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"O Perfume" (Patrick Süskind)
Já há um considerável tempo eu adotei como parte dos meus “princípios literários” não ver um filme antes de ler o livro no qual ele foi baseado. Além de estragar a surpresa em relação ao enredo da história, também esmaga a imaginação do leitor que – se não assistir o filme antes – tem a chance de flutuar pelas imagens de lugares e personagens de acordo com o que a sua própria mente decide inventar. Apesar disso, contrariando minha própria regra, decidi que leria “O Perfume” mesmo já tendo visto o filme até mais de uma vez.
Baldini, Grenouille, Richis... Obviamente que nenhum deles ousou tomar forma diante da imagem já pré-concebida de atores como Dustin Hoffman e Alan Rickman (e eu devo admitir que, ainda que com a imaginação prejudicada, a escolha dos atores foi bastante condizente com o que o livro pedia). Da mesma forma, também não pude contar com o final surpreendente que é um dos pontos fortes da história – eu já sabia a ordem dos fatos e aonde cada um iria chegar, estando, infelizmente, imune ao elemento surpresa em questão.
Ainda assim, mesmo considerando esses pequenos detalhes que poderiam prejudicar a minha boa vontade, “O Perfume” é um livro que eu fiquei feliz por ter tido a maravilhosa idéia de ler. Além de uma história extremamente criativa onde um garoto com faro excepcional se torna um aprendiz de perfumista e se embrenha na árdua tarefa de usurpar os aromas dos corpos de suas vítimas, a escrita de Patrick Süskind se torna um dos maiores atrativos do livro. As descrições são densas, envolventes, quase poéticas. Cada leve aroma descrito pelo autor parece sair das páginas e abraçar os narizes indefesos dos leitores. As comparações e metáforas carregam a mesma intensidade, contando ainda com o toque sarcástico de Süskind; um certo humor ácido que suaviza o que poderia se tornar bruto ou grotesco.
Eu devo admitir que me incomodou a personalidade um pouco “inodora” de Grenouille, o personagem principal. Ainda que ele consiga, com esforço, arrancar a antipatia do leitor em certos momentos, essa antipatia é tão fraca que não sobrevive ao capítulo seguinte. Em alguns pontos, é quase possível compreendê-lo; sua obsessão, sua vida atropelada, sua insignificância diante do resto do mundo. Mas assim como Grenouile não possui cheiro algum, é igualmente apagado no resto todo. Poderia ter sido um pouco mais aprofundado, como foram os personagens Richis e Baldini – sendo esse último um dos melhores do livro, na minha opinião.
Apesar disso, “O Perfume” é um livro para ser degustado. As páginas são sensoriais, carregam em si a força dos milhões de cheiros que povoam o cotidiano e também dos raros que alcançam facilmente a curiosidade do leitor. Dentro de um tema tão amplo e subjetivo como o “mundo dos aromas”, Süskind faz jus a um dos sentidos mais instigantes e inevitáveis do corpo humano. Pois, afinal, usando as palavras do próprio autor, “o aroma é um irmão da respiração – ele penetra nas pessoas, elas não podem escapar-lhe caso queiram viver”. E, para os adoradores do olfato, esse é o livro que condensa em 280 páginas o mistério presente no complexo universo dos odores.
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