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Entrevista para estudantes sobre História Africana e Indígena
Recentemente fui entrevistado por estudantes do Ensino Médio para trabalho escolar em 2023.
- O entrevistado para nosso trabalho é Vander Roberto, Analista de Sistema tendo MBE em Engenharia de Software e atualmente faz Especialização em História Afro/Indígena. Bom dia, senhor Vander.
- Bom dia!
- Qual o interesse do senhor, uma pessoa branca, ao estudar História Africana e Indígena?
- Excelente pergunta. O propósito é amplo. Primeiramente, a iniciativa surgiu em tomar conhecimento sobre a História Africana e Indígena no Brasil e no mundo. Eu já havia lido algumas coisas sobre tais assuntos e estou tentando ampliar meu saber. Outro motivo é abraçar as lutas pelas causas através do regaste do Movimento Rosa Branca alemão estendendo suas bandeiras em outro época e lugar agregando tais lutas ao Movimento. É uma forma também de entender a nossa formação social e suas mazelas procurando combatê-las. A minha aproximação com escolas de samba ajudou muito nesta busca por uma Especialização no assunto.
- Quem o inspirou ao estudo na área?
- Eu tenho várias pessoas que servem como inspiração para tais estudos como Luís Gama, Tia Ciata, Jamelão, Bartira que era filha do cacique Tibiriçá e o próprio Tibiriçá. Acredito que a minha necessidade em ampliar o conhecimento sobre tais temáticas é justamente em obter informações como combater o racismo, preconceito e discriminação contra tais grupos étnicos e suas populações. Entender a História e conectá-la com o presente buscando as raízes dos problemas que levam para tais mazelas ainda existentes é fundamental para termos mais políticas afirmativas e fomentarmos mudanças rápidas.
- Onde se conecta o Movimento Rosa Branca que surgiu na 2ª Guerra com a História Afro-Indígena?
- Quando você vê um grupo de estudantes e professores lutando pela liberdade de expressão, combatendo um regime autoritário como o Nazismo dentro da Alemanha através da resistência passiva e com panfletos, deixando um legado atemporal, fica fácil trazer o Movimento à ativa colocando novas bandeiras e ampliando suas lutas mesmo no século XXI. O Rosa Branca é recente, surgiu em 1942, a maioria dos seus membros morreram em 1943 ou foram levados para campos de concentração. A ideia era justamente não deixar o Rosa Branca morrer servindo como uma base para ações práticas em outras épocas e locais. Prova disto que o Rosa Branca teve células na Áustria ainda em atividade.
- É um movimento político então?
- Não. É um movimento que defende os Direitos Humanos, Princípios Fundamentais e Democráticos. Ele não atua politicamente como partido e sim interfere na Política através de ações que permitam uma consciência populacional sobre diversas temáticas. Ele questiona a omissão, o mau fazer político, a corrupção, tentativas de golpes políticos, dissemina o conhecimento e incentiva a leitura, a formação estudantil e cidadã. Apesar dos membros conversarem sobre um governo de esquerda na Alemanha pós-guerra, a ideia central eram os Direitos Humanos como base. O importante são as bandeiras levantadas e as lutas. A vida pessoal de cada membro revela potenciais bandeiras que podemos trabalhar nos dias atuais.
- Há uma analogia entre africanos que foram cativos e o Rosa Branca?
- A relação próxima entre os assuntos começa na questão dos Direitos Humanos. Tanto os cativos africanos e indígenas que foram mortos(as) quanto a execução dos membros do Rosa Branca necessitam do olhar dos Direitos Humanos. A falta de liberdade de expressão e a supressão do direito fundamental das liberdades física e intelectual também ligam os dois temas mesmo em épocas e cenários diferentes. Resgatar o Rosa Branca introduzindo História Afro-Indígena no século XXI é uma excelente pedida e estou fazendo isto ao meu modo. Há neste intuito um duplo resgate histórico e a valorização da Memória.
- Percebe-se um crescimento do Fascismo e Nazismo no Brasil. Há muito racismo diariamente. Como o senhor vê tudo isto?
- Vejo com extrema preocupação. Estes problemas passam por má formação escolar onde a Filosofia e a História são negligenciadas ou colocadas em 2º escalão na formação discente. Por outro lado, o imediatismo capitalista ofertam possibilidades para uma estrutura de poder irrefletida visando somente o lucro, ou seja, não importa muito o meio como o dinheiro chega ao bolso sendo importante que venha. Daí surge esta ilusão que tanto importa uma Ditadura ou Democracia. As pessoas precisam tomar consciência sobre os males do Nazismo e do Fascismo, combater o racismo ou teremos um Brasil dividido por longas décadas resultando em extremo atraso e mais desigualdade social.
- A Lei 11.645/2008 trata da implantação do estudo de História Africana e Indígena nas escolas. É suficiente?
- O primeiro passo é tomarmos consciência da lei e sua importância, finalidade. Não adianta levarmos tais temáticas como uma obrigação impositiva legal precisando de inúmeros ajustes no decorrer prático como formação específica docente, importância dos grupos étnicos dentro da nossa sociedade, suas influências em nosso cotidiano e especialmente políticas afirmativas ao combate do racismo, discriminações e preconceitos. Indígenas são seres humanos como nós. Africanos e descendentes, idem. Somos um povo miscigenado e precisamos agregar conhecimentos de forma positiva. Só colocar um X nas questões respondendo uma prova é insuficiente para tomarmos consciência. É preciso sentir a disciplina e sua importância no cotidiano senão serão palavras jogadas ao vento.
- A mídia em geral ajuda ou atrapalha ao combate do racismo e outras mazelas?
- Ela faz os dois papéis ao mesmo tempo e eu explico. Quando a mídia divulga casos de racismo e punições ela faz algo positivo. O problema que a mídia tornou-se algo referencial para muitas pessoas ganhando um status de "verdade absoluta". Há inúmeros exemplos negativos como a tentativa de falso empoderamento de negros(as) em programas de entretenimento sendo que grande parte das pessoas negras em nosso cotidiano não obtém este poder. Cria-se uma ideia que a maioria das pessoas negras estão tendo mais espaço em diversas áreas o que é falso. Outro problema é a ideia que para as pessoas negras terem espaço é necessário "combater" a população branca. Isto acaba gerando um racismo da pessoa negra contra a branca. A mídia precisa de ajustes para não cair nestas armadilhas.
- As produções cinematográficas estão protagonizando pessoas negras nos últimos anos. Como o senhor vê isto?
- Isto é muito bom. Filmes e novelas tem mostrado mais este protagonismo da pessoa negra. O problema reside nas produções cinematográficas para conteúdo adulto através da animalização da pessoa negra em seus papéis. Há uma "indústria do fetiche" nestas produções onde reproduzem mais racismo, reducionismos, preconceitos ou a mentalidade de querer "descontar" através destas produções uma "vingança" pelo ocorrido no passado. É preciso rever isto.
- O senhor pode indicar livros para leitura sobre História Africana e Indígena?
- Na temática indígena vale a pena ver os trabalhos do Marechal Rondon, dos irmãos Villas Bôas e Darcy Ribeiro. Na parte africana, Munanga e Diop revelam muitas coisas. Há muito material gratuito em PDF na Internet como a História Geral da África em 8 volumes com mais de 7 mil páginas, no site Domínio Público, no site da Funag, o site Geledés é rico em conteúdo para ler além do IBGE que possui ricas informações sobre populações indígenas e africanas. Indico a leitura de muitas biografias de pessoas negras e indígenas.
- A mulher negra ainda é vista dentro do reducionismo como empregada doméstica, serviçal braçal e etc. Como mudar isto?
Dados do IBGE mostram que a mulher negra é a que menos recebe salarialmente entre os gêneros. Este reducionismo é fruto do racismo estrutural que precisa ser combatido com urgência. O problema já advém da desvalorização de algumas profissões por puro preconceito e quando embutimos o racismo na mesma atividade profissional, criamos um caldeirão fértil para reproduzirmos mais mazelas que precisam ter fim. Ser empregada doméstica não é demérito algum, é uma profissão necessária seja executada por pessoa negra ou branca. Precisamos rever o péssimo comportamento de inferiorizar pessoas e profissões criando rótulos.
- Para encerramos a entrevista, eu pergunto, qual dica o senhor dá para quem deseja estudar História Africana e Indígena?
- Primeiro é sentir a vontade de estudar tais temáticas propondo soluções aos problemas em conjunto com tais populações. Isto requer uma consciência e não um simples matricular-se numa universidade para fazer uma Especialização por mera curiosidade. Requer engajamento, o sentir a necessidade do outro, não ficar restrito ao ambiente de estudo indo para campo e vendo a realidade, procurando soluções através da municipalidade e demais esferas do poder constituído. Uma vez que foi tocado por este "sentir", o curso caminhará normalmente. A simples leitura não levará para lugar algum caso não atuemos na prática resolvendo as dificuldades das populações negras e indígenas, formalizando questionamentos públicos perante autoridades, propondo melhorias reais e práticas. São culturas riquíssimas que precisamos conhecer em maiores detalhes. Sinto que o curso enriqueceu mais meu espírito e como lidar com pessoas no cotidiano dando respostas mais práticas aos problemas apresentados.
- Obrigada pela entrevista.
- Eu que agradeço. Disponha.
- O entrevistado para nosso trabalho é Vander Roberto, Analista de Sistema tendo MBE em Engenharia de Software e atualmente faz Especialização em História Afro/Indígena. Bom dia, senhor Vander.
- Bom dia!
- Qual o interesse do senhor, uma pessoa branca, ao estudar História Africana e Indígena?
- Excelente pergunta. O propósito é amplo. Primeiramente, a iniciativa surgiu em tomar conhecimento sobre a História Africana e Indígena no Brasil e no mundo. Eu já havia lido algumas coisas sobre tais assuntos e estou tentando ampliar meu saber. Outro motivo é abraçar as lutas pelas causas através do regaste do Movimento Rosa Branca alemão estendendo suas bandeiras em outro época e lugar agregando tais lutas ao Movimento. É uma forma também de entender a nossa formação social e suas mazelas procurando combatê-las. A minha aproximação com escolas de samba ajudou muito nesta busca por uma Especialização no assunto.
- Quem o inspirou ao estudo na área?
- Eu tenho várias pessoas que servem como inspiração para tais estudos como Luís Gama, Tia Ciata, Jamelão, Bartira que era filha do cacique Tibiriçá e o próprio Tibiriçá. Acredito que a minha necessidade em ampliar o conhecimento sobre tais temáticas é justamente em obter informações como combater o racismo, preconceito e discriminação contra tais grupos étnicos e suas populações. Entender a História e conectá-la com o presente buscando as raízes dos problemas que levam para tais mazelas ainda existentes é fundamental para termos mais políticas afirmativas e fomentarmos mudanças rápidas.
- Onde se conecta o Movimento Rosa Branca que surgiu na 2ª Guerra com a História Afro-Indígena?
- Quando você vê um grupo de estudantes e professores lutando pela liberdade de expressão, combatendo um regime autoritário como o Nazismo dentro da Alemanha através da resistência passiva e com panfletos, deixando um legado atemporal, fica fácil trazer o Movimento à ativa colocando novas bandeiras e ampliando suas lutas mesmo no século XXI. O Rosa Branca é recente, surgiu em 1942, a maioria dos seus membros morreram em 1943 ou foram levados para campos de concentração. A ideia era justamente não deixar o Rosa Branca morrer servindo como uma base para ações práticas em outras épocas e locais. Prova disto que o Rosa Branca teve células na Áustria ainda em atividade.
- É um movimento político então?
- Não. É um movimento que defende os Direitos Humanos, Princípios Fundamentais e Democráticos. Ele não atua politicamente como partido e sim interfere na Política através de ações que permitam uma consciência populacional sobre diversas temáticas. Ele questiona a omissão, o mau fazer político, a corrupção, tentativas de golpes políticos, dissemina o conhecimento e incentiva a leitura, a formação estudantil e cidadã. Apesar dos membros conversarem sobre um governo de esquerda na Alemanha pós-guerra, a ideia central eram os Direitos Humanos como base. O importante são as bandeiras levantadas e as lutas. A vida pessoal de cada membro revela potenciais bandeiras que podemos trabalhar nos dias atuais.
- Há uma analogia entre africanos que foram cativos e o Rosa Branca?
- A relação próxima entre os assuntos começa na questão dos Direitos Humanos. Tanto os cativos africanos e indígenas que foram mortos(as) quanto a execução dos membros do Rosa Branca necessitam do olhar dos Direitos Humanos. A falta de liberdade de expressão e a supressão do direito fundamental das liberdades física e intelectual também ligam os dois temas mesmo em épocas e cenários diferentes. Resgatar o Rosa Branca introduzindo História Afro-Indígena no século XXI é uma excelente pedida e estou fazendo isto ao meu modo. Há neste intuito um duplo resgate histórico e a valorização da Memória.
- Percebe-se um crescimento do Fascismo e Nazismo no Brasil. Há muito racismo diariamente. Como o senhor vê tudo isto?
- Vejo com extrema preocupação. Estes problemas passam por má formação escolar onde a Filosofia e a História são negligenciadas ou colocadas em 2º escalão na formação discente. Por outro lado, o imediatismo capitalista ofertam possibilidades para uma estrutura de poder irrefletida visando somente o lucro, ou seja, não importa muito o meio como o dinheiro chega ao bolso sendo importante que venha. Daí surge esta ilusão que tanto importa uma Ditadura ou Democracia. As pessoas precisam tomar consciência sobre os males do Nazismo e do Fascismo, combater o racismo ou teremos um Brasil dividido por longas décadas resultando em extremo atraso e mais desigualdade social.
- A Lei 11.645/2008 trata da implantação do estudo de História Africana e Indígena nas escolas. É suficiente?
- O primeiro passo é tomarmos consciência da lei e sua importância, finalidade. Não adianta levarmos tais temáticas como uma obrigação impositiva legal precisando de inúmeros ajustes no decorrer prático como formação específica docente, importância dos grupos étnicos dentro da nossa sociedade, suas influências em nosso cotidiano e especialmente políticas afirmativas ao combate do racismo, discriminações e preconceitos. Indígenas são seres humanos como nós. Africanos e descendentes, idem. Somos um povo miscigenado e precisamos agregar conhecimentos de forma positiva. Só colocar um X nas questões respondendo uma prova é insuficiente para tomarmos consciência. É preciso sentir a disciplina e sua importância no cotidiano senão serão palavras jogadas ao vento.
- A mídia em geral ajuda ou atrapalha ao combate do racismo e outras mazelas?
- Ela faz os dois papéis ao mesmo tempo e eu explico. Quando a mídia divulga casos de racismo e punições ela faz algo positivo. O problema que a mídia tornou-se algo referencial para muitas pessoas ganhando um status de "verdade absoluta". Há inúmeros exemplos negativos como a tentativa de falso empoderamento de negros(as) em programas de entretenimento sendo que grande parte das pessoas negras em nosso cotidiano não obtém este poder. Cria-se uma ideia que a maioria das pessoas negras estão tendo mais espaço em diversas áreas o que é falso. Outro problema é a ideia que para as pessoas negras terem espaço é necessário "combater" a população branca. Isto acaba gerando um racismo da pessoa negra contra a branca. A mídia precisa de ajustes para não cair nestas armadilhas.
- As produções cinematográficas estão protagonizando pessoas negras nos últimos anos. Como o senhor vê isto?
- Isto é muito bom. Filmes e novelas tem mostrado mais este protagonismo da pessoa negra. O problema reside nas produções cinematográficas para conteúdo adulto através da animalização da pessoa negra em seus papéis. Há uma "indústria do fetiche" nestas produções onde reproduzem mais racismo, reducionismos, preconceitos ou a mentalidade de querer "descontar" através destas produções uma "vingança" pelo ocorrido no passado. É preciso rever isto.
- O senhor pode indicar livros para leitura sobre História Africana e Indígena?
- Na temática indígena vale a pena ver os trabalhos do Marechal Rondon, dos irmãos Villas Bôas e Darcy Ribeiro. Na parte africana, Munanga e Diop revelam muitas coisas. Há muito material gratuito em PDF na Internet como a História Geral da África em 8 volumes com mais de 7 mil páginas, no site Domínio Público, no site da Funag, o site Geledés é rico em conteúdo para ler além do IBGE que possui ricas informações sobre populações indígenas e africanas. Indico a leitura de muitas biografias de pessoas negras e indígenas.
- A mulher negra ainda é vista dentro do reducionismo como empregada doméstica, serviçal braçal e etc. Como mudar isto?
Dados do IBGE mostram que a mulher negra é a que menos recebe salarialmente entre os gêneros. Este reducionismo é fruto do racismo estrutural que precisa ser combatido com urgência. O problema já advém da desvalorização de algumas profissões por puro preconceito e quando embutimos o racismo na mesma atividade profissional, criamos um caldeirão fértil para reproduzirmos mais mazelas que precisam ter fim. Ser empregada doméstica não é demérito algum, é uma profissão necessária seja executada por pessoa negra ou branca. Precisamos rever o péssimo comportamento de inferiorizar pessoas e profissões criando rótulos.
- Para encerramos a entrevista, eu pergunto, qual dica o senhor dá para quem deseja estudar História Africana e Indígena?
- Primeiro é sentir a vontade de estudar tais temáticas propondo soluções aos problemas em conjunto com tais populações. Isto requer uma consciência e não um simples matricular-se numa universidade para fazer uma Especialização por mera curiosidade. Requer engajamento, o sentir a necessidade do outro, não ficar restrito ao ambiente de estudo indo para campo e vendo a realidade, procurando soluções através da municipalidade e demais esferas do poder constituído. Uma vez que foi tocado por este "sentir", o curso caminhará normalmente. A simples leitura não levará para lugar algum caso não atuemos na prática resolvendo as dificuldades das populações negras e indígenas, formalizando questionamentos públicos perante autoridades, propondo melhorias reais e práticas. São culturas riquíssimas que precisamos conhecer em maiores detalhes. Sinto que o curso enriqueceu mais meu espírito e como lidar com pessoas no cotidiano dando respostas mais práticas aos problemas apresentados.
- Obrigada pela entrevista.
- Eu que agradeço. Disponha.
Atualizado em: Qua 8 Mar 2023