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  • [Conto] DEDO PODRE

    Naquela manhã de sábado quente, acordei questionando se realmente deveria ir à festa com o meus amigos. Será que vale a pena, já que o garoto mais insuportável do mundo vai estar lá? Realmente não sei. Sinto-me encurralada, a galera está falando da tal noite a semana inteira e os meus amigos me pressionam para dar uma resposta boa, tipo: “É lóooogico que eu vou!”.

    Na realidade, o pessoal acha que é frescura da minha parte, mas ninguém reconhece o quanto ele é infantil. É um porre. Como ele pôde? Até os meus amigos parecem fechar os olhos ao que ele fez. Se atreveu a me fazer passar vergonha em meio a todo o colégio! Aff. Neste exato instante, dizer que o odeio não me parece nem um pouco exagerado. Babaca!

    Foi inevitável, passei a tarde refletindo: será que conseguirei me divertir com a presença daquele ser tão insuportável e imaturo lá? Fala sério, parece que sou um imã de gozação dele. Pensar nisso é uma tortura.

    O cara realmente é um idiota. Sinto-me envergonhada só de lembrar da última que ele me aprontou. Jamais esquecerei o dia em que estava enfezada e o imbecil veio dar uma de que era simpático, o engraçadinho foi logo perguntando o que eu tinha; eu, trouxa, como sempre, fui sincera e disse estar decepcionada por ter engordado 5 quilos. Óbvio, de modo algum, o problema não foi a pergunta, mas o seu comentário, totalmente previsível ser algo desagradável por vir dele. Afinal, sabe o que ele me disse? Detalhe, gritando para a turma toda: “Mas é claro! Você quer ser magra como??? Sempre está mastigando! Come chocolate a aula toda e ainda egoísta a ponto de sequer oferecer. Por isso está aí, parecendo uma porca obesa! Já sei, você veio falar isso só para eu te elogiar, queria me ouvir dizer que você é magra e tem um corpo com “bonitas curvas”, né? Hahaha!”. Não obstante, ele levantou a blusa mostrando o “tanquinho” - infelizmente, o problema é que ele é lindo e apesar de todo o meu ranço, não consigo negar - e disse que eu nunca chegaria aos pés dele. Resumindo, ele é um bosta e ainda assim fui eu quem passei vergonha. Pois é, eu disse, bem desagradável, ele é um tremendo imbecil.

    O fato de memorar isso me impulsionou a ir, pois, eu jamais daria a ele esse gostinho. Me recuso a me privar de algo por causa dele.

    Chegando lá, tudo estava bem animado e a festa parecia prometer. Trombei com ele ainda na fila que ousou em me dar um sorrisinho sarcástico malicioso, não me contive e, como de praxe, não exitei em revirar os olhos. Prometi a mim mesma que não o deixaria estragar a minha noite, eu havia levado tempo demais para me produzir e estava um arraso, não seria por causa dele que perderia o clima.

    Tempo depois, os meus colegas chegaram e toda a galera estava dançando. Apesar dos meus pés estarem me matando, a música era contagiante demais. Sem sequer esperar, um cara puxou a minha mão como quem me guiava convidando-me para dançar, tratava-se do baile da escola e por isso não fiquei receosa de seguir, afinal, conhecia todos ali. Porém, além de tomar um baita susto, instantaneamente fiquei frustrada, posso dizer que acima de tudo chocada, quando um feixe de luz roxa iluminou o seu rosto e pude reconhecer o Eduardo. Novamente, não me contive e soltei um “Grr, só pode ser perseguição!” enquanto tentava soltar sua mão.

    Estranhamente, disse que precisava conversar num canto, a sua expressão foi de receio, pela primeira vez notei que ele não estava com ar de zombaria. Como se fosse um mantra, enquanto caminhava sibilei para mim mesma três vezes “não irei me estressar essa noite”. Primeiro, pediu apenas para ouvi-lo, não queria ouvir de imediato as minhas constatações, assim o fiz. Ele veio com um papinho nada a cara dele de “me desculpe”, “será que pode me perdoar?”; depois a coisa foi ficando ainda mais esquisita, começou a me elogiar dizendo que sou bonita e blá blá blá; como se a coisa não pudesse ficar pior, contou que as minhas patadas o magoavam e ainda me pediu para parar, como se a minha grosseria para com ele surgisse do nada; a parte surreal foi ele alegando - assumindo - que só fazia aquilo para chamar minha atenção, que na realidade estava super na minha. Acredita que o filho da mãe teve a cara de pau de falar que era “afinzaço” de mim? Oi?!

    Sem saber o que falar, numa inútil tentativa de fugir da situação embaraçosa corri desesperadamente para o banheiro. Passei a mão molhada na nuca enquanto fitava-me no espelho do lavabo. Por que eu estava tensa? Para tornar tudo engraçado, o trecho do ícone da Kelly Key não saía da minha mente “você é gatinho, mas assim não dá”. A música alta me impedia de refletir com clareza se poderia esquecer meses de fúria oriunda de uma perseguição idiota e dar a ele uma chance, permitindo-me conhecer o “boy lixo”. Espontaneamente, dei risada debochando de mim mesma, já que só o fato de cogitar a ideia soava absurdo. Definitivamente não, não mesmo! Fala sério, se é assim, que ele entre em combustão, quero mais que essa situação seja para ele torturante, como foi para mim todos esses meses de brincadeirinha sem graça.

    No mesmo instante, um súbito pensamento trouxe de volta cor à minha noite. Com certeza, aquilo se tratava de mais uma brincadeira ridícula dele, uma tentativa de aferir se sentia algo por ele, caso caísse em sua ladainha, iria usar como motivo para me caçoar o resto do ano. Puff, mais infantil do que podia imaginar.

    Me recompus e sai do banheiro, iria fingir que nada havia acontecido, simplesmente optei por ignorar o ocorrido. Não deu certo, na porta do banheiro o Otávio me encurralou “tem um cara que é afim de você há um tempão. Mana, fica com o Edu?”, não posso ser hipócrita em negar que não passou pela minha cabeça acatar a proposta - a galera toda sabia, agora, era evidente o porquê de não darem trela às minhas reclamações a seu respeito - , mas tudo o que consegui fazer foi gargalhar. Sim, eu gargalhei, só não sei concluir se foi mais pelo cúmulo do absurdo ou de constrangimento. Não deu em outra, o boy ficou super sem graça - mais que eu até, se é que foi possível - e sumiu na multidão, o Otávio soltou um “Bom, você quem sabe. Eu até te entendo.” e saiu em disparada atrás do amigo.

    Aquela noite foi inusitada de todas as formas, eu não conseguia processar o que estava rolando e me senti super mal pela forma como ele saiu. Não deu em outra, perdi o clima e decidi ir embora. O cara era mais complicado do que eu pensava. Me deparei com ele sentado na calçada sozinho no lado de fora, “Meu pai vai vir me buscar, quer uma carona? Sei que sua casa é no final da minha rua”. Não queria ser chata, aceitei e percebi que ele levou como uma anuência à um bate-papo. Conversar com ele sobre aquilo não foi tão horrível como imaginei que seria. E, sim, a coisa toda era real. O pai dele estava demorando consideravelmente, cheguei a duvidar se ele sequer havia feito a tal ligação. Acabou que conversamos bastante e pela primeira vez em um diálogo não o classifiquei em pensamento como “desprezível”.

    A festa era no bairro, então decidimos por ir caminhando e encontrarmos o seu pai no caminho. Não sei o que aconteceu, mas, do nada me vi correndo pelo quarteirão com ele em meio a gargalhadas. Naquela noite, eu ri tanto que a minha barriga chegou a doer. Fiquei surpresa, fui capaz de reconhecer uma característica positiva nele, conseguir me fazer rir. Naquela madrugada quente, nos beijamos pela primeira vez, bom, eu o beijei. Fomos interrompidos pela buzina forte do carro do pai dele. Eu disse, aquela noite foi inusitada. Eu e o meu dedo podre.


    Janaina Couto ©
    [Publicado - 2016]

    @janacoutoj

  • [Contos] FUGA - Parte I

    Na rua, vindo do trabalho de bicicleta, estava frio, o dia nublado, eu cansado… quando a vi. A vi passar, no outro lado da rua, caminhando de mochila e com um livro na mão, parar no ponto de ônibus, abrir o livro e começar a folheá-lo. Ela estava graciosa, tão linda… parecia distante, perdida num momento que pertencia só à ela. Mas, ao cruzar a rua e passar rapidamente em frente ao ponto, ainda fui capaz de notar seu rosto de choro… suas maçãs estavam avermelhadas, assim como os olhos e a ponta do nariz. Instantaneamente questionei: O que poderia fazê-la chorar? Eu a olhei de canto, mas não acenei, não chamei, não fiz nada, só continuei a pedalar. Percebi que no mesmo instante ela levantou o rosto a procura de alguém conhecido, mas logo voltou a se debruçar sobre o livro.

    Ainda longe de casa, naquele dia nublado, numa sexta-feira de verão, próximo às 7h00 da noite, começou uma garoa fina. Os faróis dos carros iluminavam o início de noite e pedalando ao som de “Baby I’m Yours — Arctic Monkeys” nos meus fones, senti uma sensação diferente, não ruim, que estremeceu e arrepiou todo o meu corpo, desde os meus pés à minha nuca. Uma forte onda nostálgica bateu em mim e todos os sentimentos mais quentes e intensos permeavam o meu corpo e mente novamente, como se de repente eu fosse repreenchido por algo que já havia caindo no esquecimento, mas que ainda estava ali, dentro de mim. Aqueles olhos castanhos, donos de formosos cachos do mesmíssimo tom de castanho avelã que ao vento, assim como ao sol, enalteciam ainda mais a beleza e profundidade daquele olhar, pairavam em minha mente.

    Instantaneamente, uma reprise de tudo que eu vivi com aqueles olhos castanhos me possuiu… era invasivo… como se algo qual eu lutei pra guardar e deixar ali, quietinho, estivesse gritando e me inundando, trazendo recordações de um sentimento forte, fascinante, gostoso, sedutor… adocicado por um desejo insano de vivenciar cada instante novamente… de poder tocar os cachos daquele cabelo. Sentindo aquilo me dominar, me corroer, lutando para pensar em outra coisa e encontrando-me sem saída, futilmente comecei a pedalar mais rápido, a chuva engrossava e o meu desespero para deixar aquilo de lado e apenas me concentrar em chegar em casa era imenso… não fui capaz, não consegui. Fui vencido e sentir-me-ia ser preenchido.

    Arfei. Arfei ao sentir novamente todo aquele turbilhão de emoção vigorar em mim novamente. Paixão. Zelo. Admiração. Tesão. Por um segundo cheguei a questionar porquê internalizei aquilo, se me fazia sentir triunfo. Porém, como em uma antítese, vinheram estes por conseguintes acompanhados. Culpa. Pena. Frustração. Arrependimento. Fazendo-me lembrar como memórias tão gostosas e sentimentos intensos foram por mim soterrados. Chovia muito. Naquele instante, com a camiseta toda molhada, a ventania congelava o meu peito e, ainda assim, eu conseguia senti-lo queimar.

    A chuva embasava a minha visão e minha mente era invadida por flashbacks de todas as vezes que meus olhos encontraram aqueles penetrantes olhos amarronzados, tornando quase impossível distinguir a realidade da alucinação. Novamente o olhar mais quente, insano, misterioso… me fitando. Olhar que me chamava, me deixava sem ar por segundos, me afogava.

    Os flashbacks eram como fotos. Lembranças intensas que eu não fazia ideia de como poderiam ser tão vivas e ao passar de cada um deles, eu vivenciava cada cena novamente. Sem compreender exatamente o que acontecia comigo, percebendo que ela ainda mexe fortemente comigo, reconheci que não conseguiria fugir daquilo, estava fadado a enfrentar os meus conflitos internos uma hora ou outra, esse momento chegou mais cedo do que imaginei. Não podia sabotar meus pensamentos, tentei e por centenas de vezes consegui, mas dessa vez não.

    Jamais esquecerei como é olhá-la nos olhos e conseguir ver a beleza da sua alma, além da beleza daqueles olhos, a beleza de uma garota que exalava mistério. Garota nada fácil de desvendar, dona de um império interior que eu ansiava descobrir. Intuitivamente, eu sabia. A todo instante sabia que me perderia na intensidade daquele olhar profundo, na imensidão de seu império, mas de imediato eu não tive medo, afinal, sempre me cativei pelo desconhecido. Aos poucos os flashbacks já não eram tão recorrentes, sendo substituídos pelas luzes fortes dos faróis dos carros. A chuva virou garoa. Pedalando agora devagar, percebi que já havia passado a rua de casa.

    Estranhamente, a noite fria, agora, era tomada por um mormaço. O meu bairro tranquilo. As árvores ainda molhadas transmitiam calmaria. Típica noite de verão. Nostálgica. Respirei fundo e apesar de não desvendar o propósito dela, decidi apreciá-la. Eu já não queria mais fugir e agora admirava o céu estrelado ao lado dela… a saudade. Pedalando, observando cada rua, cada casa, cada esquina… parei numa praça. Praça qual eu conhecia muito bem. Lugar que marcou muitas noites minhas, noites quentes. Perfeita para marcar também uma noite nostálgica que, agora, transbordava em saudade.

    Adentrei a praça, vazia, segui uma pequena trilha de terra e pedras, encontrei com facilidade não só o lugar, mas também o banco que tinha em mente, um cantinho bem específico. Larguei a bicicleta na grama, tirei a mochila das costas, enxuguei o excesso de água no banco e me sentei, tirei a camisa molhada e coloquei apenas o agasalho azul que tinha na bolsa. A copa das árvores ao redor, assim como eu, eram iluminadas pelo poste de luz atrás do banco. Chuviscava. Sentado com o corpo relaxado eu podia ver as minúsculas gotículas caírem do céu.

    A lua iluminava a pequena trilha que terminava logo à frente. E ao som de “ As Long As You Love Me — Jaymes Young” nos meus fones, eu nunca senti tanta saudade… dos caracóis daquele cabelo. O som penetrava em meus ouvidos e permeava a minha mente, que, por vez, fazia uma trilha sonora com tudo o que vivenciei com ela. Uma trilha sonora da nossa história, bom, ao menos para mim nós tivemos uma história. Olhando as copas das árvores aquietarem-se, os chuviscos cessarem e a inquietação da praça ir embora com a chegada de um casal caminhando em meio a gargalhadas na estrada da praça ao longe, foi o estopim para um instante de lucidez em meio a tantos delírios.

    Me vi cercado de questionamentos quanto ao eterno “e se”. Reparando no casal ao longe, suspirei, passei a mão no cabelo ainda molhado, repousei as costas no banco e indaguei, pensando alto, num sussurro: Como posso ter uma história com uma garota que eu não tive um “relacionamento”? Encarando a trilha iluminada pela noite estrelada, a imagem dela no ponto de ônibus mais cedo tornou a minha mente, seu cabelo longo com mechas e cachos aleatórios flutuando ao vento… incrível como tudo parecia ser reproduzido em câmera lenta.

    Se no instante que a conheci alguém me dissesse que um dia eu me veria perdidamente seduzido por aqueles olhos cor de avelã que exalavam perdição, pelos macios cachos de seu cabelo, por seu cheiro de lírio, pelo sorriso de mistério, por seu jeito quente… completamente desesperado por aquela garota sagaz, eu jamais acreditaria. Eu não era desses. Definitivamente não era esse tipo de cara. Não era… Lembrei das nossas conversas nesta praça durante as madrugadas do verão passado, dela me falando sobre intensidade, sentimentos, o universo, destino… era extraordinária sua capacidade de criar teorias elaboradas — e escrever — sobre tudo. Ela queimava de tanta intensidade.

    Eu, por vez, achava aquilo tudo tão bobo, não fazia nenhum sentido racional para mim. Apesar dela não falar a respeito, sequer imaginava, que, no fundo, eu conseguia reconhecer seus sinais de paixão. Não sei exatamente o que a deixava atraída por mim, éramos muito diferentes. Vê-la dessa forma era ardente, me deixava ainda mais gamado, fascinado. Mas, sinceramente, paixão? Eu não era desses… não era.

    O universo fez questão de me fazer reconhecer o fervor de tudo o que ela sentia, da pior forma, na pele… queimando em intensidade, atordoado de desejo para me perder — ou me encontrar? — novamente em seu olhar profundo. Admirando a exuberância da praça, sentindo o pesar da ausência de alguém que não permiti “ser minha”, agora, dilacerado pelo remorso junto ao arrependimento, era impossível mensurar o quanto eu a queria.

    Nunca imaginei que aconteceria um terço do que vivemos, nem que recordaria sem esforços os mais singelos detalhes, muito menos que o destino traria de volta uma paixão do passado, afinal, nossa história é de muito tempo. Fadados ao erro. Ela recuou na primeira vez. E na segunda? Eu fugi.

    Os meus pensamentos me torturavam e tudo só piorava enquanto eu buscava, numa tentativa falha, compreender racionalmente os motivos da minha fuga ao esmiuçar as fases do nosso distanciamento. Medo? Balbuciei no intuito de elaborar uma justificativa que a tornava unicamente culpada, irrefutavelmente não consegui. Havia um culpado? Hoje, creio que não. Mas uma coisa é evidente, situações pequenas, coisas ditas em dois segundos que pouco a pouco abalaram a conexão construída no decorrer das estações, influenciadas não só pelo meu orgulho, mas também, por toda ingenuidade amorosa dela junto ao seu desgaste emocional.

    No entanto, não são os fatos que me torturam, afinal, não sou capaz de mudá-los. Agora, nessa noite, nesta praça, sentado em “nosso” banco e sentindo o cheiro de terra molhada, sou torturado por questionamentos do eterno “e se…” e nada me corrói tanto. E se quando reconheci que estava me apaixonando eu não tivesse me afastado? E se ela me falasse quando a magoei? E se, depois de tudo, ao ser sincera ela não tivesse estraçalhado meu coração? Como não possuíamos um “relacionamento” não nos sentíamos confortáveis em cobrar ou prestar esclarecimentos. E se eu tivesse feito isso? E se ela tivesse feito? Será que ela tentou e eu não percebi? Não sei, na época sempre dotado de orgulho.

    A imagem dela no ponto não saia da minha mente, sozinha e pensativa, assim como eu nesta praça, ao contrário do casal que ainda estava ali, distante, mas ali. As horas corriam e eu nem me dava conta. Apesar de fisicamente bem, eu estava cansado, a mente cansada, tudo aquilo estava sendo tão exaustivo e, de modo antagônico, fazia meses que não me sentia tão vivo, pois eu queimava em intensidade, paixão. Como no verão passado, mas antes não notara a nobreza dessa dádiva, afinal, parece que a paixão consegue ser bela e árdua concomitantemente.

    Não sei como consegui manter a imensidão do que eu sinto escondida por tanto tempo. Enquanto a garota mais incrível que já conheci estava ali, eu, um moleque entusiasmado e imaturo, como sempre, queria só jogar, desvendá-la. Sequer pensava na possibilidade de gostar dela, gostar de verdade, pra valer. Eu não era desses de se apaixonar. E quando ela foi embora, não me dei conta que havia perdido um alguém que tanto precisava. Camuflei a dor. Ela disse adeus e parecia estar tudo bem, e estava, pois eu me enchi de prazeres e felicidades momentâneas para internalizar tudo. Eu não era desses que sofria e sequer conhecia isso de “superar”.

    Mas, hoje, voltando do trabalho, quando a vi, lutei para evitar esse turbilhão de sentimentos, os quais não mais consegui manter estancados. Sinto que não serei capaz de internalizá-los novamente, já não cabem mais ao peito, me sufocam, são maiores que eu.

    Enquanto pedalava, sob a garoa, a procura dessa praça, dei-me conta de como os meus envolvimentos amorosos de lá pra cá são supérfluos quando comparados a grandiosidade do que ela me permitiu sentir. Eu, sinceramente, não conhecia e não conheço isso de superar, afinal, eu nunca a esqueci, sempre acabo apaixonando-me por ela de novo, de novo e de novo.

    Não sei explicar a razão. O universo? Nunca acreditei nisso de “destino”, ela por vez… sinto-me condenado a acreditar. Espero que a nossa história não acabe assim, não pode ser, desejo que não sejamos apenas duas pessoas que não mais se conhecem com uma história profunda num passado em comum.

    Ao som baixo de “ASTN — Love No More”, fechei os olhos, respirei fundo e permaneci ali, sentindo a natureza, ouvindo ao longe o barulho da cidade abafado pelas árvores e pelos meus fones, sentido o mundo e a vida ao meu redor e em como tudo aquilo era incrivelmente gostoso, finalmente, em meses, eu me sentia vivo.

    Mais uma vez respirei fundo, deixando os pensamentos e angústias irem embora, pouco a pouco evadirem-se, até que permaneceu apenas a perfeição daquele sentimento puro e inexplicável dentro de mim. Realmente, agora, desejava apreciar a noite nostálgica, sem os conflitos internos, só memorando, com intensidade, as coisas boas que fizemos um ao outro, os nossos melhores momentos — onde as situações mais simples eram repletas de borboletas no estômago -, lembrando o quanto ela me incentivava a ser uma pessoa cada vez melhor.

    Transcender. Era essa a palavra que ela usava. Senti uma brisa ao pé do ouvido, lentamente abri os olhos, reconhecendo que tudo o que vivenciei nesta noite foi preciso, para minha alma, pro meu coração, pro meu eu.


    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2018]

    @janacoutoj

  • [Desabafo] Âmago

    Hoje faz exatamente um ano desde uma das madrugadas em que mais me desmanchei. Exatamente 365 dias da noite em que o meu coração saltava pela boca. Da noite fria em que a porta foi fechada. Quando o nevoeiro chegou e eu soube que dias de trevas me esperavam.
    Mas, não apenas isso. Passaram exatamente quatro estações desde que eu fui dilacerada pela sensação de deixar ir, de acatar, de dizer adeus. E mais uma vez eu presencio o ciclo do desabrochar das flores após ter me despedido e fechado a porta com cuidado diante do que era grandioso demais e me fazia sentir viva.
    No outono passado, naquela madrugada gelada como esta, eu suportei o peso do meu sentimento sobre as minhas costas. O peso do mundo. Palavras frias, rudemente ditas em um voz de veludo, foram o gatilho para eu tomar uma decisão necessária, mas que certamente ainda não sei dizer se foi ou não a correta. Aliás, nunca hei de saber.
    Não há nada mais difícil do que se distanciar de algo que outrora tanto cobiçou. Desistir do amanhã que havia sonhado ontem. Já nem sei se “desistir” é a palavra apropriada. Deixar o vento levar o que já havia sido motivo de picos de euforia, eventos de sincronicidade e de conexão com a sua parte mais humana. Soprar o que tocou a parte mais frágil e pura de si mesmo. Abandonar o que te fazia sentir singular, sobretudo vivo, de tal maneira a ponto de não almejar mais nada, pois por ser capaz de vivenciar e sentir aquilo já se dava por realizada.
    Naquela noite eu senti que perdi o eclipse. Desprezando o que conhecera de mais valioso. Descartado a grande álea pela qual todos anseiam. O evento do século. O acontecimento épico. O ápice da minha vida. Eu simplesmente dei as costas.
    Fiquei cara a cara com a minha insegurança e com os meus medos.
    Sim. Afirmo com lasciva veemência. Eu conheci, nos exatos termos, o que mais valorizo e ainda tenho por avidez. Conheci de pertinho. Acariciei, apalpei, senti o gosto e o cheiro. Eu provei.
    No entanto, aquilo que era grandioso havia de se acomodar no estreito. Não me cabia. Claro, ainda assim, tratava-se daquilo pelo qual eu tinha fervor, o que me faz ser eternamente agradecida. A minha cisma em estar ali, para não soltar, para não perder o que me rasgava o peito, feria.
    Eu jamais havia estado naquele lugar e, confesso, ainda assim fui capaz de reconhecer que o espaço era irrisório diante do que eu precisava.
    Um conglomerado de variáveis tornava o recinto cada vez mais apertado. Eu tentei, mas havia uma resistência à expansão. Dependia de força, vontade, reconhecimento e anuência alheias a mim. Me vi obrigada a sair. Aquele ambiente não me cabia.
    Havia um sentimento nobre, desejo, virtude e, sobretudo, insegurança demais num mesmo lugar. O ambiente me abraçava e dava um beijo terno na testa ao mesmo compasso que o ar pesava e comprimia os meus pulmões. “Nós dois estamos exaustos”.
    Há exatamente 52 semanas que eu respiro sem dificuldade alguma. O ar não pesa mais. Exatamente oito mil, setecentos e sessenta horas que eu tomei a decisão mais difícil e tortuosa. Me submeti ao naufrágio para salvaguardar o amor.
    Naquela noite, em devaneios, o episódio era reprisado em minha mente. Morri uma centena de vezes. Era preenchida por inúmeros pensamentos conflitantes. Acima de tudo, me senti hipócrita. Desde então, era o fim do mundo todo dia da semana.
    Tive nas minhas mãos o amor. Adianto, ele não foi insuficiente. Ao contrário, consistia na minha maior loucura de viver. Escolhi abraçá-lo e carregá-lo comigo por toda a vida. No entanto, como já escancarei, aquela conjuntura não comportava o amor. Aquele amor, o meu grande amor, os amores.
    Desde o princípio, fui convicta de que o que eu sentia era maior que eu. Conheci o amor, por recebê-lo e principalmente por senti-lo. Desabrochou-me e as raízes estão fincadas em lugares profundos os quais eu mesma não ouso rebulir.
    Não é novidade que em algum lugar no tempo fui incapaz de cogitar algo tão imenso e puro, a ponto de me desestabilizar e me segurar ao mesmo tempo. Sobretudo, por aquele alguém, uma pessoa que chegou sem mais nem menos e que sem pretensão alguma se instalou de mansinho. Se o meu eu agora se encontrasse com quem fui há dois anos atrás me contasse sobre o que haveria de acontecer, com toda a certeza eu iria gargalhar e dizer a mim mesma “essa mulher está delirando”.
    A coisa mais insana, profunda e bonita que já senti. É inexplicável quanto uma estação me marcou. Estava realizada por encontrar não o propósito, mas o sentido da vida.
    Nunca acreditei ou mesmo cogitei que a o motim da nossa vida, a minha realização pessoal ou o que chamam por “felicidade”, nomeie como quiser, esteve atrelada a fazer grandes feitios, a conquistar grandes coisas ou mesmo ser lembrado por todo um coletivo. Não mesmo. Eu sempre me questionei a respeito e, apesar de não ter uma resposta imediata, acredito com convicção que não está atrelado a nada material.
    Desde a minha infância fiquei imersa em pensamentos como: “É só isso? Por que passamos a maior parte do nosso dia nos doando em obrigações como o trabalho e o estudo, cada vez menos presentes para as pessoas que amamos e justamente para sobreviver e estar com elas? Se tudo isso é finito, se um dia todos nós iremos deixar de existir, por qual razão desgastar o meu tempo com outras coisas que não com elas, se ele é limitado? A vida é uma ampulheta e eu não faço ideia de quando cairá o último grão de areia.
    Qual o sentido disso aqui? A minha existência? Qual a coisa mais valiosa?.. Eu não quero a deixar escapar. Por que eu estou aqui, nessa época e com essas pessoas? Por qual razão são esses os meus amores? O que é isso aqui, dentro de mim? A vida é o que nos permite existir e por qual razão por amor somos capazes de ceifá-la? O que explica o ser humano ter apenas uma vida e destiná-la em razão do outro, por amor? O que é o amor? O amor me encanta, ao mesmo compasso que me assusta.
    Sempre estive conectada e tenho um enorme apreço ao que é abstrato, pelo singelo, pelo sentir.
    Naquela noite, eu reconheci que no auge dos meus vinte anos eu já conhecera todas as formas de amor. Felizmente, eu conhecia e sentia todas as formas de amor. Eu simplesmente amava, incondicionalmente, sem porquê e nem para que. Eu fui grata por isso.
    Porém, também naquela noite outro pensamento chegou para me desestabilizar. Eu vi que alguém me dava amor, o mesmo amor bonito e assustador de tão imenso que eu sentia, mas que eu não estava sabendo cuidar dele. Infelizmente eu o regava, mas para crescer só a água não era o suficiente.
    Digo de boca cheia: o amor é uma dádiva. Amar. Sabe, eu acredito que poucos têm essa capacidade. Amar mesmo. Na madrugada eu fui grata pelo o que eu vivi, apesar do sufoco, pelo que senti, pelo que recebi. Na madrugada fria eu sentia algo inexplicável, queimava. As minhas mãos estavam geladas, mas o meu peito ainda queimava.
    Foi duro reconhecer que o meu bem me ofertava o mesmo e isso o feria, claro, pelo peso do espaço entre nós, como já disse. O reconhecimento de que algo incontrolável, imaterial, intrínseco, unipessoal e essencial de alguém estava entregue a mim, concentrado de tal maneira que pelo o ambiente machucava o seu próprio suporte, me dilacerou. Afinal, aquele alguém era alvo do amor.
    O amor jamais foi um problema, pois não é. O empecilho era o estreito do ambiente, que não comportava apenas o amor. Naquela noite, eu tive sensibilidade a ponto de ver isso claramente.
    Para não me machucar e para não mais machucar eu precisei me afastar. Essa foi a decisão mais difícil que eu tomei por e pelo amor.
    Minutos depois da ruptura, segundos depois de fechar a porta, eu puxei o ar, mas ele não veio. Os meus pulmões inflaram, tudo queimava. Até que eu senti a dor. Dor física. Eu havia acabado de cravar uma adaga no meu coração. Acreditei que simplesmente estava assassinando o amor. Me vi hipócrita. Me vi menosprezando ou negligenciando o que eu sentia. Me vi desistindo.
    Naqueles segundos sem fôlego, como num efeito dominó, eu ouvia o som dos pilares da minha vida caindo. Eu havia fechado uma porta e assistia as linhas tortuosas do meu destino se fazendo e desfazendo, construindo rumos e criando as próximas realidades quais eu sequer era capaz de imaginar, pois acreditava que nada do que haveria de vir me traria tesão pela vida, já que eu estava fazendo algo horrendo.
    Ceifando o amor.
    Destruindo o alicerce de tudo o que eu mais almejava, desejava e esperava dos novos alvoreceres. O futuro se consumaria vazio. Novamente, um limbo. O amor estava nas minhas mãos, se degradando. A sua poeira escapava por entre os meus dedos e, com lágrimas, num ímpeto, eu o soprei.
    Recuperei o ar, puxando um fôlego forte e doloroso. Tudo havia se desfeito. Dali em diante, uma entrada nova no desconhecido. Me vi desalinhada ao meu destino.
    Naquela noite eu não machuquei só quem eu amava profundamente. Eu também machuquei a mim mesma. Isso para nos salvar do ambiente estreito que estava comportando o nosso amor, ambiente que nos acariciava e dava um tapa na cara quando menos esperávamos.
    Sim, eu sabia que aquilo era necessário, foi necessário. Foi doloroso. Foi difícil. Abandonando alguém que em algum lugar no tempo jamais me veria distante. Hoje, um anos depois, me orgulho dela, pois descobri que sou mais forte do que imaginava. Naquela noite eu me destruí, havia esfaqueado o meu peito, o meu coração estava ali, mas machucado.
    Hoje, afirmo com convicção que é possível amar e, por amor, se afastar do alvo de todo ele.
    Desde que desenvolvi a sensibilidade de reconhecer os amores que emano e os que me circundam, reconheço que o amor no seu plural é a coisa mais insana, bonita e inexplicável que sinto.
    Exatamente um ano desde que tomei a decisão aparentemente incoerente, por amar.
    Um ano que eu desejo estar perto, estando longe.
    Um ano que estou abarrotada de uma forma específica de amor, sem distribuí-lo.
    Um ano que reconheci o que é amar.
    Ao contrário do que as pessoas disseminam, o amor não machuca. De maneira alguma, não machuca. As outras coisas é que machucam o amor. Ele não é um sentimento ruim. Na verdade, ele é tão puro, delicado e surge de uma forma tão sutil… por todo esse conjunto que é inexplicável.
    O amor não é ruim. Se ama, apesar de. Nós nos amamos, apesar disso e daquilo. O amor prevalece. Prevalece diante de tudo e é por isso que conflitos com os nossos valores, princípios, desejos, crenças e anseios é que acabam sobressaindo e ferindo ainda mais, pela existência do amor. Quando esse conglomerado de conflitos estão no mesmo ambiente que o amor, o espaço fica pesado e estreito.
    O amor é sutil e os conflitos são gritantes. Os arranhões dos conflitos ferem partes de nós, apesar da existência do amor. Os impasses dão um tapa na cara e atinge pilares diferentes da nossa vida e existência, mas não é capaz de converter o amor em outro sentimento, tão menos de diminuí-lo.
    Ama-se apesar de. Apesar de… O amor é isso. É puro. O amor não machuca. Se alguém alega isso, sente qualquer outra coisa que não amor. O amor não nos impulsiona a coisas ruins. Nós simplesmente o sentimos e convivemos com ele. Os nossos princípios, os nossos valores e as nossas escolhas são motivados pelo nosso consciente, que nos permite deliberar. O amor nós simplesmente o sentimos, não se é possível apontar nem começo nem fim, não o escolhemos, não o controlamos. É o bem incorpóreo mais valioso e misterioso.
    Por isso, é possível amar quem já te machucou, quem te decepcionou, quem já agiu de forma a ferir os seus valores e princípios. E não, isso não é bonito. É lamentável e, ainda assim, se ama apesar de. Acredito que isso explica a mãe que é dilacerada pelo filho que terrivelmente comete o pior dos crimes, que é ceifar a vida de outrem, e ainda assim o ama, o protege e os seus princípios e valores a levam a repudiar a conduta e entender a necessidade do agir estatal.
    As coisas não se anulam. É por isso que por amor, perdoamos, mas isso não significa que a cicatriz deixa de existir, que a marca desaparece ou que a mágoa simplesmente se esvai, que os embates são esquecidos. Afinal, o amor prevalece, mas os confrontos com os nosso valores, princípios e crenças, que afetam os nossos objetivos, desejos e ambições, seja lá em qual for o pilar da nossa vida, deixam marcas que não são apagadas.
    A nossa vida possui pilares. A família, a educação, a arte, a saúde, a profissão, são alguns pilares e o motivo das versões verdadeiras de nós mesmos, que são impulsionadas por desejos, crenças, valores e princípios específicos, com objetivos distintos. Conciliar tudo isso é insano. O amor, por sua vez, não está restrito a nenhum desses pilares, nem mesmo a qualquer das versões, ele emana de nós e circunda tudo isso.
    O amor é complexo. Por ser complexo, inexplicável.
    O amor floresce, mas somos incapazes de apontar um começo e não sei dizer que tem um fim, apesar de algo me dizer que certamente sim. A vida é finita, será que o amor, concentrado na parte mais pura de nós mesmo, está condicionado ao cair do grão de areia? Quando o nosso corpo não mais existir, o que será de mim? Não digo sobre essa casa que os outros veem e eu trato com cuidado, respeito e zelo, mas a minha essência, o que faz eu ser eu… a minha alma. Está aí outra incógnita sobre a qual nada sei, a alma.
    Qual a semelhança e diferença da alma e do amor? O amor certamente é puro, qual a relação dele com a alma? Existe alma ruim? A alma sofre cicatriz? A alma comporta o amor? O sentimento emana da alma? As emoções atingem a alma ou ela é inviolável tal qual o amor? A alma e o amor se modificam, disso tenho certeza e jamais adquirem natureza ruim, será essa uma verdade só minha?
    Quais são os nossos valores, princípios e crenças? Estas coisas fazem parte da alma e, por serem mutáveis, por isso que a alma se modifica? Há ligação? Se positivo, isso aniquila a ideia anterior de que a alma é límpida e pura. Até mesmo porque, não raramente os valores e princípios dos outros propagam ideias e importam em ações que colidem com os meus e com as minhas crenças, por exemplo. Qual a relação entre alma, amor e o que rotulamos por valores e princípios?
    Não sei.
    O amor não é o mesmo para sempre, se molda com os embates e demais experiências, se modifica assim como os valores e os princípios, mas não perde a sua natureza. O amor amadurece, assim como a alma.
    A grande questão é que eu jamais saberei as respostas de tais questionamentos. Quanto à alma, apenas sei da sua existência porque é o que sou; já os meus valores, princípios e crenças o que me guia nas minhas escolhas e anseios nos pilares da minha vida, enquanto o amor é simplesmente o que eu sinto que me transborda.
    Esses devaneios, hoje, só elucidam o quanto eu valorizo essas coisas. A minha essência, a minha alma, quem eu sou. Por vez, os meus valores e princípios que influenciam e modificam aquele primeiro, aliás, nem ouse me perguntar como porque também não sei apontar sequer como desabrocham. O amor eu sinto e não sei explicar…
    Talvez o amor nasça com o encontro das almas, uma espécie de liame, ponte, conexão. Quem sabe seja puro por ser a comistão das partes mais puras e límpidas das almas/ de cada um de nós. Assim, atinge diferente as pessoas a depender da limpidez da alma de cada um. Talvez isso explique alguém que é amado, mas que é incapaz de amar. Quando digo amor aqui, me refiro ao sentimento em sentido amplo, não me limitando às suas formas.
    Esses infindos questionamentos os quais nem sei se quero realmente desvendá-los, pois não mais teria esse passatempo que é os questionamentos e inventar hipóteses, mostram como o amor faz parte de mim. A importância dele, que é enraizado e inerente a mim. O quanto eu valorizo a vida e a imagino vazia e sem sentido sem o amor.
    Aliás, tenho tesão por viver, acredito que daí a ideia de reencarnação, da existência de um depois, de um lugar para alma, de eternidade… me agrada. Será esse o objetivo da vida? Nos conectar com a parte mais límpida de nós mesmos? O amor. Que os valores e princípios primeiramente copiados das pessoas que nos rodeiam nas primeiras estações de nossa existência se modificam com as nossas vivências e embates, que felizmente se modificam e levam à evolução da nossa alma, de tal forma que a limpidez lhe acontece, que se verifica, que se torna fértil para conexões sentimentais como a empatia e o amor, claro?
    O amor me é inerente e não sei explicá-lo. Apenas sinto.
    Exatamente 365 dias depois eu tenho convicção de que eu não assassinei o amor, já que me é inerente.
    Naquela noite, me vi perdida porque um dos pilares da minha vida cedeu e com ele, sonhos, ambições, desejos e objetivos naquele pilar. A dor foi pelo distanciamento físico e temporal das almas. O desmoronar da ponte. Mas seus destroços ainda fazem parte da minha alma. Uma vez feita a comistão, não há como ceifar o amor que desabrochou em nós, ainda que se modifique. A alma é matéria prima para o amor e passa a comportá-lo após a consequente comistão.
    Por isso é possível amar alguém para sempre. Por isso é possível amar muitas pessoas e de formas diferentes. Por isso não há o amor da nossa vida, mas os amores.
    O amor é sentimento duradouro, perdura. Diverge das emoções, que são estados, tal qual a felicidade e tristeza. Se ama apesar de tudo isso. Amamos na felicidade, na tristeza, na dor — independente de sua natureza. Quanto a sentimentos puros e efêmeros como saudade, empatia, são reflexos do amor.
    O amor me é inerente e não sei explicá-lo. Apenas sinto. O amor me levará ao delírio.
    Por amor, faço tudo. Perco batalhas, por amor. Por amor, me renovo. Quando digo por amor, é para salvaguardá-lo na sua forma mais vibrante, ou seja, as almas conectadas numa comistão constante e circular. Salvaguardar a ponte. O mais puro de duas pessoas.
    O amor por si só, sozinho, apenas ele não machuca, não enfraquece.
    O grande imbróglio é esse processo de conhecer rudemente o amor. O encontro consigo mesmo. Quando reconhecemos o amor, nos encontramos com a parte mais límpida e pura da nossa essência.
    O amor é amplo e possui formas diferentes e as pessoas demonstram amor e se sentem amados por reflexos físicos e repercussões fáticas distintas. As manifestações de amor também se moldam.
    O amor é complexo e para sempre, pensar assim me conforta.
    Recordo com fidúcia as palavras que sibilei naquela estação. Exatamente como há um ano atrás, meu mais insano e desmedido amor, hoje, eu amo você e isso não vai mudar.
    Confesso. Tenho receio em generalizar, apesar de cometer esse deslize, e atrelar ao coletivo uma percepção minha sobre mim mesma. Sobretudo, sobre o que eu sinto e sobre o que eu aponto por amor.
    Ninguém pode apontar o dedo e equivocadamente em voz alta rotular o meu sentir. Aquilo está em mim. A grande questão é que sentimos algo e a partir das descrições alheias, rotulamos os nossos sentimentos e emoções. Será que o que o outro considera amor é o mesmo que eu sinto? A percepção é a mesma?
    É inequívoco que existem formas de amor e que suas manifestações são diferentes, isso podemos identificar. Mas e sua matéria, o sentimento nos seus exatos termos, é o mesmo? Sobre isto, me recuso a fazer qualquer alegação.
    Não posso afirmar sobre outro algo referente a essência dele, com espelho no que há em mim. Não posso de modo algum ousar alegar que o outro não sente, tão menos que aquilo não é amor, só porque se manifesta de forma que não me leva a me sentir/perceber amada. Ainda que eu reconheça que nossa percepção de amor seja distinta.
    Já fui equivocada a tal ponto. Já errei assim, mansamente. Partindo de uma comparação com o meu sentimento e disfarçadamente alegando que o que o outro sentia poderia ser tudo, menos amor. Admiração, respeito.. Não sei. Seja lá o que fosse, não estava nem aos pés do que eu sentia. Fiz um comparativo para dizer que o que queimava dentro de mim era imenso, expansivo, circular, que não só me preenchia, como também orbitava.
    Equivocadamente tentando fazer com que outra pessoa reconhecesse a preciosidade disso. Como se devesse enaltece-lo e se sentir “honrado” por ser alvo de todo ele, quando em verdade eu quem devo venerá-lo, pois está em mim, faz parte de mim, emana de mim e eu é quem sinto.
    Amor, meu mais insano e desmedido amor, peço perdão por erroneamente dizer que não me amava, quando ninguém poderia ousar de tal forma. Nem mesmo eu.
    O amor é individual.
    Reconheço o meu erro e me desculpo por isso. 52.5600 minutos depois da ruptura, reconheço que evolui neste sentido.
    Sou deslumbrada pelo amor.
    Jamais terei vergonha em afirmar de boca cheia, com lábios vermelhos e sibilando lentamente e deliciosamente que amo.
    Sou muito sincera comigo e respeito todos os meus sentimentos e emoções.
    Eu disse amar, quando reconheci que amava.
    Eu valorizo tanto isso…
    Aliás, naquela madrugada do estopim, eu sussurrei “hoje, eu amo você e isso não vai mudar”.
    Claro, há mágoas, cicatrizes e decepção, em razão dos embates. Mas, amo apesar de. Por amar sou incapaz de profanar, de descaracterizar e, principalmente, de enganar a mim mesma afirmando que não amo.
    Amo. Mas, não daquela mesma maneira, ainda que seja a mesma forma de amor. Acredito que há maneiras de se amar alguém para sempre.
    360 dias que diariamente desvendo maneiras de amar alguém à distância, de mansinho e para sempre.
    Estamos novamente no outono e jamais estive tão aquecida. O meu sentimento me aquece. Sou grata por ser capaz de amar. Amo. Amo com uma força desmedida.
    O que eu posso vê e tocar é somente as manifestações do amor. Deus, como eu gostaria que as pessoas que amo pudessem viver/sentir exatamente o que pulsa em mim por elas.
    Ora, as declarações de amor são insuficientes para demonstrar sua imensidão.
    Justamente por todo o exposto que ao reconhecer que os embates entre os valores e os princípios, anseios e desejos, estavam machucando o outro e a mim, que tomei uma decisão. Salvaguardar o amor.
    Tenho horror à ideia de sofrer e, sem deliberar, colocar a culpa no amor. Machucar e justificar com o amor. Horrível. Jamais me perdoaria por dizer qualquer dessas asneiras.
    O estopim para aquela noite de ruptura também partiu de mim. Foi quando pronunciei palavras cortantes e completamente falsas. Cometi o maior dos meus erros, neste sentido. Errei não só com o outro, mas comigo mesma. Disse “essa é a primeira vez que me arrependi por sentir o mundo”, quando na verdade estava cansada dos embates. Os confrontos assoberbando a minha mente. Naquele instante, me ouvi com atenção.
    Segundos depois afirmei a mim mesma: o amor não machuca.
    O amor prevalece, porque é amor.
    Mas, as marcas dos embates não se apagam, como já disse. E eu não quero causar dor a quem amo. Não quero vê-los sofrer. Se o subterfúgio é se afastar para cessar os golpes, que assim seja. Salvaguardando a parte mais bonita de mim mesma.
    Jamais iria me perdoar se permanecesse e a minha alma ficasse marcada de cicatrizes. Nem mesmo se ultrapasse os meus valores e princípios a ponto de não reconhecer a mim mesma. Tão menos se fosse machucada ou se ferisse de tal maneira a ponto de ver o amor como uma carnificina. Uma mancha de sangue na minha história.
    Nada justifica perdermos a nossa essência e nem mesmo nos mantermos em ambientes e enfrentado constantes embates por amor. Ridiculamente venderam a ideia de que é normal lutar por amor. O amor não é um campo de batalha. Não devemos normalizar o que talvez seja tristemente comum: causar dor ao outro; persistir nos embates e assistir o sangue jorrar por cortes cada vez mais profundos e consequentemente não nos tratar com zelo, respeito e carinho.
    Ainda assim, se ama. Se ama apesar de.
    Se amamos mesmo, de verdade, desistimos dos embates para proteger e cuidar não só de nós mesmos, como também do alvo de todo o nosso amor. Sobretudo, para valorizar e se atentar a outro tipo de amor que jamais pode ser deixado de lado. O próprio.
    Abri mão da sensação de viver fervorosamente os meus dias. De mergulhar naquela forma de amor. Resolvi deixar a ponte de madeira da conexão da parte mais pura de nossas almas mofar, envelhecer. As flores ali morreriam, eu sei. Não mais iria cultivá-las. Apenas as minhas restam intactas e eu não preciso fazer nenhum esforço para isso. Estarão vivas enquanto eu viver. Hão de existir enquanto eu tiver força. Força vital.
    Abondar quem ama, para salvaguardar o amor. Levei o meu sentimento ao extremo para tomar essa decisão.
    Confesso, as cicatrizes daquela noite ainda queimam com o toque mais sutil.
    Desde então, nos dias frios chorei ao recordar os dias quentes em que me arrepiei dos pés à nuca com aquele deslize. Chorei por recordar com fidúcia o teu olhar e o que me envolvia ao sussurrar “eu trocaria a eternidade por esta noite”. Chorei por reconhecer que não matarei o desejo de viver mais noites como aquela.
    O amor nós protegemos, enquanto os desejos temos uma gana doentia por matá-los para nos satisfazer. Percebe a diferença?
    Chorei por saber que não ceifarei o desejo de toda uma vida compartilhando tardes como aquelas. As nossas tardes. Chorei por saber que não hei de matar o desejo de assistir, junto com o mudar das estações e o cair das folhas do cinamomo o teu rosto envelhecer junto ao meu.
    Naquela madrugada, ao fechar a porta com cuidado, eu senti dor. Mas não era do amor, como acreditei à época. O amor por si só não machuca. O amor queimava e a minha dor foi não só pela queda da pilastra, nem apenas pelo limbo, mas também foi por aceitar que não iria aniquilar todos aqueles desejos.
    Hoje, faz exatamente um ano que eu ainda lamento pelos desejos que não matei, pelos sonhos que se desmancharam, pela esperança que foi ceifada, pela incerteza do futuro. Não raramente ao lembrar do conforto e aconchego do amor, apesar do ar rarefeito, lágrimas percorrem o meu rosto.
    Confesso, tem dias e instantes que, sem mais nem menos, desmorono. Claro, por amar e reconhecer que o alvo de todo ele não faz a menor ideia do quanto eu sinto. Por não ter mais a oportunidade de tateá-lo ou vê-lo nos seus exatos termos.
    No entanto, felizmente, é um ano que reconheço o quanto amo. Que dou atenção a cada uma das formas de amor. Que tenho sensibilidade em reconhecê-las.
    Serei eternamente agradecida a mim mesma, ao universo… por amar.
    Sou um ser humano realizado, simplesmente por amar.
    Eu amo.
    Amo sem porquê, nem para que. Não há nada mais belo, nem mais insano.
    Amo de todas as formas, cores e facetas. Ainda que demonstre todos da mesma maneira. Com as palavras.
    Alguns eu amo de perto. Outros eu amo a distância. Tem um que eu amo em silêncio. Amo de mansinho. Os tenho com muito respeito. Os admiro.
    Independente de seja lá o que for, seja lá o que tenha acontecido, por amar, os quero bem. Desejo que sejam amados. Que as pessoas que os amem demonstrem amor da forma que os levem a reconhecer que são amados. E, claro, para isso, desejo primariamente que evoluam, como ser humano. Que sejam pessoas boas. Que tenham almas puras. Que sejam capazes de amar.
    Essas minhas palavras de afirmação, são dotadas de amor.
    Eu valorizo tanto o que sinto, assim como as palavras.
    As minhas palavras de amor carregam sinceridade. Aliás, sempre carregaram.
    Eu disse amar apenas quando reconheci que amava.
  • [Desabafo] CAOS

    A sensação de que há um “assunto pendente”, algo mal resolvido, me corrói. Fico atordoada pela ideia de que algo atrelado a mim ainda pode ser fruto de incômodo para outrem. Detesto imbróglios, questões mal resolvidas e situações mal interpretadas.

    Você sabia muito bem disso e foi justamente o que te levou a aceitar o meu convite. Tenho certeza de que reconheceu a minha gana, tornar nítidos os motins da ruptura. Sabia que eu não te chamaria para conversar, especialmente naquela data, sem mais nem menos.

    Havia passado dias consideráveis matutando aquele momento. Enquanto detalhava a mim mesma tudo o que deveria elucidar, acabei muita vezes me remetendo à tão planejada noite por “lucidez”.

    Independente do caminhar da nossa coisa, da ruptura, de toda a estação… naquela noite, eu havia planejado te esclarecer e pontuar o universo e o mundo. Sobretudo, para tornar evidente o que você pareceu não compreender quanto ao apagão da nossa cidade. Por respeito a você e ao que eu sentia.

    O meu intuito foi deixar nós dois às claras. A minha intenção era também te ouvir, depois de meses para se olhar com distância a nossa cidade. Pretendia aferir sua visão na tentativa de saber se ela ainda te fazia sentido, descobrir se o seu sentir ainda prevalecia. Sobretudo, esclarecer quanto ao meu sentir.

    Confesso, havia marcado o encontro visando resgatar o “nós” e não somente o “eu e você”. Fui até o Recanto pensando em retaliação. Retaliar o elo, resgatar o vínculo

    Felizmente, enquanto a noite ainda era de nitidez, sob a luz da lua, consegui fazer isso. Tudo saiu perfeito. Óbvio, não segui qualquer roteiro. Explanei o que senti que precisava. Falei tudo do fundo do coração. Chorei de uma forma desmedida. Chorei por amor. Justamente por isso, ainda me remeto ao inicio daquela noite por “lucidez”.

    Porém, sabe o que aconteceu?

    Bom, você sabe muito bem. Disso, eu não tenho duvidas. Tenho certeza que o inicio daquela noite foi incinerado em sua memória. Não te julgo se o epilogo final se tratar do que marcará pra sempre o seu 11 de Junho.

    De um instante a outro, tudo o que eu havia acabado de fazer se desmanchou. Enquanto sentia paz comigo mesma pelo pingos nos “i”s, enquanto o vigor preenchia a nossa cidade…. na travessia daquela rua, sob a luz daquele farol, nos deparamos com outro apagão.

    Mais uma vez o seu não confiar em mim metamorfoseou uma noite que eu tanto havia planejado, noite que escancarei com a maior pureza como a ruptura estava sendo dolorosa, na madrugada mais desagradável dos nossos dias.

    A ponta de esperança que brotara no início daquela noite, foi esfarelada. Naqueles minutos, constatei com pesar que diante de qualquer situação de desconforto, você agiria daquela maneira. Movido por um imediatismo cego. Nada mudaria.

    Com decepção, reconheci isso segundos antes do estopim. Exatamente quando me questionou e me impôs uma conduta. Justamente um dos pontos que abalava a nossa coisa não iria mudar. Aliás, exatamente o que eu havia acabado de apontar e desprezar — enquanto a noite ainda era de “lucidez”.

    Custava parar e pensar? Fazer, uma única vez, o que eu te pedia?

    Não bastasse, o que aconteceu depois só me provou que, independente de qualquer coisa, aquilo não só iria perdurar, como também — com o transcurso do tempo — ficaria ainda mais forte, incisivo e saliente de uma forma incrivelmente ruim.

    No mais, constatei que sempre teria de implorar para ser ouvida. Exatamente nada havia mudado desde a ruptura. Costumava falar muito para alguém que nunca esteve disposto a me ouvir.

    É duro afirmar que, ainda no caminhar da nossa coisa, eu percebia isso e dizia a ti e a mim mesma frases como: “não vou tentar provar mais nada”, “não vou me explicar mais, sei que de nada adianta”, “pense o que quiser, prometi não mais me justificar”, “eu não vou mais nada”.

    No entanto, a minha gana em contornar a situação e escancarar que aquilo tudo era em vão sempre foi maior que eu. Não Importava o quanto eu estivesse de saco cheio daquilo, sempre me vi descartando a minha afirmação e agindo da forma oposta. Me rastejando para ser ouvida. Na segunda parte daquela noite, não foi diferente.

    A situação foi tão esdrúxula que me vi tentando provar algo que eu sequer deveria. Eu sempre tinha que provar. Não bastasse, quando raramente era ouvida, a minha fala de nada adiantava, nunca foi valorada.

    Logo após a nitidez, em segundos, você agiu justamente da forma que eu havia acabado de repudiar. No entanto, ainda assim, foi diferente. Havia algo mais. Me deparei com um estranho e ele me causou medo.

    Você estava caminhando, novamente, para a escuridão da noite.

    Vi uma face sua que me deixou assustada. Não sei. Você é assim. É de você. Eu não sei explicar. Juro que, naquela noite, tive medo, pela sua expressão e pela sua forma de falar. Não sei se o seu agir foi motivado somente por aquela situação mal interpretada, acredito que foi mais um ponto.

    Sem razão para tanto, o que jamais deveria acontecer no suporte de qualquer amor, aconteceu. Exatamente aquilo que eu mais temia. Entre nós, perdeu-se o respeito e isso não sai da minha mente.

    No final das contas, a noite se desfechou com uma situação mal interpretada. Comigo, mais uma vez, me humilhando para ser ouvida. Implorando para alguém não me vê de uma forma que foge totalmente de quem sou. Implorando para não ser vista de uma forma que detestei. Argumentando para provar algo que eu não deveria precisar provar, a minha moralidade.

    Pedi desculpas antes antes mesmo de conversarmos para esclarecer o imbróglio que havia acabado de surgir. Pois, repentinamente caí em mim. Recordei o caminhar da nossa coisa, em como pequenas situações eram transformadas em grotescos problemas; como pensamos, vemos, agimos e valorizamos tudo de uma forma incrivelmente distinta.

    Olhei o entorno da nossa cidade, de um instante a outro, me arrepiei dos pés à nuca. O eclipse chegara. Senti que trinta dias de noite se aproximavam. O exato momento que aferi, com imenso pesar, como equivocadamente você havia interpretado. No exato segundo em que você mudou todo seu espectro, constatei de imediato. Os seus traço, o olhar, a fala e o teu jeito enfatizavam.

    Pressenti que agiria da mesmíssima forma que eu, aos prantos, enquanto a noite ainda era de “nitidez”, havia acabado de menosprezar. Percebi que não estaria disposto a me ouvir e “concretizaria”, para si, algo que inocorreu. Sabia que se recusaria a me ouvir.

    Todo um conglomerado de fatos e o teu jeito imediatista o levaram a fazer algo impetuoso, me desrespeitar.

    Nos microssegundos que me permitiu falar, aparentemente se dispondo a ouvir, cortava a minha fala enquanto se manifestava persistindo nos mesmos julgamentos.

    Foi nojento você projetar que eu seria capaz de tanto. Tenho princípios e valores, justamente pela existência deles, jamais poderia até mesmo cogitar.

    Buscando compreender como uma garoa havia se transformado num tornado, com medo, enquanto sussurrava a mim mesma “deus, ele só pode ter ficado louco”, tentei fazer com que você realmente visualizasse tudo, nos seus exatos termos.

    Pelejei para que me ouvisse, principalmente, para que se propusesse a ver da minha forma. Tentando te fazer entender, me desmanchei com cada gota daquela chuva ácida. De um segundo a outro, o meu entorno se destruía.

    Te ver assim me fez cogitar o meu agir. Óbvio. Ainda que eu não tenha tido qualquer má pretensão, tão menos o que você alegou. Olhei com distância. Me coloquei no seu lugar.

    Desesperada, sem ter a mínima ideia de como nos salvar dos caos, cegamente me vi tomada pela histeria. Enquanto segurava o seu rosto com ferocidade, a ponto de ver cada um dos teus traços rentes aos meus, na fútil tentativa de te trazer de volta para a realidade, eu gritava palavras na sua cara. Cada palavra forte, pesada… cada uma das minhas frases densas, foram dotadas de imenso temor e angustia.

    Desejei com todas as minhas forças que isso fosse capaz de te dar lucidez. Te vi num pesadelo, imerso num mundo e eu não conseguia te encontrar. Me vi pequena e frágil. O nosso entorno estava desmoronando e eu fui incapaz de salvar você.

    Pude ver, nitidamente, ao som de “Mazzy Star — Fade Into You”, o nosso olimpo transformando-se em ruínas. O soar do despencar de cada pilar era uma facada no meu coração. Me desesperei com a ideia de olhar a trilha e vê-la desaparecer.

    Naquela noite, reconheci da pior forma o quanto o amor pode machucar.

    Você, por vez, exatamente na mesma coisa. Teu olhar me dizia “você está delirando”, como se eu quem estivesse num mundo de fantasias e somente naquele agora vendo a realidade. Ouvi uma série de ofensas, as quais, aliás, recordo com fidúcia.

    Sei que tudo o que ouvi foi pautado não somente num imediatismo cego. Foram palavras ditas por alguém que estava indo na escuridão da noite e não importava o quanto eu corresse, não conseguia alcançar. Eu jamais havia estado naquele lugar.

    Você não só se desfez a ponto de ficar cego, você se perdeu na escuridão daquela noite. Estranhamente te vi desaparecendo-se em si mesmo. Até que, nos destroços, não mais pude te tocar, sentir ou enxergar. Estava somente um estranho diante de mim.

    E ainda assim, eu ansiava enfrentá-lo, pois sabia que você estava ali, em algum lugar. Queria te salvar dos devaneios. Faria o impossível para que não fosse coberto pelo negro daquele lugar.

    Desejava ainda mais que os golpes cessassem. Não mais ser apunhalada. Desejava, sobretudo, gritar para o mundo, gritar e te fazer acordar. Parar.

    Se as coisas que me foram ditas tivessem sido proferidas por qualquer pessoa, não teria me suscitado exatamente nada, pois tenho convicção de quem sou, sei o que fiz e o que jamais seria capaz.

    O árduo foi por ser justamente você. A pessoa quem fiz refúgio e acreditei que sequer por um instante pensaria aquelas coisas a meu respeito. Colocar na mesma oração aqueles adjetivos e o meu nome. Quem imaginei que, ao contrário, diante de alegações sujas quanto ao meu eu, diria rigorosamente o extremo oposto, justamente por me conhecer.

    O corte mais incisivo foi por ter sido uma das pessoas com quem eu muito me importava. O árduo foi cada palavra vir acompanhada do teu timbre. Pois, ainda que eu visse um estranho diante de mim, ainda se tratava do timbre do meu mais insano e desmedido amor.

    Agiu de uma forma como quem me acusava de algo que repudio do princípio ao fim. Imputando-me um crime que eu jamais poderia executar, aliás, que sequer seria capaz de cogitar ou premeditar. Me desesperei com a ideia de VOCÊ atrelar aquilo a mim. Principalmente, por me fazer alguém quem não sou.

    Desprezou que o próprio episódio mal interpretado confirmava que eu havia estagnado no tempo o “eu e você”. Sem contar o fato de tudo que ainda pulsava em mim. Sem contar que mesmo com a ruptura, de uma hora para a outra, você não havia se tornado qualquer pessoa. Sou muito fiel a mim mesma e ao que sinto.

    Justamente por tudo o que compartilhei. Pela nossa troca. Por cada uma das luzes, travessas e edifícios da nossa cidade, você conhecia como a palma da sua mão cada fresta minha. Tenho certeza que deu para perceber que aqueles adjetivos (você sabe exatamente quais) induzem coisas que não condizem comigo.

    Aliás, sou MULHER o suficiente para assumir os meus erros. Principalmente, para me conhecer, assim, engolir e “levar na cara” as consequências dos meu erros. Não me importaria se me julgassem por quem realmente sou ou por algo que fiz. Mas, não admito ser rotulada por algo que destoa completamente da realidade. Óbvio, se tratando ainda de um apontamento partindo de alguém com quem me importo, me fere e com motivo.

    Sei me impor. Sei segregar as coisas. Infelizmente, à época, por me importar muito com o que você pensava a meu respeito, tentando nos salvar da mácula, agi no centro da cidade como se eu tivesse culpa. Como se tudo o que você falou ou pensou sobre aquilo fosse verdade.

    Estava e estou saturada. Deixei bem claro que as coisas que pensou a meu respeito foi uma quimera. Jamais faria tal coisa. Jamais. Ferem os meus valores e princípios. Traí o que eu sinto. Traí a mim mesma.

    Foi insano como de um instante a outro ateou fogo na nossa cidade. Se o seu intuito era me incendiar, conseguiu. Naquela noite, eu descobri como alguém poder ser o céu e o inferno de outro. Reconheci porquê dizem que o amor e o ódio são o mesmo sentimentos no extremo de seus pólos, o bom e o ruim, respectivamente.

    Confesso. Demorei dias consideráveis para digerir o ocorrido. Muitas vezes questionei se as coisas podres que me foram remetidas tratavam-se do que você sempre pensou e achou o momento oportuno para descarregar. Matutei até mesmo pontos que acabavam por respaldar isso, em razão de tanto, memorei como detestava alguns detalhes frágeis do meu jeito, coisas simples.

    Absolutamente nada, tão menos a minha “simpatia exagerada” deveria ser usada para fazer presunções equivocadas a meu respeito. Não sei o que via em mim de tão negativo para causar tamanha desconfiança a ponto de te fazer pensar e/ou cogitar tamanho desatino.

    Naquela noite, suas alegações, assim como o seu agir, induziram que sou uma mulher “fácil” (estou ciente do peso dessa fala e é exatamente esse o peso que você impôs). No desprezível linguajar popular masculino, me fez “qualquer uma”. Senti desgosto e desprezo ao constatar tamanha imundice.

    Outrossim, ainda que eu tenha lhe dito “nunca vou esquecer essas palavras”, ouvi um árduo “e você acha que eu ligo?”.

    E não ouse dizer “se te atinge, acatou porque é seu”. DETESTO ser tratada e julgada de uma forma que não mereço.

    Sei o quanto a sociedade é podre. Vivo, sobretudo, ainda que sem perceber, constantemente, para qualquer pessoa, justificando e explicando meu agir e escolhas, sem precisar — sem dever isso. Justamente para jamais ser rotulada de um forma que repudio. Para não ser rotulada como você fez. Para não me fazerem quem não sou. Eu quero esculpir a mim mesma, isso não cabe aos outros.

    Não digo que você não tinha o direito de estar chateado. Aliás, em nenhum momento disse que não tinha esse direito. Não fui hipócrita. Eu pedi desculpas. Mesmo tendo plena convicção sobre o meu agir. Pedi desculpas de antemão para salvar o epílogo de nitidez daquela noite, pois vi tudo desaguando por uma situação mal interpretada.

    Confesso, me sinto culpada. No seu lugar, tenho plena convicção de que me sentiria desconfortável, ainda que não visse o que você diz “ver”. Justamente por reconhecer isso que eu implorei para ser ouvida.

    Sei que falhei, pois, ainda que eu não tenha tido qualquer má intenção, de forma repentina havia cogitado a possibilidade de ocasionar esse imbróglio. Uma situação mal interpretada. Balbuciei para mim mesma que você poderia distorcer tudo ao extremo no polo ruim. Era algo, por mim, esperado.

    Mas, tolamente acreditei que, como sempre, conversaríamos e pronto. Imaginei exatamente o contrário. Acreditei que veria a minha intenção e ficaria “grato” pela existência dela, resgatar o “nós” ou ao menos não deixar se diluir o “eu e você”.

    Admito. Somente depois da sua reação que fui perspicaz. Concordo que eu poderia ter usado outro mecanismo. Não que justifique, hoje, penso de forma distinta, mas, à época fui sim ingênua, boba… não sei. Reitero que não tive intenção errada alguma, sequer havia percebido o contrário, acredito que a recíproca foi a mesma.

    No mais, afastando a minha gana quanto a nós, quanto ao restante, principalmente por se tratar de algo pequeno, que não me importava ou sequer detinha valor, eu poderia ter evitado. Me sinto mal. Me desculpa.

    Independente do meu agir sem mais pretensões, independente do cerne ser você, ainda hoje sou despedaçada por me sentir culpada por parte do que você sentiu.

    Recordo claramente do seu “você não vê problema em nada”. Não se tratou disso. Eu percebi tudo. Vi até demais. Como eu mesma te disse, vi problema por ter cogitado que aquilo iria te causar incômodo, sobretudo, por ter englobado algo que eu poderia ter evitado. Me sinto culpada por ter premeditado e você ter sido afetado exatamente nesse sentido.

    O meu sentimento de culpa sempre esteve atrelado ao tipo de problema que constatei. Não vejo apenas os meus erros e acertos, também reconheço os meus deslizes.

    Olhando com distância, refletindo quanto ao meu agir e pensando em tudo que te expus e mostrei com franqueza, na inversão dos papéis, digo com convicção que eu não teria qualquer insegurança. No entanto, somos pessoas diferentes, não te julgo por aquilo ter te trago um embaraço emocional.

    Mas, o fato de eu sentir culpa nesse sentido não significa que eu acate os seus pensamentos nojentos. Aliás, reitero que não menti em nenhum instante, mesmo com o advento da ruptura, jamais ousaria abandonar o pacto, “nus e crus”.

    Tendo consciência do meu agir, realmente não vi nem um pouco próximo a ti. Constatei problema por uma questão sentimental, pelo vínculo que tivemos e que, à época, eu acreditei que ainda possuíamos. Mas não o problema que você viu, não dá forma que você interpretou.

    Meu bem, eu vi a situação. Vi até demais. Vi principalmente os pontos mais salientes que você aparentou ser incapaz de visualizar. Posteriormente, pontuei cada um deles, esclarecendo tentando sanar o vício que acometia aquela situação - do princípio ao fim, por ti, má interpretada.

    Ainda reconhecendo que, pensando na nossa coisa, me pondo no seu lugar — preso num mundo de ilusões e movido por um imediatismo cego — o ocorrido seria sim de desconforto.

    Assumindo o seu papel, imaginando e “visualizando” exatamente como você aduz , tenho convicção de que eu sentiria coisas dolorosas. Que o meu corpo seria tomado por uma mácula. Que seria dotada de sentimentos ruins - mesmo sem fazer ideia de quais seriam. Portanto, não ouso arguir que você não teria razão em ficar magoado ou mesmo me espantar por você ter sentindo fúria.

    Exatamente por essa reflexão, ainda que eu não tenha tido intenção de causar aquilo, me desculpei. Me desculpei pela mácula que, sem querer, senti que te causei. Me desculpei mesmo tendo consciência do meu agir e sendo sensata o suficiente para saber exatamente o que a ruptura significava.

    Porém, no seu lugar, apesar dos pesares, eu jamais seria capaz de te ferir da forma como você machucou. Desrespeitar quem amo, burlar as regras da minha própria cidade, sobretudo, ferir. Portanto, ainda me colocando no seu papel, me enoja recordar que você não só pensou, como falou, algo tão pútrido de mim.

    Naquele eclipse, pouco a pouco as chamas da nossa cidade ficaram ainda mais calorosas e o vermelho mais insano. Deparei-me com o estopim. O extremo do meu limite. Havia cansado. Estava cansada de ouvir absurdos. Cansada de tentar futilmente te arrancar do negro daquele lugar, de te segurar e puxar para onde havia luz e te fazer enxergar as coisas.

    Despedi tanta força física, emocional e psicológica que depois me senti arrasada. Cansada como se estivesse enfrentado uma batalha. Não, não travei uma batalha. Eu fui incinerada. Naquela noite eu gritei. Gritei com tanta força a ponto de sequer ecoar som. Gritei porque, naquele transtorno, as emoções e sentimentos mais robustos e intensos permeavam o meu corpo.

    Estava em guerra com o meu mais insano e desmedido amor e isso me dilacerou. Gritei para você ficar, voltar, enxergar. Gritei, sobretudo, para expulsar cada pedaço e rastro do que percorria o meu corpo. Gritei vendo as brasas da nossa cidade. Gritei pelo meu amor.

    Sem saber o que fazer, apelei. Corri enquanto queimava, implorando para ser ouvida. Gritei como se a minha voz pudesse afastar o estranho e te fazer acordar, internamente sibilava a mim mesma “ele está lá, em algum lugar”.

    Mesmo depois que a cidade estava tomada pelo cinza, eu tentei. Tentei. Mas, acabei me rendendo após sentir o peso daquele olhar, dotado de fúria e desprezo. O olhar de um estranho. Exato instante que tudo se desfez.

    Não me restava mais nada. Tudo havia se desmanchado. A nossa cidade perdeu-se em algum lugar no tempo. Fui embora frustrada.

    Posteriormente, não bastasse, quando finalmente se propôs ao diálogo, me surpreendia cada vez mais com um absurdo diferente e de uma forma incrivelmente ruim.

    Outrossim, o que eu dissesse ou fizesse já não mais te importava. Deixou muito claro que a minha fala não seria valorada, o seu “promete não fazer mais isso”, ainda na mesma madrugada, me escancarou isso. Você, notadamente, estava de saco cheio de justificativas e explicações, não sentiu sinceridade em mim, ainda apontou cinismo.

    Sabe qual foi outro ponto ainda mais frustrante? Você recordou, assumiu, ter dito coisas imundas e ainda ousou colocar um “Foi uma simples briga. Deveria ter ficado entre nós. Isso está se tornando grande e não estou entendendo. Não era para ser assim. Eu estava com raiva e agi sem pensar”.

    Me desagradou ainda mais te ver, mesmo que na tentativa de uma retaliação ou consenso quanto ao episódio, minimizando algo que nunca deveria ter ocorrido. Não sei se presenciar episódios como aquele te eram comuns. Não pude compreender como não conseguia entender que aquilo era inadmissível. Achei um absurdo o seu posicionamento. Desprezivelmente se pronunciou normalizando o inaceitável.

    Naquela altura do campeonato, depois do que eu mais temia ter acontecido (perde-se o respeito), ouvir um pedido de desculpas ou arrependimento já não mais me importavam. A nossa cidade já havia se desfeito.

    Fui dominada por um sentimento ruim e que ainda era desconhecido, foi a primeira vez que eu sentia decepção. Decepção com quem amava. Enquanto a minha mente vagava na última memória da nossa cidade, ao fundo, ainda ecoava “Mazzy Star — Fade Into You”. Você conseguiu me incendiar, morri naquela noite uma centena de vezes… a nossa cidade tomada por ruínas e brasas. Foi a primeira vez que havia me arrependido por sentir o mundo.

    A nossa cidade, o meu mundo foi destruído. Não havia mais qualquer resquício. Como se a sua matéria prima tivesse sido a ilusão. O eclipse foi embora e a levou consigo.

    Depois de tanto, tudo o que eu consegui sentir foi uma imensa decepção.

    Não bastasse, já havia enfatizado “na hipótese absurda, se eu fosse capaz de algo tão desprezível ou mesmo digna de qualquer absurdo que você proferiu, sou mulher o suficiente para “‘mastigar e engolir’”. “Se o seu intuito é “caçar” motivo para me denegrir, não vai encontrar”. No entanto, independente de encontrar ou não, você já havia feito isso.

    Recordo com precisão as últimas palavras que te remeti, assim que fui tomada pela mácula:

    “Cansei de fazer isso aqui, pois sequer deveria estar acontecendo.
    Continua a pensar o que quiser de mim.
    Pelo óbvio, me recuso a impugnar as coisas que induziu.
    Acredita no que você quiser.
    Se martiriza por algo que não se é.
    Grita para o mundo o quanto sou podre.
    Conta como fui horrível para você.
    Escancara que o arrependimento da sua vida é ter me conhecido.
    Inventa o que você quiser.
    Já me feriu e me ofendeu o suficiente ter cuspido equivocadamente “n” coisas na minha cara.
    Não estou nem aí quanto a o que os outros vão pensar.
    Faz isso…
    Joga fora o quanto falei, chorei e desabafei no Recanto.
    Joga a minha entrega e intensidade no lixo.
    Joga fora tudo o que viu em mim.
    Joga fora que você me conheceu.
    Faz de mim o seu monstro.
    Faz o que você quiser.
    Me esquece.”

    Me desculpa, teria sido melhor se eu tivesse acatado o silêncio.

    Fiquei incrédula com todo aquele caos. Proferiu palavras horríveis — confesso que percebi a sua dor/desprezo por trás delas — até parecia que um vínculo entre nós jamais havia existido. Falou com quem nunca me conheceu.

    Sabe. Não sei o que estamos fazendo. Não sei onde chegaremos. Estamos somente revivendo algo doloroso. Tenho medo do seu intuito hoje, assim como foi o meu na noite de lucidez, acabar por só inflamar tudo. Já passamos. Á época eu cansei de dar explicações para alguém que se recusava a ouvir. Isso não mudou. Sempre estive e permaneço com a minha consciência tranquila.

    Não importa o transcurso do tempo. Nada que eu diga vai mudar sua visão. E nada vai apagar você me vê e me rotular daquela forma.

    Jamais te julgaria por sentir se frustrado quanto ao episódio. Tanto que eu mesma me desculpei pela parte que reconheci que poderia ter evitado. Me desculpei justamente pensando em não afetar a nossa coisa, por não querer te causa qualquer sentimento ruim, por não querer apagar as luzes da nossa cidade.

    Mas, à época eu não iria, tão menos agora, “confessar” algo que não é verdade. Claro, se eu visse da sua forma, se aquela atrocidade que alegou fosse a realidade, lógico que teria um problema. Vimos de forma diferente e você ignorou o contexto e, horrivelmente, quem sou.

    Reconheço que, à época, quando caiu em si e notou que a cidade já havia se desfeito, procurou incansavelmente por um mecanismo de burlar o tempo. Você desejava encontra-la, sabia que ela havia existido em algum lugar no tempo. Sabia que o “nós”, tão menos o “eu e você”, não se tratou de um delírio.

    Não fomos os únicos a notar o perecimento da cidade. Todo aquele caos suscitou reflexos. Fatores alheios a nós, ainda que horrivelmente atrelados a mim, contra a minha vontade, desprezivelmente atingiram a ti. Aliás, os quais tomei conhecimento somente quando você já estava despedaçado.

    Não faz ideia do quanto foi árduo reconhecer que sangrou por golpes quais eu sequer via que estavam sendo desferidos. Não bastasse, quando os percebi, fui incapaz de cessá-los. Em proteção do meu eu devastado, feriam o meu mais insano e desmedido amor. Não importava o quanto eu implorasse. Me vi de mãos atadas. Foi horrível conviver com a gana em querer contornar todo o imbróglio enquanto era cerceada.

    Aliás, confesso que quanto a isso, tive medo. Pois, naquela noite, justamente tentando cozer a ruptura, acabamos por agravar ainda mais a cisão. Tive receio que os reflexos dilacerassem a nós dois — se é que isso era possível. Eu não sabia como nos salvar. Desculpa.

    Desculpa. Desprezei o que sentia e o que havia se desfeito, não embarquei contigo na jornada, recusei a viagem no tempo e eu sabia que você, sozinho, jamais poderia encontrar, resgatar, sequer reerguer, a nossa cidade.

    Sabe, não quis ser hipócrita. Lamentavelmente, estava convicta de que qualquer conduta comissiva minha somente iria unir os resquícios de poeira daquele caos, gerando um explosivo que de um instante a outro iria eclodir.

    Em razão de tanto, fiz algo que destoa completamente da minha maneira de lidar com as situações. Nada. Permaneci inerte. Não fiz absolutamente nada. Me limitei a implorar ao Universo e ao tempo para tudo aquilo se acalentar. Isso me destruiu.

    Foi duro tomar essa decisão. Senti que havia renunciado a nós. Me vi uma fracassada. Os dias corriam e não foram poucas as vezes que pensei em voltar atrás, tomada pelo pensamento repentino de “Tenta, mais uma vez. Por amor. Antes tarde do que nunca.” caçava e matutava meios de estancar o sangramento. Sobretudo, a minha hemorragia.

    As estações mudaram e, aparentemente, o Universo havia catado as minhas preces. A monotonia da vida em meu entorno prosseguia, como se o caos jamais tivesse existido. No entanto, ainda que diante da pacatisse dos meus dias, não havia um templo em mim.

    Não faz ideia do tormento em meu interior. Sabe, naquela noite, você me condenou ao inferno e vivi torturosos dias nele. Todos os dias revivendo o mesmo epilogo. O caos. Em momento algum fechei os olhos.

    Ouvi todos os dias uma centena de vezes suas alegações daquela noite. Reprisei com atenção cada cena. Refiz cada um dos meus passos e cassei em cada minúcia motins que pudessem atrair para mim o peso e a culpa (em sentido amplo) daquele atrito.

    Fiz isso por mais de uma estação. Aliás, continuei a fazer enquanto você já havia virado a página. Durante meses fiquei atordoada com a ideia de que a “noite de lucidez” ao invés de renovar o suporte do nosso sentir, esfarelou os nossos sentimentos.

    Assumo para mim mesma que eu busquei, desesperadamente, por semanas, um pretexto para embasar a minha vontade em abandonar a inercia e agir na tentativa de salvaguardar ao menos o “eu e você”, mas não encontrei . E isso me destruiu ainda mais, pois, apesar de tudo, eu havia guardado cada fragmento do meu sentimento esfarelado.

    Eu desejei estar completamente equivocada e errada só para ter uma justificativa em te implorar para permanecer ao meu lado. Mais uma vez, trazer o peso de uma faceta ainda mais densa da ruptura para mim. Mais um fardo para carregar e me tortura por sei lá quanto tempo. Sobretudo, mais um motim para me arrastar de volta para você. Para buscar em algum lugar no tempo a nossa cidade.

    Foram inúmeras as noites em que queimei em intensidade jogando fora o ocorrido e desejando você. Sóbria, questionava baixinho a mim mesma que se você fosse um serial killer, então o que de pior poderia acontecer com uma garota que já estava machucada? E que se você realmente fosse atroz como ouvia dizer, eu só podia estar amaldiçoada. Insano, não é? Exatamente assim, ao decorrer de cada frenesi, ao fundo se podia ouvir “Happiness Is a Butterfly — Lana Del Rey”.

    Felizmente, ainda que em devaneios de amor, eu seria capaz de qualquer coisa, exceto aquilo. Você desejava, no mínimo, um espécie de “confissão” do crime que me imputava, juntamente com um pedido de perdão. Desculpa. Meu mais insano e desmedido amor, jamais faria tal coisa para resgatar algo que, notadamente, estava fadado ao fracasso e desapareceu em algum lugar no tempo. Jamais iria me vestir da desprezível versão que criou de mim naquela noite somente para te fazer permanecer aqui. Jamais trairia a mim mesma dessa maneira.

    Por isso, eu prometi. Prometi a mim mesma que nunca qualquer pessoa iria apontar o dedo na minha cara e me fazer desprezível, a ponto de quase cogitar me difamar. Prometi não admitir ser acusada de coisas que eu jamais faria. Nunca mais ser vista como alguém sem valores.

    Nunca mais quero ouvir alguém quem eu amo descaracterizar o meu eu. Horrível o outro falar de você como se fosse imunda. Mais horrível ainda isso vir de alguém por quem você sente o mundo. Não quero, novamente, ser magoada dessa forma.

    Não bastasse, ainda há outra parte na dor. Odeio perceber que sempre vai usar quem eu fui com você e generalizar que sou ou serei assim com qualquer pessoa. É horrível te ver normalizando e desprezando a minha entrega, o meu sentir, o que me rasgava o peito.

    É um imenso pesar notar que tudo de mais puro, profundo, belo e imenso que pulsava em mim por ti, ao final, me renderam uma incrível e desmedida decepção com o seu “eu”.

    Sabe… depois que o alvo do meu amor apontou o dedo na minha cara, induziu uma série de absurdos e equivocadamente me fez imunda, quando nunca fui digna de qualquer daqueles insultos, eu já não espero mais nada.

    Forte, não é?

    Aliás, depois de um tempo considerável eu entendi que não vemos as coisas como são. Vemos como somos. E isso explica muito.

    Você não é um homem atroz. Não construí uma imagem desprezível sua para me polpar de sentir qualquer remorço, culpa ou arrependimento. As minhas desculpas naquela noite não foram vazias. Ainda se trata do homem com quem construí uma cidade. Reconheço que o advento foi movido por sentimentos e sensações efêmeras, de ambos.

    No entanto, ainda assim, acredito que me deva desculpas pelo epilogo de desprazer.

    Sabe, você dizia não conhecer, sempre duvidei. Mas, agora, tenho convicção de que jamais ouvira Paralamas do Sucesso. Príncipalmente, “Cuide bem do Seu Amor”.

    Não foram palavra minhas, ditas em voz de veludo, que destruíram o amor.

    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2020]

    @janacoutoj

  • [Desabafo] ESPELHO

    A crise de não identificação me dava urticária.
    Aquilo estava me levando ao delírio.
    Não se tratava de uma mera mudança de preferências ou de hábitos. Não se trata de algo que posso limitar.
    Estou cansada de ser quem “sou” e também de quem costumava ser.
    Literalmente pressionada pela minha efígie antecessora e suas versões.
    As pessoas ao redor ainda a imprimem sobre mim, mas estou muito longe de ser aquela mulher.
    Mudei e não posso afirmar se para melhor ou para pior. Ainda é muito cedo e não quero me precipitar dessa forma. O fato é que simplesmente mudei e isso não foi deliberado.
    Cogitar em voltar a ser verdadeiramente aquela efígie não me causa qualquer aversão. Ela parecia boa demais se comparada à essa mulher do espelho… Ao menos, a viam assim.
    Hoje, não me sinto digna de quaisquer dos elogios e rótulos que ainda recebo, quando em verdade são direcionados à mulher do alvorecer findo.
    Não posso resgatar uma efígie que pertence a outro lugar no tempo.
    Eu fito e encaro a mulher nos olhos, mas eles não a vêem. Não adianta.
    Minha realidade e perspectiva de vida é outra. Minhas dores e temores são outros. Por óbvio, os meus desejos e ambições também.
    Será que eu realmente quem desenvolvi aquela efígie e suas versões, caridosamente de forma despretensiosa?
    Será que nos dias findos eu fui aquela mulher verdadeiramente?
    Será que dissimulei sua imagem e eles a compraram ou será que eles quem a esculpiram e, pela boa lábia, eu a comprei?
    Será que justamente por reconhecer que aquela mulher não era eu é que a mudança foi assim, tão abrupta?
    Do encanto ao desprezo.
    Será que aquela também não era uma pintura pirata de mim mesma?
    Me sinto uma impostora.
    Sempre me senti. Quase sem querer, dissimulando.
    Pior, quando tentava não me sentir assim e agia de maneira a fugir da teatralidade, era que a minha tese se consumava. Consistia no exato instante em que exercia com esplendor o papel.
    Às vezes já cheguei a pensar com mais afinco nisso. Quando estaria eu diante de uma das minhas verdadeiras versões, diante de uma verdadeira efígie, ou de uma personagem?
    Tenho horror à ideia de não ser autêntica.
    Isto porque sei que sou muitas mulheres. Reconheço todas as efígies e cada uma de suas versões. E reconheço que a maioria verdadeiramente fui. Poderia afirmar que todas elas se a mulher antecessora não me causasse intriga.
    Como pode?
    Recordo bem quando todos esses pensamentos me assolaram.
    Cantarolava um trecho de “3º do Plural — Engenheiros do Hawaii” quando me assustei com quem estava me tornando, ou em quem havia me tornado, melhor, com a mulher do espelho.
    Essa mulher não foi a que eu idealizei quando criança e nem de soslaio se parece com as meninas, adolescentes, jovens e mulheres que fui nos dias que já encontraram a noite.
    Essa percepção sobre mim mesma me veio aos poucos, mas ganharam intensidade nas últimas semanas.
    Todas as efígies anteriores tinham traços em comum, razão pela qual afirmo que fui e sou uma mulher antiga, me apego muito aos meus pertences.
    Nos últimos dias, ao precisar realmente deles, me dei conta que não me identifico mais com as mesmas coisas.
    Derramei caridosa atenção sobre os meus objetos antigos e os atuais. São conjuntos completamente opostos e que ninguém ousaria apontar que são da mesma pessoa.
    Não é só uma questão de gosto ou estilo ou mesmo personalidade. Vi a mulher que eu jamais imaginava me tornar. Um alguém totalmente dissonante das efígies findas.
    O meu gosto literário, o meu gosto musical e os meus hábitos são outros. Assim como os erros e principalmente os vícios. Até os meus vícios mudaram. Ao menos, posso usar “felizmente” para afirmar que os meus erros são outros.
    Mas também já estava cheia deles. Isso me contava algo…
    Olhei ao meu redor e constatei outra preferência por uma infinidade de coisas.
    Uma paleta de cores específica. Reconheci que a maioria das minhas roupas e acessórios recém comprados são na mesma tonalidade, que os tecidos são similares, que as bolsas são todas de tecido branco, que os livros são dos mesmos autores e seguem a mesma linha de escrita.
    Reparei que deixei de me preocupar com coisas as quais muito me doava. Uso esmaltes com menos frequência. Abandonei a maquiagem. Me conformei com as olheiras profundas e amarronzadas. Suporto o cabelo volumoso e emaranhado.
    A primeira coisa que me despertou os sinais de não identificação com a mulher do espelho foi uma coisa banal. As minhas vestes.
    As araras do meu armário são repletas em razão do meu zelo, nesse sentido, tenho jeans e camisetas que residem há mais de cinco anos na gaveta. Até então, não possuía motivo algum para me desfazer delas e jamais havia cogitado algo assim.
    Até que naquela sexta-feira, em que pretendia ir ao cinema, entrei em pânico por me vestir de inúmeras formas e não me identificar com quaisquer das mulheres que estava transparecendo.
    Acabei por me vestir de forma elegante, com roupas que costumava gostar. Mas não parecia nem mesmo um pouco com a mulher do espelho. Exibia uma mulher que transparecia requinte. Transpareci ter gostos refinados e incluída em uma classe social da qual eu não pertencia.
    Inclusive, na verdade me sinto à vontade e abraçada pelo o que eles chamariam ofensivamente por “laia”.
    De algum modo, senti que aquilo, apesar de banal, burlava a minha identidade.
    Isso ficou ainda mais evidente quando reparei que o meu cabelo, naquela noite específica, havia perdido o volume e cachos de costume. Não me senti menos atraente, mas exteriorizei quem eu certamente não era.
    Não bastasse, a mesma sensação corroeu o meu corpo quando me doei na maquiagem e apesar de estar atraente, me senti desconfortável por ter abarrotado o meu rosto. A maquiagem que o transformou, ao invés de somente o ressaltar, fez eu me sentir uma tremenda falsa.
    Sim, saí. E a primeira coisa que afirmei para mim diante do espelho do banheiro foi: “você não se parece comigo”.
    O susto maior foi na madrugada daquela mesma sexta-feira, ao me deparar, quase sem querer, com o reflexo do corpo nú dela. Ele também havia mudado de uma forma radical.
    Dei as costas para aquela mulher e fechei os olhos, querendo fugir dela.
    Desde então passei a evitar o imenso espelho. Mas não foram poucas as vezes em que de soslaio a fisguei, me encarando.
    E sou incapaz de explicar o que sinto nos instantes de tensão em que quase tenho de encará-la.
    Estaria ela verdadeiramente nua e crua?
    Já não suporto olhá-la.
    Me mostra muito do que eu não gosto e me remete ao extremo oposto da mulher anterior… aquela boa demais para que não tenha sido fruto de dissimulação.
    A mulher do espelho é ousada e o seu olhar é julgador. Ela me julga. Realmente me condena e o meu rosto escancara a culpa.
    Já não me comporta. Me olho e não me vejo.
    Tenho urgência pela efetiva metamorfose da mulher do espelho. Tenho urgência pelo seu desabrochar.
    O que é estranho, posto que jamais me ocorreu qualquer coisa similar antes. Me refiro tanto a constatação da não identificação e a urgência pela completa metamorfose, assim como ao desejo de abandonar no tempo a mulher do espelho.
    Tenho a leve sensação de que a mulher prestes a se instalar, pela evidente demora, não é mutável como as demais.
    Claro que posso estar completamente equivocada uma vez que, quando das demais efígies com suas versões, em cada uma das oportunidades também acreditei que havia me deparado com a “revelação fiel de mim mesma” e justamente pela explicação oposta: não tinha sequer percebido a chegada delas.
    A questão é que essa coisa de identificação me atormenta. Principalmente, pelas mulheres que habitam em mim, digo isso quanto às versões fidedignas da mulher do espelho.
    Quem sabe, essa minha onda de abandonar coisas superficiais e tentar apreciar e valorizar o meu estado natural, consista num reflexo dessa minha busca em encontrar a mim mesma.
    A existência de traços comuns entre todas as minhas efígies, que estão em algum lugar no passado, é que me levam a cogitar que há sim um “verdadeiro eu”.
    E encontrar a mim mesma significa saber quem sou.
    O que jamais havia me causado desconforto passou a me deixar desesperada. Nos últimos dias, não foram raras as vezes em que desejei sair de mim.
    Não só abandonar o casulo, mas não ser esta ou aquela. Não ser alvo de rótulos, alheios ou próprios. Ou melhor, não ser ela… não ser a mulher do espelho.
    Tive vontade de me descascar, tirar a fantasia, abandonar a máscara. Tirar essa roupa que me vestiram. Trocar de pele.
    Ansiei, quase que como um ato de libertação, abrir lentamente o zíper, deslizar os dedos a acompanhar minha coluna e finalmente me despir.
    Caminhar nua. Mostrando quem realmente sou. Tendo convicção que revelava o meu verdadeiro eu. Conhecendo fielmente a mim mesma. Caminhar tendo certeza de que aquele é o meu eu cru.
    Estou atormentada pela mulher antecessora e assombrada pela mulher do espelho.
    E é por isso que gostaria imensamente de me desprender da mulher que fisgo o reflexo me bisbilhotar.
    Por um instante, fugir de tudo associado a ela. Não apagar a minha história, pois jamais faria tal coisa. Apesar de querer deixar o passado realmente para trás e desejar que tudo se tornasse lembrança e não memória.
    Sou grata e tenho imenso respeito pelas efígies e versões que fui, dou um beijo na testa de cada uma delas e sinto que ainda existem em algum lugar no passado. Todavia, não posso dizer o mesmo da mulher do espelho. Esta me apavora.
    Na verdade, a coisa é ainda mais profunda. O que eu quero mesmo ainda não tem nome.
    Me banhar e ser uma nova mulher, qual sequer sou capaz de prever, apesar de premeditá-la.
    Mulher essa não só com outro trabalho, cursando uma outra coisa ou abandonando o centro da cidade. Mas também com outros gostos, hábitos, fragilidades e paixões.
    Aliás, estou enjoada da mesmice desses últimos meses, pois sem qualquer imprevisão. É fácil para qualquer um ao seu entorno prever os passos e falas da mulher do espelho.
    A mesmice me corrói. Não bastasse, no mundo dos algoritmos eu não me deparo com o dissonante, mas sim com o espelho.
    O espelho em que vejo o reflexo da mulher amarga.
    O reflexo que já não mais tolero. Estou cheia dela.
    Eu não mais me suporto.
    Não suporto os rótulos, as expectativas e as afirmações equivocadas.
    Nestes instantes de profundo incômodo, em segredo desejo ser uma pessoa nova.
    Ninguém poderia ousar dizer que a conheceria. Não saberiam os meus pecados. Não saberiam as minhas cicatrizes. Não saberiam a minha história. Não saberiam as minhas virtudes.
    Nem mesmo os meus antigos amores me reconheceriam. Não saberiam o meu ofício ou as aulas que faria. Não veriam a minha dança.
    Ainda que para minha frustração em algum momento vinhessem a reconhecer o meu timbre ou mesmo descobrir o meu ofício ou o meu endereço, seriam incapazes de prever ou meus passos. Seriam incapazes de me rotular e não saberiam o que esperar de mim, quando em verdade sequer deveriam esperar coisa alguma.
    E há instantes que esse desejo fica tão sutil e profundo…
    Eu seria uma mulher séria. Direta. Dona de uma dicção invejável…
    Eu seria imensa e cheia de mim, por saber realmente quem sou. Pelo encontro com a mulher selvagem. Uma mulher quente como dança do ventre…
    Eu, certamente, caminharia com graça e com uma soberba que não seria minha.
    Daquele instante em diante, eu me chamaria Ligia.
  • [Desabafo] GRIS

    O domingo exalava preguiça. A manhã havia sido densa, com uma garoa incessante que deixava a úmida a relva presente nos arredores do bairro. Apesar do céu em tons cinzas, a paisagem ainda estava incrivelmente bonita.
    A pouca folhagem amarela da copa das árvores me pareciam douradas. O marrom dos galhos, outrora secos, tão vividos. Não haviam carros a transitar e a praça à frente de casa estava vazia. Chovia, mas não havia ventania.
    A porta da sacada do meu quarto estava meio aberta. Deitado na namoradeira, dedilhando o violão sem pensar em melodia alguma, ouvir o gotejar dos chuviscos me transmitia calmaria. O cheiro de terra molhada era agradável e me fazia desejar uma xícara de café bem quente.
    Não tinha plano algum para aquele dia. Não havia pressa alguma. Eu estava sozinho, nos exatos termos da palavra. Nunca havia ficado tanto tempo em silêncio como naquela semana.
    No decorrer dos dias, as horas corriam e eu olhava o relógio incessantemente, como quem esperasse por algo. Mas eu já não tinha pelo o que esperar. Não esperava mais nada. Acredito que já havia se tornado um costume. Não bastasse, intuitivamente, ainda às 19h00 a minha respiração fica ofegante, sinto uma palpitação e a ansiedade pela chegada me consome.
    Desde então, algumas coisas não mudaram. No entanto, apesar da permanência, ainda assim conseguem ser grotescamente distintas. Mudaram a essência.
    Por sua vez, quanto aos hábitos que adquiri ao decorrer das estações, quero continuar com eles, por acreditar que me fazem sentido. Aliás, não os mudamos entre um o alvorecer e outro. Requer tempo.
    Tempo. O tempo escorre por entre as minhas mãos e eu sinto que estagnei. Ainda que conscientemente reconheça a transição, o meu corpo, os meus sentimentos e até mesmo os meus sentidos estão acomodados nos dias quentes.
    Eu gostava do comodismo. No, inicio, confesso, foi uma tortura. Coisas cujo as quais eu não dava importância alguma, ela, por vez, super valorizava.
    Nunca fiquei imerso na ideia de dividir os meus dias, a minha não rotina, com alguém. Naquela madrugada fria de 29 de fevereiro, em que bebemos vinho naquele ponto alto da cidade, enquanto me aconchegava no teu corpo e me perdia no seu olhar, foi a primeira vez que isto me ocorreu. Fiquei assustado.
    Acredito que tenha sido a melhor coisa que fiz.
    Jamais havia conhecido alguém que não possuía barreiras quanto ao interior e o exterior. O seu entorno, nas coisas mais ínfimas, a afetava de uma forma surreal. Aliás, desde as maneiras mais bonitas às mais invasivas. Parecia ser maior que ela.
    Confesso, quanto algumas coisas, eu já podia reconhecer um jeito peculiar de ser. Eu gostava, chamava atenção e a tornava ainda mais única. Manias, jeitos e hábitos.
    Ainda quando estávamos saindo, antes de conhecer a casa dela, muitas vezes tinha a ouvido dizer inúmeras frases que remetiam a uma supervalorização. Falava como se aquele lugar fosse um templo. Me deixava curioso, pois eu não entendia a razão.
    “Francamente, pensar em ‘ser sozinha’, me assombra. Temo a solidão, nos exatos termos da palavra. Porém, acredito que ela me assusta justamente pelo fato de que, se tratando de futuro, (seja cinco, dez ou quinze anos) imagino-me em qualquer circunstância exatamente como o agora. Apenas comigo mesma. Não se trata de um desejo, mas acredito que é o que haverá de ser.
    Eu e a minha casa, os meus móveis, a minha forma de organização, as cores, tecidos e texturas que eu gosto. A minha rotina, o meu café da manhã, os meus livros, o meu vinho e as músicas que eu gosto. O meu cachorro. Os meus hábitos, as minhas manias. Me agrada. Um dia a dia cheio de mim. Para alguns, um dia vazio.”
    Até visitar a casa dela, eu jamais havia me sentido tão abraçado por um ambiente. Era incrivelmente aconchegante e ousaria apontá-lo como o único lugar digno do título de lar se não tivéssemos construído o nosso próprio, óbvio que ela não desfez da casa dela.
    A casa era bem arejada e os cômodos espaçosos. Fruto da criatividade dela e da sua vulgo “imã”, arquiteta. Possuía um design próprio que não sei explicar, mas era linda. Havia a presença de muito vidro e alvenaria. A iluminação de todos os cômodos era majoritariamente natural.
    Cada ambiente com um modelo de lustre peculiar e, além de tudo, lampião. A casa possuía muitas plantas, todas os vasos eram brancos. Absolutamente tudo possuía uma espécie de liame, o conjunto de cores, iluminação, tecidos, móveis… ela tinha muitos itens de decoração e todos possuíam um significado pessoal.
    A cozinha consistia no ambiente mais modernizado e compacto, sendo o único isento de tecidos, nem mesmo cortinas ou tapetes, destoando neste quesito do restante da casa. Ainda assim, percebi a presença de inúmeros detalhes. Coleção de xícaras, ela tinha uma parte específica no armário para certificar-se de que elas ficariam à mostra. A fruteira era artesanal, de uma cidade vizinha à Recife, onde passou parte da infância. Também havia um quadro de xilogravura de cordel. Curiosamente, tinha uma samambaia ali.
    Na transição entre sala e cozinha, havia uma pequena adega de vinhos que me dava inveja e nem era pelos vinhos, mas sim pela criatividade do ambiente. Na parede contraposta havia uma enorme aquarela exclusiva de um amigo artista.
    Na sala, considerando uma vidraça enorme, dava para ver uma das árvores da casa e, que, aliás, tinha um balanço. Aliás, jamais recolhia as folhas que caíam ao chão, dizia ser lindo e achava um máximo quando o vento esvoaçava tudo. A disposição dos móveis era surreal. Ela gostava de vasos e de expor fotografias. A presença de alvenaria era forte.
    O seu escritório sequer parecia um espaço de trabalho. O que mais gostei foi um quadro enorme que, na realidade, se tratava de um quebra-cabeça que havia montado com a mãe quando mais nova. O seu violão, um Strinberg ASF 62C, que ganhara do pai aos doze anos, era pendurado numa clave de sol, sua nota preferida. A sua estante de livros circundava toda a parte superior, passando rente pela altura da porta, inclusive. Guardava consigo somente os livros que realmente gostou muito, razão pela qual, todos eram dotados de post its coloridos e marcações.
    O seu quarto era o ambiente mais cheiroso da casa. A janela possuía o sofá embutido de alvenaria mais charmoso que já vi, aliás, cheio de livros na parte inferior. A cortina foi bordada à mão pela sua avó. Aquele cantinho nos dias de chuva era o seu lugar preferido. Ela gostava de grandes tapetes claros e macios, pelo jeito, de deitar neles também, eis que estranhamente comportavam almofadas. Necessariamente, todos os tecidos de cama e toalhas eram brancas com detalhes em creme ou dourado. O banheiro da suíte possuía um rádio cujo qual só ouvi tocar indie.
    Com uma necessidade extrema de organização, o quartinho da bagunça sequer parecia destinado a tanto, por muito tempo acreditei se tratar de uma espécie de estúdio, haviam cores vibrantes e até um sofá. A lavanderia tinha muitos vasos de flores. Tinha varanda com direito a rede. O terraço não era tão grande, mas havia um ipê amarelo e ela fez questão de fazer um jardim. Não bastasse, nos fundos da casa havia uma pequena plantação de hortaliças.
    A casa definitivamente era a cara dela. Qualquer um, mesmo sem conhecê-la, de imediato associaria as duas.
    Quando começamos a nos relacionar, entendi a frase “minhas coisas”. Tudo possuía um lugar específico e um valor sentimental. Criteriosa com limpeza e cheiros, a casa era perfumada e ela gostava de incensos. Eu jamais vi um ambiente desorganizado.
    Isto porque para se concentrar em seja lá o que for, ela precisa de um ambiente organizado. Para permanecer calma, o ambiente tem que exalar calmaria. Para se sentir limpa, o ambiente precisa estar limpo. Para se sentir confortável, o ambiente tem que ser aconchegante.
    Quando digo que foi difícil no princípio, falo conscientemente. Eu sou o cara mais desorganizado no universo e nunca havia me importado com qualquer coisa desse tipo. Pode parecer poético, mas no dia a dia não rara foram as vezes que teve crises de ansiedade em razão disso. Não bastasse, sempre despendeu um tempo considerável para manter tudo da mesma forma. Por ela, me reeduquei nesse sentido.
    Essa característica peculiar possuía níveis ainda mais intrínsecos, principalmente quanto ao estudo. As anotações de aula dela são impecáveis, pois ela sente que precisa passar a limpo e pormenorizar organizadamente todo o conteúdo lecionado. Do contrário, tem a sensação de que o assunto não está estruturado, que há uma “bagunça em mente”.
    Também em razão disso ela elaborou e sempre atualiza a sua lista de “compras de mercado" e de “feira”. Quando da compra, faz uma espécie de checklist para se certificar de que levou tudo. Aliás, neste sentido, há outra mania, ela coloca os itens no carrinho organizadamente para facilitar a visualização e no caixa para agilizar o procedimento. Outrossim, se recusa a usar sacolas plásticas, ainda que retornáveis, razão pela qual fez as suas próprias de tecido.
    Pensando nos reflexos disso, visando “poupar” o seu tempo, não só tinha como lema “fazer bem feito, para fazer apenas uma vez” como também estabeleceu uma rotina para tudo e atrelava atividades umas às outras para não esquecê-las. Como por exemplo, ir à feira todos os domingos, fazer compras mensalmente e limpar os armários da cozinha no dia do abastecimento da dispensa. Haviam dias específicos para limpar e cuidar de pontos e determinadas coisas na casa.
    Quanto a estabelecer rotinas, tinha algo que ela sempre fez e que, sinceramente, acho uma ideia incrível e o fundamento para tanto é muito plausível. Tem horror a ideia de passar as “feiras" da semana ansiando pelo sábado. Tem a sensação de que, nesse caminhar, poderia anular a maioria dos seus dias, o que significaria eatar sobrevivendo ao invés de viver.
    Por temer isso, resolveu incluir nos dias úteis da semana coisas que ela gosta de fazer. Assim, tornando ainda mais especial cada um dos seus dias e ansiando por todos eles.
    Nos domingos tomávamos café da manhã na feira e almoçavamos em família, uma semana com os país dela e na seguinte com a minha mãe.
    Às segundas-feiras ela tinha o clube do livro e eu o polo aquático. Quando podia, ela tentava encaixar algo novo. Recentemente, fez aulas de dança do ventre.
    Nas noites de terça, íamos ao cinema ou ao teatro. Às quartas, jantava com alguma das sua amigas e eu podia fazer o mesmo ou trazer os meus amigos para vê futebol em casa.
    Eu, particularmente, passei a amar as noites de quinta, pois era o “nosso dia" fazíamos surpresas um para o outro. Segundo ela, consistia num subterfúgio para “a relação não ficar na mesmisse”. Uma quinta era minha e na seguinte ela quem se encarregava disso. Não faz ideia do quanto ela é criativa.
    Nas sexta-feiras, geralmente, pedíamos pizza e tomávamos um vinho, juntos. A preferida dela é “Philadelphia II". Ouvíamos música alta, dançávamos. Nos dias mais cansativos, ficávamos entertidos com jogos de tabuleiro.
    Nas manhãs de sábado, ela acordava cedinho para caminhar e eu ia passear com os cães. Rigorosamente a manhã era voltada à “cuidados com sigo mesma", essas questões quanto à vaidade. Almoçavamos juntos. Por ser o dia preferido dela, consistia no único que não era planejado.
    Ela tinha um jeito peculiar em muitos sentidos. Quando começamos a nos relacionar, fizemos um “pacto", por proposta dela. Listamos as “regras da nossa cidade" em cláusulas.
    Ela é uma mulher com personalidade forte e tem valores e princípios como cláusulas pétreas. Gosta de coisas sólidas.
    Quando fala sobre o que está sentindo, chora, com facilidade. Sobretudo, a respeito de questões difíceis. Sempre disse que “o choro limpa a alma" e que as coisas ditas sob lágrimas carregam sinceridade e pureza. Tive que aprender a lidar com isso, pois vê-la assim me desestabilizava. Eu aprendi a valorizar esses instantes.
    Os meus dias eram cheios dela, mas ainda assim ela me dava espaço para lidar e fazer as minhas coisas. Respeitava o meu espaço. Tratava como sagrado o tempo em que eu estava compondo. Muitas vezes a fisgava me besbilhotar, ela adorava me ouvir tocar. O mesmo ocorria quando ela estava escrevendo, ela conseguia ser sensual mesmo fazendo as coisas mais simples, como era o caso de ler ou escrever.
    Não bastasse a minha dificuldade em me adaptar a esse jeito de ser, ela tem “estranhas” necessidades, mas quais sempre respeitei e até adquiri muito dos seus hábitos. Outrossim, um conglomerado de detalhes que me fizeram ficar ainda mais apaixonado, por conhecer verdadeiramente cada uma de suas frestas.
    São coisas infindas.
    Ela é extremamente apegada à memórias. Possui um baú e inúmeras caixinhas de lembranças. Guarda coisas sem valor monetário algum, mas que são preciso das para ela, pois a faz lembrar de dias gostosos. Flores secas em blocos de anotações, cartas, convites, ingressos, fotografias, medalhas e até mesmo canetas. Ela ainda tinha guardado o uniforme que usou no último ano do ensino médio.
    Não sei o porquê, mas sempre usa pratos rasos e brancos. Gosta somente de copos lisos. Passa o dia inteiro completando a mesma xícara de café. É extremamente raro ela tomar chá e quando acontece, sempre é de limão ou canela.
    Eu jamais vi o seu guarda roupas desarrumado. Tem pavor a roupa dobrada e em gaveta. Ao lavar, ela estende as suas roupas já nos cabides. Aliás, não gosta de passá-las e isso a influencia nas escolhas dos tecidos quando da compra. Usa o mesmo perfume há anos e de alguma forma, todas as suas vestes possuem aquele cheiro.
    A primeira coisa que faz ao acordar é dobrar o edredom e organizar a cama, logo em seguida se troca, lava o rosto e toma exatamente 400 ml de água.
    Ela possui uma cestinha de banho e usa um sabonete diferente para cada parte do corpo. Adora receitas naturais e é comum vê-la com borra de café no rosto. Aos sábados, gosta de tomar banho durante o dia, sob a luz natural e com música. Não sei o motivo, mas lava os cabelos somente com água fria.
    Dentre as suas estranhas necessidades, lá vai uma das mais curiosas: consumir massas no café da manhã. Sempre comia a mesma coisa. Tapioca com queijo e orégano ou pão com ovos, enquanto eu não suportava nem o cheiro. Ela raramente bebia achocolatado e só faltava vomitar ao cogitar tomar leite puro e quente, enquanto eu adorava ele com biscoito.
    Ela adorava cafés. Não apenas os lugares, mas o momento da pausa para o café. Com toda a certeza o café da manhã se tratava da sua refeição preferida. Tinha até mesmo um rito. Acontecia de uma forma ou de outra. Normalmente, nos dias que sabia que seriam agitados, acordava extremamente cedo para tomar o seu café sozinha e apreciar a tranquilidade das 05h30 da manhã. Nos demais, fazia questão de preparar tudo e aguardava com uma certa ansiedade que todos pudéssemos sentar à mesa e comermos juntos.
    Quanto a isso, haviam três coisas que a incomodavam incrivelmente e tornavam o epílogo do café catastrófico, pois o via como um momento de união. Primeiro. detestava comer enquanto alguém também não se servia, todos precisavam comer juntos; segundo, ela preparava a mesa para se certificar de que nenhum outro objeto dissonante estaria ali e a desagravada quando alguém burlava isso; terceiro, qualquer pessoa concentrada no celular, pois a tornava apenas fisicamente presente.
    Algo que nem mesmo ela sabia me dizer um porquê consistia no seu compromisso, sem mais nem menos, de em toda virada de ano tirar um hábito alimentar ruim. Geralmente, cortando alguns itens do seu cardápio. No entanto, acabava por compensar a falta com outros excessos e, felizmente, era capaz de reconhecer. Quando saímos, a ouvia dizer inúmeras vezes “não posso comer isso” e travamos uma batalha para ela comer fora de casa.
    Ela ama comida caseira. Nunca vai à fasts foods. Gosta de cozinhar os seus próprios alimentos, no seu prato sempre terá um legume ou folhas. Valoriza temperos naturais, mas não gosta dos excessos. Prefere os assados aos cozidos e tem pavor a qualquer coisa oleosa. A sua fruta preferida é manga. Sempre pede duas bolas de sorvete, geralmente uma de chocolate e a outra de pistache. Se tratando do sabor morango, gosta apenas da fruta. Adora qualquer coisa que tenha castanha e avelã.
    Quanto à bebida, também era peculiar. Consumia três litros de água diariamente. Sempre toma o suco uma hora depois da refeição. Detesta cerveja, mas em contraponto, bebe facilmente um litro de vinho tinto suave e caipirinha de todos os sabores, exceto morango. Odiava champanhe.
    Raríssimas as vezes em que saímos para restaurantes. Ela jamais ia por causa da comida em si, aceitava o meu convite por querer estar comigo e eu a convencia falando da decoração. Razão pela qual, a levava em restaurantes diferentes e fazia questão de conferir o ambiente com antecedência. Eu queria me certificar de que ela gostaria. Iluminação, música tranquila, arte e água a deixava fascinada.
    A conhecia tão bem a ponto de entrar num ambiente e instantaneamente dizer a mim mesmo que “ela não vai gostar disso”, “vai retirar aquele objeto da mesa antes de jantar”, “vai elogiar aquela estante”, “vai ficar deslumbrada com as cores e luzes”, “ela vai pedir para tocar tal música”.
    Era apaixonada por música, assim como eu. Apesar de ter preferência por rock, curtia muitos estilos, mas não gostava de todos. Se tratando de MPB, parecia impossível apontar qualquer canção que ela não conhecesse. Violão é o seu instrumento preferido e o único que arrisca tocar. Tinha inúmeras playlists, mas a que mais ouvia era “Calmaria”, enquanto trabalhava e “Vinho” para escrever. Aliás, sempre escreveu no escuro, de madrugada e ao som de “Cigarettes After Sex”.
    Justamente pelo o que já expus, para ela, há um clima para tudo. Música, som, ambiente, textura, tecido, cor, fala e toque. Todo esse conjunto tem um potencial incrível para confortá-la. Sempre molda os ambientes para que o seu interior esteja bem. Quanto se sente bem, faz opossível para externalizar isso e estabelecer uma sincronia, prezando pela mantença daquilo.
    Eu sempre fui fascinado pelo quanto ela é intensa. Como ela mesma costuma escrever, ela “queima em intensidade”. Me incendiava. Ela é uma mulher quente. Por sinal, muito sensual. Ela ama escrever e seus textos elucidam isso. Aliás, eu que nunca tive a leitura como um hobbie, li e reli inúmeras vezes todos os seus textos.
    Eu a conheço bem mais do que a mim mesmo. Eu poderia passar horas listando coisas que sequer me incluíam. Convivendo com ela, me mostrou e passei a reconhecer cada uma de suas preferências e gostos.
    Ela sempre se veste de acordo com o seu humor. Tem uma preferência perceptível pela cor marrom, costuma dizer que combina com a tonalidade do cabelo e que realça os olhos avelãs. O seu armário tem uma paleta de cores: preto, marrom, rosê e tons pastéis, raramente se vê um verde militar. A única peça de roupa que ela arrisca usar com estampas são os vestidos. Tem um estilo próprio que é deslumbrante.
    Ela decretou só usar preto, vermelho e vinho para duas coisas: esmalte e lingerie. É apaixonada por botas, se não fosse pela presenças de um salto e uma sandália, diria que é o único tipo de calçado que possui. Prefere bolsas transversais, apesar de não as usa-las assim. Não gosta de óculos de sol e muito menos de chapéus, diz que “não combina”. Usa o mesmo relógio com pulseira de couro desde que a conheci. Gosta de joias, mas jamais usaria algo perolado.
    Ela ama banhos quentes e, independente do horário que for dormir, precisa se aquecer. Gosta de dormir sem roupas. Só usa um edredom. Ela possui uma rotina de cuidados noturnos e é por isso que dorme com cheirinho de coco, já que passa o óleo natural nos pés e cabelo. É estranho falar “dorme”, já que ela sofre com insônia. Muitas vezes, me confidenciou que havia passado a madrugada me vendo dormir e tentando sincronizar a respiração dela com a minha.
    Ela ama caminhar, independente do quanto for demorar o trajeto, ela preza por ir à pé. Por sua vez, detesta musculação. Não gosta de esporte algum. Prefere andar de patins do que de bicicleta. Morre de medo de altura. Não sabe nadar, mas tem uma paixão doentia por praias. Ela ama a natureza e gosta de fazer trilha.
    Sempre falou querer morar em Campina Grande, mas sempre esteve domiciliada na “selva de pedras”, como rotula São Paulo. Ela adora viajar de carro. Passou os melhores dias da sua infância em duas cidades do Pernambuco, mas confessa que tem uma admiração enorme pela paisagem de Minas Gerais, o apontando como seu Estado preferido.
    Gosta de cidades pequenas e de interior. Adora dias ensolarados e quentes, desde que esteja ventando. Gosta dos dias frios, mas chuva apenas quando está em casa. Detesta usar guarda-chuvas. O barulho da garoa a ajuda a dormir.
    Tem uma gana doentia por realização pessoal. É pressionada pelo tempo. Vê a vida como uma ampulheta, não pensa “amanhã é um novo dia” e sim “amanhã é um dia a menos”. Teme a solidão. Vê a felicidade não como um objetivo de ser, mas sim como um estado emocional. A ideia de eternidade a agrada. Gosta daquela frase “um templo em mim”.
    As suas duas linguagens do amor são toques e palavras de afirmação. Eu aprendi a demonstrar amor dessa segunda forma, por ela. Afinal, queria que ela se sentisse amada ao meu lado.
    Passaria horas falando dela. A conheço mais do que a mim mesmo.
    Eu aprendi a fazer café. Aprendi a gostar de lê. Aprendi a escolher frutas na feira. Aprendi a me organizar. Aprendi a gostar de indie. Aprendi a fazer bolo de chocolate com recheio de avelã com castanhas. Aprendi sobre cores, mãos, bocas e perfumes. Aprendi infindas coisas por estar com ela, com ela e para ela.
    É óbvio, antes dela me aparecer o meu dia a dia, os meus gostos, as minhas experiências, preferências e anseios, eram outros. No decorrer do nosso contato, experimentei/provei coisas novas. Em razão de tanto, minhas preocupações e olhares voltaram-se para trechos e formas que antes passavam por mim despercebidos e não tinham qualquer importância. Hoje, já não deixo de repará-los, é inevitável, ganharam minha atenção e não há nada que possa ser feito.
    Confesso, sou grato. Mas, ainda acho uma tremenda sacanagem do destino, pois não quero atrelar culpa à ela, de ir embora depois de ter transformado todo o meu eu.
    Depois de ganhar o meu sentir, a minha doação e entrega. Depois de eu ter feito dela uma deusa, não uma deusa qualquer, mas a minha deusa. Depois de eu ter entrelaçado tanto as nossas vidas a ponto de sequer compreender o significado de tudo, sem a presença dela.
    Ainda que eu esteja no mesmo trabalho, ainda que eu esteja na casa que planejamos juntos, ainda que eu veja sentido em continuar com os hábitos e rotinas que compartilhei com ela, ainda que eu seja um cara autossuficiente, sou dependente dela emocionalmente e fisicamente.
    Eu posso viver sem a companhia dela, sem lidar ou me preocupar com as suas manias e estranhas necessidades. Mas, eu simplesmente não quero. Tudo, exatamente tudo é mais intenso e gostoso ao seu lado. Se ela está junto, nada pode ser simples. Esta manhã gris jamais seria apenas uma manhã acinzentada de um domingo qualquer.
    Eu sinto a presença da ausência dela. É por isso que ainda, às 19h00 eu anseio com veemência que ela cruze a porta da sala de estar, me dê um beijo demorado, tire a camisa e o salto e diga “meu amor, vamos fazer o jantar”. Desejo uma cama preenchida e o cheiro de coco, protesto por uma noite aquecida pelo rosto dela a repousar no meu peito. A desejo por inteira, com todos os hábitos, manias e defeitos.
    Ela quem coloria os meus dias e desde então eles estão cinzas. Faria o possível para tê-la novamente aqui, trazendo essência à casa e à minha vida. Eu até mesmo a buscaria, mas eu jamais iria burlar uma das regras da nossa cidade, “insistir na presença de quem já não quer ficar”.
    Janaina Couto ©
    Publicado — 2021
    @janacoutoj
  • [Desabafo] Inspiração

    Você é minha fã. Eu sei disso. Eu vejo.
    Obrigada por toda atenção. Apesar de, como mesma diz, ser “completamente leiga no assunto”, só me dou por satisfeito quando da sua aprovação. Sem usar termo técnico algum, me auxilia nos ajustes da melodia. Você é precisa. Tem um jeitinho peculiar de explicar o que “falta”. Você realmente as ouve. Me deixa empolgado quando aponta os segundos. Me motiva a aprimorar o som.
    Se debruçar sem razão alguma. Me exalta. Elogia o que produzo e me diz que sou um artista. Você me vê de uma forma tão bonita.
    Gosto dessa coisa aqui, sabia? A nossa trama. Você é um livro aberto, inclusive sobre os teus sentimentos, e ainda assim me é um mistério.
    Tu, por vez, conhece as minhas manchas, o meu caminhar, aliás, já é capaz de premeditar as minhas ações. Porém, tenho uma dificuldade tremenda em me abrir. Sei que tenta me desvendar, pois jamais exponho os meus sentimentos. Normalmente, percebo o clima e guardo tudo para mim.
    Recordo a primeira vez que estivemos juntos. Usando a desculpa para vê-la, te pedi um livro emprestado, marcamos um encontro.
    Partindo de um contato sem mais pretensões, suas, nos tornamos amigos. Muito íntimos, aliás. Serei eternamente agradecido por aquele março.
    Estava chovendo, o meu rosto molhado, a visão embaçada, as minhas botas encharcadas e eu tinha a convicção de que levaria um bolo. Era o cair da noite de uma sexta-feira e estava definitivamente caindo o mundo. Confesso, desci até lá com uma ansiedade, uma palpitação, um receio e uma euforia que não sei donde vinha. Os minutos corriam e não me contive a reclamar daquela chuva inesperada que, no meio do caminho de casa até o recanto, me contava que estava prestes a frustrar os meus planos.
    No ponto marcado, haviam muitas travessias. O cruzamento estava assoberbado de carros e a chuva intensificava a luminosidade dos faróis. Isso atrapalhava ainda mais a minha visão. Temi não a vê-la, perder o eclipse. Inquieto, olhava incessantemente para cada uma das ruas. Por qual delas você viria? Conseguiria te reconhecer? Aliás, será que viria?
    Tínhamos conversado por algumas semanas, sobre o universo e o mundo. Todos os dias, por muitas horas. Existia uma conexão foda e em poucos dias eu me via ansiando o horario em que sairia da faculdade, pois sei que responderia as minhas mensagens de texto. Não havia nem mesmo fitado os teus olhos e já podia apontar uma série de coisas que me cativaram.
    De alguma forma, sentia que era o princípio de algo grandioso. Aquela chuva foi a coisa mais estranha e prazerosa que já me aconteceu.
    Eu estava inquieto. Os segundos pareciam minutos, os minutos me eram horas. O tempo passava e eu estava me sentindo tolo “aquela garota jamais vai se propor a tomar um banho de chuva por minha causa”. “Aliás, por qual razão ela viria?”. Mas, ainda assim, permaneci ali. Com frio, mas esperando, enquanto profanava o trovejar.
    Senti o meu cabelo encharcado gotejar sobre a minha pele. Estava prestes a ir embora. Na fútil tentativa de aprimorar a minha visão, passei as mãos sobre o meu rosto e no mesmo embalo o cabelo para trás. Abri novamente os olhos e fisguei o exato instante.
    Cristo, não acreditei quando a vi. Sei que fiquei paralisado, com as mãos ainda sobre a cabeça e boquiaberto. Aquele triz foi atemporal.
    A vi atravessar a rua, parar no farol. Estava com um enorme guarda-chuva preto e o exemplar de a “A Cruz de Morrigan”, da trilogia da Nora Roberts em um saco plástico transparente.
    Deus, eu não aguardava uma garota. Era uma mulher. A mulher. Alta, emoldurada por um longo cabelo ondulado meio preso, um rosto de traços finos, um nariz pontuadinho, uma boca rosa e cheia… vestia uma regata que destacava a sua clavícula e um jeans claro que ressaltava as curvas.
    Assim que chegou do outro lado, de imediato, ainda que ao longe, me reconheceu. Acredito que por me ver encharcado, enquanto caminhava até mim, se atreveu a fechar o guarda-chuva. Interpretei como um “eu topo tomar um banho de chuva”.
    Eu pude sentir o penetrar dos teus olhos nos meus. Me arrepiei dos pés à cabeça. Você caminhava com graça, apesar de todo o caos do entorno. Parecia indestrutível. Como se nada te atingisse. Eu vi força.
    Finalmente chegou diante de mim, de queixo erguido fitou meu rosto e abriu um enorme sorriso largo. Foi insano. Agiu como se já me conhecesse. Não vi qualquer resquício de timidez. Foi a primeira vez que ouvi pessoalmente o seu “Eae, cara”. Eu ainda estava sem reação.
    Havia algo de diferente. O clima. O tempo, O momento. A intensidade. As cores. O som. A velocidade. O destino me contava algo. Me senti alinhado à ele. Eu era tomado por euforia e medo da grandiosidade do que havia de vir. O futuro era uma álea e eu a desejava com todas as forças.
    Eu ainda estava deslumbrado, simplesmente sorri enquanto o meu rosto escancarava um “uau”. Já disse o quanto adoro a tua atitude? Sequer havia te respondido, ainda processava a minha admiração com o contexto e você me deu um imenso abraço corporal.
    A água do meu corpo foi de encontro a tua pele macia, cheirosa e seca. Eu jamais vou esquecer a intensidade do que percorreu o meu corpo. Foi banho de chuva e o abraço mais gostoso da minha vida. Cacete. Como você era gostosa de abraçar. Macia. Eu poderia ficar no envolto daquele abraço por toda a minha vida. Estava perplexo. Tu não se importou nem um pouco em se molhar. Num desejo repentino e um agir imediato, se pôs nas pontas dos pés e em milésimos de segundos a imensidão do seu eu estava em mim. Acariciei a tua nuca.
    Lembro que na noite seguinte te disse “desde aquele dia no recanto, eu não paro de pensar em ti”.
    Eu recordo minuciosamente os detalhes. Posso apontar cada um deles.
    Desde então, não deixamos de nos falar nem mesmo um dia. São quase dois anos. Exatamente o tempo em que sinto algo. Algo ainda, por mim, inominado. É diferente. Nunca senti isso antes.
    Fico pensando nisso… como um conjunto de ações, atitudes, falas e, sobretudo, imediatismos, nos trouxe até aqui. Outrossim, como sem mais nem menos, apesar de alguns ocorridos, apesar dos pesares, permanecemos. Não importa as razões ou quantas vezes já tenhamos tentado nos distanciar.
    Mesmo quando me expôs os motins, naquele julho, para não nos entrelaçarmos da forma que eu mais desejava, apesar de me destruir, ainda fazia eu desejar permanecer pela nossa amizade. Claro, aquele sentimento ficou guardado, às sete chaves, eu queria parecer forte. O coloquei numa caixinha de estofado rosê. Um sentimento bonito dentro de uma série de caixas velhas e esquecidas. Mas, quando eu me aproximava de você e, especiamente, quando te beijava, aquela caixinha se abria e a força do que ela guardava me consumia. Era inevitável o sentimento correr pelo meu corpo.
    Confesso que não sei ao certo o que aconteceu comigo naquele junho e, muito menos, no dezembro passado. Sei que pedi para se afastar de mim. Eu mesmo tentei me convencer de que precisava disso. Falhei. Com o primeiro brilho e soar de fogos de artifício do ano novo, a primeira pessoa em quem pensei foi você. Te liguei, lembra? Estava na praia e eu na cidade. A minha única certeza era que eu não desejava estar onde estava, em muitos sentidos. Foi ali que me dei conta de que eu queria estar com você. Você. Ao seu lado. Sou incapaz de me dissociar de ti.
    Sabe aquela minha música que você tanto venera? Foi pra você.
    A minha segunda, que escrevi no outono passado. Estavas no Recanto esses dias, tarde da noite já, lendo, como sempre, a ouvindo. Te ouvi sussurrando a letra e cantarolando. Não sei como não me viu ou sentiu a minha presença.
    Pode não parecer lendo a letra. Mas, o modo que eu a enxerguei enquanto escrevia, fazia todo o sentido do mundo.
    Pensei em ti em cada uma das estrofes.
    Nunca contei para ninguém. É o meu segredo. Mas, pra você, eu conto.
    Primeira estrofe. Escrevi recordando os nossos primeiros encontros. O nosso banho de chuva e aquela primeira noite no recanto, no ponto alto de sempre. Você não parava de falar e eu estava deslumbrado. Lembro com precisão do que me consumia ao ver sua o movimento dos teus lábios. Me remetia inúmeras frases e ser ouvinte jamais fora tão quente.
    Segunda estrofe. Foi pautada em um outro dia no recanto, mas naquele em que ficamos no banco de madeira marfim escondido dentre as árvores. Era quase madrugada, eu estava deitado no seu colo e te apreciava. Já estávamos engajados no meio-termo. Se tratava do começo e já te via um universo de qualidades.
    Terceira estrofe. É inequívoco que eu estava gostando de você e da nossa coisa. Te olhava e dizia a mim mesmo, de mansinho, que não podia fazer aquilo comigo. Mal te conhecia e já estava apaixonado. Óbvio, você até primeiro que eu. Parecia tudo tão apressado, mas eu estava adorando.
    Quarta estrofe. Se trata, nos exatos termos, da imensidão do que você significa para mim. A minha lua, a minha musa. Vênus.
    Penúltima estrofe. Lapidada nos dias em que você ia à minha casa. Não sei explicar. À época, eu enfrentava alguns problemas e estava muito mal. É claro que você não sabia. Aliás, se tratou do período em que mais nos vimos, pois eu tinha sede da tua presença. Você me acalmava de um jeito que ficou marcante até hoje. Você tem o poder de isentar a minha dor, espantar as trevas do meu mundo. Surreal demais para ser esquecido.
    Última estrofe. Confesso, tentei e acredito que deveria reformular a frase. Deixei esta por, pensando em ritmo e campo harmônico, encaixar melhor com a melodia. Ainda assim, expõe uma gana insaciável. As horas correm quando estou contigo, o relógio não é meu amigo. Se tratando de ti, até a eternidade parece insuficiente.
    Sobre tudo o que falei. Sei que jamais havia demonstrado o quanto cada instante, dia, momento significava para mim. Eu não demonstrei nada, nunca demonstro, eu só guardo. Hoje, me sinto seguro para dividir com você.
    Quanto a canção, eu não iria te falar tão cedo. Ela surgiu quando falou com todas as letras e me disse de boca cheia que o teu desejo era ficar comigo, justamente por também ser da minha vontade, me estimulou a escrever. Eu precisava eternizar a minha percepção e o meu sentir de alguma forma.
    Ainda bem que também desenvolveu um sentimento latente por mim. Algo nos atrai. Nos move. Até parece que o nosso interior sabe de algum modo. Não sei. O universo nos empurra.
    No início, pensei que era paixão e que se eu deixasse tudo como estava logo passaria. Juro. Depois do banho de chuva, acreditei naquela ideia de “amor à primeira vista”. Claro, jamais iria te escancarar logo no princípio. Afinal, quando eu dizia sentir saudade ou estar ansioso para te ver, você parecia tão serena “calma, estamos nos conhecendo” e eu me via um idiota.
    O tempo escorre. Sinto que nos conhecemos há anos. O meu sentimento não mudou. Apenas fica cada vez mais forte. A chama mais quente. Pulsa em mim e estou perdendo o controle. É maior que eu. Tenho a sensação de que vai me dominar. Eu preciso por pra fora.
    Desculpa por me prolongar. É que eu gosto muito de você. Obrigada por me ouvir. Você é muito linda. Sabia? Não consigo acreditar que não estou contigo. Agora. Juntos.
    Você é a mulher da minha vida. Só de olhar pra você percebo. Quando me encara, teus olhos avelãs confirmam tudo. Me deixa queimando em intensidade sem sequer se esforçar. Te quero na minha vida por todo o sempre.
    Eu tenho medo de perder você. Medo do destino. Temos certeza somente do presente e quero fazer de tudo pra ficarmos confortáveis um com o outro. Sim, eu ainda estou muito apaixonado por você e sei que não é passageiro. Eu sei quando é. Você é uma mulher incrível, já te disse isso e falo novamente. Não quero te perder. Aconteça seja lá o que for, jamais deixará de ser “a mulher da minha vida”.
    Você me idolatra. Ter me dedicado “The Pussycat Dolls ft. Avant — Stickwitu” foi a melhor forma de escancarar.
    Eu sou quem sou seu fã. 
    Você é minha inspiração.
    A minha musa.
    A amo com todas as minhas forças.
  • [Desabafo] NUDEZ

    Adoro banhos. Sou fascinada por banho. Principalmente, quando acontecem após um epílogo desgastante.
    Me é inerente, pois tenho a sensação de que a água leva embora a exaustão, o estresse, as mágoas, o choro.
    Nestes minutos, estagno o tempo e aquele momento é dedicado exclusivamente a mim. Ao meu suporte. Ao meu corpo.
    Definitivamente, me renova. Supervalorizo estes instantes de autocuidado.
    Aliás, confesso que muitas vezes não são só premeditados, como também planejados.
    O meu banho preferido geralmente acontece aos sábados, quando estou sozinha em casa. Quando tenho a certeza de que nada e ninguém surgirá para interromper o meu momento. A casa quieta e silenciosa. Sem mistura de sons. Sem algazarra.
    Escolho a dedos os óleos essenciais, cremes e sabonetes. Preparo a esfoliação. Me atento aos cheiros.
    Esse meu banho é quente. No fim de tarde. Com o ambiente à luz natural, baixa. Inclusive, acompanhado de música boa, suave.
    E as cores, cheiros e sons tornam o meu momento comigo e a relação com o meu corpo ainda mais intensa e dotada de imensa valorização e carinho.
    Gosto de tatear a minha pele. Macia. Cheirosa. Quente. Deslizar cada centímetro do meu corpo, massageando. Apreciando e cuidando de cada pequena parte do meu eu.
    Observando as minhas manchas, marcas que escolhi e aquelas que ganhei, as tonalidades da minha pele, a extensão do meu corpo, as minhas curvas…
    São nesses banhos que derramo caridosa atenção para comigo. Me tenho com cuidado e entendo a importância da manutenção e zelo pela única coisa física que tenho certeza que estará comigo até o fim dos meus dias. O meu corpo.
    Nesses momentos, sou grata a mim mesma pelo companheirismo e até me desculpo, com verdadeiro pesar, pelos episódios não eventuais de desdém, em muitos sentidos. Ora, o cuidado com o corpo não há que se confundir com a vaidade. São coisas distintas.
    E é por reconhecer isso que nestes momentos percebo o quanto gosto de mim. Não apenas do meu eu corpo, mas de quem sou. Apesar das inúmeras falhas e cicatrizes.
    Sabe, uma vez o meu pensamento caiu de forma ainda mais intrínseca nisso…
    Não apenas minha relação com o meu corpo ou a percepção que tenho sobre ele, mas como vejo os corpos de uma forma geral. Indistinta.
    Certa noite me doei numa conversa com um amigo. Aliás, amigo esse com quem tenho conversas profundas, que perduram no tempo. Inclusive, com quem não tenho receio de falar absolutamente nada.
    Não importa o assunto, seja ele qual for, a conversa tem um outro nível. Isto porque, se tornam muito subjetivos. Eu gosto. Geralmente, os diálogos cessam e fico matutando uma coisa ou outra.
    Foi em uma dessas ocasiões que chegamos num ponto nebuloso para mim.
    Nebuloso por não ter uma resposta objetiva e imediata para a razão da distinção. Está me corroendo desde então.
    Reconheci que tenho dois pensamentos aparentemente distintos, mas de maneira alguma excludentes. E a ambivalência me mata.
    Há dias caço uma forma de explicar como a coexistência é válida, mas ainda não descobri ou mesmo inventei uma teoria a respeito.
    A banalização da nudez.
    A sexualização do corpo.
    Há uma linha tênue, bem tênue e que não está associada a algo eminentemente físico, como o corpo.
    Isto porque, em algumas ocasiões, um corpo é apenas um corpo. Nada mais que isso. Um corpo humano, nu. Com curvas, manchas, cicatrizes, pelos e volumes. E ajo com imensa indiferença a respeito.
    Quero dizer que, na maioria das vezes, ao ver um corpo nu, não tenho qualquer reação. Não me suscita absolutamente nada, haja vista a naturalidade para com o corpo. O humano. O corpo animal. Carne. Vejo tão somente um ser corporalmente frágil.
    O mesmo ocorre quanto ao meu corpo nu. Em alguns momentos, expor o meu corpo ou mesmo tirar a roupa diante de alguém ante as necessidades do dia a dia é um ato tão banal e natural que vez ou outra fico questionando a existência de um desdém para comigo neste sentido. Uma humana frágil, um corpo.
    Na grande maioria das vezes, não sexualizo o corpo alheio, nem mesmo o meu. Tão menos sinto receio, vergonha ou qualquer espécie de timidez neste sentido.
    Outrossim, inexiste aversão, óbvio.
    Quero dizer que, felizmente, não sinto vergonha ou receio diante do que é natural e comum a todos nós. O corpo.
    Não tenho problemas ou desconforto com a nudez.
    Claro, a regra comporta exceções.
    Nem sempre um toque é apenas um simples toque. Há um limite, há uma barreira. Há a privacidade e a inviolabilidade.
    Assim como em outros momentos, há a intimidade.
    Mas, de um instante a outro, por falar em intimidade, instantes específicos, o meu pensamento e a minha percepção e sensação está num polo incrivelmente distinto da banalização.
    Especialmente, se tratando do meu corpo.
    De um instante a outro, não se trata apenas de um corpo humano. Frágil.
    De um instante a outro, o espaço banal dá vazão à intimidade.
    É o meu corpo.
    O meu corpo. O meu corpo nu.
    O meu templo. O meu suporte. A minha casa. Sou eu.
    De um instante a outro, torna- se quase impossível dissociar o meu corpo e a minha mente. A menor tentativa de contato com a minha pele é quase uma invasão à parte mais pura de mim mesma.
    De um instante a outro, estar ou mesmo cogitar estar diante da observação do olhar alheio me é delicado. Não há receio, mas a sensação é diferente e a percepção dos corpos é diferente.
    Aliás, não digo isso exclusivamente a corpos nus. Esse percepção qual me refiro inicia-se antes da nudez e até mesmo da seminudez.
    Inclusive, ao dizer nudez, não me refiro exclusivamente às partes do nosso corpo que de um modo geral a sociedade rotula como “íntimas”.
    Não há um padrão. Não há um rótulo.
    Inclusive, na maioria das vezes, a nudez da minha nuca, das minhas costas ou clavícula, torna aquele contexto tão íntimo, quente e particular para mim… Assim como a exposição do meu pescoço, dos meus pulsos e das minhas coxas.
    Nestes instantes, vejo e sinto o corpo como a coisa mais preciosa. Há uma comistão entre ele e a minha essência. Quem sou. A minha história.
    Nestes instantes, cada extremidade, marca, pinta, mancha, curva, volume e cicatriz conta uma narrativa diferente. Uma narrativa minha. Dizem muito a meu respeito. São os meus detalhes.
    Aliás, o que parece óbvio mas merece caridosa atenção é o fato de que todo esse conjunto formam unicamente o meu eu. O meu corpo inteiro. Formam a mim. É exclusivo, não apenas privativo.
    O simples fato de cogitar e de efetivamente permitir a observação e o toque alheio, por si só, já exige a principio respeito, cuidado e sinceridade.
    Evidentemente porque não se trata de algo ordieno, tão menos banal. É valioso e singular o momento, o contexto e quem.
    Nestas ocasiões, não há como se banalizar a nudez. Sobretudo, a minha.
    Inclusive, nestas ocasiões as falas, os olhares, jeitos e suspiros também são dotados de intimidade. E carregam algo mais que não sei explicar. Também se tornam invioláveis.
    Como já dito, em algumas ocasiões o simples fato de reconhecer o repouso do olhar alheio pelo meu corpo, me arrepia. Por sua vez, quanto aos toques e deslizes, sinto coisas que nem sei se posso descrever.
    Assim com o ato de me despir, tão corriqueiro e despercebido por mim mesma na maior parte dos dias, se torna tão sutil.
    Isto porque, me vejo mostrando o meu espaço, o meu mundo, as minhas verdades e mentiras, a exposição não só do meu corpo, mas de todo o meu eu. Literalmente nua e crua, em todos os sentidos.
    Me sinto escancarando e gritando quem sou, o que dito assim, de imediato, parece errôneo ou mesmo assustador, de tão impressionante.
    Nestes instantes, claramente estou conectada com a parte mais selvagem de mim mesma. Não há filtros. Não há véu.
    É óbvio que o convite, a abertura e a exposição do meu templo à outrem não deve ser tratada como vulgar. Uma vez que evidentemente não se é.
    Não é um ato singelo, mas sim sobre-humano. Para comigo, dotado de uma tremenda ousadia.
    Como um dia alguém escreveu fascinantemente, “eu sou tímida e ousada ao mesmo tempo”.
    A exposição do meu mundo, do meu íntimo, justamente por ser ousada, é tentadora. E a ideia me é ainda mais cativante quando o outro ser, privilegiado, reconhecer a preciosidade e singularidade do que há de vir. A conexão entre duas pessoas.
    Conexão não apenas corporal. Mas, a conexão da parte mais intrínseca de si mesmos.
    Tenho pavor à ideia de ter o meu corpo banalizado, nestes instantes.
    Caramba, é o meu corpo. Ao vivo e em cores. A minha pele. O meu cheiro.
    Aliás, aproveito e destaco que o meu desejo é aflorado de uma forma radical ao reconhecer, principalmente ao ver, pulsar desejo no outro.
    Por questões óbvias e razões infinitas, escolho a dedo aqueles cujo a qual hei de autorizar o toque ou a apreciação. Claro que a ideia de exposição precisa ser tentadora e confortável.
    Ademais, evidentemente que tenho para com o corpo alheio a mesmíssima percepção.
    Os nossos corpos são instrumentos. É preciso atentar-se a qual instrumento estamos dedilhando e apreciar, com atenção, a melodia que se está criando… a mesma melodia jamais irá se repetir. Especialmente porque, não é apenas sua. Assim como, é de muitíssima importância zelar pelo sigilo das notas e peculiaridades dos instrumentos.
    De um instante a outro, os corpos banais são dotados de inúmeras peculiaridades e alvo de fascínio.
    É por isso que fotografias e suas variações, assim como monumentos ou até mesmo peças teatrais e qualquer outra forma de arte com o semblante de um o corpo nu, não me suscitam nada. Me causam o mesmo espanto que o fato do cair das folhas. Até mesmo, para com ocasiões em que a fotografia de um corpo nu, por exemplo, pelo contexto, poderia ter condão para me deixar quente.
    Isto porque, não elucidam mistério. Não há correspondência. Não há permissão. Não há a possibilidade de toque. Não há conexão. Não há exposição ou contato do que eu entendo por intimidade, neste aspecto. Não há canção.
    São questões mais do que justificáveis. Explicam por si só a razão pela qual sou incapaz de desejar o outro tão somente por algo tão banal, como é o caso da imagem.
    O desejo pelo corpo está condicionado a algo, que evidentemente não sei explicar. A sexualização de cenas e traços de um corpo ao vivo e em cores é secundária. É decorrente.
    O meu desejo, o meu fascínio, o meu zelo pelo corpo, não é apenas carnal. Tão menos visual.
    Felizmente, não é apenas carnal.
  • [Excerto] ÁPICE

    O ponto é o mesmo. A sensação ao chegar no ponto alto é ainda vigorante. Vejo o negro do céu e as mesmas ruas iluminadas. O lugar está igual, mas a experiência é dissonante. O tempo é outro.
    Chego aqui e a vejo.
    Com o traje de sempre. É o mesmo jeans claro e a mesma blusa relaxada, bolsa de crochê e livro nas mãos. A assisto desde oprincípio da ladeira. Reparo seu caminhar despreocupado e o cabelo emaranhado ao vento. Ela nunca se atrasa, sempre chega primeiro. 19h30 ela sempre chega. Assim que adentra no recanto, seus olhos caçam. A vejo subir até aqui com uma sede…. é fácil perceber a ansiedade e euforia que percorrem o seu corpo. Ela tenta disfarçar, não quer demonstrar isso.
    Com um sorriso contagiante e olhos que sorriem finalmente vê, logo diante de si. A sua respiração fica acelerada, até que calorosamente aquela imensidão a abraça. O seu rosto exala conforto, aconchego. O instante é atemporal. A brisa é suave e intensa. Aprecia até mesmo o cheiro, o devora, lhe é um entorpecente. Acredito que ela até suplica para ter aquele aroma. É fácil perceber que, se ela pudesse, eternizaria aqueles minutos. Vejo as tonalidades de vinho e salmão que a transbordam. O encontro da alma. Ali, ela certamente está onde quer estar. É o instante em que se encontra. Assim que aquela sensação lhe arrepia, se faz nua e crua.
    Vejo essas cenas com muita clareza, cada uma delas. Cada uma das noites. As palavras e sensações. A intensidade com que se vivia. Acompanhada e em êxtase por infindos detalhes. Ela queimava tanto em intensidade que, nos últimos dias, não ouvia as badaladas do sino em contagem regressiva.
    Sempre teve um temor em dar-se, quando caridosamente fez isso, a dilaceraram. Aquela jovem está morta.
    É difícil digerir. Não se aproveitaram de uma mulher, com recentes rugas, mais velha, séria e com cicatrizes o suficiente para conhecer a decepção e não mais ter expectativas para com as pessoas que vão e chegam. A maior sacanagem foi que desintegraram a garota dos olhos que sorriam. E foi tudo tão gradual que enquanto isso acontecia eu fui incapaz de perceber, jamais vou me perdoar por isso.
    Hoje, se eu pudesse, salvaria aquela menina. Meses correram, num piscar de olhos. E com cada um daqueles segundos, ela morria aos poucos. Pouco a pouco.
    Fervorosamente eu suplico para que ela ainda esteja por aqui. Não sei se isso seria possível, por óbvio. Futilmente, volto ao mesmo lugar tentando resgatá-la, mas não encontro nem mesmo o menor resquício. São apenas as claras memórias. Não mais ouço os seus passos. O seu timbre está ecoando em algum lugar no tempo.
    “Cadê você?”
    A noite vazia é a mesma. Estou aqui. Sozinha. Não sinto raiva, tristeza, nada. Estações atrás o meu agora seria inimaginável e isso é avassalador. Até parece que aquelas noites não passaram de um delírio. Vejo o fantasma daquela garota e tento abraçá-lo.
    “Cadê você?”
    Ela foi por eles. Não sei porque e nem pra que e é justamente isso que ela mesma achava bonito. Não exigia nada em troca. A sua pureza e doação neste sentido era justamente o que eu achava bonito. Era tudo sincero.
    Quando a sugaram e ela já não tinha mais o que oferecer, quando ela precisava do mesmo tipo de doação, deram-lhe as costas.
    “Cadê eles?” Não sei.
    “E hoje, quem são eles?” Não sei.
    Só lhes digo uma coisa: não esperem nada de mim, já há muito tempo que não espero nada mais de vocês.
    Tenho certeza que aquela minha versão, perdida em algum lugar no tempo, não seria capaz de imaginar que eu me sentiria desolada, neste lugar.
    “Cadê você?”
    Estou aqui. Mas, eu sou o resto ruim. A parte bruta. Sobrou apenas a parte que a gente não gosta e quer esconder.
    Estou aqui, sozinha. Uma versão “depois deles”.
    Fielmente sozinha. Eu e eu. As coisas que faço são por mim. São os meus medos. As minhas lamentações. As minhas derrotas. As minhas noites. Os meus prazeres. Os meus sentimentos. Os meus amores. As minhas quedas. Cicatrizes. Eu comigo e eu por mim. Se ainda houver alguma doação é exclusivamente para o meu eu.
    Em nada tem haver com eles e é por isso que não se importam.
    Falar assim parece tão óbvio. Mas, quando se vive isso, fielmente, é que a gente entende o verdadeiro significado. Não digo isso com indignação. Não lamento ou comemoro. Só reconheço que estou verdadeiramente só.
    Sou eu comigo e eu mesma. Para onde vou? Quem sou? Não sei. Estou existindo. Neste instante, ouvindo repetidamente “Ordinary World — Duran Duran”, sei apenas onde estou, as horas e que sinto a ventania da noite eriçar os pelos dos meus braços. Não sei o amanhã, apesar de muito o esperar.
    Não que isso me cause algum desconforto, na verdade, não me causa nada, só é o que é e ponto.
    A minha única indignação é a morte da garota dos olhos que sorriam.
    Sabe, enquanto vivia aqueles dias, sentia que aquilo era importante. Talvez eu não tenha aproveitado o quanto gostaria. Mas sabia que aquilo podia ser o meu ápice. Aquela garota era o meu melhor de mim.
  • [Poema] LEMBRAR

    Todas as vezes que ouvir “Os Outros”
    ou até mesmo “Onde Anda Você”.

    Todas as vezes que alguém pronunciar aquela frase
    ou quando outro alguém me fitar daquela forma.

    Todas as vezes receber um largo sorriso malicioso como o teu
    ou quando outros lábios tocarem os meus.

    Todas as vezes que sentir aquela mesma euforia
    ou quando me deparar com aquela cena.

    Todas as vezes que me tocarem da sua forma
    ou quando tocar aquela a sua canção.

    Todas as vezes que atravessar aquela esquina
    ou descansar no banco marfim daquela praça.

    Todas as vezes que acariciarem a minha nuca
    ou quando me ver no envolto de um longo abraço apertado.

    Todas as vezes que ouvir um timbre próximo ao seu
    ou quando sem mais nem menos me ver diante de ti.

    Todas as vezes que ler aquele poema…

    Todas as vezes que ouvir “Vento no Litoral”…

    Todas as vezes que chegar aquela estação…

    Todas as vezes que uma brisa invadir a janela do meu quarto numa madrugada de verão…

    Todas as vezes que numa quente madrugada contemplar o mar…

    Todas as vezes que um olhar fixo e profundo fizer o meu corpo arrepiar…

    Todas as vezes que a brisa deixar em mim o cheiro de mar…

    Sempre que lembrar daquele verão.
    Vou lembrar de momentos simples com você.

    E vou amar você, novamente, da mesmíssima forma,
    nem que seja por míseros instantes.

    Sei que sorrir ao lembrar de como os dias daquele verão foram ainda mais quentes com você.

    E, nesses instantes, apenas nesse momento, desejarei intensamente reviver tudo.

    Depois?

    Provavelmente os meus olhos ficarão acinzentados e serenos, quem sabe, até mesmo trêmulos…

    quando me der conta de que o seu amor não mais me pertence e nem o meu a você.


    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2019]

    @janacoutoj

  • [Poema] RESPIRAR

    domingo de outono
    árvores curvas
    folhas ainda quentes
    manhã luminosa
    cores quentes
    olhos semicerrados
    é forte, incandescente

    numa travessia
    qualquer um percebia
    a calmaria da vida

    poças de água
    a beira das calçadas
    refletem o musgo verde
    árvores de copas altas
    circundam o quarteirão

    apesar de todo o movimento
    da vida ao redor
    ali, naquele cantinho
    o tempo estava estagnado
    os microsegundos
    exalam insana alegria
    mas, donde vinha?

    centenas de feixes de luz
    atravessam os ipês
    atingem - me em cheio
    aquecem a minha face
    me fazendo sentir parte
    de toda exuberância
    instante atemporal
    plenitude surreal

    a leve brisa quente
    esvoaça meu cabelo
    emaranhado
    traz consigo
    o cheiro de relva
    e a imensa sensação
    pertencimento

    sento-me ao chão
    escoro na árvore
    de copa iluminada
    dona de uma enorme sombra
    alta, envelhecida,
    coberta de musgo,
    mas, 
    ainda assim,
    viva
    ela vive

    me vejo pequena
    diante da grandeza do meu envolto
    mas, ainda assim
    faço parte disso
    e a vida me pertence
    eu a sinto
    eu vivo

    a dádiva elucidada
    diante dos meus olhos
    a tenho
    felizmente,
    a tenho
    sinto a plenitude do viver

    o peso do mundo
    das minhas costas
    se esvai
    carga que eu criara
    naquele triz
    os meus problemas
    tão insignificantes
    coisas minuciosas
    que me faziam escrava
    sobreviver
    ao invés de viver
    como não pude perceber?
    a grandiosidade
    do viver
    do sentir
    do ser

    é perspicaz?
    sigo a observar
    o tranquilo bairro
    no calor escaldante
    vislumbrando o verde
    minha visão deturpada
    ondulatória
    a luz intensa
    a deixa trêmula

    não estou torpe,
    talvez em transe?

    uma buzina na esquina
    cessa a calmaria
    jovens transitam
    apressados
    pobres escravos
    do tempo...

    exceto eu
    não passo pela vida
    nem ela por mim
    caminha comigo
    me pertence
    eu a sinto
    eu a vivo


    Janaina Couto ©
    [Publicado - 2019]

    @janacoutoj

  • [Poema] SER

    Porque eu sou isso...

    sou confusão
    sou paixão
    sou turbilhão de emoção!

    sou razão e emoção
    sou claro e escuro
    sou maior que saturno!

    sou forte
    sou caco
    sou corte!

    sou acorde e canção
    sou silencio
    sou um ego mudo!

    sou delírio
    sou devaneio
    sou sossego!

    sou calmaria
    sou boêmia
    sou poesia!

    sou amor
    sou fúria
    sou sintonia?

    sou turbilhão de pensamentos
    sou turbilhão de sonhos
    sou turbilhão de confusão

    ahh
    é isso
    confusão!

    sou mistério
    sou metamorfose
    sou transformação

    sou o que sou

    sou o que me der vontade de ser
    sou mais do que aquilo que você vê
    sou mais do que aquilo que você pensa

    eu sou amor
    eu sou intensa!


    Janaina Couto ©
    [Publicado - 2016]

    @janacoutoj

  • [Poemas] DETESTO

    Coisas que eu detesto em você:

    Detesto o fato de você fumar;
    Detesto o fato de você sempre sair pra beber;
    Detesto como você gosta de ser o centro das atenções:
    Detesto como aparenta ser íntimo com toda e qualquer garota;
    Detesto o seu desleixo com os estudos;
    Detesto sua opinião política;
    Detesto como consegue ser bipolar ao extremo;
    Detesto o quanto é pão duro;
    Detesto o fato de você não estar nem aí para nada;
    Detesto o seu jeito de andar se sentindo o fodão;
    Detesto quando suas atitudes vão em confronto com a tua fala;
    Detesto o jeito como se porta diante dos seus amigos;
    Detesto fortemente seu completo desdém;
    Detesto o seu desmazelo;
    Detesto o teu corte de cabelo;
    Detesto como consegue conquistar todo mundo;
    Detesto o seu caminhar como se o mundo estivesse do jeitinho que você quer;
    Detesto quando diz "foda-se" para toda e qualquer situação;
    Detesto o quanto é incrédulo quanto ao amor;
    Detesto as suas falsas convicções;
    Detesto quando você mente;
    Detesto quando me dá desculpa esfarrapadas;
    Detesto quando usa a ironia para discutir comigo;
    Detesto quando me fita e me deixa constrangida;
    Detesto quando teus olhos avelã penetram os meus;
    Detesto a minha tensão quando estou perto de ti;
    Detesto mais ainda quando me vê e me ignora;
    Detesto quando faz eu me sentir "um tanto faz";
    Detesto, sobretudo, quando me ignora, pois eu gosto da tua atenção;
    Detesto como sempre está com uma garota diferente… detesto tanto que sinto ânsia de vômito;
    Detesto o fato de você me fazer sentir ciúmes de alguém que não me pertence, nem mesmo um pouco;
    Detesto como mexe comigo a ponto de eu precisar me esforçar para te odiar;
    Detesto seu potencial para me distrair;
    Detesto o fato de acreditar que estou apaixonada por você;
    Detesto quando afirma que dentre garotas passageiras inexistiu alguém especial;
    Detesto com todas as forças o fato de sequer cogitar o meu "eu";
    Detesto quando me idealizam para você;
    Detesto ainda mais os comentários de que eu te suscitaria qualquer coisa próxima a "mudança";
    Detesto como sempre associam eu a você;
    Detesto ficar questionando para mim mesma o que os outros dizem;
    Detesto memorar a primeira vez que te vi;
    Detesto pensar naquele primeiro ano;
    Detesto principalmente reprisar e sentir uma mormente saudade;
    Detesto ficar imersa numa época em que acreditei vivenciar o meu "primeiro amor";
    Detesto assumir para mim mesma que esse amor era você;
    Detesto me ater a sua afirmação de que as suas borboletas no estômago existiam por mim;
    Detesto desejar uma nova faceta daquela paixão ingênua;
    Detesto enxergar que aquela conexão não há de voltar;
    Detesto como apesar dos pesares, depois de tudo, você me fez sentir especial novamente;
    Detesto com todas as forças o fato de que na verdade somente tomou o meu tempo;
    Detesto reconhecer que acreditei em meias verdades;
    Detesto ter acredito, ainda que por míseros instantes, após aquela noite tudo estaria bem;
    Detesto o fato de depois você ter mudado comigo radicalmente;
    Detesto sua bipolaridade, já falei isso?
    Detesto confessar que havia criado expectativas quanto a nós;
    Detesto afirmar que a alegria das minhas manhãs era te ver;
    Detesto a convicção da minha ilusão;
    Detesto estar tão na cara que não fiz isso sozinha, pois você colaborou fortemente para isso;
    Detesto reconhecer que não fui a única a sonhar e romantizar;
    Detesto a dúvida se também o fiz se decepcionar;
    Detesto te ver e ser incapaz de impedir que tudo torne à minha mente;
    Detesto olhar a estrada e ver o amor juvenil desaparecer;
    Detesto a sensação de ter pedido o eclipse, quem sabe, a álea que mudaria nossas vidas;
    Detesto poder apontar com precisão que perdemos o acontecimento do século;
    Detesto a minha intuição da sua cegueira, eis que não enxerga nada disso;
    Detesto a sua presença, que me impede de virar a página;
    Detesto como tudo desabou em dias;
    Detesto tu não ver os meus cortes;
    Detesto tu não mais se importar;
    Detesto me sentir incapaz de apagar tudo, como fez você;
    Detesto não entender os seus porquês;
    Detesto pensar naquela palavra "esquecer"; soa tão "você"
    Detesto me ver resumida a nada para você;
    Detesto assumir que imploro ao universo para te esquecer;
    Detesto exatamente esse agora, que apesar de vividas as memórias, já não me fazem sofrer;
    Detesto olhar o futuro e cogitar encontros;
    Detesto a hipótese de duas pessoas que não mais se conhecem com memórias em comum;
    Detesto agora desabafar num post-it, enquanto o que eu mais desejava era dizer diretamente a você;
    Detesto saber que jamais terei a oportunidade de esclarecer;
    Detesto recordar com fiducia o seu aviso de que não iria me permitir te confundir novamente;
    Detesto usar a frase com o intuito de suavizar o "estou me apaixonando novamente por você";
    Detesto esses temores bobos;
    Detesto a certeza de que este escrito jamais chegará a você;
    Detesto você sequer gostar de ler;
    Detesto como não se dá conta que eu o conheço melhor que até mesmo você;
    Detesto questionar maneiras de te remeter:
    Detesto antecipadamente sofrer com a ideia de ti amassá-lo sem mesmo ler;
    Detesto o contraste entre a minha alma escritora e o seu analfabetismo;
    Detesto este caso concreto fazer valer a máxima "o que não vira amor, vira poema";
    Detesto pensar em jamais isto publicar, com receio de ti não gostar;
    Detesto apontar a nossa história como a minha mais intensa e o mesmo não partir de você;
    Detesto ter enganado a mim mesma naquela noite;
    Detesto aquela noite marcar a minha vida, enquanto para ti foi um anoitecer qualquer;
    Detesto constatar o tempo que despendi nisso aqui;
    Detesto cada fantasia minha frustrada;
    Detesto a música solene daquele 28 de agosto;
    Detesto sentir saudade daquele agosto;
    Detesto o quanto ainda queima as memórias dos dias quentes;
    Detesto cada uma das controvérsias. Por falar em controvérsias, desde o princípio foi assim, por muito tempo acreditei que te amei, de uma forma que jamais imaginei;
    Detesto este amor em cem linhas.
  • [Poemas] PERDER

    Os dias correm
    penso, felizmente,
    cada vez menos em ti.

    Foi
    na verdade, ainda é
    tão árduo tentar te esquecer.

    Sequer sei se é possível
    essa coisa de esquecer.

    Acredito que não.

    Basta uma brisa
    um lugar
    um cheiro
    e, inevitávelmente, eu falho.

    Sim,
    eu falho
    cada vez menos.

    As vezes 
    me assusto 
    ao lembrar que ainda havia 
    um tanto de mim pra você conhecer
    é uma pena.

    Realmente uma pena,
    lentamente você me perder.


    Janaina Couto ©
    [Publicado - 2018]

    @janacoutoj

  • [Roteiros] CIGARROS

    — Quanto tempo. Está me procurando... O que houve? O que quer?

    — Com tédio. Estou querendo ir na praça. Aquele lugar sempre remete você, sei lá. Vou ir.

    — Deve estar um deserto.

    — Não me importo. Eu gosto da calmaria.

    — Vai, chama alguém… Ou vai sozinho mesmo, pensar na vida. É gostoso.

    — Está ocupada?

    — São 23h40 e eu estou no busão… vou descer a serra… encontrar um pessoal e passar o feriado na praia.

    — Espero que seja quente.

    — Eu também, mas como essa madrugada pelo jeito vai ser gélida, já não tenho tanta esperança.

    — Eu queria era um maço de cigarro. Mas não posso gastar.

    — Vícios. Não há o que se fazer, a vontade vai te corroer até tragar.

    — Fuma há quanto tempo? 2 anos?

    — Menos.

    — Hum. Quantos maços por dia?

    — Não fumo todos os dias. Mas quando fumo mesmo, uns 4. Às vezes mais.

    — 4 maços? Cacete.

    — Não, 4 cigarros.

    — Ah, menos mal. Eu acho. Meu pai fuma 3 maços por dia.

    — Já não há uma parte do pulmão que salve.

    — Acho um absurdo.

    — Eu fumo com meu pai. Sempre quando vamos trocar um papo de vida, estamos fumando juntos.

    — Eu sou asmática. O cheiro do cigarro me enoja e dá pigarro.

    — Fresquinha.

    — Não, sensata. Jamais gastaria grana com o que me destrói.

    — Pode ser.

    — Conselho: Nunca pare de fumar por alguém. As pessoas te abandonam, o câncer não.

    — Essa frase não fez sentido

    — Era para ser um humor pesado. Não é pra ter sentido.

    — Ah tá, entendi.

    — Fuma qual cigarro?

    — Lucky Strike. Mas, com o tempo, me acostumei e passei a achar fraco. Passei a fumar Marlboro e não me satisfazia. Agora, Hollywood está suprindo as necessidades.

    — Marlboro fraco??

    — Sim, acredite.

    — E o Ministér? Já fumou?

    — Não.

    — Sempre achei o Marlboro forte. Insuportável.

    — O cheiro?

    — A gente precisa conhecer o inimigo

    — Você sempre odiou o cheiro, não vai dizer que começou a fumar…

    — O cheiro, sim, é insuportável. E nāo, eu nāo fumo.

    — Então não entendi.

    — Eu nāo consumo o que me destrói. Okay? Apenas.

    — Ingere açúcar?

    — Infelizmente, sim. Mas, quando possível, evito. Nesse sentido, me destruo. Pouco a pouco. Lentamente. Mas, eu dou a ele esse poder. Ainda assim, estou no controle.

    — Ninguém está. Então, é a mesma coisa.

    — Não. Pois, os cigarros que fumam perto de mim, me degradam sem o meu querer. Inalo. Me faz mal e eu não posso evitar. É exterior ao meu querer. É bem diferente. Agora, se eu quiser fumar, okay… a escolha foi minha. Eu dando o poder a coisa que me faz mal. Eu e minha vontade. Eu decidindo por mim. Ainda assim, no controle, alteridade…. até se tornar um vício. Aí fode. Mas, coisa que de uma forma ou outra, foi fruto das minhas ações.

    — Às vezes a gente faz coisas para suprir necessidades que nós mesmos fazemos ser necessárias, mesmo sabendo que tal coisa nos faz mal. Bebida, cigarro, entre outras coisas. É o que eu acho.

    — Sim. Vício. Você descreveu o que acarreta. É muito metafísico isso. Concorda?

    — Com o que disse? Sim.

    — Vício. Dá para fazer uma puta comparação ou intersecção com as pessoas.

    — E ao que disse lá em cima sobre câncer. Cigarro causa sim câncer, mas não como dizem.

    — Muita coisa causa câncer.

    — Sim, mas demora muito, em alguns pode ser em algumas dezenas de tragas, mas em outros pode nunca nem acontecer.

    — Sim. Como quem nunca tragou pode desenvolver.

    — Sim.

    — Porém, é evidente que quem é fumante está mais propenso. Seja ele passivo ou ativo.

    — Uma série de coisas que ingerimos, assim como vários temperos, causa câncer. E ninguém liga pra isso.

    — Cara, agrotóxico. Uma centena de coisas.

    — Eu não ligo pra nada disso, tô foda-se. E não quero me importar ou me preocupar.

    — Você diz estar “foda-se” para uma série de coisas. A questão é: Até onde isso é verdade? Já se questionou se diz isso a si mesmo apenas na tentativa de se auto convencer? Dizendo alto e em bom tom?

    — Nunca me perguntei. Mas não acho que seja.

    — Hum. É, pode ser. Ou simplesmente nunca se questionou.

    — A questão é que mesmo sabendo que é errado. A gente costuma, eu costumo, me apegar aos vícios e eles me controlam. Passo a agir por eles a ponto de fazer qualquer coisa para suprir meu desejo.

    — As vezes a gente deseja o que destrói e isso é duro de aceitar e lidar.

    — Concordo.

    — Isso explica muito sobre nós.

    — Eu sei… Eu sou a merda do cigarro não é?

    — Sim. E eu tô tentando parar de fumar.

    — E hoje um alguém te encarou e acendeu a porra de um cigarro na sua frente.

    — Exatamente. Justamente enquanto estou lidando com a abstinência.

    — A merda da abstinência.

    — Ela é sufocante porque os segundos correm e só o desejo com mais veracidade.

    — Ainda que cada trago seja intenso, pouco a pouco tudo se desfecha em cinzas.

    — Você sabe, você vê.

    — Não importa o quanto eu queira…

    — Eu sou nocivo.

    — Não pode continuar a me dar o poder de destruir você.

    — Eu dei o poder e luto para tomar ele. Já havia se tornado um vício.

    — Tenho sede do seu trago.

    — Dizer isso não me ajuda.

    — Desejo você para cacete a ponto de ser egoísta, te querer só para mim. É forte a ponto de te fazer mal. Eu sou a merda de um nocivo. E você tem a porra de um vício. Me desculpa.

    — Eu queimo em intensidade e incendeio ao queimar o cigarro.

    — E é nesse momento em que me tem nas mãos. E eu me desfaço. Momento que sou teu. Momento que você, pelo prazer, me dá o poder.

    — Eu detesto você por tudo isso. E detesto ainda mais a mim.

    — Tudo poderia ser suave. Mas, como você falou, o controle só existe enquanto não há o vício.

    — Sim.

    — São pequenos esforços diários...

    — Eu sei. E hoje, eu não vou tomar minha dose de você.

    — (…).


    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2019]

    @janacoutoj

  • [Roteiros] ESPETÁCULO

    (…) — Gosta dessa quebra?


    Penso diferente, vejo diferente a situação. É como se eu assistisse você dançar, ir e voltar, se fazer e se desfazer. Se refazer. Oscilar quando lhe é conveniente. Entende?

    Eu sou a plateia. Aquela que assiste com certa indiferença. Já que a plateia segue inerte e se adapta ao que assiste, ainda que com uma visão crítica, seja ela negativa ou positiva. Mas, ainda assim, aquela plateia que não abandona o espetáculo. E, talvez eu seja esse tipo de espectador. Não sei, complicado.

    A questão é que, pensando do ponto de vista do espetáculo, há instantes em que a gente, expectador, se ver extremamente cativado, porque tudo ainda é desconhecido e ainda estamos esperando, com ansiedade, já que não sabemos o que vai surgir dali. É fresco. Desperta uma enorme curiosidade para desvendar o desconhecido. É excitante. Principalmente a ideia de ter algo tão próximo e quase ao alcance das nossas mãos. O segredo está aí, no quase, principalmente na incerteza se as nossas expectativas quanto ao que está diante de nós serão supridas ou frustradas.

    Só que quando nos deparamos com o primeiro embate, a primeira crítica negativa, a primeira cena do espetáculo que a gente não gosta… acho que a oração é essa “não gosta” ou que fere aquilo em que acreditamos, bem como os nossos valores ou princípios; a gente fica com um pé atrás, surge então o receio do que há de vir, a plateia fica com um olhar mais cauteloso.

    Alguns, talvez, quem sabe, até mesmo fascinado pela quebra de expectativa. Ruptura.

    Aí sim, ocorre aquela velha coisa de “se adaptar a situação” e nosso encanto passa a se pautar em momentos. “Ah, gostei dessa cena” outrora “nossa, não gostei nem um pouco disso”… entende? Deixando-se levar pela maré.

    Sempre vai ser assim, passa a ser assim, a depender do espetáculo como um todo e do desenrolar do enredo, o espectador vai se adaptando as cenas e se impondo a respeito delas ou, simplesmente, sem mais nem menos, em algum instante sai da sala e abandona o espetáculo.

    Isso, abandona. Porque já não faz sentido ver aquilo, assisti-lo já não o cativa. Talvez justamente em razão das coisas que confrontam os seus anseios, valores princípios ou, até mesmo, as expectativas frustradas do espectador; se sobressaem quando diante das coisas que o cativaram naquele espetáculo. Então, o espectador decide ir embora, com plena convicção e ciência do que faz. Ele sai daquela sala, literalmente abandona, porque já não há mais sentido permanecer, ficar, e observar uma coisa que em cima ele vai desmoronar.


    […]

    (…) — Por que permanece?


    Sinceramente, não sei.

    Acho que… ansiei por tempo demais a transformação do vínculo, o ápice, ou melhor, a saída do meio termo. Eu percebi a entrada e não a interrompi, pois acreditei que logo haveria uma definição e a linha já não seria mais tênue. Seria uma coisa ou outra.

    Mas, eu esperei por tempo demais. Identifiquei idas e vindas e senti coisas diversas. Também reconheci muita coisa que me desagradaram e que pulsam para que eu abandone o espetáculo e pequenas coisas que me cativaram, sendo assim, me fazendo questionar o que mais teria a conhecer.

    Me importei com algumas coisas e muitas outras me atingiram, justamente por ferirem meus valores e princípios. Sobretudo, ainda assim, houveram aquelas que eu gostei intensamente.

    E permaneço, creio, que por elas.

    Quer saber? Acontece que eu já nem sei. Simplesmente permaneço. É isso, fico a observar. Porém, sem expectativas, nem mesmo a menor delas. Nenhuma.


    […]

    (..) — Está presa nisso aqui e não quer assumir.


    É realmente tudo muito ridículo.

    Respirei profundamente.

    Naqueles segundos, não me olhei para mim, me desfiz e me refiz.

    E é quando, finalmente, me levanto.

    Após nenhuma cena específica, mas, simplesmente porque aquilo já havia me cansado. Passou a ser tedioso e nenhuma cena mais me causava euforia e as que deveriam me causar pavor, nāo me surpreendiam. Eu seguia inerte, sequer ansiava o final do enredo ou fazia presunções.

    Me levanto. Sem mais, nem menos. De uma hora para outra. Sozinha. Sem nenhuma transformação. Cambaleio no escuro, esbarro em uma pessoa ou outra, ouço alguns murmúrios e sussurros, sobretudo questionamentos sobre a minha saída.

    Em segundos, passo pela grande porta. E, por incrível que pareça, indago a minha partida. Sigo o longo carpete vermelho e entro desesperadamente no banheiro.

    Fito o meu rosto sereno e sólido no espelho. “O que estou fazendo? Vai continuar se submetendo a isso aqui? Você merece mais”.

    Suo frio e cogito voltar. Não sei exatamente o que me levou a isso.

    Lavo as minhas mãos e, numa tentativa fútil de amenizar a tensão, — que não sei donde vinha — as deslizo molhadas sobre meu rosto.

    Encaro-me. E falo, alto e em bom tom, para mim mesma, com convicção: “eu abandono o espetáculo, agora”.

    Então caminho suavemente até a loja de conveniências, compro um chocolate qualquer, o saboreio, reclamo do gosto enjooso.

    Como se não bastasse, resmungo do tempo perdido e do valor do ingresso da porra daquele espetáculo.


    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2019]

    @janacoutoj

  • [Roteiros] ETERNO

    […]

    Estive refletindo todo esse portfólio. O nosso amor. Sabe no que tanto andei pensando? Que a gente deveria casar. E ter uma família, cachorro. Temos uma conexão surreal, gostamos muito um do outro. Não há desculpas ou o que se questionar. Já sei que a resposta é um sim, não precisa responder. Agora só falta marcar o dia… Pode ser hoje mesmo, ao anoitecer, no Recanto, assim que eu sair do trabalho. Fechou então, marcado.

    Vamos mesmo casar hoje, viu? Uma cerimônia a dois, simples e singela, vamos eternizar cada segundo entre o luar e o alvorecer.

    Está será a noite mais incrível dos nossos dias.

    Olha, juro para o Universo que não estou brincando. Você diz que eu sou louco, mas ainda não sabe o quanto. Te amo, meu Jacarandá.

    […]

    Está falando sério? Adorei o seu falar cheio de convicção. Convicto quanto a mim. Exatamente assim, não há que se ter dúvidas.

    Eu trocaria a eternidade por esta noite, como em “Relicário — Nando Reis”. Caso com você quando e onde quiser.

    Assim que te vi, topei uma vida com você e todos os frenesis que há de vir. Estamos entrelaçados. Ligados por todo o sempre.

    O destino me mostrou isso ainda no principio. Te contei, cedo, nas entrelinhas e você não se deu conta.

    Lembra quando nos conhecemos? A primeira vez que nos encontramos?

    Recordo fervorosamente cada detalhe. A primeira vez que senti o seu toque, o teu cheiro, o teu olhar… A primeira vez que ouvi o teu timbre. O nosso abraço sob a densa chuva.

    As águas de março fechavam o verão e naquele dia eu tomei o banho de chuva mais gostoso da minha vida. Sobretudo, me vi no envolto corporal que estranhamente me arrepiou dos pés à cabeça.

    Somente quando diante do seu olhar eu compreendi tudo. Se tratava daquilo… a chuva.

    Quando do nosso primeiro beijo, a chuva também estava lá. Marcando o principio do relicário imenso desse amor.

    Em algum lugar no tempo ouvi dizer, e acredito com veemência, que as coisas que se iniciam com a chuva são eternas. Nos transformam. Mudam a nós mesmos radicalmente. É um sinal de que estamos alinhados ao nosso destino. São instantes atemporal.

    Sabe, tenho essa sensação… de que o “eu e você”, de algum modo, sempre esteve escrito. Não sei explicar, só sinto.

    […]

    Mulher, você é fantástica. Confesso, tive receio de que julgasse bobo, precipitado e mal desse ouvidos. As estações correm e nós permanecermos a agir como no principio. Não há que se esperar nada se tratando de nós dois. Não passamos vontade. Não importa como, quando ou onde. Gosto disso na gente.

    […]

    Óbvio que foi inesperado. Sem mais nem menos, de um instante a outro. Aliás, diante de tudo isso aqui, inequívoco que eu seria incapaz de dizer um “não”.

    Se trata de você, meu bem. O homem que tem nas mãos o meu choro de mulher, que tem o meu ver, o meu olhar e o que quiser.

    Eu toparia casar com você até mesmo se a proposta for fazendo juras de mindinho. O casamento, ao meu ver, não é institucional e sim simbólico.

    […]

    Você tem um potencial para me dizer coisas tão lindas que eu fico perdido sem saber o que responder. Como se nada do que eu dissesse fosse capaz de expressar tudo o que eu sinto.

    […]

    Não precisa me dizer nada. O seu olhar, o seu toque, me diz o Universo e o mundo. A sua linguagem do amor é diferente da minha. Eu não preciso de palavras de afirmação para reconhecer o que você sente.

    Você não precisa usar comparações, canções ou palavras bonitas para me fazer sentir amada. Basta palavras sinceras. Apenas.

    Gosto dessas nossas conversas. São lindas. Parece até mesmo que estamos seguindo uma espécie de roteiro, escrito por um alucinado que idealiza o amor.

    […]

    Eu jamais havia imaginado estar vivendo isso aqui. Esse “agora”, com você. Quando te conheci, não imaginei que seria a mulher com quem dividiria a minha vida. Na realidade, sempre te achei tão dona de si que parecia loucura cogitar qualquer envolvimento contigo. Você é um Universo de qualidades.

    Não sei o que em mim tanto te cativa.

    […]

    Sinto em dizer que não sei te responder. É um mistério. Eu mesma me questiono isso. O que faz você, ser você. Há algo, sei que há. Algo imenso.

    Posso apontar a dedo cada detalhe seu, pinta, marca, riso, jeitos e andados. É um conglomerado de coisas que te faz único. Fico imersa nos seus detalhes.

    Não precisa de muito. É justamente por ser tratar de você.

    Não sei explicar, desde o início, ainda que você e qualquer outro alguém agisssem exatamente da mesmíssima forma, eu sempre fui atingida ao máximo por você.

    O sorriso que enaltece o meu dia. O colo que eu deito e descanso. O olhar que despertar o meu lado devasso.

    Não percebe? Eu amo você. Você. Todo o conjunto do seu eu, cada partezinha.

    […]

    O que eu sinto por ti é desmedido a ponto de ser misterioso. Até mesmo mais que o céu, o luar e as estrelas. Eu sei exatamente o que torna você, você. Cada uma das coisas que me faz transbordar.

    […]

    Sabia que sou fascinada nessa coisa? Planetas, estrelas, anéis… Gostei dessa comparação com os astros. Pode ter certeza que irá encontrá-la em algum dos meus textos. Eles são cheios de você.

    […]

    Então, escolhi a noite certa. Um evento celestial para marcar mais um epílogo. A noite de glória para Vênus, seu ápice. Iremos contemplar o extremo de seu brilho sobrecarregar as Plêiades, da constelação de Touro.

    Aliás, por falar em astros, recorda a primeira música que cantei para ti? “Mecânica Celeste Aplicada — Yoñlu”. Tudo quanto a nós está repleto de pequenas coincidências. Sempre estamos diante da “sincronicidade” que você tanto fala.

    […]

    Espero não estar sonhando, delirando ou em devaneios. Você sempre me surpreende e cada vez de uma forma mais esplêndida. Se eu pudesse, nos fazia eternos.

    […]

    Vamos estagnar o tempo. Eu te farei eterna, em mim. Exatamente como em “As Coisas Tão Mais Lindas — Nando Reis”. Dias, semanas, meses, anos décadas e séculos, milênios vão passar e viveremos por todo o sempre, eternamente, no templo que construímos um no outro.

    […]

    Me sinto grata por você ser o alvo de toda a minha doação e entrega. É um prazer ser você a ter nas mãos o meu sentir e cada fresta do meu corpo. Eu amo a forma como me tem, como me toca (em sentido amplo).

    […]

    O prazer é mútuo. Sei o quanto adora ser chamada de “Vênus”. Mas, você não se dá conta que ser uma deusa, se tratando de ti, ainda é pouco. Você é um Universo inteiro. Aliás, o mais lindo que poderia existir. Tanta força, beleza e intensidade em uma única mulher. Você é expansão.

    […]

    Obrigada, meu bem.

    […]

    Eu quem sou grato. Terei a honra de casar com você. Aliás, venho matutando isso há dias consideráveis. Te comprei um vestido bem antes disso, por de imediato memorar você.

    Fica tranquila, não é branco e muito menos “de casamento”. Sei o que pensa a respeito. Sabe, Ele é do tecido e com os tipos de detalhes que você gosta. Quanto a cor, estampa e tudo mais, não sei dizer. Ele é a linha tênue entre o luar e o alvorecer.

    […]

    Perfeito.

    […]

    Sabe, adoro isso na gente… como nos tratamos. O imenso respeito. A cautela, cuidado e zelo um com o outro. O nosso amor puro. Nesta noite, vamos materializar não apenas simbolicamente. Te fiz algo. Também te escrevi outra música. Bom, seria surpresa, mas eu fico nervoso nesses instantes.

    […]

    Tenho certeza que irei amar.

    Está aí mais uma coincidência. Finalmente finalizei aquele capitulo. Eu escrevi todo o nosso enredo. Cada texto é pautado em um momento. São escritos repleto de frases, cores e falas dos nossos dias. Pormenorizei os nosso detalhes. Espero que goste da minha dedicatória, o primeiro exemplar será seu. Bom, seria surpresa, mas não me contive.

    […]

    Nas ultimas semanas, reconheci o seu jeito e andando diferente. A mudança do seu semblante. Acredito que se tratava disso. Eu tenho convicção que irei me desmanchar com cada palavra.

    […]

    Se trata não somente, mas também disso…

    […]

    Olha, a semana corria e muitos momentos pensei em “arrancar” algo de você, mas não tentei. Você pode ser boa em muitas coisas, mas não sabe disfarçar. Dissimular não é uma característica sua. Eu sinto que tem algo mais.

    […]

    Confesso que já fui melhor nisso. Te mostrei cada uma das minhas versões. No inicio de tudo isso, sobretudo, naquele 29 de fevereiro, eu te era um enigma. Hoje, me conhece tão profundamente que facilmente me decifra.

    […]

    Dona do meu pensamento, cogito algo. Aliás, que eu desejo fervorosamente que seja. Me diz, por favor, que não estou equivocado. Fala de boca cheia e com todas as letras que o nosso vinculo eterno já foi materializado.

    […]

    Se trata disso. Carrego o nosso vínculo eterno em meu ventre.

    Janaina Couto ©
    [Publicado — 2020]

    @janacoutoj

  • [Roteiros] RECEIO

    [Roteiros] RECEIO
     
     — Jamais. Vou me atentar a tudo o que você expôs e o que eu mesmo reconheci e prometi a respeito. E, você sabe o que eu sinto por você. Pode não ver ou sentir, por eu não demonstrar. Estou muito consciente quanto a isso. Mas, não é possível que não tenha se dado conta de que você está sendo a melhor pessoa que eu pude conhecer. Você é a minha dádiva.
    Se leu o meu texto, sabe o que eu penso.
     — Eu li e reli uma centena de vezes. Eu amo você, meu Jacarandá. Talvez, a única mulher que sou capaz de amar. Apesar dos pesares.
     Frase minha…
     — Minha agora.
     Eu sei. Ou acho que sei. A minha única certeza é quanto ao meu imenso sentir. Você é o motim de todo ele. É insano a minha sede do seu eu”. Sinto que absolutamente nada será capaz de me dissociar de você. A comistão ocorreu e, felizmente, não há nada que possamos fazer.
     — Diz que sabe… Diz que sabe que eu amo você.
    Espero que nós dois nunca magoemos ou decepcionemos um ao outro para algo bonito nāo se tornar lindamente horrível.
    Pois, tenho plena convicção que na hipótese, eu, ainda que não mais goste de você, jamais deixarei de te amar. Isso vai me dilacerar de todas as formas, esfarelar o meu sentir e sei que levarei comigo por todo o sempre cada uma das migalhas.
     — Fico boquiaberto com cada palavra sua. Independente do que aconteça entre nós, sei a imensidão de tudo isso… que você realmente gosta de mim e de mais ninguém. Jamais serei hipócrita ao ponto de jogar fora.
    Nós somos pessoas, meu bem. Sobretudo, muito diferentes. Se é preciso ter cautela e cuidado consigo e com o que causamos no outro. Eu mesma tenho medo de fazer mal para você, de qualquer forma, … emocionalmente, psicologicamente. E, se esse desatino um dia acontecer, jamais me perdoarei. 
     — Eu também… apesar dos pesares. Me sinto péssimo quando me diz essas coisas. Fico imerso nesse contexto. Não entendendo como sou capaz de afetar você de diversas formas, com minhas omissões e posições. Aliás, sei que essa sensação é recíproca da sua parte. O nosso amor é lindamente doentio.
    Sim. Espero, com todas as minhas forças, que as coisas que foram ditas após o episódio quente diante do enorme Cinamomo não sejam por ti ignoradas. Sabe, para o meu bem e consequentemente, o nosso. Eu mergulho, chego ao âmago e você parece não ter qualquer noção quanto as profundezas. Para existir um relacionamento amoroso entre nós, eu preciso que você se atente, assim como eu sei que preciso em alguns pontos.
     — Sim. Eu sei disso. Fica tranquila. Inequívoco que nada é proposital. Jamais me perdoaria por machucar você. Sou incapaz desejar, planejar ou cogitar tamanha atrocidade. Sabe, a mudança não será efêmera, mas prometo tentar. Não quero te afastar de mim, aliás, isso sequer é possível… somos uma linda comistão, lembra?
    Não me interprete mal, foi porque noite passada me vi precisando avisar a presença de uma coisa que outrora você havia dito que iria se atentar e tentar evitar.
     — Sabe, me vejo abraçando você, te beijando e presenteando com uma rosa, mas que está dotada de espinhos quais eu sequer os vi ou senti. Até que, de um instante a outro, você se espeta. O seu sorriso se esvai, o seu olhar fica trêmulo e fixos aos meus. Exato momento que te vejo sangrar e me desespero. A culpa permeia o meu corpo sou dilacerado por ver que, ainda sem ter querer culpa, te causei dor…enquanto na realidade o que eu desejava era tão somente proteger, cuidar e amar o meu universo, a minha mulher.
    Não vou negar, vejo isso. Somente frisei aquilo por ter receio de que você entenda todo o epílogo desde o desabafo no Cinamomo como um “Ela nāo se importou. Fez uma cena. Nāo consegue ir”.
     — Não. Não penso isso de você.
    Me vejo voltando atrás numa decisāo e isso é incomum, se tratando de mim. Nāo descarta as coisas que eu te falei. Um pedido de desculpa ou uma promessa sem mudanças é manipulação, leva isso pra vida. Prometo ser cautelosa com você.
     — Adivinha o que estou ouvindo?
    Não faço ideia, meu bem. Vou voltar a dormir… levantei para falar contigo antes de você ir trabalhar e estou acordada desde entāo.
    Vamos ver até quando isso vai durar. Estou ouvindo a música que define você, para mim. Você segue o nosso pacto à risca, se faz “nua e crua” para mim e a canção retrata isso. Retrata a grandeza de uma mulher, de imediato penso no meu universo. Você. Ela é, sobretudo, linda como você. “É Você Que Tem — Mallu Magalhães”. 
    Irei ouvi-la agora. Não pausa, okay? Colocarei os meus fones, ouviremos juntos. Olha, se depender de mim, essa rotina vai perdurar por todo o sempre. Em cada um dos nossos dias.
     — Você é surreal.
    Sabe o que também é surreal? Enquanto qualquer coisa é motivo para você nāo querer falar comigo, eu suprimo minhas horas de sono para ter o prazer em falar com você antes do incio do amanhecer.
     — Não diz isso…
    A verdade é dura de se ouvir…
     —Eu amo você.
    Meu mais insano e desmedido amor, se atenta aos detalhes, vamos fugir da mácula. Eu amo você, meu Tigre Malaio.
  • [Roteiros] RUPTURA

    Eu sempre vou ter o que falar. Não guardo palavras. Mas, é cansativo quando são proferidas em vão. Sobre o meu sentir, você sabe. Aliás, fim de semana passado foi incrível.

    Posso apontar a dedo (os seus e meus) erros e os acertos, ações e omissões, os altos e baixos.

    Obrigada pelos altos.
    Obrigada pelos dias gostosos.
    Obrigada pelos olhares, pelos momentos de verdade.
    Obrigada por me mostrar inúmeras coisas.
    Obrigada pela imensidão do que me permitiu sentir.

    Porém, foi sobretudo, conturbado para apenas uma estação. Não vivemos ou viveremos tudo o que eu gostaria. Não comecei nada pensando no fim.

    O ponto final você põe, agora, sozinho. Não precisa me falar razões. A minha resistência ao CEDER e a sua necessidade em IMPOR sempre foi um problema entre nós. Sobretudo, o jeito como lidamos com as coisas, que é grotescamente diferente. Causou muitos dias baixos (como ontem e hoje).

    Todas as minhas declarações, choros, abraços, beijos, toques e olhares, foram sempre, profundamente, de verdade.

    Sabe, você diz sentir o universo por mim. Não sei como se pode amar alguém e facilmente colocar ponto final em relação a ela, bem como sempre ameaçar partir. Muito menos como tudo pode ser razão para partida. Não sei se é por você ser imediatista. Não sei.

    Acaba por me proporcionar alvoroço emocional. O alvoroço existe justamente pelo que pulsa em mim, por eu gostar de ti de uma forma desmedida.

    Você parece não perceber que, para quem está do outro lado, isso é foda, pra cacete. É uma espécie de controle emocional. Sem contar que mostra fragilidade do nosso elo, em muitos sentidos. Te disse isso das outras vezes.

    Francamente, como amiga, se atenta nisso. Como isso afeta e o que demonstra para o outro. Não sei se nos seus relacionamentos anteriores isso fluía ou como sua parceira reagia. Mas, pode descartar se quiser. Não tenho outra experiência para poder comparar. E, ainda que tivesse, sabe o quanto detesto comparações.

    Por favor, não me venha com “vai deixar a nossa coisa se desmanchar”. Sendo sincera, você quem iniciou a ruptura e, dessa vez, simplesmente acatei sua decisão. Não jogue o peso da sua escolha sobre mim.

    Recordo precisamente do seu efêmero posicionamento. Ouvi com atenção aquela frase, que, aliás, óbvio, atordoa a minha mente. “Não está bom pra mim”. Ainda que antes mesmo de proferi-la, intuitivamente pude pressentir o que diria. A mensagem amarga. Ao soar de cada silaba proferida, cada movimento dos teus lábios, queimava. Lentamente eu provava cada farpa do veneno.

    Não vou enganar a ti, muito menos a mim mesma, estou decepcionada e, mormente, com raiva. Por todo um conjunto.

    Aquela conversa não foi em vão. Aliás, nunca qualquer conversa, fala, minha foi frívola. Detesto a ideia de me doar em conversas baldias.

    Você não pode dar tchau pra mim sempre que tiver vontade. Fazendo-me sentir imenso temor diante de toda e qualquer coisa ínfima, propriamente por saber que você, a qualquer momento, irá se voltar a mim dizendo um adeus ou ameaçando isso.

    Você não pode me dispensar e depois -quando quiser - me chamar, acreditando que vou ignorar isso e simplesmente "gozar".

    Não pode me descartar assim, achando que isso não me abala ou enfraquece um vínculo.

    Sabe o pior? Isso não foi agora. Já havia acontecido mais vezes do que eu gostaria, aliás, vezes demais que chega a ser difícil de acreditar. É tristemente reincidente.
    Não quero uma relação instável. Não quero me sentir insegura, pontualmente nesse sentido: “hoje ele quer estar comigo, amanhã, sem mais nem menos, talvez não”.
    Tenho horror a estar constantemente dependente da sua aprovação e, principalmente, a conviver com a necessidade incessante em me certificar de que “está tudo bem entre nós”.

    Não quero ficar absurdamente pressionada pela ideia de que “se eu não fizer determinada coisa ou se não agir da forma que ele espera/deseja, independente do que penso ou quero a respeito, para mantença do ‘nós” irei ceder, senão ele virá colocar um ponto final ou ameaçar fazer”.

    Não quero estar obrigada a ceder quando não vê necessidade ou sequer sentir vontade para tanto, muito menos quando reconhecer um problema quanto a anuência. Fico apavorada ao me ver sendo qualquer pessoa, que não eu mesma, por temer sua partida.

    Naquela madrugada, custava pensar antes de agir? O que te faz mudar de ideia logo após enfiar na minha garganta um ponto final? Nem sei se mudou, sequer o que te motivou a tomar uma decisão incrivelmente ruim. Juro que isso me intriga. Desde quando o que penso ou sinto sobre a árdua transição do “nós” para o “eu e você” passou a te importar?

    Você fez isso, sozinho, quando eu menos esperava, quando eu sequer podia sentir cheiro de partida, muito menos cogitar qualquer coisa parecida.

    Depois daquela tarde de domingo quente, quando fizemos juras de amor e promessas, exatamente quando, para mim, estava tudo passando a fluir de um modo surreal; mais uma vez, você me fez sangrar, encerrando o nosso ciclo por “bobagem”, quando parecia ser o início do nosso melhor tempo. 

    Acredito que foi a coisa mais idiota que você fez. Justamente por eu gostar pra caralho de você aquela conduta foi uma merda.

    Talvez, seja como canta Adriana Calcanhoto, “Rasgue as minhas cartas e não me procure mais, assim, será melhor.”

    Não importa o que diga. Não me é interessante que as promessas sejam renovadas. Pois, não me valem de nada até que as cumpra. Teve inúmeras chances e elas não foram aproveitadas.

    Não irei permitir ser como das outra vezes. Ainda que eu dê uma nova chance, para o “nós”, é muito provável que semana que vem você faça a mesma coisa. Nessa frequência, irei permanecer me magoando. Detesto com todas as minhas forças o “vai e vem”. Eu não aguento isso.

    Fico pensando naquilo... Se para ti não está bom, imagina para mim com essa instabilidade partindo de você. Não é decidido quanto ao meu “eu”, em muitos sentidos.

    É claro, não imaginava que o nosso relacionamento poderia ser conturbado assim. Instável. Não quero isso para nós. Desejo pisar em terreno seguro. Mergulhar e não cair nas pedras.

    Eu que sempre falei em reciprocidade e priorizei “leveza”, me deparo num naufrágio. Não está sendo saudável e você não vê ou, ridiculamente, fecha os olhos.

    Por constatar o caminhar das coisas e acreditar sinceramente que, nós dois, desejando, seríamos capazes de contornar a situação. Nos proteger da mácula. Te escancarei isso antes. Justamente pela árdua percepção que, naquele domingo, eu te implorei: “vamos tentar”. Mas, infelizmente, nas oportunidades para vermos a tentativa, ela não aparece.

    Desse jeito eu não quero mais. Estive pensando muito de sábado pra cá. A mesma cena se repete. Não quero permanecer num relacionamento desse jeito, a nossa coisa não estava boa para ti e, para mim, estava ainda pior. Sabe por quê?

    Não quero ter que ceder aos seus caprichos (saiba diferenciar ao que me refiro) sob ameaça de te perder! Muita pressão sentimental que estava me sufocando. Sinto que a qualquer momento estarei sozinha, quando eu menos esperar, então é melhor que seja agora, já que você mesmo decidiu isso sob o argumento ridículo de que não supro as suas expectativas.

    No mais, anseio estar com alguém confiante sobre mim. Você sempre com ameaça de fim não demonstra isso.

    Aliás, quanto a sua carta, foi a primeira que recebi dessa forma de amor. Olha, independente de tudo, você sabe o quanto eu sinto por você.

    Desculpa não conseguir responder. Pela primeira vez, não tenho palavras. E isso é raro. Acredito que por estar indignada, com raiva e decepcionada, por aquilo que já falei.

    Eu confiei em você. Confiei em muitos sentidos. Estava mergulhando e me entregando emocionalmente e fisicamente. Para o cara sempre romper comigo por nada. Sem contar nas ameaças de partidas anteriores e nas coisas que já te foram ditas.

    É evidente. Fiquei e estou magoada. Quanto ao nosso vínculo, sou porto seguro enquanto você, para mim, aparenta ser incapaz de ser qualquer coisa próximo a isso. Sempre instabilidade da sua parte.

    Não vou me sabotar tentando repousar a culpa da ruptura nas minhas condutas. Eu sei que tentei agir para você, a todo instante, da forma que eu gostaria que agisse comigo.

    Lembra? Em muitos momentos eu falei “É apenas o começo. Estamos nos conhecendo. Calma, tudo no seu tempo. Podemos lidar da nossa forma. Não esquece o nosso pacto”.

    A estação inteira eu pugnei por um relacionamento saudável. Com sinceridade, reciprocidade e confiança. Sem joguinhos, desconfiança e “paranóias”, pois sequer haviam razões para tanto. Eu via a instabilidade e a repudiava com todas as forças, pois, afinal, eu gosto muito de você e queria o “nós”.

    Acredito mesmo que quando os dois querem, fazem acontecer. Mas, se é preciso maturidade.

    Em muitos momentos não me impus da forma que eu deveria. Ao contrário, conversei cruamente para te explicar o problema de algumas coisas e que poderia se sentir seguro quanto a outras. Não obstante, aceitei coisas que não gostei, de modo desprezível deixando “passar” para ficar tudo bem entre a gente.

    Digo com convicção que em instante algum agi num imediatismo cego contigo, por temer o que isso poderia suscitar em você, a mim e, sobretudo, na nossa coisa. Sei que até mesmo tu reconhece. Pois, diante de toda e qualquer pequena situação de desconforto, eu explicava as minhas razões, problemas e escolhas, me fazendo “nua e crua”.

    Sempre valorizei e recordo de todos esses diálogos. Para mim, representavam um marco para que desde as ínfimas à grotescas situações de incômodo não se repetissem. Deveríamos evoluir para sabermos enfrentar e lidar com coisas novas.

    Reconhecendo que não raramente pareci a sua psicóloga, explicando o problema das coisas, pontos de vistas, aconselhando a ressignificar e mostrando como tudo poderia ser mais suave. Nós dois precisávamos de equilíbrio e aprender a sopesar as coisas.

    Como se não bastasse, para mim mesma, muitas vezes te julguei por “infantil”. Assim como sei que, ainda no momento tendo plena convicção do contrário, também fui.
    Fizemos “pactos” para facilitar o correr dos nossos dias, já que vemos e lidamos com toda e qualquer coisa de modos absurdamente distintos. “Eu e você sempre ‘nus’ e ‘crus’”, lembra? Mas, aparentemente, nos instantes em que mais se era preciso, só eu recordava e estava disposta a segui-los.

    No último mês, houveram partidas em todas as semanas. Todas! As mesmas promessas já foram feitas outras vezes, sobretudo, nas últimas semanas. Por favor, não vamos normalizar isso. Mostra bem mais que fragilidade.

    Relacionamento é balança e não depende só de um. A conduta do outro gera sempre reação. Se isso prosseguir, da maneira como estava, é inequívoco que iremos adentrar novamente no mesmo ciclo vicioso. Assim, acabando somente por prolongar isso, a ruptura.

    Não adianta forçar nada! A entrega, o cuidado, o zelo e a valorização da nossa coisa deveria ser, de ambas as partes, natural. Independente do quanto eu deseje, independente da nossa conexão foda, não temos que forçar dar certo.

    É insano. Foi o meu primeiro relacionamento e sei que minha inexperiência pode ter atrapalhado. Não que sirva de justificativa para erros e afins. Quero dizer que, apesar de tudo, eu tentei agir com maturidade e responsabilidade afetiva. Convivi com uma sede insaciável de afastar as coisas que abalavam o “eu e você”.

    Acredito que irei me magoar ainda mais persistindo nessa ganância de cuidar de algo que independe somente de mim. Não sei como de um instante a outro as coisas podem ser diferentes.

    Você sabe muito bem. Dei um passo muito grande, seria uma surpresa e acabei te contando quando do seu adeus.

    Percebe? É difícil digerir que até mesmo quando tudo está bem, sem mais nem menos, do nada, chove. É triste remoer que na maior parte do tempo estamos no “baixo”, enquanto me apego aos poucos momentos de “alto”.

    Foi a estação em que senti o mundo. Mas, foram dias, sobretudo, conturbados. As minhas emoções ficaram à flor da pele.

    Não acato sua decisão sob o argumento de “é melhor agora enquanto é cedo, antes de entrelaçamos nossas vidas ainda mais, antes se apegar”. Não, não tomo, porque eu já estava apegada o suficiente, desde o meio-termo. No mais, pouco a pouco, te inseri em todos os âmbitos da minha vida.

    Tratava-se do nosso começo e ele deveria ser, em tese, muito bom. Deveríamos, os dois, estarmos eufóricos pela entrega um do outro. A reciprocidade, a sinceridade, o cuidado emocional com o outro tinha de ser trivial. Sem a necessidade de precisar provar que se importa ou, muito menos, se sentir obrigado a tanto.
    Sabe o que demonstra que não estava sendo saudável? Palavras suas: “ambos estão exaustos”. São coisas que não coincidem para mim. Exaustão em um curto lapso temporal. Uma estação! Parece muitos mais tempo, não é? Mas, não, foi só um verão. Com o outono, chegou a ruptura.

    Dessa forma, eu não consigo seguir. Passo o meu dia ponderando em como podemos elevar o suporte do nosso afeto. Fico tentando compreender o que acontece. Como se não bastasse, sinto constantemente o peso de precisar provar para você que pode confiar em mim, que gosto de você, que me importo, que me preocupo.
    Sendo que eu acredito que nunca fiz nada para você pensar o contrário e agir de acordo com tal. Não faz ideia do quanto me sinto imunda por isso. Insuficiente. Ainda que seja convicta de quem sou, muitas vezes, me senti assim diante de ti.

    A única vez que a partida partiu de mim, foi por isso. Por perceber tudo! Conversamos sobre reciprocidade, leveza, sentir e tudo mais. Houveram promessas de ambas as partes. Você se atentou a algumas coisas, mas ao que magoava, não. Com a primeira chuva de outono, nos encontramos nisso, partida.

    Possamos gostar muito um do outro. Mas, não foi a primeira que me disse “não está bom para mim”. Não sei como isso vai mudar de uma hora a outra. Levando em consideração o quanto já tentei, me sinto esgotada, sem cartas na manga. Como de um segundo a outro te farei sentir-se realizado? Não quero ser hipócrita.

    É duro. Posso gritar para o mundo o quanto é duro para mim enfrentar isso aqui, a ruptura.

    Sofro pelo que poderia ter sido e não foi. Não esquece.

    Acredito que estou frustrada, não pela minha entrega, mas justamente por acreditar com lasciva veemência que, depois do pôr do sol daquele domingo, nós dois iríamos tentar, mesmo! Por acreditar que as promessas, conversas e pactos não tinham sido em vão. Pelo meu crer de que nunca mais haveriam idas e vindas. Sempre estive disposta a enrrigecer a nossa coisa.

    E, exatamente uma semana depois, tudo volta ao antes. Ao morno.

    Meu mais insano e desmedido amor, o “eu e você” não vai prosseguir. É árduo dizer que na maior parte do tempo estávamos frustrados um com o outro, ainda que em vertentes distintas.

    Não quero viver na esperança de tentar. Não quero permanecer num relacionamento que conforme palavras suas, “só tenho preocupações”. Não quero seguir assim.
    Nossa afinidade deveria ser o refúgio. Algo digno de agradecimento. Sabe, muitas noites eu agradeci ao universo por estar ao seu lado, por dividir essa fase com você. Ansiei muito para que passasses a me ter como confidente, assim como te fiz o meu. Te falei isso, mas sempre respeitei o seu jeito peculiar, astuto e ocluso, nesse sentido; acredito que tratava-se de uma questão de tempo para você se sentir confortável para tanto.

    Talvez eu tenha posto muito expectativa e essa seja a raiz da frustração. Mesmo que eu tenha tentado manter os meus pés no chão. Desejei ter o seu verdadeiro “eu” comigo.

    Nesse quesito, sobre a sua carta, nas folhas “amarelas”, eu gostaria, mas não consigo ler aquilo e dizer “você não foi assim para mim”. No entanto, afirmo com convicção que você não foi somente aquilo.

    Existem dois caras em você. Aquele por quem me apaixonei e o que me faz ir embora.

    Sei que eu não sou ótima. Que não sou a dona da razão, aliás, não raramente estou completamente equivocada. Mas, realmente tentei agir para contigo da forma que eu gostaria que agisse comigo.

    Eu não menti uma vez sequer. Não tratei com desdém. Não joguei na cara o tempo que despendi para estarmos juntos. Não enganei, nem com ações, nem com palavras e em nenhum instante isso passou pela minha cabeça. Eu fui nua e crua para você, te mostrei cada fresta. Mas, nada disso foi o suficiente.

    Como se não bastasse, o meu sentir, nas suas palavras, “não o satisfaz”. E, quanto a isso, me recuso alegar qualquer coisa. E sei que essa frase jamais será esquecida por mim. Já disse o quanto detesto seu imediatismo?

    Estou assoberbada de pensamentos confusos e conflitantes. Por hora, não sei o que tenho mais a falar. E o que sei que tenho, prefiro acalentar.

    Já falei tanto. Fiz cartas de amor (puras). Me declarei. Me entreguei. Sobretudo, me joguei da cascata, a queda foi gostosa, mas acabei presa nas pedras.

    Não quero mais. Desculpa, sei que devo, pois também errei contigo, apesar da minha “ingenuidade”, como mesmo dissestes. Aquela história. E, sinceramente, pensando em tudo que vivenciamos, analisando os motins das nossas discussões, aquela consistiu na única coisa com titulo de “problema” e digna de uma ameaça de partida. Quanto às demais, trataram-se de coisas que poderiam facilmente ser resolvidas e acabaram, por nós, prolongadas.

    Independente da minha raiva e decepção, juro que digo isso com um imenso pesar, meu bem: Nada do que te digo agora é inconsciente. Essas não serão mais palavras em vão.

    Eu não havia planejado falar nada disso aqui. Depois de agradecer pelos nossos “autos”, pensei: “ao decorrer dos nossos dias, já falei o bastante”. Nada do que expus te é novidade. Não abandono o espetáculo sem mais nem menos.

    Sabe o que me corrói? Não fui para ti quem eu gostaria. Ser refúgio e confidente, por exemplo. Você não me permitiu ser. Acabava comigo te ver “morno”, com a mente e o olhar distante e, especialmente, por notar que os problemas te consumiam a ponto de te fazer agir mal com os que te querem bem.

    Foram muitas as vezes que te implorei para saber o que estava rolando e querer ajudar, mas parei quando me disse em voz alta e em bom tom que não queria a minha ajuda. Não dividiu. Não mostrou confiar em mim. Não me inseriu nos outros âmbitos da sua vida.

    Ainda assim, por ter ciência da sua dificuldade em compartilhar, te perdoo pelos momentos de desdém, pelos instantes que estava atordoado com os problemas a ponto de parecer que eu nem estava ali, que a minha presença tanto fazia.

    Porém, muitas vezes, agiu como um idiota comigo, como você mesmo pormenorizou na segunda folha amarela daquela carta. Como se não bastasse, quando diante dessas ações te disse “eu não não mereço ser tratada assim”, não ouvi sequer um pedido de desculpas, mas sim um “então arranja um cara que te trate melhor que eu”.

    São tantas coisas. São praticamente infindas para apenas uma estação. Fiz uma escolha, acatei sua decisão e, por hoje, não quero falar sobre isso. A minha cabeça está cheia e o meu coração inquieto. Não existe mais o “nós”.

    Eu disse sério ao falar que estou com raiva e decepcionada. Essa ruptura será ainda mais complicada se mantermos contato contínuo. Pelo menos agora.

    Mais uma vez, te peço, não coloque a ruptura nas minhas mãos. Você já tomou uma decisão e eu simplesmente concordei com ela. Faço isso pelo meu bem estar emocional e psicólogo.

    Não quero perder minha essência ou personalidade, como é o caso de ceder a meros caprichos, para manter relações, ainda por cima instáveis. Não quero me desgastar na tentativa de salvar algo sozinha, que não está somente sob o meu controle.

    Me apavora te ouvir dizer que existe algo mais, que estou dissimulando as razões da minha anuência. Parece absurdamente que não prestou atenção ou que ridiculamente descartou tudo o que já desabafei. Não é “do nada” e não tem que se achar estranho. Uma vez, naquele domingo, a partida surgiu de mim e pelos mesmos motivos de agora.

    Sabe o quanto desprezo idas e vindas. No pôr do sol daquele mesmo domingo te disse: “Me vejo voltando atrás numa decisão e isso não é comum para mim. Por respeito a nós, não vamos jogar fora”.

    Você voltou atrás também, em todas as suas despedidas…

    Suas ameaças de partidas e as despedidas foram motivadas com base em que eu fui para você, dentro dos seus limites, ideais de certo e errado e sentimentos.

    Sua percepção sobre o meu desejo de estar com você, príncipalmente sobre o meu sentir, depende de que eu seja quem você quer, ceder, suprir as suas expectativas até mesmo nas coisas mais mínimas.

    Sabe, eu tenho fervor por quem me deseja por inteira. A mim mesma. Não irei mudar a ponto de se tornar uma versão pirata de mim mesma.

    Eu queria poder agradar você, óbvio. Mas, sendo eu mesma e não precisando provar o meu desejo e tudo o que sinto da maneira que você achava que deveria ser. “Não está bom para mim”. Não consigo ceder a ponto de me tornar o amor que te satisfaz, que você deseja.

    Houveram pedidos de desculpas e promessas mútuos, mas nem todas elas foram cumpridas. No principal imbróglio, sequer houve tentativa. Nunca acreditei numa mudança repentina. Mas, o mínimo que eu esperava era uma mísera tentativa.

    Com instabilidade e insegurança sobre mim, tive dias de inquietação emocional e psicológica. Não consigo lidar, me martiriza. Acaba, assim, me atrapalhando nas coisas mais simples (concentração, estudo, trabalho).

    Confesso que nos “altos” me proporcionou coisas incríveis, êxtase. Mas, a maior parte do tempo estávamos no “baixo”. Pelo morno, me sentindo insuficiente, idiota e até mesmo alguém ruim. Sobretudo, “o não satisfaz”.

    Percebeu como sou repetitiva? Isso torna essa conversa densa e incrivelmente cansativa.

    Ainda que me questione, não vou mais te expor motivos. Foram coisas sempre ditas.

    Não vamos ser hipócritas. Isso não precisa acabar mal. Não vamos denegrir a imagem um do outro, não há razão. Aliás, algo assim é ridículo.

    Se é preciso aceitar os erros. Ficar triste pelo que não foi. Reconhecer o que se perdeu. E seguir com maturidade. No mais, agradecer os momentos de “altos”. Não é tratando como se nunca tivéssemos nos conhecidos que a ruptura se tornará fácil.

    Você não foi e não é qualquer pessoa. Isso não vai mudar, para mim. Marcou.

    Eu comecei com sinceridade. Vou terminar assim também.

    A minha decisão está tomada. Espero que aprendamos a não cometer os mesmos erros.

    Sobre a nossa coisa, o nosso meio-termo, me mostrou como sou intensa. Obrigada, mesmo, pelos instantes de intensidade. Adorava quando a nossa coisa pegava fogo.

    Você foi contemplado em ter o meu sentir, o meu querer, o meu corpo. Eu jamais havia me entregado tanto.

    Peço para que a nossa coisa fique entre nós. Principalmente os nossos detalhes, as coisas importantes que aconteceram. Desejos, intenções e afins. Assim como as coisas agradáveis e desagradáveis. Lembre, são memórias suas e minhas também.

    Me agrada a ideia de estagnar no tempo o “eu e você”.

    Não sei como vai me perceber depois da ruptura. Acredito e espero que não seja motivo para “descaracterizar” o meu eu. Jamais irei desonrar o seu nome. Por favor, não o faça com o meu. Não há razões. Não me interprete mal, peço isso por desencargo de consciência. Acredito no que sente por mim e sei que não faria tal coisa.
    Desculpa se te proporcionei momentos ruins.

    Foram meses repletos de primeiras vezes, para mim. Você sabe. Aliás, a primeira vez que proferi “eu amo você”, dessa forma de amor. E dane-se se foi cedo.
    Reconheço que sobre algumas coisas dei passos largos e tropecei nos meus próprios pés. Fui inconsequente. Me arrependo. Mas, jamais irei me arrepender pelo que fui e sou capaz de sentir. Muito menos, pelas palavras de amor ditas.

    Uma pena eu não tê-las visto valorizadas…

    Não quero ser vista como hipócrita.

    Sei que não compreende o meu pedido em mantermos a amizade. Não consegue entender como posso não mais te querer como seu parceiro (mesmo amando-o) e, ainda assim, implorar para que me tenha como amiga. “Não entendo como eu não te querer como amiga é algo que se deva discutir e fazer sentido”.

    Coloquei tudo às claras. Detesto quando questiona o que eu sinto. Eu não queria que fosse assim. Ansiei a transformação do meio-termo muito tempo. Você sabe. O meu sentir nasceu muito antes do verão. Não fale insinuando como se eu tivesse em algum momento mentido sobre o meu sentir, muito menos diminuindo o que me rasga o peito.

    A perda não é apenas de uma parceira ou um parceiro. É de um amigo(a) também. Não apague o meio-termo. Tudo começou numa amizade sem mais pretensões.

    - “Se você realmente sentisse intensamente, iria querer permanecer e continuar, tentar mudar. Nunca se afastar do problema, igual você fez. Me esquece. Você de repente decidiu que os nossos confrontos te fizeram sentir uma fracassada. Além de tudo, foi capaz de esquecer todos os momentos bons, sem mais nem menos, descartar-los e valorizar só os pontos ‘baixos’ para justificar a sua hipócrita vontade de partir. Forte seu amor.  Não vou negar. As vezes me pego preso nisso… questionando se tudo o que me disse, se cada palavra de afeto foi realmente cheia de sinceridade. Você é boa com as palavras e tenho medo de tê-las usado para comigo de uma forma deplorável. Não sei se seria capaz de dissimular dessa forma. É louco dizer, mas, sim, eu acredito no que diz sentir por mim. Ainda que muitas vezes não tenha agido de forma condizente, ainda que eu mesmo fique matutando a respeito. Tudo isso é insano (como você mesmo costumava dizer).”

    Quanto à mantença do “nós”, me recuso a permanecer no que me fazia sentir um fracasso. Essa sensação existia por você ter me dito bem mais de uma vez que a minha linguagem do amor não te satisfazia.

    Da forma que você coloca, faz-me sentir ingrata. Também estou despedaçada. Nos nossos dias, pouco a pouco eu estava me desfazendo em alguns sentidos e precisava do seu agir para me refazer. Por isso tanto diálogo, da minha parte. Por isso a ideia do “pacto”.

    Falei isso naquele domingo. Lembra? Com seriedade. Mas, quando tudo soava calmaria. Você choveu em mim. Foi isso que você fez naquela madrugada de sábado. Naquela noite quente, prometi a mim mesma que era a última vez que iria me fazer chorar. Última vez que iria me frustrar por você descartar suas promessas e não pensar em mim antes de fazer algo que tanto me afetava.

    Me desculpa por ser tão repetitiva. Te remeto inúmeras palavras, te falo coisas infindas, e sei que você acha um porre, acaba descartando quase tudo.

    Ao pôr do sol daquele domingo, me disse as mesmas coisas que agora. E eu voltei atrás na minha decisão, lembra? No mais, deixei claro que a hipótese de partida, da minha parte, se tratava de algo que não desejava, mas que a cogitei para evitar me machucar.

    Ainda que em outro contexto, estamos novamente na mesma coisa. Mas, dessa vez, eu já estou machucada.

    Espero que você fique bem, mesmo. Mas, sendo sincera, não vou mentir. Espero, no mínimo, um pingo de saudade, arrependimento ou pesar pela perca.

    - “Espero o mesmo de ti. Sinto uma saudade incessante. Sonho com você. Tenho arrependimento também. Quanto a estar despedaçada, não acredito. Se você sentisse saudade, vontade, amor… resgataria o ‘nós”. É simples. Eu te falei estar disposto a mudar, mas você não se importa.Eu faria o impossível por você e é deprimente te ver me colocar como imundo. Não jogue entrega na minha cara, suportei muita coisa por você e tu simplesmente joga fora. Sabe, me abri emocionalmente como jamais havia feito com qualquer pessoa. Você tem o meu amor nas mãos e está esfarelando ele. Nunca imaginei que seria capaz de uma coisa dessas. Te vejo traindo quem eu vi em você, principalmente, tudo o que me dizia ser. Você diz estar machucada enquanto me machuca também e não se dar conta.”

    Não me surpreende você não acreditar em mim. Simples para você falar pensando em quem fui contigo. Se coloca no meu lugar. Você mesmo reconheceu coisas nada bacanas que partiam de você. Não quero discutir.

    Foram poucos dias para tudo voltar ao antes. E as três coisas que eu mais te pedi para evitar, porque me afetava muito, vinheram num pacote no mesmo final de semana. Me decepcionei muito naquele sábado. Eu chorei a madrugada inteira.

    Não entendo como pode me amar e não tentar evitar fazer algo que eu tanto te pedia para ser cauteloso. Não entendo como não conseguia evitar fazer o que me desabava.

    Sabe, eu reconhecia quando agiria daquela maneira. Pressentia. Sabia quando seria tomado pelo seu imediatismo cego. Nesses momentos, eu falava coisas como: “Presta atenção. Lembra do que combinamos sobre lidar com os problemas. Não precisa ser assim”. Justamente para ver se você pensava em mim e no valor do nosso vínculo.  Antes de fazer qualquer coisa ou dizer, eu sempre pensava em como você ia se sentir. Por isso tenho certeza de que nunca te ofendi ou derrespeitei, ou magoei com o que falei.

    Não estava sendo saudável, meu bem. Não quero nós dois num relacionamento que ainda no início não estava sendo leve. Não vamos mais reviver essas discussões… Okay?

    - “Não adianta eu dizer mais nada. Vejo que persistirá nessa decisão. Eu preciso digerir a ideia e aprender a lidar. Sabe, foi você mesma quem terminou com a gente. Não te entendo. Eu corri atrás e você não quis mais, praticamente me esnobou. Permanece com a vontade de se afastar e de que, se ficar, será somente para ter minha amizade. Eu não quero ser somente o seu amigo, quero dividir uma vida contigo, desejo ser o seu parceiro. Sabe, nós discutimos algumas vezes e eu te disse coisas impulsivas, sobretudo, nunca dotadas de veracidade, foram coisas que eu não deveria (e não queria) ter lhe dito. Porém, apesar de tudo, isso jamais significou que não quero a sua presença e muito menos que ela tanto fazia para mim. Não precisa ter medo, pode confiar nessas minhas promessas, nas falas que te remeto agora.No entanto, acima de qualquer coisa, sabe o que é foda? No momento que acreditei que ficaria comigo, você foi embora. Isso foi péssimo. Tenho medo de dizer a mim mesmo o que isso significa. Você não está disposta a erguer um castelo comigo.”

    É complicado erguer castelo com alguém que diante de qualquer lajota colocada torta ameaça abandonar a execução ou a faz. Dá a sensação de que a qualquer momento a obra vai ficar inacabada e desmoronar. Do jeito que você coloca, tudo se torna pequeno. Me colocando como venenosa faz eu me sentir muito bem.

    Não foi minha intenção “esnobar”. Foi o que te disse: Eu, ferida, iria passar a ferir você também. Não quero isso. Olha, eu não queria somente a sua parte fácil de amar. Não. Eu mesma falei: “eu e você nus e crus”. Eu disse desejar o seu verdadeiro “eu” comigo.

    Moram dois caras em você. O que fez eu meu me apaixonar e aquele que tem atitudes comigo nada bacanas, me tratando de uma forma que não gosto, e assim me cortando. E, se tratando de um amor que ainda estava no começo, esse primeiro cara deveria ser o mais presente e não o segundo. Diante do segundo cara, eu não conseguia ser o meu melhor com você.

    Aliás, tem algo que está engasgado e preciso te questionar. Sabe o que eu não entendo? Você me disse assim, duas semanas atrás: “Eu posso ser só esse primeiro cara”. “Posso mostrar só o meu melhor”. Me passou a impressão de que, de algum modo, você tinha plena consciência de tudo o que apontei… Não sei.

    - “Me desculpa. Sim, eu sempre tive. Por isso quero você de volta. Para agir como você merece. Aliás, como deveria ter agido desde o incio. Com o inicio da ruptura, passei a ver e valorizar tudo de uma outra forma. Me sinto mal com tudo isso. Porém, ainda que você exponha infindas coisas, só consigo pensar que: ‘É por isso quer partir pra sempre?’. Tenho a horrível sensação de essa conversa não vai dar em nada. Sinto que estou de mãos atadas. Estou implorando para ficar enquanto você constantemente arranja um argumento para reforçar sua partida. Me faz um monstro.”

    Já que percebia, por qual razão não agia assim antes? Já pensou nisso? Sabe, são um conjunto de pequenas coisas e estou decepcionada pela existência delas.
    Argumento porque você merece justificativas. Sobretudo, porque gostaria que se colocasse no meu lugar. Principalmente, que tentasse entender. Você sabe muito bem que não ser tratado da forma esperada por quem a gente ama, corta. Mas, tenho a sensação de que para ti, estou “fazendo tempestade em copo d’água”. “Sou exagerada”.

    A minha decisão não é fácil. Eu sinto o universo por você. Ainda que tenha me decepcionado com atitudes. E é duro assumir isso. Sinto saudade do primeiro cara, muita. Sinto saudade de olhares, toques, do seu abraço, de me sentir protegida ao caminhar contigo, do seu timbre… É por sentir muito, intensamente, que as coisas que apontei me machucaram e você não está percebendo isso.
     
    Isso é difícil, mesmo. Eu vejo que reconhece o que eu expus para aceitar a sua decisão de partida. Não questionou nada e disse reconhecer. Mas, vejo que não vê como motivo para ruptura.

    Eu adoraria — com todas as minhas forças — acreditar quando você disse “eu estou prometendo que vou mudar, porque a minha visão é outra agora”. Eu não sei qual é a sua visão, mas, ainda assim, tenho medo. Poxa, você confirmou que tinha percepção de tudo aquilo antes.

    Os dias correm e em todos eles eu revivo “a nossa coisa”. Tudo poderia ter sido diferente, assim como você mesmo expôs naquela sua última música.

    Não é por meras brigas. Isso vai existir, justamente porque nos importamos e queremos fazer dar certo estarmos juntos.

    O problema é por se tratar das mesmas coisas. Como vamos crescer persistindo nos mesmos “erros”, persistindo no que destabiliza a nós dois?

    Você é astuto, tem controle sobre o que quer. Sei que não me quer como amiga. Porém, preciso saber que você está bem. Se precisar de mim, independente do que for, me diz.  Você sempre disse ter problemas, mas tinha um bloqueio em dividir comigo. Se precisar desabafar, eu estou aqui. Pode confiar em mim. Não irá ouvir julgamentos. Eu sempre questionei sobre eles por me preocupar. Não faço ideia do que sejam. Eu ainda me importo. Isso não vai mudar. Sabe o quanto sinto, sabe onde e como me encontrar, se quiser, se precisar.

    Pensa numa coisa, por favor, é a última coisa que te peço. Questiona se, pelo caminhar das coisas, eu te fazia sentido.

    O sentido a gente percebe com o tempo. Sobre “tempo”, você disse não acreditar. Eu também. Mas, sobre relacionamento, é tudo novo para mim. Ao longo da estação, mudei pensamentos, me vi em coisas que antes dizia “jamais” e fui eufórica com coisas que antes me assombravam.

    Por favor, pensa realmente nisso. Pois, uma coisa é querer a presença de alguém e outra coisa é querer a presença daquela pessoa. E, se tratando daquela pessoa, se é preciso agir com maturidade e responsabilidade afetiva. 

    Se tratando de você, para mim, há sentido. Mas, não naquele caminhar.

    Me chame de venenosa, hipócrita o que for. Só não me puna por estar desacreditada quanto a promessas. Acredito que a mudança que tanto ansiei só existiria na certeza quanto aquilo. Eu sendo “aquela pessoa”. Acredito que assim você agiria como tal.

    Essa infinidade de palavras não existiriam se você não fizesse sentido para mim.

    Juro que tentei, mas não consigo entender como por qualquer “problema” você mudava comigo e dizia coisas como “presta atenção, eu só vou caindo fora” ou que o caminhar não te agradava. Como se não bastasse, algumas vezes, de última hora, tirou o nosso encontro dos seus planos porque, para ti, me ver “não valeria a pena”. E, não obstante, claro, sempre cogitava dar um basta comigo e chegou a fazer isso algumas vezes.

    É difícil ouvir essas coisas de alguém que você ama. Eu me senti insuficiente mesmo. Insuficiente para ti. É isso que eu quis dizer com um fracasso.

    - “Você nunca foi insuficiente, muito menos qualquer coisa perto disso. Aliás, eu pensei. Não quero ser seu amigo. Sei que não irei suportar te ver com outra pessoa, um dia vai acontecer e eu não quero estar lá pra ver isso, muito menos te ouvir falando desse alguém para mim. Não quero ter contato. Mas, ainda assim, pode contar comigo, sempre que quiser, para qualquer coisa. Sabe, eu amo você de todas formas e uma delas é como amigo.”

    Eu gostaria de ser sua amiga.

    Se isso acontecer, vai demorar muito. Pra caralho. Eu não sou do tipo que se apaixona em cada esquina.

    A recíproca é a mesma. Olha, você é um cara super atraente. Devem ter dezenas de garotas lindas interessadas em você e que despertam seu interesse também. Isso nós dois sabemos. Eu sou facilmente substituível. Se ocupo um posto, logo mais ele não será meu. Você já se envolveu com outras mulheres. Já teve outros relacionamentos. Sabe que o que digo é verdade. E se por acaso um dia se lembrar de mim, vai ser em algo singelo, por exemplo, ouvindo “É Você Que Tem”.

    E independente de qualquer coisa, da minha decepção amorosa (já falamos a respeito, sabe o que quero dizer), jamais desejarei o seu mal ou direi coisas ruins a seu respeito para qualquer pessoa. As coisas que aconteceram entre a gente e também o que não aconteceu, só cabe a nós. Aliás, ainda que eu possa em muitos momentos sentir raiva, desprezo e afins, sou incapaz de sentir ódio a ponto de profanar de modo detestável o outro. Não sou alguém que se domina por sentimentos ruins.

    No mais, também reconheço as minhas falhas. Espero, mesmo, que você não tenha somente memórias ruins. Tentei e acredito não ter magoado com palavras, te respeitei (em todos os sentidos). Se em algum instante eu não fiz isso, peço perdão. Pois, tenho muito medo de apontar e de cobrar do outro algo que não está em mim.

    Hoje, eu amo você. Mesmo. Apesar dos pesares. Ainda que, olhando com distancia, eu não goste de quem foi comigo.

    Não sei se você sabe, mas há 5 linguagens do amor. As nossas são diferentes, acredito que por isso você “não vê o meu sentir”.

    Talvez, agora, a minha decisão para você (mesmo depois de tudo que eu expus e esclareci) não faça sentido. Mas, daqui alguns dias, meses ou sei lá, acredito que fará.

    Nem sempre o sentir é o suficiente para duas pessoas ficarem juntas. E juro que acredito naquela ideia de que “há formas de se amar alguém para sempre”. No entanto, às vezes justamente a nossa forma de amar, lidar com as coisas, vê-las ou sei lá, atinge o outro de uma forma que não imaginamos. É preciso ouvir o outro e ter cuidado com o que se está construindo.

    A minha decisão é para não mais me magoar. Eu sou muito intensa. Tudo me afeta muito. É frustante ser o bilhete dourado enquanto o outro só enxerga preto e branco.

    Os nosso pacto estava sendo quebrado e os diálogos e promessas sendo vãos. Eu valorizo tanto essas coisas. Reforço, eu, ferida, ia passar a ferir você também.

    Quero muito o seu bem. Sei que um dia outro alguém vai ter o seu sentir e não quero que esteja despedaçado. Não quero que lembre de mim de uma forma ruim.

    Queria ter te proporcionado somente coisas boas, talvez eu não tenha feito, assim como você não fez.

    Apesar do quanto eu sinta, jamais irei me perdoar se, por acaso, persistir nisso aqui e perder a minha essência.

    Eu apago a luz e fecho a porta com cuidado.

    “Não suporto meios termos. Por isso, não me doo pela metade. Não sou sua meio amiga nem seu quase amor. Ou sou tudo ou sou nada.” — Clarice Lispector. Faz sentido sua escolha. Eu penso a mesma coisa. Queria parecer mais forte. Vou respeitar sua decisão.

    Ps. Se um dia eu escrever um livro, leia. Provavelmente, terá textos meus sobre sentimentos e coisas atreladas a você. Será capaz de reconhecer, eu acho. (Se quiser, claro).

    - “Ninguém será capaz de substituir você pra mim. Só você teve esse posto, da forma que sempre desejei, e só você terá, por todo o sempre. Não vou estragar isso. Talvez eu faça aquilo que você sempre me falou “ressignificar”. E sim, eu já estou despedaçado. Nunca me senti dessa forma. Me magoa ver que está decidida. Só me resta tentar superar e, além de tudo, respeitar. Me desculpa por todos os ‘baixos’. Eu amo você.”

    Nunca mais ouse duvidar do que sinto.

    Sabe, eu realmente acreditei que não mais estava fadada ao Naufrágio.

    Por fim, não joga fora as minhas palavras, nenhuma delas.


    Janaina Couto ©
    Publicado — 2020
    @janacoutoj


    [PS. Não se trata de um relato pessoal. Mas, confesso que é um imenso pesar reconhecer que o meu texto foi lapidado sob um apanhado de relatos de pessoas queridas que estão ao meu entorno.
    Ainda que mesmo nas coisas mais sutis possamos constatar algo a se repudiar e imediatamente afastar-se, não raramente, horrivelmente, isso acontece apenas quando se tornam salientes.]
  • 1 A Sangue Suga

     Hoje encontrei algo que me origina um medo nunca antes presenciei em minha vida, algo que me faz estremecer ao mesmo tempo que me faz querer sentir mais disso. Não sei como ela surgiu ou de onde veio, mas seu cheiro me excita ao ponto de me prostituir as suas vontades. Sinto meu corpo se dobrar quando ela passa, como se fosse minha rainha, a soberana do meu ser. É sim, a primeira a me dominar a esse ponto de venerar sem questionar. 
     Como alguém tão inesperado aparece assim do nada? Por qual motivo ela me domina tão facilmente? Ainda não sei seu motivo ou o porquê desse seu jogo, mesmo sabendo que estou em suas mãos. Ela parece ser uma sangue suga com esse seu joguinhos mentais, aonde suga toda minha vitalidade juntamente com meus propósitos. Deve ser por isso que me entrego a ela, parece uma vampira, um demônio esgueirando por entre as sombras da minha consciência. Sim, ela sem dúvidas e uma vampira, me seduzindo dessa forma, me prendendo em suas garras grandes e afiada. 
     Agora sinto meu sangue quente e viscoso escorrendo por meu pescoço, enquanto fico entregue em seus braços. Consigo ouvir o som de meu sangue pingar no piso de madeira do segundo andar desta casa velha, em frente a uma janela com a luz do luar banhando meu corpo nu. Sinto sua pele fria me acalmar por dentro como se fosse uma cama banhada pelo sereno em uma noite de verão. 
     Me desculpe por ser tão insensível com seu modo de guiar, parece que minha alma não terá salvação se me entregar mais uma vez meu corpo em seus braços. Mas lamento por mim, por não conseguir resisti as suas vontades e desejos, por não conseguir lutar contra seu controle sobre mim. Realmente lamento por mim, por achar que seria mais que um escravo ou uma ferramenta de prazer, realmente lamento por esse ser jogado aos seus pés. 
  • 25 Horas

    Penso como sobreviver aqui
    No vazio dentre quatro paredes,
    Sem saber ao certo se sentes
    O mesmo que eu sinto por ti.
    Nesta reflexão da vida decidi,
    Que desisto de desistir de você.
    Motivos os quais nem eu mesmo
    Consigo explicar os porquês.
    E no dia de agora, quando te peço
    Para de minha vida ir embora,
    Ainda te odeio por cinco segundos
    Mas te amo por vinte e cinco horas!
  • 3:27 Da Madrugada

    E quando acho que a dor foi embora ela volta, quando penso que finalmente está tudo bem ela volta. Atormentando minha noite,meus pensamentos,e sentimentos. Vem uma por uma para me lembrar do que já aconteceu. Meu coração se enche de ódio,raiva e eu fico furiosa. Enquantos outros dormem eu quero quebrar a casa do mesmo jeito que minhas lembranças me quebram
  • 31

    Uma certeza eu tenho, existe um tipo de pensamento que está comigo o tempo todo. Esse pensamento eu apelidei de “31”. Eis que você deve estar se perguntando: “Por que e o que é 31?” Pois bem, irei explicar.

    31 é aquele pensamento que está comigo o tempo todo e a todo momento. Este é você e provavelmente você ainda não entendeu o porquê desse apelido incomum.

    O que você tem a ver com 31? É simples, você está nos meus pensamentos 24horas por dia e 7 dias por semana, logo, 24+7=31. Todos os momentos com você são como feriados, calmos, tranquilos e alegres.

    Às vezes me pego pensando em ti do nada, às vezes quando acordo e por fim, quando irei dormir. Nós somos jovens cheios de energia d aprendemos a nos curtir cada vez mais. Deve ser a convivência, eu não conseguia ser assim tão ativo antes.

    Mesmo que não estejamos próximos fisicamente nossos espíritos estão conectados, tenho certeza. Pode não ser literalmente em tempo integral mas deu pra entender o recado rsrs.

  • A Aquariana Sonhadora

    Bela sempre foi a garota que fez mais planos surreais e utópicos do que planos de carreira, casamento ou coisas da vida cotidiana. Sempre que começava a pensar, pegava-se perdida nos devaneios e pensamentos do seu próprio universo.
    O mais interessante disso é que Bela nunca deixou de ser responsável por cada ação e responsabilidade com seus deveres, dividindo sempre um tempo para a rotina e para as memórias fantásticas que vez por outra, conseguia manifestar no seu dia comum.
    Bela era a garota que todos queriam como amiga, mas que ninguém queria como inimiga. Certa do que queria para si, nunca deixou se levar por pessoas menos profundas que a sua essência, ou que a privassem da liberdade de pensar e agir conforme o que acreditava. Liberdade fosse talvez a sua palavra favorita.
    Os seus planos e sonhos sempre foram difíceis de alcançar, é como se pra ela a vida não tivesse sentido se não existisse junto a magia e o mistério de desvendar coisas que ninguém sonharia em descobrir ou ter em mãos. Dinheiro nunca importou mais do que o prazer de ter alcançado um objetivo ou ter para si coisas com pouco valor mas com bastante significado.
    Bela era a aquariana sonhadora que fez do mundo um lugar melhor e marcou o coração de todos ao seu redor com suas ideias malucas, histórias indecifráveis, piadas com humor negro e uma habilidade incomparável com as emoções de quem ela amava, antes de partir dessa para um lugar melhor.
  • A arte de se ter um dom

    Eu queria ter um dom. Não sei, sempre fui apaixonada por desenhos. Já tentei diversas vezes desenhar, nunca deu certo. Já tentei tocar violão, mas sou canhota e meu professor é destro, nossa relação nunca teria dado certo.
    Quando eu era pequena, fazia aulas de teclado na igreja, eu adorava. Não me lembro porque parei, mas depois nunca mais e hoje já nem chego perto de um teclado.
    Recentemente, me veio a vontade de escrever, mas acredito que isso também não seja meu forte. Comecei até a escrever um livro, alguns anos atrás, mas perdi o gosto pela história e ela se perdeu entre tantos documentos do meu computador.
    Hoje, eu acredito que só me resta o dom de sonhar. Sonhar com dias melhores, com pessoas sorrindo, dons concebidos... É, acho que a arte do sonhar, essa eu domino. É a minha gasolina, é o meu oxigênio; não era bem o que eu queria, mas querer não é poder e eu sei que, pelo menos, quem tem o dom de sonhar, tem o dom de realizar.

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