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Entrevista para estudantes sobre Xadrez

Esta entrevista foi concedida em Novembro/2023 para um grupo escolar no dia 9 de Novembro de 2023.
Estamos entrevistando o senhor Vander Roberto, 48 anos, Analista de Sistemas e Engenheiro de Software, jogador de Xadrez.
- Boa tarde, senhor Vander.
- Boa tarde.
P: O senhor joga Xadrez desde 1990. Viu muita coisa, não?
R: Sim. Tive a oportunidade de jogar torneios e enfrentei até Mestre Internacional. Jogo para participar e fazer amizades. Esta é a ideia.
P: Quem incentivou o senhor a jogar Xadrez?
R: Eu comecei a ter interesse quando vi as colunas que eram publicadas em jornais impressos feitas pelo Herman Claudius e o Hélder Câmara. Estava em jogo o título mundial na época que Kasparov ganhou de Karpov. Eu sabia mexer as peças e realmente só comecei a jogar mesmo quando entrei para o Clube de Xadrez São Paulo, o mais antigo da América Latina, fundado em 12 de Junho de 1902 em 1990.
P: Já ganhou algum torneio?
R: Eu ganhei o torneio do colégio no último ano do Ensino Médio em 1993 e depois um torneio interno da faculdade em 1994. Nada mais.
P: Joga online?
R: Sim. Opto por partidas acima de 30 minutos.
P: O Xadrez brasileiro não se destaca tanto internacionalmente nos dias atuais. Tem alguma razão para isto?
R: O Xadrez brasileiro chegou a ter o 3º jogador do mundo em 1979 que foi o Mequinho. Até a década de 90 tínhamos 2 representantes entre os 100 da FIDE e hoje não figuramos entre os 150 primeiros. Acredito que falta apoio público e patrocínios além de dedicação exclusiva. A visibilidade dos torneios é baixa ou quase nenhuma em grandes mídias ou sites de renome. Só para ter uma ideia, a Juliana Terao ganhou o 8º título Brasileiro Feminino e sequer um site popular e de grande porte destacou isto numa época que a mulher é protagonista na sociedade. Obviamente, esta falta de viibilidade só dificulta a vinda de novos e novas praticantes ao Xadrez.
P: O que falta aos jogadores e jogadoras para termos um Xadrez mais competitivo?
R: Boa pergunta. Acredito que primeiro precisamos premiar mais os torneios internos, trazer a elite do Xadrez para cá mostrando como jogam e colocar o Brasil em circuitos internacionais na Europa para ganharmos mais experiência. Um preparo com Grandes Mestres (GM) ajudaria muito e jogar contra eles(as) seria o caminho ideal para termos uma nova visão e prepararmos uma nova geração fincada nesta ideia. Atualmente, o Brasil é mero participante. Estamos anos-luz da realidade daquele Xadrez de elite. Na América do Sul já temos uma certa concorrência e precisamos pensar alternativas.
P: Dá para viver de Xadrez hoje em dia?
R: Não. Tirando toda a carga de estudos que começa logo cedo e quando digo cedo é lá pelos 5 ou 6 anos de idade, enxadristas custeiam praticamente suas presenças em torneios, ou seja, sai do próprio bolso. Isto inclui anuidade da CBX, taxa do torneio, hospedagem, alimentação, passagens e etc. Jogar é caro profissionalmente e sem participar de circuitos no país ou no exterior é praticamente continuar no amadorismo. Só para ter uma ideia, para tentar uma titulação, são exigidos números mínimos de Mestres Internacionais (MI) ou Grandes Mestres (GM) no mesmo torneio e precisa fazer uma quantidade de rating determinada além das normas exigidas. Não é fácil.
P: O Xadrez brasileiro nunca passou de 2700 de rating na modalidade clássica. Tem alguma sugestão para isto?
R: Primeiro é preciso estudar material de qualidade e jogar contra a elite, especialmente, tendo treinamento de ponta que levariam alguns anos. Bancar isto não é barato, afinal, a elite do Xadrez está Europa ou nos EUA. Esta geração atual dificilmente chegará a passar dos 2750 que indica um GM com qualidade mais refinada, ou seja um "super GM". Acho que nem conseguirá. Começando hoje, pensando na elite, só lá para 2035 veremos alguém numa lista assim caso existam investimentos e condições, coisa que a nível Brasil é impossível.
P: Como o senhor vê os canais do YouTube que divulgam Xadrez?
R: Estes(as) são heróis ou heroínas porque não é fácil. Tirando todo o investimento tecnológico e conhecimento para fazer lives e vídeos ainda é preciso captar um público suficiente para algum retorno e são poucos os canais que tem esta qualidade. Viver de canal no YouTube quando falamos de Xadrez é praticamente para poucas pessoas. O importante que estes canais divulgam o Xadrez e fazem um papel importante na geração de novos(as) jogadores(as) e mantém ativo o gosto pelo Xadrez. Particularmente, acompanho o canal do Everton Togni, o canal Xadrez de Rua e o Cortez Chess.
P: O senhor vê o Xadrez indiano como um exemplo ao Brasil?
R: São países com culturas diferentes e que também possuem alguma aproximação. No caso do Xadrez há uma geração de indianos(as) vindo forte e que estão dando as caras. A China fez isto e atualmente está no topo. Não sei se os(as) enxadristas da Índia possam servir de referência para nós porque eles já migraram sua geração para a Europa e participam de torneios fortíssimos. Precisamos elevar nosso nível para fazermos uma comparação. A Índia está bons degraus acima do Brasil. Anand, campeão do mundo, inspirou uma geração inteira lá e aqui. É um primeiro passo para servir como exemplo.
P: Tem algum ou alguma jogadora que o senhor tenha como referência?
R: Várias pessoas. Judit Polgar, Ivanchuk, Lasker, Karpov, Kasparov, Fischer, Carlsen, Anand. Aqui no Brasil gosto do Xadrez da Juliana Terao, Alexandr Fier, Mequinho e Di Berardino. Há uma geração no Feminino que é bem interessante de acompanhar como a Kathie Librelato, Júlia Ródio e a Isabele Tamarozi. Júlia Alboredo também tem um jogo bem legal.
P: Qual dica o senhor pode dar para quem deseja chegar próximo ao topo nacional?
R: Começar cedo, aos 5 ou 6 anos já sendo trabalhado por especialistas, ou seja, MI ou GM. Aqui no Brasil, o ideal é 2600 (masculino) e 2300 (feminino) para pensar em pódio atualmente. Espera-se estes ratings aos 18 anos para torneios aqui. No exterior, o papo é outro precisando de 2750 para elite no masculino e uns 2600 no feminino. Estudar entre 6 e 8 horas ao dia, especialistas orientando, jogar torneios profissionais em busca de titulações e normas é vital. Quanto mais cedo vierem as titulações, melhor. Atualizar-se com novidades jogadas faz parte da lista. Comece por jogar Peão de Rei e vá em frente nos estudos.
P: A Inteligência Artificial está implantada em diversos sites de Xadrez e até polêmicas surgiram quanto ao uso. O que o senhor pode dizer sobre?
R: Acho que o uso da IA para verificar erros mais grosseiros ou até indicar o lance certo nos estudos é sadio. Não acredito que jogadores(as) usem a IA ou tecnologia secreta em torneios presenciais. A IA ajudou a buscar erros em partidas antigas que não foram vistos, novas linhas, só não podemos tentar jogar como uma engine ou IA pois é impossível. Vez ou outra acerta-se o lance da máquina ou sequência de lances, tudo bem, é normal, pode ser o lógico mas basear-se somente nela é robotizar o Xadrez. Isto é ruim e danoso. Incentivo a jogar com humanos e vez ou outra jogar com um bot mais forte só para sentir o seu nível de jogo. Não vicie em jogar com bots. É uma dica.
P: Há modalidades e tempos diferentes no Xadrez. Gosta de qual?
R: Eu opto por Xadrez Clássico e ocasionalmente Xadrez Rápido. O primeiro acima de uma hora com acréscimo e o segundo 15 ou 10 minutos com o tempo bem acrescido por lance. Eu já joguei muito Blitz e tenho cadastro na CBX na modalidade 3 minutos por 2 segundos de acréscimo tendo em média 1600 de rating mas não jogo há quase 1 ano oficialmente. Na prática, não aprendo nada nesta modalidade sendo mais diversão. Tem a modalidade Fischer que acho muito interessante, joguei uma vez e fiquei meio perdido contra um bot e não gostei.
P: Como a Confederação Brasileira de Xadrez (CBX) é vista pelo senhor?
R: Penso que a Comunicação da CBX precisa ser revista não ficando direcionada ao público enxadrista estendendo-se para grandes mídias populares na Internet, anunciando e divulgando torneios, mostrando os campeões e campeãs aqui e lá fora. Noutra situação, ela poderia ser o elo entre enxadristas e patrocínios, divulgar e fomentar a prática em escolas. Dar visibilidade ao Xadrez é obrigação da CBX e isto não está acontecendo como deveria. Só o site da CBX ou de alguma Federação é muito pouco para um universo de 203 milhões de pessoas no Brasil. Quanto a anuidade, acho justa mas poderia ser bem mais em conta, afinal, jogar torneio "pensado" ou Clássico requer estar com ela em dia e muita gente nem dispõe de grana para isto.
P: Xadrez é para uma elite?
R: Se for para jogar profissionalmente, sim. Infelizmente, não tratamos o Xadrez com a devida seriedade. Já ouvi que Xadrez era coisa playboy ou de patricinha. Uma pena. Se popularizado, o Xadrez pode tirar muita gente das ruas, evitar consumo de drogas, todo aquele trabalho social já conhecido e isto não há no Brasil. Não existe uma política de Estado para o Xadrez. Tudo depende do(a) jogador(a). Fica difícil termos uma nova geração capaz de competir em grau de igualdade com a elite do Xadrez mundial. Acho que nem teremos tão cedo. Quer jogar, você que banque! É assim que funciona. Nosso Xadrez depende da sorte para aparecer alguém diferente que vá em sequência de torneios e mostre um jogo sólido e competitivo. Nem assim tem surgido ao nível esperado para desafiar os(as) top 100 do mundo. Na prática, o Xadrez brasileiro é o mesmo grupo há duas ou três décadas. Não há uma oxigenação na nossa elite brasileira tanto no masculino ou feminino. Raramente surge uma nova pessoa com qualidade.
P: O senhor acompanhou o Mundial de Xadrez. O que achou da vitória de Ding Liren?
R: A China fez acontecer e está no topo hoje. Este trabalho começou há 30 anos e passou a maturar uns 15 anos para cá. Acho que Ding Liren é produto desta leva de chineses(as) e chegou ao ápice. Considero como legítimo campeão mas o adversário se ganhasse também não seria nenhuma surpresa. Magnus Carlsen é o campeão da massa e acho que sua decisão de não defender a coroa foi um balde de água fria para o mundo do Xadrez, afinal, ele ficou 10 anos como campeão e defendeu seu título bastante, jogava melhor que os dois pleiteantes ao título naquela ocasião. Eu acredito que o próximo campeão poderá ser Fabiano Caruana ou Ricardo Nakamura mas terão que vencer o Torneio de Candidatos e passar pelo Dragão Chinês chamado Ding Liren.
P: Como avalia a participação do Alexandr Fier no Grand Swiss 2023?
R: Ele fez o que pode e nos representou. Eu não esperava boa participação e sabia que nosso grande campeão estava lá para ganhar experiência. O nível é muito elevado deste torneio e Fier sabia que seria difícil. Ele voltará com outra mentalidade ao Brasil e isto pode render novos projetos, uma visão mais aguçada para preparar nova geração e quem sabe melhorar a qualidade técnica do jogo em si. A sensação que tive foi que Fier era um gladiador entre mais de 100 leões soltos no Coliseu. Fica impossível.
P: O senhor reclamou da falta de visibilidade do Brasileiro Feminino em 2023. Acompanhou o torneio? Gostou?
R: Acompanhei dentro do possível e algumas surpresas ocorreram como a vitória da Júlia Ródio contra a Júlia Alboredo e a Isabele Tamarozi fazendo ótima participação. Juliana Terao administrou bem a seu favor e ganhou pela 8ª vez igualando a Regina Ribeiro em taças. Acredito que o Brasil estará bem representado na Olimpíada de Xadrez. Gostei do torneio no geral.
P: De onde pode vir este incentivo ao Xadrez?
R: Primeiro temos que ter um projeto nacional, planejamento e meta com custos definidos para mostrar aos possíveis interessados e interessadas. Não adianta iniciarmos sem um "Plano de Negócios" para o Xadrez brasileiro. Desta forma empresas e pessoas capazes de investirem a longo prazo surgirão e possam dar este incentivo. O pior cenário é deixar aos cuidados da sorte esperando que surja um Fischer ou uma Polgar do nada. Isto não acontecerá e daí falo que é preciso lapidar talentos muito cedo. Um exemplo é o Faustino Oro da Argentina com 9 anos, quase 2400 de rating. Não é só dinheiro e sim toda uma equipe para cada jogador(a) envolvendo psicólogos(as), treinadores(as), burocratas e etc. Sem projeto sério, nada feito.
P: A Rússia e antes a URSS estavam sempre no topo do Xadrez mundial. O que aconteceu? Perderam a mão?
R: Não. Outros países cresceram e aprenderam com a Escola Russa de Xadrez, vieram as tecnologias, livros melhores, pessoas focadas e a Rússia não está tão mal assim. O Nepo é uma prova disto e disputou o título mundial. O problema que o Xadrez evoluiu no mundo todo e aquilo que era uma exclusividade russa após a segunda metade do século XX não é mais. Antes desta época, a Rússia também não era o bicho-papão. Os EUA e a Europa central tiveram seus campeões mundiais. Só o Lasker ficou 27 anos como campeão e era alemão.
P: E o Xadrez Sul-Americano?
R: Bom, temos o Alan Pichot e o Júlio Granda ainda em atividade. A Argentina se souber segurar seus talentos poderá ter a Candela e o Faustino Oro em evidência. Há dois irmãos argentinos que vem fortes mas esqueci o nome. O Peru veio com uma ótima geração sub-20 ao Brasil para a disputa do Pan Americano em Volta Redonda em 2023. Precisamos aguardar para maturar a nova safra na América do Sul. O Brasil que abra o olho ou perderá o bonde.
P: Para jogar bem Xadrez precisa conhecer bem Matemática?
R: Xadrez é Matemática pura entre 64 casas e 32 peças. Vejamos: anotar uma partida precisa conhecer o plano cartesiano, trabalhar com peças em conjunto requer Análise Combinatória, enxergar 4 ou 5 lances para frente requer Cálculo, é preciso saber o que significa coluna e fileira entrando noção de Geometria Espacial e etc. Dois campeões do mundo eram matemáticos for formação: Emanuel Lasker e Max Euwe. O primeiro tem até tese publicada e o segundo foi o primeiro campeão mundial a ser Presidente da FIDE. O Xadrez ajuda o aprendizado de Matemática e vice-versa. Não que seja obrigatório ser matemático para jogar Xadrez, longe disto, só ajuda.
P: Teremos 3 torneios nacionais importantes: o Brasileiro Absoluto, o torneio de Criciúma (SC) e o Floripa Open, o maior torneio aberto do Brasil. Pretende participar?
R: Não irei participar e desejo que estes torneios fiquem lotados com altíssima participação tanto no masculino como no feminino. Irei acompanhar via YouTube. Veremos se surgirá algum preparo diferente, alguma ideia nova para o Xadrez brasileiro nestes torneios. Desejo sorte para quem jogá-los. Vou ficar no chimarrão e nas pipocas (risos).
P: O senhor já foi sócio do Clube de Xadrez São Paulo (CXSP). Conte algo marcante.
R: Tem tanta coisa. Foi lá que conheci gente importante na década de 90. Havia um bom restaurante no 4º andar, vi a final da Copa do Mundo de 94 por lá com o seu Farina, eu era o sparring do seu Moisés, conheci o seu Isac que foi um sobrevivente do Holocausto, tanta coisa! Vi por lá toda esta geração do Xadrez que o pessoal do YouTube mostra as partidas. O CXSP precisa de sócios(as) e infelizmente o Xadrez online tirou uma parte do presencial. Hoje, eu diria que o centenário clube, 121 anos para ser exato, pode resgatar o glamour de outras épocas necessitando de investimentos. Quem sabe não surja uma pessoa ou grupo que mantenha o mais velho clube da América do Sul em alta? É meu desejo. Lembro do Virgílio e a biblioteca é em sua homenagem. Havia o Antônio também. Tudo mudou, tudo passa. Lá conheci o Cajal e o Martinez. Mequinho conheci pessoalmente por lá. Krikor, Leitão, Vescovi, El Debs, muita gente. Bons tempos.
- Obrigada pela entrevista.
- Eu que agradeço.
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Atualizado em: Seg 13 Nov 2023

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