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Trecho do livro "Entrevista com Solano"

Na cabeça havia uma elegante cartola. Uma piteira junto com seu cigarro balançava ao movimento das mãos.

— Vejam só! A tão esperada visita do imperador finalmente deu as caras! – disse aquela figura estranha a tudo que se passava.

— Muito boas tardes, meu caro Barão! – continuou – É um prazer conhecer tão distinta pessoa!

Retribui a gentileza com um aceno de cabeça, demonstrando desconfiança.

— Entendo a confusão em que se encontra o Barão. Também, depois de horas em cima deste transporte desconfortável!

Eu desci da montaria e concordei com nosso esquisito receptor. O corpo doía por um todo a ponto de me apoiarem Solano.  Aperteios ombros de meu amigo, procurando algum sinal de temor em seu rosto, mas continuava indiferente.

Soldados se aproximaram de Diego para ajudá-lo a descer e o pequeno recusou desferindo sonoros palavrões, o que provocou risosem todos. Foiprovidenciada uma escada para acalmar a situação, todavia os risos continuaram e enfureceram mais ainda o anão.

— Exijo que me levem a presença do Rei! –– esbravejou. 

—Todos nós, senhor Diego! Todos nós iremos ao Rei!Mas primeiro preciso me apresentar ao Barão. – interferiu o esquisito.

— Pois então irei na frente. – retrucou o anão – Como fede este lugar! –completou, se afastando para dentro do quartel.                                                                                                                                                                                                                                                                       O aglomerado humano em volta do forte era enorme, provocando um odor insuportável.  

— Alguns não se acostumam com a imperfeição humana. Aliás, permita que esta imperfeição em pessoa se apresente, senhor Barão.

         Retirando a cartola se curvou levemente jogando a bengala para trás de seu magríssimo corpo. Provocou mais risos dos soldados que ficaram por ali.

— Fale logo, espeto de cavalo!

— Sim! Cabeça de chaminé! Diga logo o seu nome! – e todos zombavam sem dó de meu pobre anfitrião. Este, virando a cabeça em sinal de desdém, por fim se apresentou:

— Manoel Antônio de Almeida! Amigo íntimo da Majestade do Brasil!

— Agregado, isto sim! –— gritou o anão, já a distancia de nós.

        O nome me chamara atenção. Não era de todo estranho e no caminhar dos pensamentos me lembrei de um cidadão da corte famoso por suas peripécias amorosas. Sim! O Almeida!

— Ouvi falar de um Almeida que também era Antônio e Manuel como o senhor. – comentei em tom de curiosidade.

— Mas sou o único! –— respondeu, animando-se com a conversa.

— Pelo que me consta o senhor é tido como morto e desaparecido. Na verdade como um afogado de um naufrágio! –— disse-lhe, incentivando a prosa.[1](*)

        Nesta altura do caminho estávamos em três: Eu, Solano e o defunto. Situação que me foi apontada pelo próprio Almeida ao olhar em redor preocupado com o ouvido de curiosos.

— Lhe garanto que o paraguaio é de confiança. — interferi ao vê-lo atento ao presidente.

         Solano continuava impassível. Havia milhares de soldados brasileiros a nossa volta e ninguém notara a presença do maior de seus inimigos.

— De fato – continuou em voz mais baixa — eu era um escritor na corte. O que não me deu muito dinheiro, mas fama entre as mulheres! Principalmente nas alheias. Tempos difíceis, meu amigo nobre! – falava assim, mas sorria. E continuou:

— Pois quem disse que escrever livros enriquece? Um iludido isto sim! Mas que opção tenho eu, um doido por coisas assim? E nunca me emendei... seja dito!

         Era um monólogo. Mais pela minha curiosidade do que se tratar de conversa ruim. A fala do ex-defunto era rápida, dramática, e pausava rapidamente para respirar. Não dava espaço para sentir pontos e vírgulas.

— O Barão me desculpe por falar tanto, mas são raras as oportunidades por aqui de se ter conversas niveladas! Excetuando as com o Imperador, é claro... Mas o Rei não tem tanto tempo disponível. Mesmo sendo adorável como é, o agarrar-se ao trono tem deixado Dom Pedro desassossegado...

         Ficou pensativo fitando Solano e deixando meu amigo paraguaio nitidamente nervoso. O conduzi novamente ao caminho e com um sorriso incentivei-o a continuar a sua história.

— Pois bem... Pobre e endividado! Ou deveria morrer de fome sem as alegrias da vida? E além de tudo: jurado de morte por muitos! — tinha então as feições caídas como que relembrando seu momento de infortúnio. Por fim, acrescentou:

— Recorri então ao vosso pai...

        Comecei a pensar na possibilidade de estar vivendo em meio de loucos. O que poderia tal figura esquisita ter de relacionamento com meu genitor? A timidez e seriedade de meu pai não combinavam com a pessoa que estava na minha frente.

— Ao contrário do senhor – retruquei – Meu pai realmente está falecido...

— E não sei eu? — ponderou o magricela — Lamentei muito a perda de tão estimado amigo! Mas foi a ele que procurei quando me vi em desgraça! Não era seu pai o representante imperial no observatório do Rei?

— Sim... Mas...

— Pois foi ali que implorei ajuda ao ex-Barão! Aliás, ao meu colega de funcionalismo imperial! Também eu era um representante de Dom Pedro, porém na academia de música... Sim, meu caro! Esta pobre figura poderia ter recorrido pessoalmente ao Rei. Mas a vergonha me impedia! Já havia meses que não me apresentava ao serviço público e o que diria eu ao Imperador? Este já tinha desistido de corrigir minha boemia... Por fim, como tudo na corte funciona por meio de recados... Tratei de pedir ajuda através de seu pai, que se compadeceu de mim, informando pessoalmente a Dom Pedro sobre a desgraçada situação em que me encontrava!

         Continuava falando atropeladamente, não permitindo que participasse da conversa. Esta passou a me interessar mais, devido ao envolvimento de meu pai em tal caso, que na época paralisara a corte. A população do Rio de Janeiro ficara chocada com a morte prematura daquele escritor.

— Ah! O Rei! – continuou o monólogo – Que imaginação digna de seu império! Pois grandiosamente planejou a simulação de minha morte a ponto de realmente afundar um navio para me acobertar...

— Mas muitos morreram naquela ocasião... – interrompi surpreso.

— Sim! Mas por muito tempo o Rio ficou livre de vagabundos e ladrões! E ainda consegui assistir uma homenagem a minha pessoa feita pessoalmente pelo bispo designado do Papa! Disfarçado que estava na catedral, ouvi o discurso cheio de exagerados elogios ao meu talento... Foi a glória de um sentimento único!

        “Um navio cheio de vagabundos e ladrões”, pensei. Não era uma atitude digna de uma pessoa altruísta como Dom Pedro. Achei ter escutado o suficiente para não acreditar naquela história enfeitada de exageros.

— E assim foi o meu “arranjei-me”, senhor Barão. E cá estou eu disposto a ouvir a história do amigo... – concluiu.

         Lembrei-me o quanto minha história também seria incrível se a contasse como fez meu novo amigo. Não estava eu ali, dentro de um quartel brasileiro, acompanhado de Solano Lopes, disfarçado é verdade, mas em pessoa e nos dirigindo para um encontro com o Imperador do Brasil? Se houvesse o fracasso quem um dia acreditaria nisto?

          Comprometi-me então a contar o que ouvi da parte do amigo secreto de meu pai. Se fosse verdade eu era uma testemunha de como a história oficial pode ser manipulada.



[1](*) Antônio Manoel de Almeida. Escritor brasileiro morto em naufrágio no litoral do Rio de Janeiro. Seu corpo jamais foi encontrado. (Nota do Barão)

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Atualizado em: Ter 28 Jun 2011

Comentários  

#2 wicos 06-12-2012 22:19
valeu amigo do wicos
#1 NIKI 08-07-2011 22:11
Fiquei curiosa para o desfecho...céus, mas ainda ando com aquela impaciência para leituras mui longas...rs... Abraço

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