavetas do armário da pia, comeu vagarosamente o tosco pedaço de pão-duro, junto a goladas de água.

    Quando sentiu que já tinha forças para se levantar, ergueu-se pausadamente segurando com suas mãos as gavetas da pia, como se estivesse escalando o monte Everest. E, apoiou-se sobre seus pês. Foi até o banheiro, e tomou uma longa ducha quente. Ao final, viu que carecera de um choque térmico, e virou a torneira fazendo com que água esfriasse, tomando uma outra ducha fria. E bocejava, estremecia e ofegava.

    Vestiu-se, entrou em seu carro e pegou seu smartphone o ligando depois de uma semana, e vira múltiplas notificações de mensagens e ligações em sua tela. Ignorou-as, indo diretamente ao aplicativo GPS de serviços para procurar um bom restaurante italiano mais próximo, pois muito desejara comer uma pasta com frutos do mar. Depois dessa recaída em que quase lhe valera a vida, prometeu para si mesmo viver como um monge eunuco, distante das perigosas mulheres.

    Assim, estava ele vivendo feliz sem dar satisfação a ninguém para onde ia e o que fazia. Procurava ocupar ao máximo o seu tempo fazendo classes de yoga, pilates, teatro e aprendendo a tocar flauta e piano. Evitava ler, ver e ouvir romances, séries e filmes, músicas e histórias de relações amorosas, em que baixara um moderno e super aplicativo de tarefas, para seu smartphone. Onde ao final de cada dia, dedicava meia hora da sua atarefada vida para fazer a programação do próximo dia, não dando oportunidades para surpresas, fechando assim, as portas para novos imprevistos que o poderia levar a um novo relacionamento, ao conhecer uma interessante pessoa em um lugar desconhecido, fora da sua agenda digital de compromissos fictícios.

    Portanto, acordava, se levantava e ia correr por uma hora todas as manhãs antes de ir para o seu entediante trabalho de programador, em uma dessas grandes corporações Hi-Tech Israelense.

    Em uma dessas manhãs em que corria no parque de Kfar Saba, viu a sua frente uma jovem que tropeçara na pista de exercícios, e machucara um dos joelhos, por um instante decidiu ignorar aquele acidente, ultrapassando-a. Porém, por um ataque de consciência deu meia volta, indo ao encontro da jovem que se encontrava sentada no chão chorando.

    Ao chegar até ela, agachou-se e disse ainda ofegando pelo esforço do seu exercício:

    — Você está bem?

    — Claro que não! Você não vê?

    — Desculpe! Só estou tentando ajudar. Venha, vou te levantar.

    — Ai! Ai! Ai! — resmungou a moça não podendo se apoiar em uma das pernas.

    Então, ele a carregou em seus braços a levando para grama, pondo-a debaixo de uma Tamareira que fazia uma refrescante sombra. E a perguntou:

    — Você mora por aqui por perto?

    — Moro em Rosh Haayin.

    — Não está tão longe. — falou ele enquanto estava lavando o ferimento do joelho da jovem moça, com a água de sua garrafa.

    — Você está de carro? — perguntou a jovem. — Será que pode me levar até minha casa. — acrescentou.

    Ele hesitou ao responder de imediato, e olhou para o seu smartwatch que se encontrava no pulso direito, sabendo que se a ajudasse, chegaria tarde no trabalho. E, olhando para aquela jovem e linda moça de olhos verdes molhados de lágrimas, não resistindo ao seu apelo, disse:

    — Sim, eu te levo para casa. Mas, vamos rápido, é que estou meio atrasado para o trabalho.

    Ela sorriu, e de súbito o beijou no rosto como forma de reverência. E aquele beijo repentino acendeu um chama nele que há muito tempo se encontrava apagada. E temeu, ignorando aquele beijo ao levantar a moça nas suas costas, apoiando-a como se fosse uma mochila. Ao passo em que ele caminhava com a pesada moça sobre as costas, ela ia tagarelando:

    — Nem ao menos nos apresentamos, e aqui estamos como namorados em que você me leva de macaquinho. Como é o destino, ultimamente só estou conhecendo novas pessoas através das redes sociais no meu celular, e agora te conheço assim, em um acidente, e já temos um contato físico como pessoas que se conhecem a muito tempo. Acho que só os acidentes são capazes disso. Agora me vejo em meio a uma fantasia, nessas cenas de filmes românticos dos anos 80 e 90 que as pessoas postam na internet. O que acha? Eu ainda não sei o seu nome. Como você se chama?

    — Em primeiro lugar não somos amigos, nem muito menos namorados. Em segundo você está muito pesada, e não estou conseguindo me concentrar com essa sua tagarelice. Me chamo Nimirod.

    — Desculpa Nimi, eu só estava querendo te distrair por causa do meu peso e seu esforço. Me chamo Einat. Prometo que não falo mais. Naim meod (Prazer em conhecê-lo)!

    Juntos chegaram ao estacionamento, e ele a colocou no banco da frente do seu carro. Ela ainda se encontrava calada pela dura que recebera dele, e, ele se encontrava sério, meio puto em chegar atrasado para o trabalho.

    Então, ela resolveu quebrar o gelo que existia entre os dois, perguntando-o:

    — Você corre no parque de Kfar Saba todos os dias?

    — Ken (Sim). — respondeu ele secamente.

    — Você mora em Kfar Saba?

    — Lo (Não). — deu outra resposta seca.

    — Onde mora?

    — Próximo. — disse isso não querendo respondê-la.

    — Sim. Não. Próximo. Você fala hebraico? — disse ela o provocando.

    — Você é da polícia? Não pode se calar um pouco, apenas por um momento. Não gosto de ser interrogado, e por sua causa estou me atrasando para o trabalho hoje.

    Ao ver essa resposta arrogante, mais uma vez os olhos da jovem se encheram de lágrimas, e ela pediu para descer ali mesmo em qualquer lugar, já que estava incomodando.

    Diante disso, vendo as lágrimas descendo pelas lindas pálpebras que ao chorar se encontra avermelhadas no belo rosto inocente da jovem ao seu lado, arrependido ele disse:

    — Desculpe-me Einat. Apenas fiquei irritado por me atrasar para ir ao trabalho hoje, tenho muitas tarefas e meu chefe está já há uma semana no meu pé para que eu termine. Vou te levar para casa e tentar responder suas perguntas, ok.

    A jovem enxugou suas lágrimas, deu um grande sorriso, e perguntou:

    — Quantos anos você tem?

    — Trinta e sete. E você?

    — Vinte e três.

    — Você é nova. Fez o exército?

    — Sim. Terminei faz um ano.

    — E não viajou?

    — Acabei de chegar da Índia, estive lá por dez meses.

    — E como foi?

    — Louco. Já foi a Índia?

    — Sim.

    — E como foi?

    — Louco.

    — Então, não preciso lhe dizer nada — disse ela sorrindo.

    Ele sorriu em resposta, e a perguntou já chegando em Rosh Haayin:

    — Em que direção fica sua casa aqui.

    — Eu não sei direito lhe instruir, pois sou nova aqui, mas posso ver no celular. — disse ela pegando o seu smartphone, e abrindo o aplicativo GPS digitando o nome da rua.

    — Você é daqui? Quero dizer, dessa região? — perguntou ele, enquanto ela ainda digitava.

    — Não. Sou de Tel Aviv. Vim morar aqui por causa do emprego de ajudante de enfermeira veterinária, pois quero estudar veterinária no futuro. Amo animais, principalmente gatos.

    — Eu odeio gatos. São egoístas e interesseiros.

    — Assim como nós. — disse ela.

    — Prefiro os cachorros. São amáveis e amigos. — disse ele ignorando o que ela disse.

    — Já eu, não sou muito afeiçoada a eles. São dependentes de mais e bagunceiros.

    — Assim como nós, principalmente quando crianças. — disse ele.

    Ambos se olharam e sorriram como se concordassem um com o outro, e a voz robótica do aplicativo falou dizendo que se encontravam no local de chegada.

    — É aqui, nesse prédio. — disse ela apontando, e continuou — Quer entrar para tomar um café? Afinal, você já está atrasado mesmo.

    — Não, obrigado! Não quero me atrasar mais ainda.

    — Só que tem um probleminha! — disse a jovem o pegando pelo braço — Esqueceu que não posso andar, e no meu prédio não tem elevador, e vivo no terraço no quarto andar. — disse ela sorrindo.

    — Ok! Te levo até lá, mas não tenho tempo para o café.

    Ela sorriu. Ele saiu do carro, foi até a porta do assento lateral, a carregou em seus braços, e ela disse:

    — Agora parece que acabamos de nos casar, e você me leva para lua de mel.

    Ele a encarou com seriedade não gostando nada do que ela disse, e a colocou em suas costas indo em direção ao prédio a sua frente. Chegando à porta, ele se virou de lado para que ela pudesse digitar o código chave de cinco dígitos para abrir, fazendo um barulho entediante afirmando que já estava destrancada. Ele empurrou a porta de vidro com o pé, e enquanto adentrava ela ajudou com uma das mãos, sendo que o seu outro braço estava envolvendo o busto e pescoço dele.

    E seguiram subindo a escada. A cada andar ele parava um pouco para pegar um fôlego e descansar. E ela resolveu dessa vez ficar em silêncio, pois ele não estava nada gostando daquela situação. Então, chegaram a porta do apartamento dela. E ela disse:

    — Não vai nem ao menos entrar para um copo d’água e descansar um pouco.

    E, ofegante ele disse:

    — Não. Melhor não. Estou muito atrasado, tenho que ir.

    — Vai me deixar aqui na porta para que eu me arraste até a cama? — perguntou ela com uma dengosa voz.

    — Acho melhor você já aprender a se virar sozinha com essa situação. Depois você vai me pedir para te levar para o banheiro, e te dar banho e depois fazer comida.

    — Eu bem que poderia comer você. _ disse ela, e vendo a cara dele de extremo espanto, rapidamente exclamou — Brincadeirinha! — disse isso, querendo desfazer o que disse.

    — É por isso que não quero entrar. É disso que eu tenho medo. Vocês jovens são rápidos demais. Bye! — disse ele descendo as escadas.

    — Hei, espera aí! Você não me disse onde mora. — disse ela gritando.

    — Moro em Kfar Saba. — respondeu ele já de baixo.

    — Me dá o número do seu telefone. — ela gritou de cima.

    — Rápido demais, já disse! E se eu for casado…

    — Você é casado? — Ela gritou o mais alto que pode.

    — Não! Mas, enquanto o meu número de telefone, vai ter que descobrir por si só.

    — Isso já é bom! — gritou ela, e já não houve mais respostas. — “Ele se foi” — pensou ela entrando no seu apartamento.

    Ele entrou no carro e dirigiu rapidamente para o local de trabalho, fazendo consideráveis esforços para esquecer aquele imprevisto e inconveniente acontecido, repetindo um milhão de vezes em sua mente — “Isso nunca existiu” — tentando assim ignorar os fatos, que já fora fisgado pelas garras amorosas do destino.

    Ela estava maravilhada com ele, achava ele bonito e responsável, o tipo certo para uma mulher se casar. Ela era tão jovem, mas já pensava em um bom partido. Estava meia que traumatizada pelo motivo de suas duas irmãs mais velhas não conseguirem ter relacionamentos por serem gordas, não suprindo as exigências dos homens israelenses, numa sociedade que admira e fortalece a indústria da moda e cosméticos. Sendo que sua irmã mais velha de trinta e oito anos, fizera bebês em um laboratório de banco de espermas, tendo assim filhos gêmeos. E sua segunda irmã de trinta e quatro, já estava pensando em fazer a mesma coisa. Ela não era assim tão gordinha, mas geneticamente tinha formas arredondadas, e isso a preocupava. Passava muito tempo na frente do espelho, e se achava gorda e feia.

    Porém, não era bem assim, suas amigas a invejavam pela sua cintura bem definida, seu bumbum farto e arredondado, seus seios medianos e seu rosto de anjo com olhos verdes e cabelos loiros e encaracolados cor de mel. Um belo corpo de violoncelo, unida a um belo rosto e altura de um metro e setenta e cinco invejável. Não era gorda de jeito e maneira, era dessas mulheres mutantes de forma gigantesca.

    O despertador do smartphone tocou as cinco horas da manhã como de costume, ele se levantou em um único pulo de sua cama indo diretamente ao banheiro, lavara o rosto e escovara os dentes apressadamente. Vestiu-se com sua roupa e assessórios de correr, colocou seus fones de ouvidos bluetooth, e pendurou o seu smartphone por uma capa detentora em seu braço esquerdo, começando o seu exercício matinal ao som do piano de Richard Clayderman. Pelo esforço que fizera anterior e interiormente para esquecer do evento inconveniente do dia passado, já não se lembrara com emoção daquela moça linda e alta de olhos verdes e cabelos loiros encaracolados, sua mente se voltara a sua rotina diária de solteirão feliz.

    Mas para o seu desgosto, lá estava a jovem linda moça correndo em sua direção pela contramão com o joelho enfaixado. Ao passo em que se aproximava dela, ele pensava em ignorá-la. Dizendo em seus pensamentos: “Puta-merda! O que ela quer de mim. Droga! Porque logo hoje fui me esquecer de colocar meus óculos escuros”.

    Ao se aproximarem, param ainda correndo e trocaram sorrisos, e ela disse:

    — Olá como está?

    — Bem. Vejo que seu joelho já está bom.

    — Quase. Mas não resistir ter que parar com os meus exercícios matinais.

    — Entendo. Bom! Não quero me atrasar mais um dia para o trabalho. Bye!

    — Bye! Lehitraot (Até mais ver)!

    E, continuaram os seus percursos, entretanto, enquanto se distanciavam ela se virou correndo de costas e disse em alta voz:

    — Ainda quero o número do seu telefone.

    — Ainda vai ter que descobrir. — disse ele não olhando para trás.

    E, isso se repetia dia após dia, semana após semana.

    Até em que um belo dia de Yom Rishon (domingo) ensolarado, em que ele estava a correr como de costume no parque de Kfar Saba, não a viu durante todo o percurso. E, pensou: “Ela não veio correr hoje. O que será que aconteceu. Não importa! Bom para mim”. E, Yom Sheni (segunda-feira) a mesma coisa. E, Yom Shilishi (terça-feira), Yom Revyi (quarta-feira), Yom Hamishi (quinta-feira), Yom Shishi (sexta-feira) a mesma ausência.

    Yom Shabat (sábado), ele despertara já sem o apito do seu despertador. Continuou ainda deitado em sua confortável cama elétrica com colchões de astronauta, e não conseguia pensar em outra coisa, senão, nela. E vislumbrara em seus pensamentos o sorriso contagiante que enfeitava seu belo e limpo rosto redondo. Sua meiga voz de menina mimada. E seu gigante corpo perfeito. A ausência dela o fisgara, como as coloridas iscas artificiais dos profissionais esportistas pescadores. Aconteceu o que ele mais temia, se viu apaixonado, e sabia que esse sentimento era o mesmo que estar enfermo. Mas, agora, o que fazer, pensou. Ir procurá-la. Não! Isso era se entregar a loucura novamente. E se lastimou pelo fato de não ter dado o número do seu telefone a ela.

    Levantou-se da cama, foi ao banheiro, levantou a tampa da latrina e fez xixi. Deu descarga, e foi ao lavatório. Se olhou no espelho, e pela primeira vez viu um fio de cabelo branco em sua cabeça e dois em sua barba. “Meu deus!” Pensou. Abriu rapidamente a gaveta do lavatório procurando uma tesoura, e achando-a, rapidamente com cuidado fora até a raiz dos seus intrusos cabelos brancos para expulsá-los.

    — Estou ficando velho. — disse em alta voz para si mesmo.

    Teve medo por um instante de pânico de envelhecer sozinho. E pensou nela. Rapidamente entrara na banheira, ligara a ducha tomando um banho. Pegou a tolha, se enxugou apressadamente, passara um creme facial no rosto e se perfumara. Correu até o quarto, se vestindo elegantemente com roupas de verão. Uma curta bermuda branca, uma camiseta verde e uma sandália de couro esportiva. E, pensou em convidá-la para ir à praia em Herzliya.

    Ao chegar no prédio em que ela morava, correu em direção a porta, e não se lembrando o número do seu apartamento, não sabia em que botão devia apertar para chamá-la pelo interfone. Esperou um pouco, e teve a oportunidade quando um casal estava para sair, aproveitou essa oportunidade em que a porta fora aberta, adentrando-a. E subiu as escadas em direção ao terraço no quarto andar. Lá chegando, parou e fez um pequeno exercício de respiração para aliviar a tensão. E, antes de bater à porta hesitou, não sabendo bem o que dizer a ela. E quando fora bater, a porta se abriu. Sendo, que ambos se assustaram. E ela disse:

    — Você aqui! Eu já estava prestes a sair.

    — Pois é, resolvi ainda que tarde aceitar seu convite para tomar um café. Mas, vejo que tens compromisso.

    — Eu estava indo à praia.

    — Uau! Foi isso mesmo que vim fazer aqui, te convidar para ir à praia.

    — Ainda quer entrar e tomar um café antes?

    — Seria um prazer!

    Ele entrou, e viu que ela morava em um pequeno apartamento de solteiro de apenas um quarto, com uma pequena cozinha e banheiro acoplados. Mas, que continha uma enorme varanda no terraço com muitas flores, plantas, um cagado, um papagaio branco, uma iguana e três gatos. O apartamento era pequeno, mas estava muito bem organizado com uma cama de casal ao meio, a cozinha no estilo americano a frente, o banheiro ao lado e uma grande mesa com impressora e computador, improvisando um escritório de trabalho. Do outro lado havia também uma porta e uma larga janela que dava para varanda. O ambiente estava bem iluminado e confortável, havia odores de incenso, e um toque alegre maravilhosamente feminino. Muito distante do seu escuro apartamento, triste e sem graça. E, enquanto ela aprontava o café, ele disse ao se sentar a cama:

    — Bonito e aconchegante aqui.

    — Foi isso que você perdeu antes. Muito lento você, Sr. Lesma.

    — E você, apressada demais, Sra. Papa Léguas.

    — Viu!

    — Viu o quê?

    — Agora já estamos nos comportando como um casal rotineiro, discutindo por besteiras.

    — Rápida demais, menina! — Ele a alertou, e continuou — Nem começamos ainda a namorar, e você fala em casamento. Mas me diga, porque não foi ao parque correr essa semana.

    — Funcionou!

    — Funcionou o quê? — perguntou ele sem nada entender.

    — Não está vendo. — disse ela sorrindo, e fazendo um gesto obvio ao erguer a palma de suas mãos para cima, ao dobrar os cotovelos a linha do umbigo.

    — Como sou idiota! Shalom! — disse ele indo revoltado em direção a porta.

    — Bye! — disse ela tranquilamente sem olhar para traz, enquanto ainda preparava o café.

    Rapidamente ele saiu, e descendo as escadas às pressas, parou no meio, colocou a mão na cabeça, e dizia para si em voz alta:

    — Como sou idiota! Hahhhh!

    Continuou a descer, e ao chegar a porta. Hesitou em abri-la. E se viu completamente apaixonado e envolvido por ela. Tão rápido, mais rápido do que a velocidade dos pensamentos era a velocidade dos sentimentos. Sua cabeça lhe dizia: “Saia imediatamente dessa arapuca, e esqueça essa garota que só vai atrapalhar a sua vida”. E o coração rebatia, dizendo: “Volte imediatamente, peça desculpas e diga que gosta dela”.

    O coração foi mais forte, assim deu meia volta e subiu as escadas. E lá estava ela a porta, com duas xícaras na mão, uma de café e outra de chá de folhas de Luíza Limão do seu pequeno canteiro de ervas. Ele subiu a passos lentos em sua direção. E pediu desculpas, e ela abrindo os braços com as mãos ocupadas com as xícaras cheias, disse:

    — Só desculpo se me der um beijo.

    Ele se aproximou o mais perto possível, encostando barriga a barriga, e sentiu o calor atraente do corpo dela o chamando. Olho a olho se olhavam, e o olhar dela ficou meio vesgo, tornando-a mais linda e atraente, ainda mais do que já era. Suas respirações estavam ofegantes, e seus corações pulsavam tão alto, que faziam os líquidos das xícaras que estavam nas mãos dela ondularem pelas laterais, respigando todo o chão. E por um instante se cheiravam, enquanto seus narizes se tocavam. Rapidamente ele se afastou, pegando a xícara de café da mão dela, e disse:

    — Rápido demais, menina. Rápido demais…

    Ela sorriu, e ambos caminharam até a varanda. Assim, se sentaram um a frente do outro em uma pequena mesa de ferro, com a plataforma de cimento com mosaicos feitos de pedaços de azulejo que ela mesma confeccionara. E, apenas se olhavam por longos minutos sem nada dizer, enquanto saboreavam o gosto do café e chá, e os gatos se enroscavam em seus pés.

    Então, ele rompera o silêncio dizendo:

    — Vamos devagar, Ok! Assim será melhor e mais prazeroso. Não quero ter uma relação de palito de fósforo.

    — Como assim, palito de fósforo? — indagou ela.

    — Você tem uma caixa de fósforos? — perguntou.

    Ela sem nada dizer, adentrou a casa para apanhar. E trazendo, foi vagarosamente por detrás dele o abraçando em tons provocativos, enquanto estendia com uma das mãos a caixa de palitos de fósforos a frente dos seus olhos. Ele pegou a caixa, ela voltou ao seu assento, e ele disse:

    — Tome essa caixa, pegue um fósforo e acenda.

    E, assim como foi dito, ela fez. E ele disse:

    — Está vendo! O fósforo acendeu ligeiro se inflamando rapidamente, e da mesma forma ligeiro se apagou. O mesmo acontecerá conosco se formos tão depressa nisso. Tudo não passará de uma inflamante paixão. Devemos começar como uma pequena fogueira de acampamento. Catar folhas e palhas secas, colocar gravetos em cima, depois paus grossos e duros, e acendê-la com muita atenção cuidadosamente, e ir alimentando-a com esse combustível de matéria orgânica dura aos poucos, para que permaneça acesa, e venha nos aquecer por toda noite, até a vinda do sol.

    — Mas, essa sua fogueira só poderá ser acesa com um palito de fósforo, não é? — questionou a moça a sua frente com ironia.

    Nisso, ele se irritou novamente. E ela rapidamente disse:

    — Brincadeirinha, Sr. Nervosinho. — e sorriu como uma esperta menina, que ganhou a aposta.

    — Ok! Nada de telefones, SMS, Telegram, WhatsApp, Facebook, Skype e todas essas parafernálias da internet. Usaremos cartas. E só nos encontraremos no local especificado por elas. Faremos a moda antiga, antes da tecnologia. _ rebateu ele, irritado por se sentir derrotado.

    — E se as cartas não chegarem? Você sabe como são os correios aqui em Israel.

    — Vamos usar então uma empresa de correios privada. Não se preocupe, eu cobrirei todos os custos.

    — Está bem, Sr. A Moda Antiga — disse ela ironicamente concordando.

    Assim, terminaram com o café e chá, e foram para praia em Herzliya. Lá, conversaram bastante abrindo o livro de suas vidas um para o outro, e o tempo em que passaram juntos foram mágicos para os dois.

    Ele a levou de volta para o apartamento dela em Rosh Haayin. E, ao se despedir saindo do carro, enquanto ainda caminhavam até a porta do prédio, ela o surpreendeu com um beijo apaixonante em sua boca, em que ele nem ao menos teve chance de resistir, apenas pela altura dela, teve que ficar suspenso nas pontas dos pés. Então, ela percebendo o seu desconforto, o puxou ainda o beijando descendo para rua, enquanto ele ainda ficava sobre o paralelepípedo da calçada, dessa forma ele ficou mais alto e ela mais baixa. Esse beijo em que se abraçaram amorosamente, durou por quase dois minutos. Ao terminar ela disse se despedindo:

    — Isso foi apenas o palito de fósforo que acendeu a fogueira no nosso acampamento.

    E assim, ele e ela, Nimi e Einat se encontravam esporadicamente através de cartas que indicavam locais estratégicos como um jogo de RPG. Ela o escrevia cartas amorosas, as desenhando com lápis de cor, ou aquarela, e fazia também colagens de flores e folhas do seu jardim suspenso. Ele a enviava cartas com bombons e flores, sempre ditando os lugares de encontro como o mestre do jogo. Até que um dia, ela recebeu uma encomenda vinda em um carro forte de alta segurança, tendo que dar várias assinaturas nos protocolos de papeis para recebê-la. Parecia-lhe algo extremamente de muito valor financeiro, para vim com aqueles seguranças todos bem armados, com pistolas e escopetas Glock 9mm e .40 S&W. Era uma caixa grande que envolvia outras pequenas caixas, como degraus de escada de caixas sobre caixas. E, ao chegar à última e pequena caixa preta. Encontrou um pequeno papel vermelho, dobrado em quatro partes. E ao abri-lo, viu um número de telefone escrito em tinta negra: 0529516651. De imediato foi a sua bolsa procurando o seu smartphone, e ao achá-lo ligou imediatamente. E ao dizer alô, ouviu uma voz que emocionado perguntava:

    — Quer se casar comigo?

    — Rápido demais, seu moço. Nem ao menos ficamos noivos e você já pensa em casamento.

    Então, ele ao ouvir essa resposta, desligou de imediato o telefone.

    E, ela se desesperou dizendo para si: “Droga! Eu brinco demais com ele, e ele sempre me leva a sério. Apenas só repeti as suas palavras. Droga!”.

    Todavia, enquanto ela tentava ligar para ele novamente, desesperada para lhe dizer: “Sim! Era isso que eu mais desejava desde quando nos conhecemos”. Ela ouviu um toc, toc em sua porta. E abrindo-a, lá estava ele de joelhos com uma caixa de anéis na mão dizendo:

    — Case-se comigo agora Einat, mesmo que seja rápido demais! É que não precisamos mais da fogueira no nosso acampamento. Pois, o sol raiou, e já é dia!

  • De Yom Rishon (domingo) a Yom Hamishi (quinta-feira) — Crônicas do Parque

    Acordou exausto às quatro horas da manhã com o toque de uma suave música de flauta chinesa, em que configurara no aplicativo despertador do seu smartphone. Levantou-se de súbito sentando na cama com os olhos pesados de sono, em que o seu corpo estava a lhe implorar por mais algumas horas de descanso. Aquele momento era-lhe torturante, pronunciou mentalmente algumas palavras de conforto “Seja forte, vamos! Levante-se com o pé direito imediatamente’’. Assim, levantou-se indo caminhando a passos tontos em direção ao banheiro. Fora com a mão ao interruptor, ligou a luz, e seus olhos recebeu um choque luminoso profundo. Deu alguns passos curtos até o lavatório, ligou a torneira ajustando a água para que ficasse morna, juntou as mãos em forma de cuia e banhou o seu rosto, confortando sua alma. Olhou para o espelho, e olho a olho se confrontaram numa vermelhidão sangrenta, ‘’Mas um dia!’’, exclamou para si mesmo. Rapidamente fora até a cozinha, agora com mais energia, e colocará a água do café na chaleira para esquentar, ligou a máquina de moer grãos e foi à sala vestir-se com as roupas do trabalho. Despiu-se das roupas de dormir jogando-as de qualquer forma no sofá, restando no corpo apenas a cueca. Vestiu a calça, apertou o sinto, colocou a camisa, e por último uma toca para cobrir sua longa cabeleira de tranças naturais. Ao término dessa empreitada, a chaleira começou a apitar. Regressara a cozinha, pegara uma xícara e uma colherzinha, e fora a máquina de moer grãos. Colocou duas colheres de café colombiano que comprara na feira de Ramilah, em uma loja de tempero dos árabes, e pegando a chaleira que se encontrava apitando no fogão, despejou lentamente a água fervendo sobre o café moído que se encontrava deitado na xicara, em que prazerosamente inalava o vapor do café que subia envolvendo o seu rosto. Somente naquele momento de pura nostalgia, em que se entregava aquela sensação prazerosamente odorífica, que a angustia da sua correria matinal terminava. Após aqueles segundos de êxtase profundo, voltava a realidade, jogando três folhas secas de sálvia na xícara, misturando com a colherzinha o seu café. Assim, colocou o seu relógio digital waterproof no pulso, e lhe restava apenas trinta minutos para que a vã buzinasse a porta de sua casa para o levar ao seu ofício. Foi ao seu quarto, retirou o seu smartphone do carregador vistoriando para desligar o WI-FI, o Bluetooth e GPS. Fez um Task Killer em um aplicativo de segurança, para maximizar o rendimento da bateria, e o colocou no bolso. Retirou também rapidamente o carregador, enrolando o cabo no adaptador da tomada, e o colocou em um dos bolsos laterais de sua calça de trabalho. Deu um beijo rápido em sua amada esposa que se encontrava dormindo na cama, onde ela sussurrou sonolenta desejando-lhe um bom dia, e dizendo que o amava muito, e que também havia um delicioso bolo no forninho. Fora também a barriga dela e deu outro beijo, pois, esta, se encontrava gravida de cinco meses. Saiu rapidamente onde pegou o seu sapato de trabalho com suas meias no corredor, indo de imediato ao quarto das crianças. Foi a cama de sua filhinha de três anos e meio, deu-lhe um beijo desejando um bom dia, e depois a cama do seu filho de seis anos, que ao lhe dar um beijo, acordou de súbito, dizendo: “Papai eu te amo, fica aqui comigo”. Então, ele lhe disse em resposta: “Tenho que ir trabalhar meu príncipe, mas quando chegar o Papai brinca com você de pirata, Ok! Tenha um bom dia na escolinha”. Rapidamente saíra do quarto das crianças, e foi até a cozinha com uma das mãos segurando os seus sapatos e meias. Com a outra mão pegou a sua xícara de café, e foi até o lado de fora na varanda da sua casa, em que jogou os sapatos e meias no chão, e assentou a xícara numa pequena mesa. Regressa para dentro da casa, olha para o relógio em seu pulso, e apenas lhe restava mais quinze minutos. Fora até o forno e retirou apressado a forma com o bolo de Pereg e chocolate amargo, com cobertura de calda de chocolate branco, que sua esposa lhe fizera na noite anterior. Pegou a faca cortou duas fartas medias fatias, colocou em um pires, pôs uma colherzinha, devolveu a forma com o bolo para o forno, e correu para a varanda. Assentou o pires na mesinha, e apressadamente como de costume colocou suas meias e sapatos, em quanto dava goladas e colheradas no seu café e bolo. Depois de se calçar, enquanto ainda engolia e mastigava, lembrou-se que se esquecerá de molhar as plantas a noite. E olhando para o relógio, viu que apenas lhe restava dois minutos, até o pontual motorista chegar a Rua Rashi 8, no bairro de Oshiot, na cidade de Rehovot. Levantou-se sem pestanejar, pegou o regador, e enchendo de água às pressas molhava as suas plantinhas rezando para que Ohad se atrasasse pelo menos cinco minutos. E assim se deu, quando recebeu uma mensagem de Ohad pelo WhatsApp que iria se atrasar uns dez minutos, devido o caminhão do lixo estar retirando algumas podas de árvore no Tzomet (giratória), que ligava a rua Ya’akobi a Avenida Hertzl. Aliviado, molhara suas plantinhas, terminara seu café, e fizera sua oração meditativa para boa conduta do seu dia de Yom Sheni (segunda-feira) e jornada de trabalho no Parque de Kfar Saba. E este ciclo de bem e mal se repetia de Yom Rishon (domingo) a Yom Hamishi (quinta-feira).
  • Desejo

    para Gláucia (ex-noiva)

     

     

    Quero

    a nudez do teu corpo

    estampada em meu rosto.

     

    Em teus olhos, quero o amor

    e o seu espanto, o gosto da vez primeira

    e o teu último instante da minha espera...

     

     

     

  • DIVINUS ET MUNDANUS

    Livro resenhado:  Divinus et Mundanus

    Autor: Carlos Roberto Fernandes

    Categoria: Poesia

    Resenhista: Drª Onã Silva - A Poetisa do Cuidar

    Sonetos e Trovas – esta dupla de gênero literário marca as páginas do livro Divinus et Mundanus: em ritmo, rimas e riquezas poéticas. A concepção da obra é assim, em duo poético, do início ao fim, escrito explicitamente em português, mas o autor recorre fortemente ao latim, incluindo palavras e expressões da língua latina, em alguns versos – estilizando a literatura que se faz poesia em moldes arquitetônicos do cuidado.

    Contrastes poéticos e oposições estéticas estão nas linhas e nas entrelinhas da obra: o poeta ora poetiza na escola literária do Simbolismo, ora leva os seus versos para a escola do Parnasianismo; transita poeticamente em ambas vertentes literárias que se convergem (ou se divergem na obra?), pois tudo sobressai da verve do autor, em poesia.

    Como simbolista, o autor retrata e enfatiza nas poesias os aspectos religiosos, religiosidades e distintos sentimentos tristes-lúgubres-fatais. Como parnasiano, o autor trabalha os seus versos na linha deste pensar: diversifica e mergulha nas rimas esquadrinhadas, cuidadosamente, na métrica-fonética-estética da liricidade.

    Pode-se dizer que o autor emerge da obra figurativamente como “Arquiteto Poético do cuidado” – expressão derivada do termo por ele cunhado “Arquitetura do Cuidado” – pois ele se mostra como trovador e sonetista, inspirado nas suas reflexões que envolvem os versos em tríade: filosofia, arte e ciência do cuidado.

    Suas inspirações divinas simbolizam-se nos versos > Carlos, Trovador.

    Suas inspirações humanas parnaseiam-se nos sonetos < Carlos, Sonetista.

           Entre as trovas, os versos, os quartetos, os tercetos, os dois se encontram  [o trovador e o sonetista] sendo único e singular poeta, que nasce e renasce na estética do cuidado.

          Trovador et  Sonetista!

          Divina inspiração et Divina inspiratione!



    [1] Carlos Roberto Fernandes é acadêmico da Academia Internacional de Poetas e Escritores de Enfermagem (Academia IPÊ) e ocupa a  Cadeira nº 7 cuja patronesse é a enfermeira Zaíra Cintra Vidal (1903-1997). Suas titulações acadêmicas são: Graduado, Mestre e Doutor em Enfermagem. Atua como professor na Universidade Federal do Espírito Santo. Autor de livros da área de enfermagem, dentre eles: A Ferramenta Cósmica de Narciso; A violência moral na Enfermagem e Fundamentos do processo saúde-doença-cuidado; bem como de obras poéticas (individuais e coletivas). Também é Membro Efetivo da União Brasileira dos Trovadores-Seção Belo Horizonte/MG e da Academia Virtual Brasileira de Letras, cadeira 512, patrono Castro Alves.

    [1] Onã Silva - A Poetisa do Cuidar é escritora, filiada a diversas academias literárias e Presidente da Academia IPÊ. Graduada em Enfermagem e Artes Cênicas, Especialista em Saúde Pública, Mestre em Educação e Doutora. Escreve os seguintes gêneros literários: poesia, romance, crônica, dramaturgia, novela, contos e outros gêneros.  Algumas obras publicadas: A Quadradinha de Gude; Miriã, uma Enfermeira Bambambã; A Derrota de Penina, Histórias da Enfermagem no Universo de Cordel, Enfermagem com Poesia e outras. Recordista pelo RankBrasil Recordes. Premiada em concursos literários e de trabalhos científicos. Idealizadora dos projetos: Academia IPÊ e Enfermagem com Poesia: a arte sensível do cuidar.
  • Elleanor - conto/ficção

    elleanor02
    natal
    A traição será Vingada!

    ano:2019
    gênero: Fantasia / ebook
    autor: Marcos dos Santos
  • Entre Lobos - (conto-romance) 2/9

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    NÃO SE SINTA PERDIDO(A) Leia o capítulo anterior! Tenha uma ótima leitura!

    28 de setembro 1939

                John estava dormindo quando acordou com o barulho da velha motocicleta de Derek estacionando em frente a sua casa. Nem se deu ao trabalho de saber que horas eram, de qualquer forma tinha a completa certeza de que era cedo de mais para estar despertando. Sonolento, sentou sobre a borda da cama por um breve tempo e depois deixou o quarto sem calçar seus chinelos. Ligou as luzes da cozinha e serviu uma doze de whisky que tomou em apenas um gole. Serviu-se novamente. A porta de entrada foi aberta.

    — Mas que droga é essa gora, Dek? – com sua voz rouca, soltou antes mesmo que seu filho pudesse dizer qualquer coisa. — O que deu em você?!

    — Não foi nada de mais! – o outro respondeu em seguida.

    — Nada de mais? – riu-se. — Olha só pra essa tua cara! Um belo estrago, não?! – reparou ainda.

    — Garanto que a do outro não ficou tão linda assim! – defendeu-se indo em direção ao velho sofá onde deixou que seu corpo caísse depois de por seu capacete em um canto qualquer ali perto.

    Ficaram em silêncio por alguns segundos até começarem a rir juntos da situação.

    — Tome. – John estendeu o copo. — Quem sabe isso ajude a amortecer a situação. – pausa. — Hansly? – então soltou tentando identificar quem fora o oponente daquele embate.

    — O filho da mãe sempre cruza o meu caminho. – Derek respondeu confirmando.

    — Vocês têm de resolver isso de uma vez! – o homem sugeriu. — Não podem ficar se atracando toda vez que se encontram. Não são mais moleques, droga! – ainda acrescentou.

    — Dessa vez não provoquei nada. Mark está de prova – defendeu-se. — Só o que fiz foi revidar. – explicou antes de tirar um gole da bebida.

    — Mark. – o homem soltou descredibilizando o valor da testemunha. — Tanto pior. – acrescentou. — Só espero que esteja em pé amanhã pra podermos trabalhar. – comentou afastando-se. — Tony Mayer anda impaciente com a entrega da caminhonete. Precisamos entrega-la de uma vez. – John comentou.

    — O senhor pode ficar tranquilo. – Derek tentando despreocupar seu pai. — Estarei lá! – respeitoso, completou vendo John sumir no corredor.

    Derek trabalhava na oficina mecânica de seu pai, por conta disso, tinha conhecimento o suficiente para dar cabo de alguns trabalhos. No tempo em que estava de folga, mexia em sua motocicleta e até fazia alguns ajustes na moto de Mark, seu grande companheiro de noitadas. John e ele estavam finalizando alguns reparos na caminhonete de um cliente quando o rapaz apareceu.

    — Vai, Dek. – John avisou concentrado no motor a sua frente. Seu filho deu a partida e tudo pareceu estar em ordem, finalmente. — Ok! Está bem, pode desligar! – ergueu a mão. Desceu o capô. — Esse deu trabalho! – comentou dando duas batidas sobre a lataria do veículo. — Finalizamos por hoje. – satisfeito.

    — Quando Mayer vem pegá-lo? – Derek perguntou.

    — Bem... – limpava-se em um pano que parecia ainda mais sujo que as suas próprias mãos. — Eu poderia muito bem ligar, mas quero que você faça esse favor pra mim.

    Mark aproximou-se.

    — Já que a sua namorada chegou – provocou os dois. — Vá até a casa dele e peça pra que venha dar uma olhada nessa situação.

    — Claro! Mas preciso de um dinheiro. – falou sem rodeios. — Estou sem cigarros e...

    — Você é um grande mercenário é isso que você é. – jogou o pano sugo contra seu filho antes de ir até um balcão onde abriu uma gaveta e retirar uma pequena quantia em dinheiro. — Mas olha – Derek aproximou-se. — Vê se não vai se meter em confusão novamente... Um olho roxo já lhe basta. – debochou.

    Derek apenas assentiu com o semblante devolvendo o trapo sujo e enfiando o que recebera no bolso da calça suja. Saíram os dois em direção a saída do galpão.

    — A propósito!  – Mark já passos distante virou-se para o senhor. — Eu sou o homem da relação. – referiu-se a brincadeira feita anteriormente pelo senhor.

    — Caiam fora daqui! – John respondeu achando graça.

    Depois de passarem na casa de Tony, Mark e Derek foram para um local conhecido onde costumavam tomar cerveja e ficar jogando conversa fora. Derek comprou uma cerveja e um maço de cigarros enquanto ouvia o deboche do amigo sobre o estado que ficara sua cara depois da noite passada.

    — Ora, vê se cala essa boca! – Derek — Sabe muito bem que fui eu quem se saiu bem nessa. – tomou um gole no bico da garrafa. — Mas que droga de amigo você, hein!

    — Fato, é fato! – o outro de mãos estendidas. — E ele está bem estampado na sua cara. – completou a provocação.

    — Ei! – chamou a atenção do rapaz atrás do balcão. — Dê mais volume! – pediu apontando para o rádio. — Qualquer coisa é melhor do que ouvir essa tua voz! – voltou-se novamente para Mark.

     Então, aos poucos dentro doe estabelecimento as vozes foram se calando e por fim, todos puderam ouvir sobre o ataque massivo que havia sido feito sobre a Polônia. Tanto a Alemanha quando a União Soviética haviam investido forças para tomar o país. Finalmente, Varsóvia, capital da Polônia, havia se rendido ainda no dia anterior.

    — Dane-se essa droga! – um grandalhão soltou atravessando o bar depois de acabar com sua bebida.

    Grande parte dos que estavam por lá o miraram.

    — Essa DROGA! – Mark falou chamando a atenção do rapaz que passou ás suas costas. — Pode muito bem vir a acontecer aqui! Na nossa casa.

    — Dane-se o que você acha também sobre isso! – o rapaz respondeu apontando o dedo em direção a Mark que de imediato pôs-se em pé.

    — Ei! – Derek tocou-lhe o ombro mostrando que não valia apena criar caso.

    — Isso mesmo! – o rapaz continuou. — Escute o teu amigo ou vai acabar ficando com o rosto igual ao dele! – advertiu.

    — Seu filho da mãe! – Mark então perdeu a paciência.

    Os dois embolaram-se entre socos e empurrões, Mark obviamente não daria conta do grandalhão sozinho e até mesmo o dono do estabelecimento pediu para que Derek intervisse naquele embate que, possível e provavelmente lhe daria algum prejuízo. Antes de obrigar-se a dar apoio ao amigo, Derek tomou o restante de sua bebida e no mesmo instante em que pôs-se ereto viu Mark ser projetado para fora do bar como se fosse um mero saco de lixo sobre a calçada. Indo de encontro ao rapaz, deu lhe um murro no estômago que a princípio não mostrou qualquer efeito e o soco no rosto pareceu apenas deixa o outro ainda mais irritado. No lado de fora, enquanto se recuperava, Mark era acudido por duas belas moças.

    — Mas que filho da... – Derek vendo em que se metera afinal de contas.

    — Vamos terminar logo com isso! – o outro a sua frente disse armando-se para uma nova investida.

    CONFIRA também - Meu querido Manequim
                                 Humanos
  • Entre Lobos (conto-romance) 3/9

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    Não sinta-se perdido LEIA os capítulos anteriores! Tenha uma ótima leitura!

          Mary e Katherine vinham caminhando sobre a calçada quando viram, surpresas, seu primo alçando voo de dentro de um estabelecimento poucos metros a sua frente. O rapaz caiu completamente desengonçado e por esse motivo tiveram razões o suficiente para crer que ele não teria condições de erguer-se novamente, mas ainda mais incrédulas, viram ele, ainda meio zonzo, pôr-se em pé. Correram dar-lhe suporte.

    — Mark! – Mary assustada sem entender o que estava acontecendo. — Meu Deus! O que foi isso?! – o investigava de cima a baixo como se buscasse a certeza de que não lhe faltava qualquer pedaço.

    — Varsóvia! – o outro disse ofegante apoiando-se sobre os joelhos. — Maldito desgraçado! – soltou usando o restante do fôlego.

    — O que?! – no primeiro instante a única coisa que conseguiu pensar foi que se ele estivesse bêbado ou  provavelmente estava delirando por causa da queda.

    — Varsóvia foi rendida – continuou falando. — E aquele filho da mãe – mirou para dentro do bar. — Acha que está seguro. – sacudiu a cabeça negativamente. — Não hoje!

    — Mas do que você está falando?

    — Cuidado! – então advertiu afasto-as da entrada antes que fossem atropeladas pelos dois rapazes que agora saíam porta a fora socando-se.

    Sobre a calçada, depois de apartarem-se, Derek e o grandalhão passaram a se espreitar, um estudava o outro esperando o primeiro equívoco, um simples deslize para aquele embate chegar ao fim.

    — Nem sei bem ao certo o porquê de estarmos fazendo isso, cara! – Derek de punhos cerrados, fixo no oponente.

    — É um bom motivo pra você se arrepender de ter entrado nessa, então! – o outro respondeu.

    Então, todos ouviram a sirene soar e a viatura policial encostar rente a calçada.

    — Mas o que está havendo aqui? – o oficial falou sem deixar o veículo.

    Ambos se recompuseram, mas ainda se encarando.

    — Desculpa, chefe. – Mark adiantou-se. — Foi só um desentendimento entre... amigos. – buscou o semblante de Derek e o outro.

    — Mas olhem só... – o policial reconheceu Derek. — Parece que a confusão da noite passada não foi o suficiente, hein rapaz! Por que não me admira que você esteja no meio desse tumulto?

    — Eu...

    — Foi por minha causa! – Mark novamente. — Me desentendi com o... amigo – indicou com a face o grandalhão. — E... cá estamos nós. – soltou sem de fato explicar a situação. — Mas não foi nada de mais, já estamos... resolvidos, certo? – fitou o rapaz novamente que não respondeu, apenas ergueu mais o rosto mostrando superioridade.

    — Então é melhor que todos se acalmem. – o oficial falou com autoridade. — Ou vão acabar encrencados de verdade! Todos vocês. – completou antes de dar partida na viatura.

    O grandalhão passou uma das mãos sobre o lábio e sentiu o gosto do próprio sague. Sorriu.

    — Nada mal! – começou a recuar lentamente e por fim dando as costas para todos e indo embora.

    — Mas afinal de contas o que foi tudo isso?! – Mary completamente confusa. — Não acredito que você anda se envolvendo em confusão, Mark! – reprovou. — Titia não iria gostar nem um pouco de saber que...

    — Não se preocupe. – disse num tom calmo. — A propósito esse é Derek! – apresentou o amigo. — E obrigado, cara. – agradeceu em seguida.

    — Por ter levado uns socos por você? – o outro descontraiu. — Como eu poderia ter recusado!

    — Bem, me parece que os dois valentões estão satisfeitos, não? – Mary ainda tentou repreende-los.

    — Não muito! – Mark. — Ser jogado daquela forma foi humilhante. – completou vendo o sorriso machucado do amigo. — Me senti menosprezado, droga!

    Derek se ria ouvindo o amigo desgostoso quando passou a reparar na demasiada indiferença de uma das moças sobre tudo o que estava acontecendo. De fato, a garota ser quer havia dito uma única palavra desde que elas apareceram por lá. Talvez fosse tímida ou simplesmente, assim mostrou seu delicado e refinado modo de se vestir, ele a enojava. A verdade é que dificilmente se saberia ao certo e, de qualquer forma, aquele rosto doce com olhos claros lembrando dois diamantes azuis sutilmente lapidados, já havia aguçado a atenção dele. Como provavelmente aconteceria, a moça percebeu o olhar descarado e persistente sobre ela. Tentou desvencilhar-se buscando pontos que o tirassem de sua mira, mas obtinha sucesso por poucos segundos. Não demorou muito para que Mary reparasse no que estava acontecendo.

    — Bem... – Mary continuou. — Eu e Katy já estamos indo e aconselho a você a ir para casa também antes que arrume mais confusão. – sugeriu.

    — Estamos bem. – Mark declarou. — Foi só um imprevisto. – completou.

    — Você não tem mais jeito mesmo, Mark! – adiantou-se dando passagem para Katherine. — Não tem! – reforçou.

    Derek encontrava-se com as ideias distantes.

    — Ei! – Mark chamava o amigo. — Dek! – próximo a entrada do estabelecimento chamava o amigo. — Acho que merecemos tomarmos outra, não?

    — Por que nunca me falou sobre ela? – Derek então soltou.

    — O que? – voltou-se para o amigo.

    — Nunca me falou sobre essa sua prima... Kathy, não é?

    — Não! Não, não, não. Esquece! – o outro já cortando o assunto. — Nem pense nisso, cara. Vai encontrar problemas, ali!

    — E acaso não estou acostumado com isso? – abriu os braços mostrando sua situação. — Maldita hora que resolvi me envolver na tua confusão Mark! Ela deve estar me achando um animal.

    — Coisa que você não é, certo? – o amigo debochando.

    — Pro inferno! – cruzou por ele. — Você me deve essa e sabe disso! – deixou claro.

    — Pois bem! – Mark seguiu dizendo vendo o amigo entrar no bar. — Te pago uma cerveja, então!

    — Não! Não é o suficiente. – voltou a sentar-se de aonde havia saído. — Mas já é um começo. – acomodou-se dizendo por fim.
  • Entre Lobos (conto-romance) 6/9

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    Derek fumava escorado sobre o corrimão acompanhado de um copo de bebida e mais adiante, não muito distante de onde estava, Mark permanecia sentado sobre os poucos degraus que levavam a varanda. A rua em frente, monótona, estava tão quieta quanto os dois amigos.
    —... Quer me fazer de besta! Você está zombando de mim, Mark. – Derek então falou depois de soltar a fumaça do pulmão.
    — Acha que eu brincaria com uma coisa dessas? – o outro respondeu imediatamente. — Você deve ter percebido algo de estranho, não? Com ela. Queria saber o que esta havendo e estou te dizendo. – completou.
     — Mas... Impossível! Você mesmo viu o que aconteceu no parque! Por mais curta tenha sido nós tivemos uma conversa. – jogou contra. — Não? – riu-se.
    — Está bem, talvez a situação não seja exatamente como coloquei... Ao menos não ainda. Apesar de Katherine ter perdido grande parte da audição, não significa que não consiga nos ouvir. – tirou um gole da bebida. — Sinceramente fiquei surpreso que ela tenha se ariscado a falar com você, Dek. – comentou ainda. — Ela costuma ser extremamente reservada.
    O amigo ainda refletia sobre o que acabara de ouvir.
    — Reparando agora, isso explica muita coisa. – então, disse depois. — E como pode ser desfeito? – atencioso. — Isso pode ser desfeito. – reformulou a frase esperando que sua confirmação fosse apoiada pelo amigo.
    Mark negou com a cabeça antes de responder.
    — Não! – pesaroso com aquele fato. — E com o tempo só piora. Meus tios já procuraram todos os meios pra ver se ao menos isso pode ser interrompido, mas parece que vai chegar o dia em que ela simplesmente vai deixar de ouvir qualquer coisa, Dek. – esclareceu por fim. — E isso é muito triste de saber.
    Ficaram em silêncio.
    — Por isso, meu caro amigo, vou dizer uma última vez. – Mark pôs-se em pé. — Esquece essa história. Não vai querer essa situação pra você. Acredite.
    — Como?! – Derek surpreso. — Acho que não entendi direito. – precisou de confirmação.
    — Não, você me ouviu muito bem. – Mark afirmando o que havia dito. — Esqueça Katy.
    — Poxa vida, Mark! Achei que fosse ter ao menos o teu apoio! – insistiu.
    Antes de seguir falando o outro pôs seu copo vazio junto ao do amigo.
    — A surdez de Katy é só parte do problema, Dek. – continuou dando de mão em seu capacete. — Viu como Mary reagiu só de você trocar umas poucas palavras com ela, meu tio é tanto pior. – montou na motocicleta. — Acredite, cara! Se tem alguém que pode falar com propriedade, essa pessoa sou eu... Faça um favor a si mesmo. Esqueça Katherine ou isso pode não acabar bem.  E é tudo o que tenho a dizer sobre isso. – de ombros vestindo o acessório dando partida e indo embora.
    Derek continuou onde estava, fumando imóvel vendo o amigo levantar poeira da estrada. Não demorou muito e ouviu a porta atrás abrir e bater novamente. John aproximou-se dizendo
    — Deveria dar ouvidos ao que ele disse.
    — As espreitas agora? Não achei que o senhor agisse assim. – comentou vago buscando fitar o homem por cima do ombro.
    — Não pensa em levar isso adiante, não é? – o homem seguiu dizendo sem dar ouvidos ao que seu filho lhe dissera.
    — Bem... Parece que todos já sabem o que eu devo ou não fazer, não é? – respondeu tomando o restante de sua bebida e em seguida lançou o toco de cigarro na estrada antes de seguir para a porta de entrada.
    — Pense melhor, rapaz. – o homem sugeriu. — Essa não é como uma de suas brigas de rua. Ao mesmo consegue enxergar isso?
    — Claramente. – entrou deixando a porta bater. — Claramente. – repetiu.
    Na manhã seguinte, como de costume, John escutava os noticiários sobre o avanço da Alemanha. Foi surpreendido ao ver que Derek surgira mais alinhado com suas vestimentas, logo deduziu que seu filho preparara-se par uma ocasião mais formal.
    — O que merece todo esse cuidado? – falou.
    — Vou até a casa de Mark. – esclareceu o que deixou seu pai confuso. — Quero falar com os pais de Katherine e espero que ele me diga onde encontrá-los. – por fim.
    O home desfez-se do aparelho.
    — Mas que droga! Achei que tivéssemos resolvido esse assunto! – John sério. — Vai realmente insistir nessa história?
    — Já tomei minha decisão. – respondeu indo em direção a saída.
    — Não me dê às costas, rapaz! – o homem deixou o assento. — Não percebe o erro que está cometendo? Com pode considerar uma vida normal com alguém que um dia não vai nem escutar o que você diz?
    — Dane-se todos vocês! – Derek posicionou-se. — Não vou abrir mão daquilo que eu acredito por que vocês são covardes!
    — Cuidado, rapaz! – John o advertiu.
    — Covardes, sim! Não teriam coragem de enfrentar uma situação como essa e por isso se não conseguem mantê-la trancada querem impedir que o mundo não se aproxime dela.
    — E o que pretende fazer? Não tem culhões pra esse relacionamento, filho. – disse. — Mal consegue manter os bolsos cheios.
    — Ainda assim é o que pretendo fazer! – insistiu.
                — Pois bem. – deu de mãos abertas. — Resolva isso de uma vez, então! Quem sabe, depois de ser enxotado perceba quem está certo.
    Sem dar ouvidos Derek partiu.
    — Você enlouqueceu de vez, Dek! – Mark ainda sem acreditar no pedido do amigo. — Acaso ouviu alguma coisa do que eu disse ontem?
    — Cada palavra.
    — Cara, você realmente gosta dela, não é? – agora admirando a postura do amigo.
    — Assim que a vi, Mark. – respondeu. — Por isso preciso da tua ajuda. Não vou desistir sem que ela mesma deixe claro que não tem sentimentos por mim.
    Mark respirou fundo e soltou o ar.
    — Está bem! – então concordou. — Parece justo. Afinal de contas você já me ajudou tantas vezes. – estendeu a mão. Cumprimentaram-se com força. — Provavelmente meu tio me mate por dar apoio a isso, mas vejo que é sincero o que sente por Katy. Quem sabe eles também enxerguem...
    — Tudo de que preciso agora é do teu apoio. – Derek respondeu vendo transparecer na face do outro um sorriso de satisfação.
    CONFIRA TAMBÉM... Meu Querido Manequim / Humanos
    OBRIGADO a ATENÇÃO!
  • Entrevista com Alexandre Soares Ribeiro, autor do mangá 10º Símbolo

    1) A internet ofereceu ferramentas para que quadrinistas independentes pudessem mostrar o seu trabalho. Para além de uma vitrine, se tornou também um espaço de venda e distribuição das obras. Como você encara a relação entre o espaço virtual e os quadrinhos autorais?
    AR – Em primeiro lugar, muito grato pela oportunidade de falar sobre o tema de quadrinhos independentes. Quanto à pergunta, acredito que se por um lado é um excelente momento para inúmeros artistas procurarem o seu público, e é bastante interessante a exposição de obras criativas bem diferentes, por outro lado, o mundo das HQs independentes é bastante complicado, pois a maioria dos artistas não consegue viver apenas de sua arte, mas isso é apenas mais um desafio a ser transposto e considero que isso serve de estimulo para filtrar obras e autores que realmente desejam ter a determinação de persistir. Com isso em mente, mais cedo ou mais tarde, aqueles que forem disciplinados e tiverem um bom conteúdo penso que irão se destacar de forma digna e justa, apesar de todos os obstáculos.
    Assim, o espaço virtual torna-se uma grande ferramenta, porém, exige uma certa dedicação e estudo para que autores possam tirar todo o proveito de forma útil para conseguirem o engajamento do público que buscam. É uma tarefa contínua e sempre em evolução, pois o autor tem que pensar em muitas formas de tornar o seu trabalho interessante, devido à grande variedade de outros materiais e possibilidades, mas creio que pode haver espaço para todos aqueles que trabalharem com afinco.
    2) O desenho é uma das primeiras formas de comunicação de um ser humano. Você começou a produzir na adolescência. Qual o papel que o hábito do desenho desempenha na sua vida cotidiana?
    AR – Na verdade, desde mais tenra idade, o desenho para mim era algo mais do que uma brincadeira. Sempre dedicava mais tempo para o desenho do que uma criança comumente faria. O desenho era mais do que um espaço dedicado a exercício da imaginação como brincadeira, sempre senti que era um momento de criação e reflexão para elaborar mundos e ideias que só existiam e tinham muita importância em minha mente. Na adolescência, isso se ampliou e foi se tornando cada vez mais meu foco. Não só criava personagens, pensava na história de cada um, em seus detalhes, era como dar vida sem limites a algo desconhecido, mas que também deveria soar familiar como meio de comunicação e expressão diante das outras pessoas. O desenho no meu dia a dia é um modo de deixar a minha consciência sempre ativa e lúcida, trabalhando continuamente como um meio de me reconhecer, compreender meu valor como pessoa e procurar meu próprio jeito de me expressar perante o mundo a minha volta.
    3) Além de quadrinista, você trabalha no mercado publicitário desenvolvendo vários trabalhos. Nos conte um pouco como é o cenário para os ilustradores nessa área de atuação?
    AR – É bastante interessante sua pergunta, pois ela pode ter as mais variadas respostas devido as nuances do próprio mercado e dos clientes que possuem variadas formas de ver o profissional de desenho. Dentro da minha experiência pessoal, já passei por todos os tipos de situações, desde trabalhos onde a minha aptidão com desenho era extremamente valiosa para o cliente, bem como para outros, era um mero meio para atingir um fim específico, um pouco mais que um chamariz interessante, mas que o próprio cliente acabava vendo com um certo descaso. Então, o mercado é bastante complexo, pois até conseguir compreender onde estão e quem são os bons clientes e oportunidades, é necessária uma certa “intuição”, por assim dizer, para compreender tanto as necessidades do mercado, como o tipo de cliente com o qual se está lidando, bem como o tipo de projeto que será proposto. Apesar de na maioria do tempo, o desenho em nosso país não ser algo valorizado como deveria, há sim profissionais e clientes engajados que compreendem o valor tanto artístico, quanto comercial que a arte da ilustração possui, pois existe um o toque singular e imensamente ilimitado que o desenho pode dar a qualquer projeto devido a como cada profissional tem um jeito único de se expressar. Assim, aliado a uma boa técnica, projetos, produtos ou ideias que acabariam passando despercebidos podem realmente se destacar de forma relevante através da ilustração, ajudando não somente a somar valor para o cliente, como também reforçar a importância dos profissionais dessa área como um todo.
    4) Nas décadas de 1960-1970, o Brasil possuía um mercado de publicação de obras em estilo mangá. Eram publicados pela Editora Edrel. Ao longo dos anos, perseguição política e crises econômicas acabaram minando a construção de um mercado de quadrinhos nacionais, no sentido amplo. Como você analisa a interferência dos aspectos econômicos e políticos na produção de quadrinhos?
    AR – Dentro dessa questão, o que vejo como ponto mais importante é que em toda a crise, seja ela de cunho social, político ou econômico toda a forma de expressão cultural é a primeira a sofrer, mas também a primeira a se fortalecer na tentativa de sobreviver àquilo que tenta minar o avanço de ideias e a evolução da consciência sobre como a sociedade está lidando com aquele momento específico. Apesar de não termos um mercado realmente próspero completamente estabelecido, fico surpreso com a capacidade e a determinação de artistas e simpatizantes da nona arte em sempre buscarem novos meios de continuar dando um passo adiante. O povo brasileiro é um povo extremamente criativo, devido a sua grande diversidade cultural, e por este mesmo motivo, creio que acabamos nos reinventando a cada dificuldade que encontramos. No mercado americano, por exemplo, ao mesmo tempo em que um artista de HQ pode se tornar altamente reconhecido, o mesmo não tem às vezes tanta liberdade para fazer completamente tudo o que quiser, pois muitas vezes está preso a uma cartilha comercial e a contratos que não permitem certas experimentações. No mercado japonês de mangá, ao mesmo tempo em que um artista pode atingir um grau elevado de reconhecimento, o mesmo também pode ficar extremamente preso a sua obra ou ao seu trabalho, e isso pode gerar um alto nível de tensão, tanto de cunho comercial como pessoal, pois conheço casos em que o mercado editorial japonês é tão pesado, que um artista praticamente não possui dias de folga, apenas algumas horas em determinados dias. Isso torna aquele mercado extremamente denso, culturalmente falando, com uma grande pressão produtiva. Então, no Brasil, apesar de todas as dificuldades, a nossa diversidade e informalidade nos propícia inventar meios diferentes de trabalhar com quadrinhos como em nenhum outro lugar. Podemos abordar quase qualquer tema da forma que quisermos, dentro de um bom senso é claro. Sinceramente falando, não sou lá muito fã de um mercado altamente formalizado, pois se pelo aspecto mais profissional é interessante uma base de sustento fechada, para outros acaba se perdendo a oportunidade para o espaço de novas ideias e formatos de trabalho. Não há grandes investimentos formais em todo o tipo de ideias e fica-se preso à coisas, como a Turma da Mônica (que é um excelente trabalho, mas que praticamente não tem nenhum concorrente a sua altura. Por este motivo é que gosto tanto do trabalho independente, pois cada artista dependerá do seu nível de competência, empenho e engajamento com seu próprio projeto para se destacar de alguma forma. Então, vejo que mesmo não tendo um mercado mais formal que poderia dar mais estabilidade a inúmeros profissionais de ilustração, talvez ficássemos presos a situações em que a diversidade seria mais restrita. É na dificuldade que vejo como podemos ser criativos e diferentes, possuindo uma pluralidade que não existe tanto em outros lugares do mundo. Então, mesmo quando passamos por crises que interferem na produção de quadrinhos, sinto que temos capacidade de sobra para inventar outros meios de sobrevivência da cultura das HQs em nosso país. O ponto-chave é o engajamento, e toda a forma de arte sempre lutou contra tudo que a pudesse barrar de qualquer forma. Então, mesmo que existam interferências e problemas pelo caminho, a nossa diversidade é a nossa maior força, fazendo com que muitos artistas continuem empenhados em criar novas formas de estabelecer meios de produção e comunicação realmente singulares. Isso ajuda a dar força a nossa diversidade cultural e a busca da resolução dos problemas que os artistas e profissionais envolvidos com HQ no Brasil enfrentam. Nosso mercado sobrevive com muita dificuldade, mas sobrevive como nenhum outro poderia, pois quanto mais diversidade de meios de perseverança, mais chances teremos de que uma semente vingue e menos limitações para sua evolução na busca de formas para continuarmos seguindo em frente.
    5) Em 2020, as sucessivas crises políticas e econômicas já deixavam o mercado editorial em alerta. Somado isso a uma pandemia e greve dos Correios, nos parece que as pessoas voltaram a redescobrir o prazer de ler em seu isolamento social. Um quadrinista independente pode se aproveitar desse momento para viabilizar suas publicações e quais ferramentas ele pode usar para difundir a sua obra?
    AR – Realmente, apesar das complicações sociais geradas pelo isolamento social, existe uma janela de possibilidades diferenciada. Dependendo de como era o posicionamento editorial de uma determinada empresa ou de um autor independente, o momento pode ser propício para alguns e danoso para outros. Explico: aquele mercado editorial que já era mais virtual, e que se voltava para um foco em vendas on-line, ou que tinha ao menos uma boa parcela de sua produção destinada a esse mercado, acabou por ter uma grande vantagem. Atualmente, tenho feito alguns trabalhos free-lancer sobre demanda para uma editora focada em livros infantis e de saúde mental para adultos do Sul do país, que já tinha um bom foco em vendas on-line e com a situação a qual estamos vivenciando, suas vendas dispararam, como nunca antes, trazendo um excelente momento para a ampliação e ainda mais foco na produção para as vendas virtuais. Isso mostra que é necessário compreender as ferramentas disponíveis, estudando e compreendo-as para que possam ser usadas da melhor forma possível, dentro dos objetivos que se busca, seja na abordagem de uma empresa ou um autor independente. Creio que neste sentido, autores independentes já tem uma pequena vantagem, pois muitos já utilizavam as redes sociais para estabelecer o seu espaço. E com essa parada brusca de uma grande parte da população, onde a rotina foi desacelerada ou alterada por completo, o meio virtual que já é tão presente em nossas vidas se tornou a nossa forma mais intensa de interação com as pessoas e com o mundo, abrindo também espaço de tempo para novas buscas virtuais, às quais não se teriam tanta disponibilidade anteriormente. Creio que para os quadrinistas é um momento no mínimo diferente de tudo, pois se houver um trabalho sério e continuo para a divulgação de seu trabalho ou projeto, como as pessoas tiveram mais tempo para ficarem navegando nas redes, as probabilidades de se conseguir engajamento e visibilidade estão bem maiores. Mesmo que diante de tamanha crise social e sanitária tenhamos imensas dificuldades, aqueles que conseguirem se adaptar e aceitar melhor todas as exigências que essa dificuldade restritiva impõe com criatividade e trabalho árduo, conseguirão passar por este momento de uma forma, digamos assim, com uma resiliência mais natural que os demais, pois já estão acostumados com limitações, dificuldades ou seu foco já era diferenciado no que se refere à sua exposição, pois sempre buscavam ativamente novas oportunidades. Apesar de todas as suas complicações e efeitos que provavelmente durarão anos, aqueles que se atualizarem a este momento, conseguirão também um espaço. Aqueles que conseguirem ver as brechas e chances que os demais mais habituados a uma maneira mais pragmática não conseguem, irão se destacar e saberão melhor como agir. As pessoas estão utilizando mais as redes sociais, com mais tempo, então a probabilidade de alcance se ampliou a quem conseguir criar ou já tiver um trabalho sério. Acredito que quem realmente souber inovar terá sua chance para poder se destacar de alguma maneira.
    6) Seu traço tem um quê de singular. Tem uma identidade muito bem definida, ao mesmo tempo em que nos remete aos anos 80. Quais influências o ajudaram a elaborar o seu estilo de desenho?
    AR – Muito interessante como você notou essa nuance, realmente, sou uma cria dessa década, apesar de durante todos os anos 80 ter sido criança e só ter entrado na adolescência nos anos 90, sempre prestei muita atenção na cultura dos desenhos da época, seja através de desenhos animados ou animes, quanto de modo impresso. Sempre fui muito eclético quanto a desenhos, então consumia de tudo um pouco. Creio que as mais variadas formas de desenho possuem o seu valor único e que não podem ser comparados sem profundidade. Não consigo ver um desenho realista sendo altamente superior a um desenho cartoon, apenas com base em um exame sobre qual técnica exige mais tempo, ou horas dedicadas, ou ainda mais perfeccionismo de detalhes. Por exemplo, um ilustrador realista pode perder horas e até dias, semanas ou meses fazendo um único desenho, isso apura sua técnica e ele fica cada vez melhor em reproduzir fielmente aquilo que usa como referência para a sua arte para fazer o mais idêntico possível ao que ele vê. Porém, observemos um ilustrador de cartoon, que cria um jeito único de se expressar, algo nunca visto antes, algo que só aquele artista vê daquela forma. Ele também dedicará horas, dias, semanas, meses e até anos pare refinar cada vez mais o seu traço, a sua técnica e o seu universo de ideias para os personagens e histórias que está criando. Gosto muito de dar o exemplo, para este caso, do cartunista Jim Davis, criador do personagem Garfield. Pegue suas primeiras tiras, sua linguagem tanto em sua abordagem de comunicação, quanto sua técnica de traço foram refinadas e cada vez mais aprimoradas com o tempo. Isso levou décadas para ser ajustado. Houve a dedicação de toda uma vida para que o personagem fosse único em todos os sentidos. Então, o esmero de Jim, vai além de aprimorar a sua técnica de desenho, mas em evoluir todo o universo e a linguagem expressiva desse personagem. É por isso, que minhas influências são tão expandidas, estou sempre observando valores diferentes para as mais diversas técnicas de desenhos ou expressão de ideias através da ilustração. Tenho uma lista bem grande dos principais artistas que gosto. Hoje em dia, vejo muitos desenhos singulares, mas com um jeito de se expressar que foram indo em contraponto a um modo mais polido de desenho, que era característico dos anos 80.  Pegue desenhos animados do Tom e Jerry antigos, os cenários eram bem mais trabalhados, cores ricas em detalhamento e uma abordagem mais bela tecnicamente falando. Em comparação, os desenhos atuais destes mesmos personagens têm uma melhora em certas técnicas, porém, a polidez se foi, o esmero com detalhes foi deixado um pouco de lado mediante a facilitação para a sua produção e a busca por baratear custos. Os tempos são outros, claro, mas se por um lado há inúmeros desenhos que só são possíveis de serem produzidos nos dias de hoje, por outro lado muitas técnicas acabaram sofrendo uma baixa em certos aspectos que faziam com que os desenhos mais antigos fossem belíssimos. E isso também serve para animes, veja como eram feitos alguns, como por exemplo o aclamado filme - Akira - de Katsuhiro Otomo, apesar de termos técnicas superiores para a produção de um anime, ele se destaca até os dias de hoje devido ao grande esmero e aguçado requinte de detalhes em sua criação. Então, em resumo, possuo inúmeras influências tanto ocidentais, quanto orientais, desde o cartoon mais louco e despojado, até a arte mais rica em detalhes e mais acadêmica. Por isso, o meu estilo mangá, mesmo podendo ser visível certas referências, há uma gama de nuances, pois primeiramente gostava de desenhar no estilo comics americano. Então, adaptei o estilo ocidental somando detalhes únicos do estilo oriental. É fácil ver que eu desenho mangá, porém, por buscar um detalhamento singular para o meu traço, o meu jeito de criar nesse estilo é bem diferenciado e até incomum. Tento fazer algo que misture coisas clássicas e modernas, mas o meu maior foco, são os detalhes, mas claro, dentro de um contexto com verdadeiros motivos para que aquele mínimo detalhe esteja ali quando o ilustro. Por isso estou sempre em busca do equilibro entre a polidez, a simplicidade com detalhes que façam a diferença de forma profunda. Um exemplo disto, é que todos os meus personagens, apesar da minha identidade bem definida de criação, nenhum é realmente parecido com o outro. Sempre há detalhes que busco dar e que sejam realmente importantes para a caracterização de um personagem em sua distinção mais plena em vista de outro. No estilo mangá é bem comum que personagens variem muito pouco em alguns detalhes, e geralmente, o cabelo é que dá a maior diferença de um para o outro. Há o exemplo disto em alguns ilustradores americanos também variando muito pouco o rosto dos personagens e até seus corpos, porém, eles tentam diferenciar muito mais os personagens. Assim, eu busco dar a cada personagem diferenças realmente únicas. Tenho dezenas de personagens que desejo mostrar em minha série de mangá o 10º Símbolo, e cada um tem detalhes muito singulares, que dão extremas distinções entre eles. É muito corriqueiro que as pessoas vejam similaridade entre o meu traço e o de Dragon Ball Z, porém, os personagens de Akira Toryama variam pouco anatomicamente falando, salvo um ou outro que possuem maior destaque de diferenças. Entretanto, vejo que a esmagadora maioria dos personagens deste grande autor, que é sim uma grande referência para mim, variam muito pouco no formato de rosto, olhos, nariz, boca, orelhas, sobrancelhas, formato da cabeça, mas estas são as bases do desenho de Akira, e não há nada de errado nisso, são seus fundamentos chave. Já nos meus, estou sempre buscando trazer diferenças ao máximo possível, esta é a base para reconhecer o meu traço, bem como o meu modo de expressão. Eu procuro ir numa vertente onde quase nenhum personagem meu terá coisas muito parecidas com os outros. Procuro no mínimo misturar bastante as minhas bases. Posso ter umas sete formas de fazer uma orelha, 10 de fazer os olhos, 5 de fazer a boca, 20 para os formatos de cabeça e rosto, 8 para sobrancelhas, 9 para nariz, 10 estilos de corpos... e por aí vai; tento misturar isso tudo, pegando cada elemento e ir fazendo combinações diferentes para cada personagem com bastante atenção. Não é só o formato do cabelo ou roupas que fará aquele personagem diferente, são todos os seus detalhes mais básicos, como sua própria anatomia em todos os seus pormenores que passam despercebidos em primeiro momento. Claro, isso as vezes não é tão prático na produção de mangás, porém, creio que ajuda no destaque. É como se cada personagem meu fosse uma senha, composta por, digamos, 4 dígitos. Então, se calcularmos esses dígitos, na criação de meus personagens, eu teria um nível de distinção de 10 mil combinações ou distinções possíveis. Assim sendo, isso salienta um volume de acabamentos únicos ao meu universo de ideias, e devo dizer, amo criar sem parar. É isso que busco, sempre aquele detalhe único que fará toda a diferença no meu estilo de traço e de criação.
    7) Os quadrinistas possuem, basicamente, ao menos três formas para publicar. O modo tradicional, através de submissão por uma editora; a publicação através de concursos; e por fim, a autopublicação, seja impressa ou digital. Comente como você percebe cada uma dessas formas.
    AR – Cresci lendo em primeiro momento alguns cartoons, mas principalmente quadrinhos de super-heróis americanos e só posteriormente com 12-13 anos, me aprofundei mais na leitura de mangás. Já lá pelos meus 20 anos, busquei algumas coisas mais alternativas com um destaque diferente. Por isso, consigo perceber bem, e acho que todo mundo consegue perceber, no primeiro caso do mercado através das editoras há uma certa frequência de fórmulas repetidas. Principalmente nos quadrinhos americanos, que poucas vezes buscam criar algo novo de fato (isso nas grandes séries de histórias em quadrinhos), focando uma vez ou outra mais numa renovação ou atualização do que já existe. No oriente, isso não é um grande problema, pois culturalmente, mesmo com toda uma questão de produção comercial, muitos personagens tem uma história mais próxima da nossa realidade, no que diz respeito a sua evolução. Muitos personagens nascem, crescem e morrem de forma definitiva. Ou seja, há um grande espaço para renovação real e para surgimento de algo completamente diferente. Entretanto, ambos os mercados têm suas práticas mais rígidas comerciais, que não permitem tanta experimentação mais abrangente de fato em alguns casos, mas é bem claro que os mangás tem maior vantagem neste sentido, mesmo com toda a pressão que alguns artistas recebem devido à como se dá a cadeia produtiva. Já nos quadrinhos americanos, para surgir coisas realmente diferentes no mercado mais massivo, há de se contar com uma grande criatividade e uma capacidade expressiva bem diferente, que poucos artistas conseguem ter, e como o foco muitas vezes pode ser apenas a venda de fato, o conteúdo pode ser bem mediano, na grande maioria do tempo com quase nada muito diferente, pois muitas das histórias e personagens estão praticamente em um tempo infinito, com uma progressão ilusória sobre a passagem de tempo, mas sempre retornando a um certo estado idêntico das coisas como eram antes, podendo haver uma diferença aqui e outra ali, mas o status quo geralmente volta ao que era para um novo começo não muito longe de sua base.
    Quanto a publicação através de concursos, realmente sei muito pouco, pois não sou tão engajado nessa estrutura. Mais creio que tudo pode ser válido no sentido de ter sua obra publicada, toda a oportunidade deve ser utilizada, desde que bem compreendida para isso. Eu gosto sempre de me preparar para as coisas, planejar, ter ideias realmente práticas e de qualidade, para alcançar o objetivo de forma satisfatória, mas claro, quando possível, ultrapassando expectativas, só que com um pé na realidade, por mais idealista que eu seja. Até mesmo porque isso ajuda na disciplina de criação para que não haja desapontamentos ou a criação de expectativas desmedidas. Então, se eu fosse por este caminho dos concursos, eu realmente estudaria bastante sobre isso para poder aproveitar as vantagens e me desviar ao máximo das desvantagens que essa possibilidade pode apresentar.
    Já a autopublicação é onde eu realmente me encontrei, apesar de procurar seguir uma determinada disciplina de criação, tenho um jeito muito peculiar de fazer as coisas. Então, me cobro demais para fazer certas coisas, mas essa cobrança é com base na minha realidade e de como enxergo aquilo que vou produzir, e não através de um grupo de pessoas ou uma organização. Não que seja ruim, ter uma troca de ideias para se aprimorar ou até mesmo uma imposição de alguns limites editoriais, mas é que prezo muito por uma liberdade no meu modo de produzir e criar que não encontrei em nenhum outro caminho. Quando considero um detalhe importante, mesmo que de fato não o use de todo naquele instante, posso achar interessante usar meu tempo para aquilo, pois isso, esse trabalho mental, de criar intensamente, faz parte de mim, pois prefiro criar muito e depois ir apenas lapidando o que considerar essencial, do que já me determinar muito por uma orientação muito presa, onde não posso extrapolar certos conceitos porque certas regras impõem outro caminho de produção. Procuro sempre cumprir prazos, principalmente aqueles que imponho a mim mesmo, porém, não deixo que isso estrague a qualidade do que quero expressar. Por isso, cada vez mais me vejo como um quadrinista independente em todos os sentidos, para poder me expressar de forma integral sobre aquilo que desejo, seja com as minhas qualidades ou defeitos. Evoluindo assim de forma mais natural e menos impositiva, mas claro, me cobro muito mais do que qualquer um me cobraria, quando me determino a produzir algo, só que essa auto cobrança tende a ser muito mais satisfatória no sentido que alcanço meus objetivos com mais autenticidade. Conseguindo revelar essencialmente muito mais sobre mim, meu método de trabalho e forma de criação.
    8) Eu considero 10º Símbolo um achado do mangá nacional. Ele está em financiamento coletivo pelo Catarse. Já vimos muitos casos de sucesso no Catarse de obras nacionais, em mercados considerados de nicho, como o RPG. Bem, agora chegou o momento. Nos conte sobre o seu projeto, quais as recompensas e o diferencial da sua obra.
    AR – Realmente, foram anos me preparando para este momento, e fico muito feliz com isso, pois também fiquei muito grato de encontrar uma ferramenta como o catarse que auxilia muitos artistas e autores, que assim como eu, sonham em ter sua obra produzida, encontrando um público que sinceramente tiver afinidade pelo projeto. Isso não tem preço. Também é excelente ver o quão criativo, diversificado e único é essa cultura de orçamento coletivo. Antes de criar o meu projeto, passei mais ou menos 2 meses estudando a plataforma, vendo inúmeros projetos bem-sucedidos, mas principalmente, com um nível de qualidade superior até mesmo ao de grandes editoras. Isso não só me surpreendeu, como me motivou a entender que esse também era o meu caminho. E ver uma comunidade como é a plataforma Catarse, um verdadeiro celeiro de criatividade e de infinitas possibilidades, me ajudou a ter um senso de autoconfiança e de empatia maior com autores independentes, pois encontrei muitos projetos e autores extremamente apaixonados por aquilo que fazem. Isso é ótimo, pois é sempre bacana ver pessoas que estão em um caminho parecido com o seu, mas com sua própria história para contar e seu espaço por conquistar.
    Quanto ao meu projeto, creio que o meu principal diferencial é que quero abordar ideias bastante originais, mesmo que hajam coisas que possuam similaridade com algo já existente, garanto que a abordagem será realmente única em todos os sentidos. Em meu universo, ou melhor, no mundo pós-apocalíptico que criei, existem 5 espécies de seres humanos diferentes coexistindo. Não sendo isso o bastante, uma força externa sobrepujou todo o planeta, ou seja, são espécies em conflito, tendo que lidar com algo que as dominou, mas veja bem, nesse mundo, nada é o que parece, e o que os leitores acharem muito óbvio, com certeza não será, conforme as edições forem sendo produzidas por mim. O que desejo entregar com essa primeira publicação e começo de universo é algo genuíno, que possa de fato de alguma forma ser familiar, mas que forme conexão com tantas coisas que poderiam não ter nada em comum, mas que darão corpo e um requinte de detalhes originais. Desejo também passar uma mensagem interessante e relevante, de esperança, de união, da forma mais original possível, mesmo que haja entretenimento envolvido, e isso se dará conforme as próximas edições forem se seguindo. Nada, do que irei trazer para essa história, será colocado ao acaso, algumas coisas terão linearidade e outras nem tanto, mas tudo faz sentido no todo e tem sua importância no final. Foram anos dedicados a criar uma coesão para estes personagens e sua história. Então, acho que é chegado o momento de ver até onde até tudo isso pode ir, com o apoio de todos os colaboradores que tiverem interesse no projeto.
    Na questão das recompensas em busca de apoio, basicamente preparei 8 materiais, distribuídos em 12 combinações, pensadas com muito carinho visando agregar muito valor e gratidão à todo o suporte dado pelos apoiadores. Os materiais são os seguintes:
    - Prévia- digital do prólogo de introdução da história 10º Símbolo (algo para que realmente as pessoas já possam se envolver, enquanto esperam a produção impressa do mangá e as demais recompensas);
    - Revista Impressa em formato A5 (14,5 x 21cm);
    - Artbook Galeria de Criação de Personagens (20 x 20cm);
    - Mochila Saco Sport personalizada 10º Símbolo;
    - Camiseta Quality 100% Algodão Personalizada com Estampa Digital;
    - Quadro Tamanho A4 (21 x 29,7cm), com vidro acrílico e moldura preta;
    - Quadro Tamanho A3 (29,7 x 42cm), com vidro acrílico e moldura preta;
    - Quadro Especial em Tamanho A3 (29,7 x 42cm), com vidro acrílico e moldura preta e arte original exclusiva com dedicatória;
    9) Quais obras você indicaria o prazer de uma leitura ou para inspirar os nossos quadrinistas?
    AR – Bem, acho que posso citar 9 obras do universo de quadrinhos e mangás que realmente valem muito a pena conhecer.
    DC Comics - Reino do Amanhã (1996) - Mark Waid  e Alex Ross: para mim, essa é uma leitura obrigatória para todo o fã dos tão famosos super-heróis, já tão introduzidos em nossa cultura. É uma história bastante aclamada e famosa, mas o que mais amo nela, é toda a sua riqueza de detalhes, em como os seus autores trabalharam heróis clássicos como Mulher-Maravilha, Superman, Batman, Flash e tantos outros com um tremendo respeito a tudo que veio antes sobre eles, mas sem deixar de trazer algo novo. É uma homenagem extraordinária, fora que acho impressionante o estilo de narrativa e arte do ilustrador Alex Ross.
    DC Comics - Superman: Paz na Terra (1998) - Paul Dini e Alex Ross: além de ser o meu personagem favorito de toda a cultura dos quadrinhos, o Superman nessa história em particular mostra seus maiores valores como ser humano, pois foi criado assim, apesar de todos os seus grandes poderes. Na obra é mostrado o que realmente motiva o Superman a ajudar as pessoas, bem como são reveladas limitações muito palpáveis do alcance de sua ajuda, mostrando que até mesmo este grande personagem tem limitações bem parecidas com as nossas. Para mim, é uma das melhores histórias do Superman. Tenho um carinho muito especial por essa edição, pois comprei ela assim que chegou ao Brasil e ainda a tenho ela até hoje, muito bem conservada.
    Marvel Comics - Marvels  (1994) - Kurt Busiek  e Alex Ross: esta história é um deleite incrível, não só pela sua arte, mas também em como o roteiro conseguiu conectar tantos detalhes do universo Marvel, com tantos acontecimentos importantes envolvendo seus principais personagens. É quase que uma história documental, ainda mais por ser colocada através da perspectiva de um personagem que é um fotografo.  
    Marvel Comics - Hulk e Coisa (1990) - Jim Starlin e Berni Wrightson: o personagem Hulk é meu personagem preferido da Marvel, por toda a carga dramática que o personagem carrega, bem como pelos seus poderes que se conectam na conturbada relação entre Banner e seu alter ego extremamente poderoso. Porém, quanto a essa história, acho ela sensacional, por que tanto Hulk, quanto o personagem Coisa são levados a uma aventura única em suas vidas, bem como completamente hilária. O Hulk é suavizado em seus poderes, mas de uma forma altamente contextualizada, e o personagem faz um contraponto tendo que ser o cérebro da dupla, sendo que o mesmo tem características bem parecidas com a do gigante verde-esmeralda. A arte em particular desta revista é excelente em todos os sentidos, passando com grande expressividade todas as ações e reações dos personagens. Vale muito a pena essa leitura.
    Marvel Comics - Hulk: O Último Titã (2002) – Peter David e Dale Keown: nesta história, finalmente Hulk prova o que sempre afirmou “ele é o mais forte que há”... porém, isso tem um custo elevado. Para mim, essa história revela uma das faces mais profundas e dramáticas do Hulk e sua força, com todos os seus pensamentos distorcidos sobre ela, bem como a grande separação que Bruce Banner fez dentro de si mesmo que parece ser irreversível.
    Mangá - Battle Angel Alita: Gunnn Hyper Future Vision (1990) - Yukito Kishiro: essa é a clássica obra cyberpunk consagrada do autor/ilustrador Yukito. Uma história rica em detalhes e com personagens realmente incríveis, a começar pela própria protagonista Alita e seu passado obscuro por sua falta de memória. É uma obra incrível tanto no seu enredo futurista para dar fundo às motivações de personagens bons e maus, quanto no seu traço com sua arte altamente detalhada e impecável.
    Mangá – Blade - A Lâmina do Imortal (1993-2012) - Hiroaki Samura: no Japão feudal, onde um Samurai renegado chamado Manji resolve seguir seu próprio código de honra, devido a importantes acontecimentos em sua vida, que não só o tornaram imortal, mas que também o fazem parecer como se fossem uma espécie de “Samurai-Punk” com atitudes de uma certa sabedoria bem despojada, que fazem com que você se interesse cada vez mais pela história, como por exemplo, o fato dele se tornar guarda-costas de uma garota, de nome Rin, que busca vingança por seus pais, mas que acaba descobrindo que o caminho para isso é muito mais difícil e complexo do que ela pensa. É um dos meus mangás preferidos disparado.
    Mangá – Slam Dunk (1990-1996) – Takehiko Inoue: quando recebi uma propaganda que tinha apenas 6 páginas dessa série de mangá, sinceramente foi o que bastou. Personagens cativantes, uma história muito envolvente e o mais importante, hilária demais. É diversão pura do início ao fim com um enredo de muita qualidade, fazendo você se importar com cada personagem com todas as suas qualidades e defeitos.  
    Livro – Desvendando os Quadrinhos (2004) - Scott McCloud: esta é uma leitura altamente interessante. O autor dela conseguiu a façanha de explicar toda a cultura que envolve os quadrinhos, tanto ocidentais quanto orientais de forma soberba, através de um livro que também é uma história em quadrinhos em si. Depois que li este livro, evoluí em muitos conceitos como ilustrador e autor de HQs. Creio ser uma obra obrigatória a todos que desejem realmente entender, apreciar melhor e produzir quadrinhos. É um livro eloquente, muito bem trabalhado e altamente criativo em sua abordagem. Recomendo em todos os sentidos.
    10) Essa pergunta aqui já é ordem da casa: quais os planos para o futuro?
    AR –
    Para falar do futuro, preciso falar um pouquinho sobre o passado. Por volta dos meus 16 anos, foi quando criei a primeira versão dessa história, que com o passar do tempo evoluiu comigo. Assim que tive maturidade para criar um enredo e uma série de histórias e personagens para preencher este universo que está apenas começando.
    Minha pretensão é criar este primeiro volume, mas posteriormente continuar e estabelecer ao todo uma série com 10 volumes para estabelecer o arco completo da história do Mangá - 10º Símbolo. Ao todo já tenho o enredo de todos os 10 volumes, mas de roteiro, tenho de fato pronto os 6 primeiros volumes e estou trabalhando aos poucos nos demais.
    Sendo bem-sucedido nestes 10 volumes, desejo também criar mais 8 histórias, que se intercalam com a história principal, mas não necessariamente seguem completamente sua linearidade, pois seriam histórias para dar mais profundidade a certos personagens, a determinados detalhes e acontecimentos serão citados durante o mesmo período da história principal. Serão histórias paralelas, que ajudariam contextualizar alguns conceitos, que também me dariam mais oportunidade e liberdade para explorar algumas ideias que tenho para dar mais densidade a este universo.
    Também desejo produzir uma história, talvez em um volume apenas, contando coisas que se passarão mil anos depois da história principal de o 10º Símbolo.
    Outro desejo meu é fazer uma série de 3 a 6 volumes, contando uma história que se passa nesse universo, mas que terá poucas conexões diretas, pois se passaria muitos séculos antes, algo mais contemporâneo a nossa realidade, em um futuro mais próximo à nós, para estes eu já tenho um enredo bem estabelecido.
    Bem, o futuro a si mesmo pertence, então, creio que o objetivo principal seja focar no caminho dessa primeira publicação e ver até onde essa jornada pode chegar.
    Mais uma vez, muito grato pela oportunidade e pela conversa, bem como a todos os leitores desta matéria!
  • Entrevista com Bruno Vieira – CEO da Craftcomicbook

    1- Como surgiu a ideia da Craftcomicbook?
    R- A Craft surgiu a partir de uma necessidade. Antes de criar a empresa eu era dono de um estúdio de histórias em quadrinhos e livros formado por mim e um grupo de amigos, no ano de 2017 tentamos lançar uma hq pelo Catarse para participarmos de um evento, a campanha infelizmente não deu certo e nos vimos diante à um problema, já que não levaríamos nada para vender no artist alley que confirmamos presença. Ao me deparar com um vídeo ensinando como fazer um bullet journal artesanal eu acabei tentando adaptar a ideia para a nossa hq, mesmo que de forma bastante amadora, confeccionei cerca de 30 exemplares e participamos do evento, vendemos todos. Depois do fim do estúdio por diversas razões, vi neste modelo uma oportunidade de apoio a autores que passam pelos mesmos problemas que enfrentei durante a minha carreira, como as grandes tiragens obrigatórias por parte das gráficas, altos custos para a impressão e grandes estoques. Com o modelo de impressos por demanda e sem custos para autores consegui resolver estes principais pontos e busco resolver outras questões, como a capacitação por parte dos autores na parte mais administrativas e distribuição dos exemplares em território nacional.
    2- Como a crise editorial afetou a Craftcomicbook em 2018?
    R- Na verdade não sentimos a crise com tanta intensidade, pelo contrário, a Craft no ano de 2018 superou minhas expectativas tanto nos avanços referentes a qualidade gráfica quanto no volume de autores e leitores dentro da plataforma. A crise na verdade foi uma forma de alerta ao nosso modelo de negócios e me fez pensar em como eu posso usar o meu trabalho para ajudar de alguma forma neste momento.
    3- A ideia de que o brasileiro não gosta de ler, o artista nacional não é valorizado e as editoras não gostam de investir é um mito ou uma realidade?
    R- Infelizmente tudo leva a crer que sim, é uma realidade. Nós brasileiros não temos o hábito de leitura e isto piora quando se diz respeito a obras nacionais, já que sofremos com um preconceito onde somente trabalhos internacionais são valorizados e isso resulta em falta de investimento por parte das editoras. Mas não podemos ficar quietos diante a esta realidade, já passamos muito tempo de braços cruzados, reclamando principalmente da postura das editoras, mas só veremos resultados se pararmos de cobrar os outros e cobrarmos de nós mesmos. O que eu como plataforma posso fazer para mudar isso? O que eu como autor posso fazer para chamar a atenção dos leitores? O que eu como autor posso fazer para chamar a atenção das grandes editoras? E claro, para descobrirmos as respostar para estas questões é preciso colocar a mão na massa.
    4- Como funciona o modelo de publicação da Craftcomicbook?
    R- É só enviar sua obra para o e-mail: craftcomicbooks@gmail.com
    Depois envio o orçamento para o seu e-mail e você decide quanto receberá por cada venda feita. Desta maneira iremos adicionar o valor do seu lucro junto ao preço de custo para definir o valor de venda. Depois criarei uma página na loja onde a sua obra será vendida, caso queira um exemplar para conferir a qualidade pessoalmente, cobramos o valor correspondente a confecção e envio. O autor terá acesso a uma página onde conseguirá acompanhar os seus ganhos em tempo real. Ao reunir o valor mínimo de R$100,00 o autor poderá efetuar o saque e o valor obtido será depositado em sua conta bancária.
     5- Como você definiria o atual mercado nacional de editoração?
    R- Estou esperançoso. Mesmo que as grandes editoras e livrarias estejam passando por momentos difíceis os autores independentes se destacam com trabalhos excepcionais. Claro, ainda temos muito a conquistar, mas aposto nos independentes, tenho fé que são estes autores que irão fazer o mercado de editoração nacional se movimentar e se recuperar.
    6- Qual o diferencial da Craftcomicbook?
    R- Outras plataformas oferecem a impressão por demanda, mas quando o assunto é a customização dos exemplares, nos destacamos. Brinco que na verdade a Craft é um self-service de histórias em quadrinhos e livros, onde o leitor pode escolher a obra que mais lhe agrada, no tamanho que é mais confortável para ele e com a qualidade de impressão que deseja.
    7- Quais tipos de títulos a Craftcomicbook oferece?
    R- Histórias em quadrinhos, livros, revista, artbooks, entre outros materiais impressos.
    8- Como o Correio atrapalha a Craftcomicbook?
    R- Os atrasos, a extrema falta de cuidado e os extravios. Infelizmente a empresa não presa pelo respeito aos seus clientes e isso interfere de forma direta a nossa relação tanto com o leitor, quanto com o autor que confia nos nossos serviços.
    9 – Quais os seus projetos para o futuro?
    R- Bom, confesso que são um pouco ambiciosos, mas vamos lá. Para 2019 pretendo lançar as histórias em quadrinhos oficiais da Craft Comic Books, obras onde o leitor conseguirá customizar até mesmo a história, escolhendo os caminhos das personagens, as suas atitudes, diálogos e até o estilo da mesma. Criarei um sistema de assinaturas para que o leitor receba mensalmente uma caixa com exemplares da Craft com capas e brindes exclusivos. Buscarei novos modelos de apoio a autores, como fornecer exemplares sem custos para lançamentos e participações em artist alleys. Fornecerei novas opções de customização nos exemplares, como obras em capa dura, formato americano, impressos em papel couchê, capas com orelhas, entre outros. E por fim, testarei um modelo estratégico que busca disponibilizar exemplares independentes nacionais em bancas de revistas e livrarias em todo o território brasileiro.
    10 – Faça um convite para os seus leitores.
    R – Se você leitor deseja ter total controle quanto aos seus livros e histórias em quadrinhos quando se diz respeito ao formato que mais lhe agrada, a Craft Comic Books é o lugar certo pra você. São mais de 100 obras originais e feitas por autores brasileiros que estão disponíveis no nosso catálogo e novas hqs e livros são lançados toda semana! Faço também um convite aos autores, se busca uma maneira de lançar o seu impresso, entre em contato conosco, farei tudo o que estiver ao meu alcance para que esta parceria gere bons frutos para todos nós.
    Deixe abaixo links e endereços para que os leitores possam visitar:
    Site: craftcomicbooks.com
    Facebook: facebook.com/craftcomicbooks
    Instagram: @craftcomics
    Youtube: Craft Comic Books
  • Entrevista com Fábio Gesse Dalphorno e Lucas Gesse Dalphorno, cocriadores da Editora Estúdio Armon

    1- 2020 foi o ano sabotador de sonhos. Tivemos uma pandemia de COVID-19, uma doença viral e sem tratamento precoce. Um presidente que incentivou automedicação e o desrespeito as medidas de contenção da doença. Um Ministério da Saúde descoordenado, para não dizer o mínimo. E quem mais sofreu com isso foi o setor cultural. O impacto da pandemia para artistas e redes colaborativas de cultura não está no gibi. Qual o real impacto dessa conjuntura no Estúdio Armon?
    FG – Primeiramente, obrigado pela oportunidade de mais uma entrevista, é sempre um prazer. Bom, pra falar bem a real, não tivemos um impacto tão grande ao longo do ano de 2020, por piores que as coisas tenham parecido. No ano passado, talvez por conta das pessoas ficarem mais em casa e precisarem distrair a cabeça de tantos problemas que a humanidade passou, a venda de livros e gibis aumentou um pouco no geral. Graças a Deus posso dizer que no Estúdio Armon também seguiu esse rumo. Acredito que 2020 foi o ano que mais vendemos quadrinhos em toda nossa história. Fico feliz em saber que algumas pessoas confiaram em nossas obras para aliviar a dureza dos dias durante a pandemia. Acho que o único impacto foi um auto imposto por nós mesmos no primeiro semestre. Tínhamos um cronograma de lançamentos mais recheado para o ano todo, mas como tinha muita gente passando necessidade e cortando gastos supérfluos de seus orçamentos, decidimos esperar que a situação melhorasse um pouco pra começar a lançar quadrinhos, achamos que seria meio “contra a maré” se começássemos a oferecer produtos para pessoas que talvez quisessem comprar mas não pudessem. Quanto ao lançamento online de quadrinhos também não foi afetado. Aliás, o impacto verdadeiro virá agora em 2021, porque graças à crise, tudo aumentou, inclusive o papel usado para fazer nossos gibis e provavelmente vai dar dor de cabeça manter preços tão convidativos.
    LG – Obrigado também pela possibilidade da entrevista, estamos sempre aí! Então, nesse aspecto o Fábio meio que já falou tudo, mas faço questão de destacar o problema do papel que tem subido demais, espero que as coisas se estabilizem logo.
    2- Num momento como esse, estratégias contingenciais, se não são necessárias, se fazem urgentes. Quais foram as táticas desenvolvidas pelo Estúdio Armon para contornar as consequências da pandemia?
    FG – Como disse na pergunta anterior, vamos entrar nas consequências agora em 2021 com o aumento dos preços de tudo. Ainda estamos pensando em que estratégia tomar para que os preços não subam muito. Ficar sem lançar nada está fora de cogitação, mas talvez adiar alguns títulos ou tentar parceria com as gráficas buscando um preço menor. Ainda estamos estudando.
    3- A Editora Estúdio Armon se expandiu para diversas plataformas e mídias ao longo dos anos. Citem quais são e qual a recepção do público?
    FG – Na verdade estamos sempre tentando coisas novas, entrando e saindo de plataformas de acordo com o feedback. Dentro de plataformas, atualmente estamos trabalhando com nosso site, que acredito que seja o ponto central pra conhecer tudo que publicamos, Union Mangás, ISSUU, Calaméo, Agakê e Super Comics, ainda com planos de entrar na Fliptru e algumas outras. Quanto a recepção, nosso site recebe muitos acessos e comentários nas obras, é bastante ativo. A Union Mangás, por ser um lugar mais pra scans, a galera não recebe muito bem. Por vezes temos críticas bem naquele estilo infantil, provavelmente de crianças que nem leram pra falar mal, mas continuamos por lá porque a qualidade da plataforma compensa. ISSUU não abre espaço pra feedback e o número de views nem sempre é realista. O Calaméo entramos agora, então não tenho como comentar a respeito. Quanto aos apps para celular, o Agakê está em manutenção há meses, mas lá andava bem parado antes disso também. O Super Comics tem sido nossa boia salva vidas nesse mercado, porque ele abre espaço para editoras publicarem e fornece ganhos pelos downloads das obras. A recepção lá tem sido o suficiente pra conseguirmos pagar alguns trocados aos artistas pelos downloads das obras e ainda manter as contas do estúdio.
    4- O Estúdio Armon acabou se tornando a representação nacional de como o mercado editorial deveria funcionar. Sabemos que avanços precisam ser feitos, e que esse esforço é coletivo, e não individualizante. Qual a percepção de vocês em relação a esse aspecto? Consideram positivo serem elencados ao espaço do modelo?
    FG – Não é questão de considerar positivo ou não, mas sendo bastante sincero, eu não vejo dessa forma (risos). Não vejo o mercado vendo no Estúdio Armon uma representação de como o mercado editorial deveria funcionar. Ainda somos muito pequenos e, de longe, não temos a visibilidade suficiente pra poder chegar a pensar que talvez um dia possamos ser modelo pra algo. Temos muitos problemas, muitas falhas e muito a melhorar ainda. Constantemente me deparo com coisas que preciso melhorar mas ainda não tenho capacidade ou tempo o suficiente e isso me frustra um pouco. Mas essa estrutura que sigo, sendo modelo pra alguém ou não, é uma que acho que pode dar cada vez mais certo, conforme formos crescendo.
    5- Mesmo para um grupo que realiza trabalhos autorais, a Editora Estúdio Armon já galgou alguns espaços. Qual o balanço de conquistas até aqui?
    FG – Tenho orgulho de dizer que ao longo dessa jornada, conquistamos algumas coisas que nem sequer sonhei que poderia quando abri o estúdio. Tipo, para algumas pessoas, essas conquistas podem não ser tão expressivas, mas são coisas que eu nem consigo acreditar às vezes. Como por exemplo, manter uma revista mensal por mais de 5 anos sem falhas (mesmo aos trancos e barrancos e com muitos defeitos pra serem corrigidos) e ainda ter uma dessas 64 edições (até o momento), indicada ao Troféu HQ Mix na categoria Publicação Mix. Outra conquista dentro do HQ Mix foi a coletânea HarmoniHQ também sendo indicada na categoria Publicação Independente de Grupo. Não ganhamos os prêmios, mas fomos indicados a nível nacional. Aparecemos dentre outros tantos que admiramos e isso já não tem preço. Outras conquistas são financiar obras com sucesso no Catarse, ter o trabalho reconhecido por alguns canais de mídia, ver que tantas pessoas jovens e aspirantes a quadrinistas sonham em publicar conosco... Algumas conquistas particulares, como quando encontro algum quadrinista ou editor que admiro em algum evento, comento sobre o estúdio e me respondem “ah, conheço o trabalho, é bem maneiro”... É bobo? É, mas pra mim é muito prazeroso e conto como conquista. Enfim... Já fui muito além do que eu esperava no mercado de quadrinhos quando eu abri o Estúdio Armon em 2012... Tudo que vier a partir daí é lucro.
    6- Apesar de todo o vento contra, o mercado da cultura pop japonesa está a todo vapor no Brasil. De todas as editoras de quadrinhos brasileiras, ou das editoras que publicam livros de ficção especulativa, ao menos a maioria delas já publicou ao menos um mangá. O Loading parece ter se firmado como um canal de TV, atraindo um público otaku e órfão da TV brasileira. O Anistage, plataforma de streaming de animação nacional, aposta em animes. Como vocês percebem essas novidades?
    FG – É muito legal ver essas iniciativas surgindo no mercado! Acho que são muito bem-vindas e faltam pessoas pra arriscar em diversas áreas com um bom planejamento. Estou de olho em tudo que anda surgindo porque me divirto sabendo das novidades que podem beneficiar esse mercado dentro do país.
    LG – A possibilidade de expansão das mídias que envolvem quadrinhos é algo incrível de se pensar, sigo na torcida de que todas essas iniciativas possam ter um grande sucesso para que surjam ainda mais novidades que surpreendam tanto na área dos mangás quanto das obras nacionais!
    7- A Editora Estúdio Armon fez diversas parcerias em 2020. Comentem sobre elas e quais as futuras parcerias?
    FG – Dentre as parcerias de 2020, firmamos com a Kanikoss Moda Nerd, para finalmente criar algumas camisetas com estampas nossas. A Kaktus Entretenimento, que é uma empresa que acaba de surgir, visando atingir o mercado de brinquedos, esculturas e jogos. A parceria com a Super Comics se solidificou mais ainda em 2020 também. Agora para 2021 queremos solidificar ainda mais com a Kanikoss e a Kaktus. A Kanikoss pretende começar a vender quadrinhos também e provavelmente mandaremos os nossos para a loja física deles no Rio de Janeiro. A Kaktus tem projetos ambiciosos de fazer uma linha de action figures nossas, que se iniciou no Catarse de Utopian Vol. 1, além também de projetos pra jogos de tabuleiro e card games... Mas claro, tudo isso vai depender se o público vai receber bem e apoiar esses projetos. Também queremos entrar em mais plataformas e a próxima delas é a Fliptru. Enfim, tem algumas outras parcerias que estão sendo conversadas, mas ainda não posso comentar a respeito.
    LG – Em primeiro lugar, gostaria de agradecer demais a Kanikoss, a Kaktus Entretenimento e ao Super Comics por possibilitarem que essas parcerias se tornem realidade, sendo bem sincero, acho que todo desenhista sonha em ver suas obras e personagens em camisetas, action figures e em multiplataformas de leitura online! Sou super fã do trabalho deles e é recompensador saber que temos parcerias tão legais nessa caminhada para todos crescerem juntos, muito obrigado!
    8- Citem quais títulos já publicaram e quais títulos estão trabalhando ultimamente?
    FG – Eu acho que se eu responder todos os títulos que já publicamos de forma independente, essa resposta passaria de 100 linhas fácil (risos). Vou me limitar a sugerir que visitem o nosso site para ver tudo que já publicamos digitalmente e acessar nossa loja para ver tudo que ainda temos disponível de forma física. Quanto aos títulos que estamos trabalhando atualmente, digitalmente são dezenas dentro da Action Hiken. Fisicamente, estamos com Utopian Vol. 1 rodando na gráfica neste momento. Outros que estão sendo trabalhados pro lançamento físico são Oxente Vol. 2, que deve ser o próximo, também Sideral Vol. 1, O Som da Coragem Vol. 2 (e a reimpressão do Vol. 1) e uma coletânea de one-shots do artista Paulo Alberto, que será chamada Histórias Daquele Cara Estranho. Tem mais alguns pro segundo semestre que ainda não posso falar... Tudo depende se conseguiremos lançar todos esses no primeiro semestre mesmo com os aumentos abusivos do preço do papel.
    LG – Bom, meu irmão já pontuou mais ou menos a prévia dos próximos lançamentos, então vou focar nos títulos que eu pessoalmente estou trabalhando. Atualmente tenho em andamento o De Repente, Shoujo!! Que, por enquanto, pela quantidade de capítulos, ainda não encaixaria num volume impresso, e existe também uma coletânea de one-shots minha com o Fábio que está em planejamento, talvez logo-logo eu consiga passar mais notícias sobre isso (hahahaha).
    9- Qual o cronograma de lançamentos da Editora Estúdio Armon no ano de 2021?
    FG – Eita, já disse tudo na pergunta anterior (risos). Mas vamos lá, nesta ordem e com previsão de mês (que podem ser alteradas ainda):
    Março: Catarse de Oxente Vol. 2 com lançamento previsto para Junho
    Abril: Pré-venda de Histórias Daquele Cara Estranho na loja, com previsão de lançamento para Maio.
    Maio: Pré-venda de O Som da Coragem Vols. 01 e 02 com lançamento previsto para Julho.
    Junho: Catarse de Sideral Vol. 1 com lançamento previsto para Setembro.
    Agosto: Catarse de Fada Mortífera Formatinhos 4, 5 e 6 com lançamento previsto para Novembro.
    Se vamos conseguir cumprir esse cronograma, só Deus sabe. Algumas coisas podem sofrer alteração de data, de acordo com o andamento do ano e os imprevistos. E podem surgir coisas diferentes na segunda metade do ano, mas por enquanto o planejamento é esse aí.
    10- Deixem alguma mensagem para os nossos leitores e leitoras.
    FG – Às vezes é difícil quantificar o crescimento do trabalho que realizamos, pra mim ainda fazemos quadrinhos amadores pra nós mesmos, mas quando vejo comentários, vídeos a respeito, entrevistas como essa e a galera pedindo mais ou recomendando nosso trabalho por aí, fico realmente satisfeito de todo o esforço realizado. Obrigado por tudo e pelos feedbacks que nos tem dado!
    LG – Muito obrigado por acompanharem nosso trabalho e o trabalho do nosso digníssimo entrevistador, contamos com a força e o apoio de vocês!
  • Entrevista com Ingrid Oliveira – autora de Age of Guardian

    1- Age of Guardian, de modo indubitável, é um dos pilares da Revista Action Hiken, como você recebe essa notícia?
    IO- Acredito que isso deva por ser uma das obras mais antigas da Action, já são 3 anos publicando por ela. E, acredito que maior parte seja por conta do meu traço também, as pessoas sempre o elogiam. Mas, ainda quero poder melhorar mais, ainda não cheguei no nível que esteja satisfeito com resultados das minhas páginas.

    2- Como está estruturado esse mundo de AOG?
    IO- O mundo e AOG é algo misto, que mistura elementos mais modernos que vai até mesmo para alguns medievais em alguns aspectos. Também é dividido entre pessoas que possuem habilidades, aquelas que pertence a algum clã que o poder seja derivado de um Guardião ou até mesmo aqueles que adquirem o poder de forma artificial através de uma pedra chamada “ Black Diamond” e as pessoas comuns. Mas assim como o mundo que vivemos, nem sempre aqueles que são diferentes são visto com bons olhos.

    3- Você é uma mulher escrevendo histórias para rapazes, você sofre preconceito por causa disso?
    IO-  Bom, na verdade AoG é para todos Kkk Mas, falando sério, eu nunca tive problemas com isso ou algo perto disso. Pelo menos até hoje.

    4- Nos fale um pouco dos materiais usados nos seus desenhos?
    IO- Eu costumo esboçar as páginas com grafite vermelho, depois defino melhor com o grafite normal e por fim finalizo com a caneta nanquim. Depois desse processo é só escanear e editar no Photoshop.

    5- Além de AOG, quais outros trabalhos você já publicou?
    IO- AOG foi meu primeiro, eu simplesmente me joguei de cabeça nisso. Mas, pretendo lançar outros em breve.

    6- O que não compensa e o que compensa na vida de um mangaká?
    IO- (Silêncio).

    7- Como a internet te auxilia na produção de mangás?
    IO- Ela me auxilia principalmente quando eu preciso de alguma referência de algo que não estou conseguindo desenhar e também os vídeos que vejo pra me ajudar a agregar mais coisas a obra.

    8- Como você equilibra sua vida pessoal e a profissional?
    IO- A verdade é que não consigo fazer isso ainda kkk Às vezes eu viro a noite desenhando por não conseguir desenhar ou editar durante o  dia. Eu preciso aprender organizar melhor meus horários, isso é um fato. 

    9 – Como você enxerga o mercado nacional de mangás daqui a 10 anos?
    IO- Se continuar seguindo nesse ritmo, acredito que possa está bem melhor e mais aceitável pelo público. A qualidade dos mangás estão cada vez melhores e os autores têm essa preocupação de sempre trazer um trabalho bem feito e caprichado. E, hoje em dia, a qualidade de alguns impressos não fica para trás das grandes obras japonesas e isso só tende a crescer.

    10 – Quais os seus projetos para o futuro?
    IO – Atualmente, estou focando no encadernado do 1 volume de AOG e também traduzir os capítulos para o inglês, para que possa alcançar um novo público.
  • Entrevista com Larissa Gomes – autora de Cidadolls

    1- Com certeza você é uma das autoras mais promissoras que nosso atual mercado editorial nos apresentou. Como você definiria a escritora: Larissa Gomes?
    LG - Bem, definiria como uma fuga do óbvio e ir além do realismo. Puxando a imaginação, em imagens que surgem por músicas e sonhos.
    2- As editoras independentes tem mostrado como se publica livro em tempos de crise econômica. Essa crise é sentida nos autores independentes de que forma?
    LG - A crise é sentida de uma forma forte e triste, principalmente na área literária. Não é grande a população brasileira que é ligada à leitura e ultimamente a venda de livros tanto físicos quanto virtuais teve queda.
    3- Como a crise das grandes livrarias afeta as pequenas editoras e plataformas de publicação alternativas no seu ponto de vista?
    LG - As livrarias muitas vezes costumam adquirir livros de inúmeras editoras para o catálogo, porém com a crise elas costumam priorizar editoras de nome maior no mercado.
    4- Qual a maior dificuldade de se trabalhar em um romance do gênero terror?
    LG - O terror, por ser um gênero que instiga o imaginário em várias formas e aumenta a visão dos horrores do consciente, pode ser um desafio para escrever. O cuidado é para não ultrapassar o desconforto em um nível que deixa de ser apenas a adrenalina de uma boa trama.
    5- Todo escritor tem um acervo básico de referências na cachola. Se você tivesse que citar suas maiores influências, quais seriam e porquê?
    LG - Minhas maiores referências vão desde escritores há diretores de cinema. Mencionarei dois aqui, que inspiram minhas horas: Edgar Allan Poe e Tim Burton. Ambos, apesar de universos diferentes trazem o ar gótico e estilo excêntrico que amo me inspirar nas obras.
    6- Seu livro une terror e steampunk, um pouco de fantasia, bonecas e tem até um escritor como protagonista! Como é que você uniu tantos elementos diversos e formou a trama do livro Cidadolls?
    LG - O livro traz as referências que coleto na minha vida, além dos toques de surrealismo vindos de meus sonhos. As imagens da trama vêem com músicas e estímulos externos, se formando em um universo novo misturando estilos.
    7- Pergunta indiscreta: existe bloqueio criativo ou falta de gestão de tempo?
    LG - Bloqueio criativo, creio que sempre tem. Em um momento, a história trava e chego a pensar que não vai ir mais. No entanto, quando deixamos a mente descansar tudo retorna bem.
    8- Como um autor independente faz para brigar por um espaço ao sol com os livros estrangeiros de autores já consagrados?
    LG - Divulgando. Creio que divulgando bastante e tentando ampliar os locais onde sua história é ouvida, pode trazer mais espaço e um reconhecimento que se aproxime do que esperamos para a arte que fazemos.
    9 – Uma autora prolífica como você deve estar produzindo algo aí, nos conte tudo e não esconda nada! Quais os planos para o futuro?
    LG - Estou escrevendo ultimamente a continuidade da saga Cidadolls, além de um livro de fantasia que pretendo seguir adiante.
    10 – Qual lembrete a autora gostaria de deixar para os seus leitores?
    LG – O que eu peço para eles, é apenas uma coisa: Nunca esquecer a imaginação. Creio que, deixar-se imaginar é uma porta para mundos incríveis e viagens que a realidade pode estar longe de proporcionar.
    Deixe abaixo links e endereços para que os leitores possam visitar:
    Instagram  — @larissaactress, @ditebowery
    Mais informação do livro na bio do Instagram @editoraimmortal.
    https://www.facebook.com/EditoraImmortal/
    https://www.clubedeautores.com.br/livro/cidadolls#.XP_CFdJKgfc
    https://www.amazon.com.br/Cidadolls-Larissa-Gomes-ebook/dp/B07L2LMY7W
  • Entrevista com Matheus Braga – autor de O Landau vermelho

    1 – Quem é Matheus Braga e porque você resolveu contar a história de um carro assassino?
    R – Já começamos com uma pergunta difícil, porque sou péssimo para falar de mim mesmo, rsrsrsrs. Bem, posso dizer que sou um sonhador. Sou uma pessoa que sonha com a cabeça nas nuvens e os pés no chão e corre atrás da realização desses sonhos. Sou uma pessoa determinada, resiliente, apaixonada pela natureza, que ama animais e a-do-ra carros desde que se entende por gente. Pode-se dizer que aprendi a nomear carros antes mesmo de aprender a falar “papai” e “mamãe”, rsrsrs. Quando pequeno, meus brinquedos favoritos eram as miniaturas de carros e meu Ferrorama, e sempre gostei muito dos filmes cult sobre perseguição de carros como Encurralado e Christine – O carro assassino, e foi daí que, anos mais tarde, vieram algumas das inspirações para meu livro.
    2 – Como foi o processo de produção do seu romance de terror O Landau Vermelho?
    R – Gosto de dizer que O Landau vermelho foi um livro construído ao longo de muitos anos. Como já disse, sempre nutri uma paixão muito grande por carros e sempre tive vontade de escrever algo dentro desse universo, mas nunca havia tido a ideia para isso. Eu estava sempre esboçando plots e cenas separadas, mas nunca havia chegado a um enredo satisfatório. Este só veio quando num dia, ao organizar minha pasta de arquivos no computador, acabei lendo todas as cenas separadas em sequência e, baseada numa dessas cenas em específico, intitulada Corrida Infernal, formou-se a ideia para o livro. Também me inspirei nos filmes clássicos do gênero “carro assassino” para me ajudar a enxergar melhor a história. A partir desse ponto, foram mais dois anos e meio de escrita e muita pesquisa para finalizar o livro, e depois ainda precisamos de uns 5 ou 6 meses de revisões pontuais antes que a versão final finalmente saísse em e-book e, agora, em versão impressa. Cabe aqui uma curiosidade: quase todo esse processo aconteceu tendo como trilha sonora a música Two black Cadillacs, da Carrie Underwood, cujo videoclipe também conta a história de um carro assassino.
    3 – Quais suas maiores influências no mundo da escrita?
    R – Sempre me identifiquei muito com o gênero de romance policial, e minha maior influência foi o mestre Sidney Sheldon. É dele o primeiro romance policial que li, Conte-me seus sonhos, e o estilo narrativo dele sempre foi o que mais me fascinou. Ele constrói as cenas de forma quase cinematográfica, explorando as sensações e percepções tanto dos personagens quanto do ambiente em si, de forma a obrigar o leitor a continuar lendo, e lendo, e lendo até que, quando dá por si, o livro já acabou. Venho praticando muito para conseguir escrever dessa forma também, como pode ser percebido no meu romance O Landau vermelho. Mas além do Sidney Sheldon, também sempre li muito Harlan Coben, Stephen King e Agatha Christie.
    4 – As editoras independentes estão dando um show de como se publicar livros no Brasil, muitas vezes exportando esses livros para a Europa e EUA. Como você percebe essa mudança no nosso mercado literário?
    R – Infelizmente a mudança ainda é relativamente sutil no mercado como um todo, mas já é perceptível para quem está atento. As grandes livrarias e editoras sempre dominaram o mercado literário de forma cavalar, quase sempre valorizando autores já expressivos ou que possuam o famoso “Q.I.”, mas com o advento da internet é possível perceber um crescimento das publicações de editoras menores e autores independentes, principalmente no que diz respeito aos e-books. Tal crescimento tem se mostrado uma grata surpresa aos leitores de plantão, pois tem revelado autores talentosíssimos e histórias extremamente deliciosas de se ler. É bastante notável que estes novos autores quase sempre vêm do mundo das fanfics, que já é bastante popular desde a época dos fóruns, no início dos anos 2000, e temos sido agraciados com grandes talentos que até então estavam ocultos ou não tinham uma divulgação expressiva de seu trabalho, e estes talentos acabam por ser a nossa esperança de que, apesar do mercado literário ter entrado em declínio nos últimos anos, ainda poderemos desfrutar por muito, muito tempo deste prazer indescritível que é a leitura de um bom livro.
    5 – Quais as maiores dificuldades para um escritor iniciante conseguir sua primeira publicação?
    R – Sinceramente não tenho propriedade para responder esta pergunta, pois a editora Immortal foi a primeira e única para a qual enviei o original de O Landau vermelho e ele já foi aceito para publicação, rsrsrsrs. Mas acredito que a dificuldade maior seja justamente encontrar a editora certa para a publicação. Escrever em si já é algo muito difícil, mas encontrar uma editora onde sua história se encaixe da forma devida pode ser um tanto delicado, pois pode haver divergência entre a mensagem que o autor quer passar com a história e a interpretação que a editora dará para ela. Além disso pode haver também o fator financeiro, pois não são todas as editoras que se dispõem a publicar o livro antes para colher os lucros depois, e também não é fácil para um autor iniciante dispor de determinada quantia financeira para investir na publicação, mesmo que a realização de um sonho não tenha preço. De qualquer forma, acredito que com a devida paciência tudo pode se ajeitar.
    6 – Qual sua preferência de leitura: e-book ou impresso? E porquê?
    R – Impresso, com certeza. Além de adorar o cheiro de um livro novo, sou muito tradicional nesse quesito, e ter o livro em mãos me proporciona uma experiência de leitura muito melhor. Gosto da sensação de folhear as páginas e consigo imergir melhor na história e absorver a mensagem do livro de forma mais satisfatória. Ler e-book é algo que requer muita disciplina, pois nos aparelhos eletrônicos as distrações são constantes (WhatsApp, Facebook, Instagram, etc...) e eu sempre acabo desviando minha atenção com outras coisas. O engraçado é que leio fanfics com constância no meu celular e não desvio tanto minha atenção, rsrsrs, mas simplesmente não consigo ler um e-book.
    7 – O autor tem outros hobbies além de escrever? Quais são?
    R – Meus principais hobbies além da escrita são o colecionismo/modelismo e o trekking. Tenho várias coleções, desde miniaturas de carros e trens até minifiguras de Lego e moedas raras, e sempre que disponho de um dia livre ou feriado prolongado gosto de fazer caminhadas ao ar livre para serras ou cachoeiras, pois adoro estar em contato com a natureza. Ainda tenho o sonho de montar um “carro projeto” apenas por hobby, que é comprar um carro antigo e fazer alterações no estilo e na performance dele para um uso mais divertido, mas ainda não tenho condições financeiras para isso, rsrsrs.
    8 – O mercado editorial passa por mudanças, elas já são perceptíveis ao ponto de dizermos que temos um novo mercado ou não?
    R – Acredito que a maior mudança que o mercado editorial vem passando nos últimos tempos é a popularização dos livros digitais. Apesar de admitir isso a contragosto, os e-books são bem mais práticos e acessíveis do que os livros impressos, principalmente para fins acadêmicos e profissionais, e podem ser a melhor opção para pessoas que querem passar a ter o hábito de ler mas não abrem mão da conectividade. Com isso, acredito que é seguro dizer que sim, temos um novo mercado, com novas estratégias de vendas, marketing e lucros adaptadas à nova realidade dos leitores.
    9 – Nos conte quais os planos para o futuro desse escritor?
    R – Adoro fazer planos e sonhar com o desenrolar deles, mas sempre mantendo os pés no chão. Entre os principais planos na minha vida hoje estão: morar sozinho, para finalmente conquistar minha independência; publicar mais um livro até o fim de 2019; conseguir mais uma promoção no meu emprego para me estabilizar financeiramente; e no segundo semestre, quem sabe, começar uma das minhas pós-graduações.
    10 – Como e onde os leitores podem adquirir o seu livro e em que projetos está envolvido ultimamente?
    R – Meu livro pode ser adquirido diretamente com a Editora Immortal ou pelos sites Amazon e Clube de Autores, tanto o e-book quanto a versão impressa. Os links estão no meu perfil e na página da editora. Meu próximo projeto é uma participação na antologia Contos do desconhecido, também da Editora Immortal, que será uma compilação de contos de terror onde estarei participando com os contos originais Ferrorama e Sussurros à meia-noite.
  • Entrevista com Yuji Katayama – autor de Templários

    1- Porque você define seus trabalhos como quadrinhos e não mangás?
    R- Bem, mangá é como são chamados as histórias em quadrinhos no Japão, assim como nos E.U.A são chamados de comics não vejo problemas em chamar meu trabalho de quadrinhos, HQ's ou gibis. Acho muito bom termos nossa identidade também.
    2- Ser descendente de nipônicos contribuiu de alguma forma para que você se tornasse mangaká?
    R- Eu acredito que não, eu ser descendente de japoneses de fato me ajudou a gostar muito mais da cultura japonesa e de querer conhecer o país um dia, quanto ao gosto pelos mangás e a paixão de fazê-los, acredito que veio mais do que eu consumia quando era criança e adolescente, ver os animes e comprar os mangás na banca só somou com minha paixão por desenhar.
    3- Estamos vivendo uma era digital onde é possível se autopublicar gratuitamente e e-books, como você encara essas possibilidades?
    R- Eu encaro com muito otimismo, acredito que não só na nossa área mas em muitas outras a tecnologia vai mudar tudo que estamos acostumados, até mesmo modelo de negócios. As HQ's digitais estão começando a ganhar muito terreno e a internet e as redes sociais se mostram armas poderosas que ajudam a divulgar nossos trabalhos, acredito que nós brasileiros temos um potencial muito grande para sermos grandes nesse ramo e ainda ser extremamente rentável e compensador.
    4- Existem muitas iniciativas no mercado de mangá brasileiro, em sua maioria, obras amadoras, com arte profissional, o que falta para nós garantirmos um mercado sólido?
    R- Cultura de consumo sem dúvida. É normal em países como Canadá, Japão Estados unidos e outros Europeus pessoas que tem a cultura e o hábito de consumir quadrinhos simplesmente comprarem muitas obras que nunca viram, principalmente em eventos como COMIKET e San Diego Comic Con onde os visitantes vão na ala dos artistas independentes e compram de muitas obras na esperança de acharem uma interessante. Acredito que os quadrinhos devam também ganhar seu espaço como mídia própria e não como um estilo diferente derivada de outras mídias.
    5-Você já tem vários quadrinhos publicados ao longo dos anos, nos conte um pouco sobre eles?
    R- Poxa, realmente já se passou tanto tempo e tantas páginas que ficam muitas coisas para falar hahahaha. Bem, o Templários foi meu primeiro trabalho e experiência com quadrinhos, é meu trabalho principal e mais importante para mim, tenho um carinho muito grande por ela não só por ser a primeira, mas por que é uma obra onde sinto que estou passando para as pessoas algo muito importante, que seria a história da ordem templária, a maçonaria e seu impacto mesmo nos dias de hoje.
    Minha segunda obra começou com algo despretensioso, Technology foi minha vontade avassaladora de produzir algo no campo de ficção científica SYFY que é o meu gênero favorito tendo em vista que sou fã de Star Wars, Star Trek, Yamato 2199, Interestelar, série Cosmos, Gundam, Alien e outros clássicos. Hoje é meu selo de Ficção Científica onde dou asas à minha imaginação e crio várias histórias fechadas deste tema. W.O.R.L.D eu deixei que minha criança interior voltasse à tona, peguei tudo o que eu mais gostava de histórias de ação mainstream que gostava, Naruto, Liga da Justiça, Jovens Titãs, HunterxHunter, Cavaleiros do Zodíaco... eu queria fazer uma obra tão empolgante e irada quanto essas, algo mais leve e simples mas muito envolvente com muitas cenas de luta. Outras obras para concursos e comemorativas também fizeram parte do meu repertório, Bombing Mission baseada no game de Final Fantasy 7 foi uma experiência única, onde eu já tinha roteiro personagens e falas todos prontos, só precisei traduzir do jogo para as páginas, e foi muito mais complicado do que parecia, por ser um jogo antigo não havia muitas cenas boas dos personagens, eles eram quase que personagens de Minecraft com um pouco mais de faces no seu 3D, e o que se fazia no jogo precisei adaptar para os quadrinhos par que o leitor pudesse realmente entender o que estava acontecendo.
    6- Os concursos de mangás estão de vento em popa no Brasil, você já participou deles? Qual sua avaliação?
    R- Participei tanto dos nacionais quanto dos estrangeiros, os brasileiros como BMA ainda precisam amadurecer como concurso, tem um ou outro que são realmente muito bons, com bons prêmios e divulgação. O Silent Mangá Audition com toda certeza é o melhor deles, pois exige uma habilidade avançada que é a de contar uma história sem falas ou balões, somente desenhos devem expressar sua história, fora que é muito inteligente, por não ter falas é muito fácil o mundo todo participar sem a necessidade que o autor ou os avaliadores precisem traduzir a história.
    7- Nos conte um pouco da mágica de fazer mangá, como é sua rotina de trabalho?
    R- Todas começam com um bom café hahahaha, quanto a magia, me atrevo a dizer que está só nos olhos de quem lê nossos trabalhos, é matar um leão por dia, primeiro começo com uma visão geral da história como um todo seja de um capítulo ou de uma história fechada, então faço um pré-roteiro onde desenho rapidamente 8 páginas numa folha A4 contendo o mínimo de desenhos e mais falas e informações escritas, é nessa etapa que gasto mais tempo projetando tudo, desde a história até o número de páginas e se estarão à direita ou esquerda  para não vacilar com as páginas duplas. Feito tudo isso vou para o segundo storyboard onde já faço desenhos mais completos, mas que ainda sofrerão mudanças, só então vou para arte final digital, para finalmente colocar falas e tons de cinza. Geralmente faço tudo isso em períodos que estou longe do trabalho, pois ainda tenho que trabalhar para me manter hahahahaha.
    8- Pergunta picante, quais suas maiores influências no mundo do mangá e qual não gosta?
    R- Yoshihiro Togashi com toda certeza é meu herói, acho que HunterxHunter umas das histórias mais bem feitas que já vi apesar do autor ser um pouco desleixado com os desenhos em algumas partes, mas, é uma história muito complexa que fez sucesso na Shonen Jump Magazine quebrando quase todos os requisitos, com diálogos expositivos constantes, que normalmente cansariam o leitor, mas é tão interessante que você simplesmente lê por que quer saber como aconteceu e por que aconteceu. Difícil ter um autor japonês que eu não goste 100%, mas, se tivesse que escolher um seria Massami Kurumada, não que Cavaleiros do Zodíaco seja ruim, mas eu não gosto de como Kurumada faz os personagens, em todas as suas histórias parece que o protagonista e alguns aliados são todos o Seiya, no anime vemos a diferença entre Ikki e Seiya por exemplo, mas no mangá os dois são praticamente iguais isso confundo bastante a leitura, chamamos isso no meio de síndrome da mesma face.
    9 – Como você enxerga o atual mercado de mangás e como você o vê daqui a cinco anos?
    R- Vejo dando passos curtos, saímos do engatinhar e estamos aprendendo a andar. Vejo o mercado daqui a 5 anos mais engajado nas mídias digitais, onde o custo de produção das edições é zero já que não há um impresso, não tenho como saber quanto ao modelo de negócios, acredito que cobrar pela mídia digital não seja o caminho mais adequado. Acho que 5 anos ainda é um tempo curto para o mercado madurecer, mas acho que serão anos que poderemos descobrir nosso próprio caminho para viabilizar nosso trabalho.
    10 – Yuji Katayama, quais os seus projetos para o futuro?
    R – Tenho um projeto em desenvolvimento com um roteirista para o Technology, onde será uma história longa e fechada, pretendo produzir em edição limitada pois será um encadernado grande, e pretendo disponibilizar em inglês na internet. Tenho alguns projetos que só farei caso meus planos de ir para o Canadá ocorram sem problemas. Espero conseguir colocar em prática meu app para leitura das minhas HQs ainda este ano também.
  • Estado Digitalista

    Em um mundo onde a realidade se entrelaça com o virtual, onde a tecnologia molda nossas vidas e identidades, surge "Estado Digitalista, O Último Degrau". Este livro é um convite para uma jornada profunda no coração pulsante da Sociedade Digitalista que se desenha diante de nós. À medida que avançamos nas páginas, exploramos o impacto dos avanços digitais em nossa cidadania, política, educação e saúde, enquanto questionamos o futuro iminente.
    Prepare-se para uma exploração das visões de visionários como William Gibson, Klaus Schwab e Francenildo F. de M. Alves, que ousaram traçar os contornos deste novo cenário. Cada capítulo é uma jornada de descoberta, mergulhando nas transformações do sistema educacional e de saúde, enquanto enfrentamos desafios éticos e tecnológicos que moldarão o amanhã.
    "Estado Digitalista, O Último Degrau" convida a mente curiosa e o coração inquisitivo a explorar os territórios da era digitalista, forjando uma compreensão do último degrau rumo ao futuro. Junte-se a nós nesta emocionante viagem, onde as possibilidades são infinitas e o conhecimento é a chave para desvendar o mundo que nos espera.
    À medida que folheamos suas páginas, transcenderemos as barreiras do presente e vislumbraremos um horizonte desafiador que redefine nossas noções convencionais. Cada capítulo é uma janela para um mundo em constante mutação, onde a tecnologia molda nossa relação com o mundo, nossa aprendizagem, nossa saúde e nossa participação na esfera pública.
    Nossa jornada pela Sociedade Digitalista nos levará a explorar ideias de pensadores renomados, cenários de transformação profunda e dilemas éticos e morais que se entrelaçam com a revolução digital. Ao final desta leitura, você não apenas compreenderá melhor o Estado Digitalista em evolução, mas também será instigado a ser um participante ativo na construção consciente deste futuro. O convite é para questionar, desafiar e, acima de tudo, imaginar o que está por vir.


    Livro Disponível em todas as lojas Amazon: eBook Kindle e Capa dura na Amazon US. 
  • Este Poema Oeste (para Teresa, no aniversário dela)

    Este Poema Oeste

    (para Teresa, no aniversário dela)
     
     
    Sim
    não
    sinal ver
                   melho
                      ama r
                                 é
                                     lo
    amarduressendo         ver de
     

     

  • Estou Falando Agora

    Ide ora, busca a presença de JesusSe buscares, receberásSempre de joelhos, buscando sua presençaQue resposta do céu descerá
    Então ora, se ajoelhalê a Bíblia Deus falará com vocêEntão ora, se ajoelhalê a Bíblia Deus falará com você
    Ore mais, estou falando com você agora Busque mais, estou falando com você agoraJejue mais, estou falando com você agoraAgora, agora, agora estou falando agoraAgora, agora estou falando agora Agora, agora estou falando agoraAgora, agora, agora, agoraAgora, agora, agora
    Recebe cura agora, renovação agora Libertação agora, conserto aqui agoraCorreção aqui agora, providência lá da glóriaRecebe, recebe, recebe, recebe 
    Receba aí, receba aí, receba aí, receba aí
    E se o meu povo, que se chama pelo meu nome, se humilhar, e orar, e buscar a minha face, e se desviar dos seus maus caminhos, então eu ouvirei do céu, e perdoarei os seus pecados, e sararei a sua terra.
    Ore mais, estou falando com você agora Busque mais, estou falando com você agoraJejue mais, estou falando com você agoraAgora, agora, agora estou falando agoraAgora, agora estou falando agora Agora, agora estou falando agoraAgora, agora, agora, agoraAgora, agora, agora
    Recebe cura agora, renovação agora Libertação agora, conserto aqui agoraCorreção aqui agora, providência lá da glória
    Deus falando está 
  • Eternas aventuras de meninos

    O que torna um livro clássico universal? Faço minhas as palavras de Ariano Suassuna quando diz que o livro universal é tão singular que pode retratar a vida do homem em qualquer lugar do mundo. Por mais paradoxal que isso seja, quando lemos Tom Sawyer de Mark Twain, não é tão difícil ver aquele garoto da nossa rua ou da nossa escola, se envolvendo em confusões, que para ele, não passam de grandes aventuras.
                Mark Twain é um famoso escritor norte-americano. Nascido sob o nome de Samuel Langhorne Clemens em 1835, numa cidade as margens do rio Mississipi, teve uma infância humilde. Com muito bom-humor e vontade de viver, começou a escrever sobre a vida cotidiana, as paisagens e as pessoas de sua cidade. Quando se deu conta, já era um escritor aclamado pelo público e pela crítica estadunidense.
                Na obra mais famosa do autor, vemos a trajetória de Tom Sawyer, um vívido garoto da pequena cidade de São Petersburgo. O cotidiano de um garoto levado é rico em sentimentos e emoções. Um menino em sua infância é um herói, todos os dias reencarna uma epopeia, seja como um pirata, Robin Hood ou um caçador de tesouros. Seus medos e seus amores são palpáveis, pois são intensos, verdadeiros.
                O menino vive com sua tia amável Polly, seu meio-irmão, o astuto Sidney e sua irmã Mary. O dia a dia de Sawyer é o sonho de qualquer criança: poder andar a esmo pela cidade e seus arredores sem ser importunado ou correr perigo, brincar e se sentir o que são, crianças. Ele usufrui disso da melhor forma. Com irreverência e traquinagens, consegue transformar um castigo num favorável momento de negócios.
                Tom é um garoto inteligente, mas também sensível, vide o seu tratamento com Huckleberry Finn (personagem tão maravilhoso que protagonizará o seu próprio livro logo depois). O garoto selvagem, pária da pequena cidade interiorana. Filho de um alcóolatra, de comportamento agressivo e de famosa má educação. É com o segregado de São Petersburgo que ele viverá uma das maiores aventuras de sua vida, se tornando melhores amigos a partir daí.
                Os heróis também amam, e quando o percebem, já é tarde! Se apaixonar pela filha do juiz da cidade tem lá seus empecilhos e suas emoções. Se a beleza de Becky Thatcher não lhe tivesse capturado o coração, talvez ele não tivesse tomado “aquela” honrosa atitude. É com pequenos atos de amor que o menino conquista a sua amada. Nunca a entrega de uma maçã foi tão romântica, sem ser piegas.
                Para movimentar a trama, logo no início da obra, Tom Sawyer e seu amigo Huck Finn vão ao cemitério realizar uma cura a verrugas, com direito a gato morto e versos mágicos. Mas o que deveria ser uma noite de diversão, acabou se tornando uma noite de terror. Muff Potter e Índio Joe acompanham o doutor da cidade, que deseja resgatar o corpo de Willians Cavalão da cova e estudá-lo.
                Mas, algo dá errado o doutor acaba morto na confusão. Tom e Huck se tornam testemunhas de um terrível crime. Durante todo livro vemos de modo dramático, e também divertido, como os garotos tentam lidar com a situação e quais as consequências do crime na vida de Muff Potter e do terrível Índio Joe. Como clássico da literatura universal, deve ser lido, relido, trelido, comprado, emprestado e dado de presente.
  • Experiência Divina (Meu filho Lavi)

    Chamo minha experiência de pai, a experiência de Deus. Pude perceber muitas coisas da vida e de mim mesmo, vendo o crescimento e desenvolvimento do meu filhinho Lavi. No início logo quando ele nasceu, parecia para mim que ele ainda não estava aqui, quando digo ‘aqui’ falo desce mundo, acho que estava em parte… Não existia muita expressão da parte dele, além de muito sofrimento, pois pude ver que nesses primeiros dias de vida tudo é dor. E como dói! O maior problema era a coisa com gases, a experiência de ingerir algo pela primeira vez, o leite materno causava uma revolução interna muito grande, às vezes ele chorava estridentemente por horas, e as noites eram mais dolorosas para todos. Alguns diziam que para melhorar dos problemas de gases a mãe não deve comer isso ou aquilo, eu particularmente não acreditava em nada disso, acho que era o processo da vida acontecendo, até o pequenino se acostumar em ingerir alimentos e aprender a eliminar os gases. Pronto! Daí passou esse processo, e pude vê-lo descobrindo as suas mãozinhas, era mágico para ele abrir e fechar as mãos, acho que nesse momento o seu espírito estava aprendendo a se comunicar com o seu corpo, assim, pude perceber que tudo que somos no início de nossas vidas são os nossos olhos e nossas bocas, acho que é o primeiro contato com a vida material. Ele olhava suas mãos constantemente e se maravilhava, virava de um lado a outro, mas não tinha coordenação e nem conseguia segurar um objeto sequer. Quando ele aprendeu a utilizar essas duas ferramentas poderosas tudo se transformou, daí pegava tudo e levava para boca. Queria sentir tudo, e a maneira de sentir verdadeiramente é provar com o paladar, como se tudo fosse um alimento, e verdadeiramente percebi que de certa forma tudo é alimento. Incrível Isso! Como podia aprender da vida, apenas observando o desenvolvimento da própria vida… As vezes ele sorria, mais seu sorriso era meio que inconsciente, pois sorria quando começava a ter sono e dormia a maior parte do tempo, acho que era muito cansativo aqui, preferia estar no mundo imaterial… Quando queria alguma coisa chorava, nisso aprendi que o desejo é uma forma de sofrimento… Mas realmente os problemas começaram quando ele aprendeu a engatinhar, daí pude ver o quanto o desejo pelo que é perigoso e arriscado é o natural do ser humano, pois o menino só se interessava em ir de encontro ao que colocasse sua vida em risco, como: Colocar o dedo nos buracos da eletricidade… Engatinhar em direção as escadas e precipícios (no caso os da cama) e mexer em coisas perigosas. Vi que quando crescemos não nos tornamos muito diferentes, o perigo nos atrai de uma forma que nem percebemos, em nossas escolhas e em nosso querer… Daí pude entender que o nosso Pai-Mãe Amado muitas vezes utiliza da ignorância de muitas coisas, para proteger os seus filhos amados das paixões que possam empregar as suas almas. E via como Lavi ficava irritado, esperneava e chorava, quando eu o tirava de uma situação perigosa, como: tirar uma faca ou uma moeda de sua mão, e coisas desses tipos que causam riscos de vida aos bebês. Daí também eu compreendi quando eu ficava triste e me irritava quando eu perdia algo que achava ser bom na minha vida, e vi que o meu Pai-Mãe Amado estava me protegendo de algum dano qualquer e agradeci a Ele de coração por isso, e, ao meu filho Lavi também por me revelar esse segredo… Quando Deus tira algo de seu alcance, Ele não está punindo-o, mas apenas abrindo suas mãos para receber algo melhor… Uma coisa muito interessante que eu aprendi com Lavi, foi o verdadeiro significado da palavra paciência, e vi que paciência é o mesmo que proteção… Pois todas as vezes que eu fazia comida para ele, colocava-o na cadeirinha de comer, e ele no início odiava e gritava, e chorava… Ele não entendia o porquê de ficar preso nessa cadeira com cintos de segurança e tudo. E num desses momentos que eu preparava a comida e ele chorava, me veio um insight desses que eu sempre tive com Lavi, ele não sabia que eu estava fazendo aquilo para o bem dele, ele só podia compreender o momento daquela prisão entediante, mas depois que eu chegava com a deliciosa comida, ele se alegrava. E vi claramente que todas as vezes que me sentia preso a uma situação desconfortável, e que eu gritava e esperneava… Era que o meu Pai-Mãe Amado estava preparando algo de especial para mim, e que me colocou nessa situação desconfortante para eu estar protegido de todo mal, pois enquanto ele preparava esse algo em especial, ele não podia cuidar de mim, por isso ele me colocava numa “prisão”, daí eis que compreendi a paciência de todas as coisas. Atualmente eu educo o meu filho com muitos NÃO! Lavieeeeeeê NÃOOOOOOO! (לביא לא). E agora estou refletindo nisso seriamente. Depois que ele começou a andar com quase 10 meses, tudo ficou mais arriscado… As ferramentas corporais que ele descobriu só o levam para sua morte… Daí eu pude perceber que nós seres-humanos criamos muitas ferramentas, e que atualmente muitas delas nos levam à morte, e vi o porquê que depois de milhares de anos, só agora (2012) depois de uns 60 anos muitas ferramentas foram nos dadas, e, as coisas que antigamente eram consideradas como proibidas, agora nos são lícitas. Deus parou de nos dizer NÃO! Assim como no momento certo vou para de dizer NÃO, ao meu filhinho… Saber usar as pernas e as mãos é bom, mas quando elas nos levam a perdição e a morte é mal… Com muito cuidado deixo o meu filho experimentar as coisas, só nos momentos drásticos, tiro de suas mãos ou tiro ele da direção errada em que seus pés o levam, e ele chora e esperneia… E pude compreender que a vontade de nosso Pai-Mãe Amado nunca irá nos levar aonde a sua Graça não irá nos proteger… Em algum momento eu pensei que Deus nos abandonou, mas acho que nesses tempos atuais em que profetas e enviados se ocultam, o nosso Pai-Mãe Amado está nos deixando experimentar por nós mesmos os efeitos de nossas escolhas, pois tudo já foi dito e revelado… Nós já crescemos! Agora como parte de nosso aprendizado só nos resta escolher o que fazer com todas essas ferramentas. Eis aí o nosso livre arbítrio. Deixo no final uma pequena reflexão (ciranda) que tive, e compus, antes de ser pai… Mas que julgo ser verdadeira e de grande valor. Benção do mais Alto dos altos a todos!
     
    Espírito inocente, ágil, valente
    São poucas as pessoas que os veem como gente
    Tudo é descoberta e não existe pressa
    Das mais simples coisas fazem uma festa
    Nas suas alegrias descobrem fantasias
    Brincadeiras e emoções preenchem os seus dias
    Na imaginação criam um novo mundo
    Ali não existe o “não”, nem tão pouco o absurdo
    Ser pequenino!
    Mas, pequeno só no tamanho
    O seu espírito é maior que o oceano
    Ser insignificante!
    Esquecido pela sociedade
    Só dão o devido valor quando aprendem a ter maldades
    São considerados fracos
    Porque pequeno é o seu tamanho
    Mas, fracos e pequeninos
    Se tornam com o passar dos anos

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