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Contraponto

Um espetáculo de dança chamado CONTRAPONTO precisa ser montado. Reunir-se-ão para este fim, um professor e três dançarinos e tentarão descobrir o mundo à sua volta na busca de encontrar a pulsação e a linguagem das ruas, aquilo que deve ser dançado, na comunicação entre o homem e o mundo. O professor prenuncia idéias revolucionárias, enquanto os jovens vêem suas vidas particulares se descortinarem através da trama. - 4 Episódios

Episódio 1 - A revolução é sempre iminente.

Cena 1 - A escolha

Uma turma de jovens dançarinos entra ansiosa num palco onde ocorrerá um teste, seguindo a voz do professor.

Lucas: Por aqui, pessoal. Acho que aqui está perfeito, perfeito. Ok. Assumam uma posição, certo? Vou colocar uma música... aqui está bom. E para vocês? Fiquem tranqüilos. Gente... eu detesto esse lance de competição, teste... então, vamos tirar esse clima tenso, certo? Vou passar uma seqüência e vocês me acompanham. Lá vai! 1,2,3 e 4 e 1,2,3 e 4 e 1,2,3 e 4...

(Os alunos reagem à voz do professor, tentam relaxar, riem e acompanham os movimentos. A primeira seqüência é interessante, até que o professor começa a insinuar passos bobos, como se fosse um louco, uma criança improvisando. Os alunos não querem acompanhar. Alguns reclamam, outros, simplesmente param. Apenas três acompanham, até que o professor pára.)

L: Qual é o problema, pessoal?

Jovem1: A gente veio participar de um teste para um grande espetáculo!

Jovem2: É, isso parece mais uma brincadeira.

Jovem 3: Uma pegadinha.

Jovem1: Eu não vou fazer isso.

L: E se o espetáculo fosse isso?

Jovem 2: Qual é, a gente ia passar vergonha!!!!

(Risos)

L: Então, o que vocês querem? Mostrar o que sabem, né? Pois então, mostrem o que sabem.

Os alunos dançam livremente, alguns mais competitivos não se preocupam com o espaço dos outros. Cada um tenta mostrar o que sabe. Até que o professor desliga o som.

L: Olha, gente, eu não tenho a intenção de selecionar, aqui. Por mim todos são escolhidos.

Jovem 3: Qual é, professor, isso desmerece a gente! Para que tanto esforço se todos são escolhidos?

L: Você acha mesmo que uma competição te torna mais merecedor? Pois vamos lá, quem acha que sabe dançar e está pronto para fazer uma bela apresentação levante a mão primeiro. Opa, não percebi! Mais uma vez, agora! Nossa, foi muito rápido! De novo. (os alunos se chateiam e não levantam mais o braço) Ok, vocês são mesmo muito bons dançarinos! E como são rápidos! Quem levantou a mão, pode ir embora por enquanto. (Olhares, sussurros de reclamação) Não estou dispensando ninguém. Quem já está pronto eu chamarei só perto do dia. Certo? Vocês dançam bem, de verdade, serão convocados depois.

Jovem1: Você vai chamar mesmo?

L: Sem dúvida. Coloquem os nomes e telefones aqui nessa lista. Serão convocados, mais adiante.

(Ficam apenas três alunos sem saber o que fazer, encabulados. Os outros assinam a lista e vão embora entre sussurros e reclamações. Seguem alguns minutos de desconcertante silêncio).

Michel: A gente ficou aqui mas... o que foi isso mesmo, hein?

L: Como é seu nome?

M: Michel.

L: Você foi aprovado, Michel.

M: Deixa eu ver se eu entendi: Eu fui aprovado por não saber dançar?

L: Não. Aprovado por não achar que sabe. Vocês três foram escolhidos.

Éris: Mas se eles vão ser chamados para a apresentação, qual é a vantagem da gente?

L: Hum... eles estavam procurando um destaque, você, uma vantagem? Não é tão diferente...

E: Como assim, professor? Entendi! Nós vamos ser o destaque, os maiores na dança!

L: Será que as coisas têm que ser sempre assim? Depende do que você entende por maior. Olha, a diferença é que vocês três vão conhecer muito mais! Vão compreender o processo., enquanto eles, não. A única diferença é essa. Como é seu nome?

E: Éris.

L: Bonito nome. É mitológico. Éris é a deusa da discórdia, você sabia?

E: Não.

L: Éris enviou uma maçã para uma festa de casamento dos deuses, uma maçã de ouro na qual estava escrito: Para a mais bela! Foi uma confusão dos infernos, pois todas as deusas queriam ser a mais bela e assim Éris conseguiu sua vingança! Entende? Todos lutam em busca de vantagens no fim da linha, como tolos, vantagens que não existem. Prêmios finais conquistados. Seu nome, qual é? (Para Ruama)

Ruama: Ruama.

L: Pois bem, Ruama, se vocês três quiserem ficar, não terão um prêmio final. Trabalharão mais que os outros para, no fim, apresentarem o mesmo espetáculo e dividirem os aplausos com eles. Eu estou convidando vocês a caminharem comigo para conhecerem e participarem do processo, tentando viver nossa arte não como um fim, mas como uma jornada, sim? Não importa exatamente o final, mas o que construiremos juntos.

M: Por mim, tudo bem. Eu quero aprender mesmo.

E: Tudo bem. Eu sou uma deusa!

R: Eu não sei o que dizer... meu tempo é tão pequeno... são tantas cobranças na minha casa que fica difícil fazer uma coisa só por fazer.

L: Só por fazer? Pra que, então você vive?

R: Eu... vivo pra conquistar ... ah... realizar coisas... não sei.

L: Que tal: Eu vivo só pra viver? Você nem pediu para nascer e a vida foi te oferecida do nada, quando você menos esperava... bum! Existia e se deu conta disso. Viver é a melhor parte, Ruama. 

R: É bonito, mas não é prático.

L: Então ponha seu nome na lista que eu lhe chamo depois.

R: Não. Quero ficar.

L: Por que?

R: Sei lá.

L: (Lucas ri) Certo. Amanhã, os três aqui seis e meia, ok? Evitem atrasos.

E: Pode deixar. Tchau, professor.

L: Tchau.

M: Eu achei muito diferente o jeito como você selecionou, assim...

L: Eu não selecionei ninguém. Vocês que tomaram suas decisões.

M: Só que ninguém aqui tinha consciência disso, assim, ninguém sabia que estava decidindo nada.

L: Ninguém sabe, mas está decidindo sempre, a todo o momento. É bom ficar atento. Até amanhã.

M: Até.

L: Cuidado!

Michel assusta-se, mas não vê nada estranho. Olha para o professor e diz:

M: Brincadeirinha, né... (Ele torce o pé, desequilibra-se e cai) Ai! Eu achei que você tivesse brincado comigo.

L: Não se pode descuidar nunca! (O professor sai rindo e Michel sai chateado com a queda, procurando o que poderia tê-lo derrubado)

M: Mas... como foi que eu caí?

Cena 2: Nas ruas - Olhar

Michel e Éris chegam juntos, antes de todos.

M: Que é isso! Você é muito bonita, seu corpo está ótimo, assim, não me leve a mal com o ótimo.

E: Você acha mesmo?

M: Claro, assim, você não é gorda pra dançar.

E: Sei lá... Na hora de rebolar pega bem uns quilinhos a menos.(Ela fala dançando, fazendo graça)

Entrada de Ruama à direita.

R: Droga, quebrei meu salto, acredita?

E: Também, você vem de salto pra aula de hip-hop!

R: Quando chegasse aqui eu ia trocar. Ai... Eu quase quebrei o pé!

M: Cadê, deixa eu ver... Puxa, esse negócio de salto é perigoso mesmo, hein?

E: Um quilo de maquiagem, roupa toda acochadinha, cabelo esticado, salto alto...

R: O que você tem a ver com isso?

E: Eu acho que existem lugares mais apropriados para patricinhas.

R: Ah! Só podia ser...inveja,claro.

E: De que? Se duvidar tem mais dinheiro na minha bolsa do que na sua, ô ...

R: Ô o que?

E: Gente como você é muquirana.

R: Gente como você é burra e insuportável!

M: Como é lindo ver gatinhas brigando... (As duas olham para ele irritadas) Assim, né...

R: Não sei não, viu! Eu vou é me arrumar logo. O professor ainda não chegou? Eu pensei que estivesse atrasada. Vim correndo, quebrei o salto pra nada!

E: Vai ver que ele quebrou o salto também!

M: Quebrou o salto não sei, mas me fez levar uma baita queda, ontem. Eu não sei como foi aquilo, não tinha nada no caminho, nada, aí...

O Professor chega à direita.

L: Cheguei. Desculpem o atraso.

E: Tudo bem.

R: Tudo bem nada. Eu vim correndo e sofri um grave acidente. Acho que não vou nem poder dançar hoje.

L: Um acidente! Meu Deus, o que foi?

R: Meu salto quebrou e meu pé está doendo...

L: Salto?

R: Qual é o problema do salto? Você também vai implicar comigo?

L: Agüenta andar?

R: Acho que sim.

L: Tudo bem, hoje não vamos dançar mesmo, só andar.

M e E: Andar?

L: É.

M: Mas andar pra onde?

L: Está aí um roteiro. Vamos olhar para as ruas. É a primeira aula.

R: Não já chega de esquisitice. A gente vai ou não vai ensaiar.

E: É, passa logo uma seqüência, que a gente fica treinando.

L: O problema é que a dança não está feita.

R: Você chamou a gente pra ensaiar uma dança que não está feita?

L: Não. Chamei vocês para me ajudarem a criar.

E: Sério?

M: Mas, por que a gente?

E: É, por que ela? (Para Ruama)

L: Vamos logo, então?

R: Agora, eu vou sair com essa roupa? Sério, eu não... ah, deixa pra lá!

Saem e o cenário deve ser preparado para uma cena urbana com os alguns tipos da cidade. Um taxista, uma prostituta, uma casa de favela, um estudante na parada de ônibus, um drogado, alguém de classe média num bom carro, uma senhora com compras de supermercado, um travesti, um porteiro indo trabalhar, uma mãe chorando com os filhos... (Essa cena deve ser montada. Os alunos serão apenas observadores). Música: City of Angels

L: Bem, pessoal, amanhã a gente se encontra novamente.

M: Como assim, professor?

L: Pode chamar Lucas mesmo.

M: Pois é, Lucas, você não vai comentar?

L: Era só para olhar, não para comentar.

E: Sim, olhar é fácil. A gente olha sempre.

L: Olha?

R: Sinceramente, isso não foi nada agradável! Foi muito ruim estar aqui.

L: Claro, há muito nós fazemos de tudo para não olhar. Construímos presídios afastados, hospícios lacrados, hospitais que mais parecem torres impenetráveis, carros com janelas automáticas e televisão, para a gente contentar nosso olhar. Mas os olhos são a nossa mais poderosa arma.

E: Eu sei...(Olha para o Michel)

R: Claro, Lúcio...

L: Lucas.

R: É isso mesmo. Tem coisa que a gente não pode dar jeito, aí tem que afastar, senão não dá pra viver. Eu, aqui, senti medo, tristeza... sei lá, um monte de coisas ruins. Para que se expor a isso?

M: Eu fiquei lembrando dos meus pais com aquelas manias... Eles saiam para evangelizar as pessoas. Parecia a hora do terror. (Risos)

E: Para mim não tem "cano". Eu gosto de andar, do vento das ruas...

L: Apenas olhar. Fechem a boca e abram os olhos. Eu quero que vocês pensem em tudo que a gente viu hoje. Amanhã nos encontraremos!

Luzes apagam. Música: O tempo - Larissa Ohori, que será usada em todas as passagens de tempo.  (As Luzes tornam a acender progressivamente, como se o tempo estivesse passando). 

Cena 3: Nas ruas - Fotografar

Os três já estão caminhando. O cenário é o mesmo da primeira cena urbana.

E: A gente ta indo pro mesmo canto, Luk?

L: Sim.

E: E o roteiro?

L: Você olhou o roteiro?

E: Olhei. Hoje a gente devia ir para o outro lado.

L: Seria diferente?

E:Claro. O outro lado da cidade é diferente.

L: Por que?

E: Sei lá, mora mais bacana por lá.

L: Por que?

E: Isso não sei. Por que podem pagar, ora.

L:(ri) Por isso eu fiz o roteiro.

E: Como assim?

L: Para vocês olharem.

R: Professor, a gente já veio aqui ontem!

L: Eu sei. Mas quero que vocês olhem de novo. Sempre, sempre olhe de novo. Para tudo. Olhe de novo. Troque o ângulo, perceba os detalhes. As coisas mudam com o tempo. Além disso, é impossível ao nosso olhar ver tudo por inteiro. Tem que olhar de novo, colocar as coisas no lugar, tirar do lugar, mudar de lugar, colocar no lugar, olhar de novo...

E: Olha aí, já vou coreografando: "Bota no lugar, tira do lugar, muda de lugar e dá uma  olhadinha..." Bora Michel! (Os dois dançam na rua, fazendo o ritmo com a boca e com os pés). Que é, Luk, to dançando mas to com o olho bem aberto, vê só!!!!

L: Eu não disse nada.

R: Não sei como vocês tem coragem de fazer isso assim, no meio da rua!

M: Tem gente que faz coisa pior no meio da rua.

R: Eu vou me comparar com quem faz o pior?

E: Esse é o chato de ser play. Você deve satisfação para muita gente.

R: Todo mundo deve satisfação.

L: Vamos parar um pouco? Eu trouxe essas máquinas de papelão, é possível fotografar legal com elas. Cada uma tem um filme de doze poses.

E: Que câmera massa! Doido, ó!

R: Não preciso, meu celular tem câmera.

M: Você não pensa em tirar o celular da bolsa e ficar usando na rua, sozinha, assim, pensa?

L: Então, o exercício é o seguinte: Vocês vão parar de conversar e caminhar em busca de boas fotos. Lembrem do que perceberam ontem, confiram se tudo está como antes, o que falta, o que há de novo. Não deixem passar algo que vocês acham que já viram e não considerem nada sem importância. Ah! Tentem achar movimento nas fotos que vão tirar. Nada no mundo está parado.

M: Nada no mundo está parado. Professor Lucas, tudo bem que nada está parado, mas tem movimento que a gente não pode ver. Assim, é microscópico. Que tipo de movimento eu vou encontrar, então.

E: Ô, Michel, de coisa viva! É pra fotografar só coisa viva.

L: (Ri) Não, Éris. É para encontrar movimento em tudo.

M: Como?

L: Vou resumir em uma palavra: Revolução!

E e M : Revolução?

L: Sim. Em tudo existe uma revolução prestes a acontecer.

R: Na minha casa não. Tudo está no seu devido lugar.

L: Talvez isso signifique uma revolução ainda mais gritante por lá. Se gasta muita energia para manter tudo no lugar.

M: Como assim, Lucas.

L: Quem de vocês não sente aquele desejo forte de encontrar alguma coisa que mude sua vida completamente? Queremos um grande amor, um grande emprego, uma notícia surpreendente, uma conversão qualquer que possa mudar tudo, da água para o vinho?

Os três concordam que sentem o mesmo.

L: Por que todo mundo sente isso? Por que a vida, como diz o Michel, assim, normal do jeito que ela é, não é bastante para o nosso coração? Até quando vamos esperar que algo aconteça, ou vamos ficar fingindo que não esperamos por nada, mas mantendo alma insatisfeita?

R: Poxa, professor, eu não sei responder essas coisas.

L: É a revolução dentro das pessoas, das plantas, dos animais e das coisas, que está prestes a acontecer. É o tempo. Encontrem a revolução.

Eles saem para fotografar e nova cena urbana deve ser criada. Quero que, nessa cena ocorra uma briga entre traficantes, no qual Michel ficará caído como morto. Todos pensarão que ele morreu.   

Fim do Primeiro Episódio

 

Episódio 2 : Pensamentos podem ser controlados

Cena 1 - O detalhe

Éris e Ruama estão arrumando um painel com as fotos na sala de ensaios. Temos no canto da sala um telefone e um computador.

R: Eu não consigo parar de pensar o que eu faço aqui depois de tudo o que aconteceu.

E: Você não contou nada em casa, contou?

R: Claro que não!

E: Menos mal. É bom sustentar a língua, se quiser continuar aqui.

R: É isso que me assusta. Estou mantendo um segredo,quero continuar aqui... Pensa bem, Éris. O que eu ganhei aqui? Tive que aturar você...

E: E...começa não.

R: Sério, para mim foi difícil.

E: Eu digo o mesmo! (As duas riem)

R: Sair completamente da minha rotina...

E: Quebrar um salto.

R: Isso. E no meio de toda essa confusão, ficar escutando um cara totalmente maluco falando. Um doido que colocou nossa vida em risco! Por que eu to aqui?

E: Eu acho que você já consegue ver a dança, sentir a dança em todas essas fotos. Olha direitinho,  a gente que fez isso!  Dá uma sensação que a gente pode fazer muita coisa!

R: Mas o preço pode ser alto demais!

E: O Michel.

As duas conservam um silêncio triste enquanto continuam colocando as fotos até que Michel entra, com o braço e a cabeça enfaixados, acompanhado por Lucas. 

E e R: Michel!

Elas correm para abraçá-lo.

M: Ai, meninas, eu sei que eu sou gostoso, mas... assim, ai... machuca.

E: Foi mal!

R: Desculpa, Michel. Você acabou de sair do hospital?

M: Não, da minha casa.

R: Como seus pais deixaram você vir depois de quase ter morrido?

M: Ah, eu contei tudo para eles. Que a gente precisava olhar para as ruas e descobrir o grito dos homens para dançar a libertação!

E: Vixi, falou bonito, hein.

M: Pois é, falei bonito e eles deixaram.

L: É, Ruama. Quando fazemos uma coisa, precisamos acreditar nela, assim como precisamos acreditar em nós mesmos. Já é tempo de você contar em casa que está aqui, mocinha.

R: Como é que você sabe que eu não contei em casa?

Lucas procura uma cadeira para sentar Michel e vai olhar as fotos. 

E: Luk, você nem avisou pra gente que ia trazer ele aqui! Poderíamos ter feito uma festinha, tumts-tumts!

M: Assim, Éris, acho que não seria uma boa, né. Quero me recuperar pra começar logo a ensaiar.

R: Será que vai dar tempo?

M: O Lucas disse que daqui a uns vinte dias eu já podia começar a ensaiar devagar, depois eu pegava a parte mais pesada.

R: Nós já começamos alguma coisa.

E: É, o nome vai ser Contraponto.

R: Contraponto é dizer o que já foi dito, só que de um jeito diferente.

E: Com outro ponto de vista.

R: É ver as coisas por outro ângulo, tentando tirar do foco principal aquilo que sempre ocupa esse foco.

E: Porque a gente não vai falar nenhuma novidade.

R: Mas também não podemos deixar que o que já foi dito caia no esquecimento.

M: Nossa, quantas idéias! Eu fiquei meio tonto.

E: Não vai desmaiar aqui, não!

M: Ai, acho que vou.(Michel finge desmaio)

R: Ai, meu Deus, ta vendo professor, como você é doido?

E: Alguém segura ele!

M: É brincadeira, pessoal.

L: Eu sou doido? Eu sou doido? (Professor, brincando finge acesso de loucura)

R: Olha a brincadeira sem graça, eu acredito, hein?

Todos riem.

L: Vocês treinaram novamente os passos?

E: Não. Ficamos olhando as fotos a manhã quase toda.

L: Então vamos embora ensaiar, que o Michel precisa olhar isso aqui.

M: Vixi, eu não vou saber pra onde olhar, se para as fotos ou para vocês.

L: Você vai seguir a mesma seqüência que nós: olhar primeiro as fotos.

Eles ajudam Michel a sentar-se e vão ensaiar. Michel não consegue olhar só para as fotos, mas fica comparando fotos e dança. Algum tempo depois, Michel vê algo estranho.

M: Vocês prestaram atenção nessa foto aqui?

L: O que? (Desliga o som)

M: Essa foto, fui eu que tirei. Foi muito estranho pois no meio da confusão percebi esse homem parado, de braços cruzados. Achei que ele poderia ser um chefão, sei lá, e resolvi tirar a foto. Depois, lembro que ele falou alguma coisa e logo partiu um cara pra cima de mim, depois já não lembro direito!

L: Que estranho, Michel! Você não tinha comentado isso comigo antes.

M: Já nem lembrava mais! Nem quando falei com a polícia citei isso, pois, sei lá, "vazou da cabeça."

L: Deixa eu ver.

M: Outra coisa que me chamou atenção nele, Lucas, foi esse símbolo na roupa e na parede. Eu pensei, um cara assim com cara de dureza, jeitão de mandante, de braços cruzados a observar tudo, com um símbolo tão estranho na roupa. De onde viria esse símbolo?  

As meninas também se aproximam.

E: Deixa eu ver também!

R: Eu também!

E: Engraçado, a gente olhou esse negócio tantas vezes e não notou nada estranho nessa foto.

M: Eu sei, talvez só faça sentido para mim, que vi algo mais, sei lá. Alguma coisa que não sei explicar.

R: Você acha que o fato de você ter tirado essa foto tem a ver com o tiro?

M: Não sei. Só lembro que isso aconteceu antes que eu apagasse.

R: Eu só acho estranho por que eles podiam ter tomado sua máquina. Por que não fizeram isso?

M: Quem pegou minha máquina depois do tiro? Aliás, como as coisas aconteceram. Eu não lembro de nada, só vocês podem lembrar.

E: É, mas o negócio por lá foi meio radical Não deu pra ver nada direito, não.

R: Não foi você, Lucas, que pegou a máquina dele?

L: Foi.

M: Viu alguém? Alguma coisa estranha?

L: Não sei bem, foi muito confuso.

M: Que mistério! De onde vem esse símbolo?

L: Talvez seja alguma organização secreta.

M: A gente pode pesquisar, professor?

L: Você quer fazer isso?

M: Quero.

L: É bom fazer o que se quer fazer, mas nunca sem pensar nas conseqüências.

E: Eu também quero!

R: Eu acho que eu também.

L: Vocês não têm medo de se meterem numa coisa perigosa?

M: Lucas, to achando que você sabe de alguma coisa.

L: Se eu soubesse ou não soubesse, qual a diferença?

M: Você sabendo nos pouparia trabalho.

L: Então você não quer trabalho! Aliás, você não quer uma luta, deseja apenas satisfazer sua curiosidade momentânea. É melhor não ir!

E: To com o Michel, você sabe de alguma coisa e não quer falar. 

L: É? O que eu sei é que ninguém gosta de ser incomodado e quando a gente coloca o nariz onde não é chamado tem que arcar com as conseqüências. Vocês não estão prontos. Me dá essa foto!

M: Não, professor.

L: Falo sério, me dá a foto.

M: Olha pra mim, Lucas. Eu cheguei até aqui, eu entrei de cabeça nesse negócio, levei um tiro e não desisti. Por que eu fiz isso?

R: Era isso que eu me perguntava, por que eu estou aqui?

E: É, Lucas, por que a gente ta aqui?

M: Por que de alguma maneira, misteriosa e louca, você nos fez acreditar que algo podia ser diferente!

E: Você está fazendo nascer esperança!

R: E também confiança.

M: Além disso, eu fui atingido enquanto um cara estava simplesmente olhando para mim, com um símbolo esquisito no peito e na parede! Eu preciso saber o que é isso!

E: Tô nessa!

R: Eu também!

L: Poxa vida!Por essa eu não esperava. Certo, nós vamos descobrir o que é isso, juntos. Estamos juntos, ok? Mas Ruama precisa primeiro conversar com seus pais.

R: Agora não.

L: Então é melhor não se envolver com isso.

R: Tá bom, eu vou conversar em casa.

M: Isso! Vamos logo. Ai, ai... Esqueci até as dores. (risos)

Cena 2: A descoberta

A cena começa com o retorno deles à sala de ensaios.

E: É incrível que ninguém saiba de nada! Eu saí de porta em porta perguntado quem conhecia esse símbolo, ninguém!

R: Mas você lembra, Éris, que aquela mulher bem esquisita, ficou calada. Ela não disse que não sabia.

E: Era uma maluca!

R: Acho que não. Ela sabia. Olhou a gente bem no fundo do olho. Se fosse doida, não olhava assim.

M: E eu, que voltei ao mesmo lugar, mesminho e não vi nada!

L: O que a gente faz numa situação dessas?

E e R: Olha de novo!

M: Ai, ai... sei não!

L: Michel, vamos olhar direitinho o material fotografado e os papéis que pegamos no lixo. Éris e Ruama, vocês vão procurar na internet.

E: (rindo) Se não encontramos nada em lugar nenhum nas ruas, vamos encontrar no Google, assim, tão fácil!

R: Ela tem razão, Lucas. Uma coisa secreta assim não pode ser encontrada na internet.

L: Ei, internet não tem só Orkut, MSN e pornografia, não. Tem muita coisa boa, informação de todos os lugares, artigos, pesquisas, livros... Mas só encontra quem sabe o que está procurando, como quase tudo na vida. Anda, vão logo!

Eles se dividem em dois grupos, olhando e pensando. Música: O tempo.

R: Ah-há! Olha o que eu achei! Esse símbolo é um selo!

E: De carta?

R: Não, de produtos. Alguns produtos recebem esse selo, olha aqui.

M: "Mais de cem produtos selados: por quem somos controlados?" Quem escreveu isso?

R: Um jornalista, aí... não é conhecido.

M: E são produtos do nosso dia a dia! 

E: Eu nunca percebi esse tal selo! Deixa eu pegar aqui minha pasta de dente, pra ver se tem isso mesmo.

R: A latinha do refrigerante que vocês beberam!

M: O CD, professor, vê se o nosso CD é selado?

L: Sim, e o computador, vê se vocês acham um selo.

E: Caraca! Tem mesmo aqui! É tão difícil de enxergar!

L: O meu CD não tem.

R: Eu tenho um CD que eu acho que tem, olha só! Mas o computador, não.

E: O que fica rodeando minha cabecinha é: É um selo de produtos, e aí, qual o problema? 

M: O problema é existir uma coisa que ninguém sabe que existe.

E: Sim, mas quase ninguém sabe que eu existo, se for por isso!

R: Como diz aqui no texto, seria possível existir uma espécie de controle sobre a venda desses produtos.

L: Privilegiando o selo.

E: Como seria esse controle?

R: Isso ninguém sabe com certeza.

E: Estranho.

M: Nós vamos descobrir.

L: O que mais diz o texto?

R: Ele supõe ser de uma empresa de mídia.

E: O que é empresa de mídia?

R: Uma empresa que trabalha com comunicação, entendeu?

E: Ai, desculpe, menina inteligente.

M: Vocês estão esquecendo do ponto fundamental aqui. O cara com o símbolo na camisa olhando para mim bater a foto, antes que eu levasse um tiro.

L: Isso, realmente, piora tudo. Mas já é hora de ir, gente boa. Amanhã terminamos.

R: Ah, não! Agora que começamos! Eu nem vou conseguir dormir!

L: Para tudo é preciso ter calma e disciplina. A nossa cabeça pensa de um jeito enquanto trabalhamos e de outro enquanto descansamos. Por isso, é importante descansar, aproveitamos melhor a mente. Para casa, amanhã nos encontramos.

E: Você vai ficar, professor?

L: Só mais um pouco.

R: Lembre de descansar.

L: Dá pra ir mesmo, Michel?

M: Dá sim.

R: Olha, tem o selo nos meus óculos!

E: Eu sabia que gente metida à besta assim devia ter selo até no bumbum!

R: O que?

E: É, vai ver até o papel higiênico da sua casa é selado! Há - há!

R: Pelo menos meu bumbum é chique, não é sem graça como o seu.

M: Assim, pra mim tanto faz!

R e E: O que?

M: Eu quis dizer que gosto dos dois!!!!

Eles saem conversando enquanto o professor fica sozinho pensando por um tempo, muito angustiado. Depois procura uma agenda e faz um telefonema.

L: Alô? Eh... a Raquel pode atender? Ah... Raquel Ângelo. Sim. Não, não, obrigada.

Desliga o telefone e continua pensando. Vai ao computador, escreve um pouco, procura um endereço na agenda, envia um e-mail.

L: Vai, Raquel, olha o seu e-mail!

Ele olha novamente as fotos, os papéis, os produtos; escuta a música que será dançada, fecha os olhos e parece acompanhar os movimentos. Olha mais uma vez o relógio, junta seus pertences e insinua ir embora quando o telefone toca:

L: Raquel!É, faz tempo. Eu sei que estou sumido. E você, continua do mesmo jeito? Sim, eu tenho um motivo. Está acontecendo tudo de novo. Eu não posso, não posso. Você já me disse isso uma vez. (A voz dele está bastante agitada) Eu não estou procurando nada. Como é que você consegue viver assim? Eu liguei porque preciso da sua ajuda! Tudo bem, tudo bem, Raquel. Tchau. É, agora você já tem meu número. Pelo menos vê se não entrega pra ninguém.

Ele desliga o telefone, pensa um pouco e vai embora.

Cena 3: O Contato

Ruama é a primeira a chegar, seguida de Lucas.

R: Bom dia, Lucas. Desculpe, mas não pude dormir.

L: Tudo bem, não estamos tão diferentes.

R: Eu acho que descobri um nome.

L: Você conversou com sua família sobre esse trabalho?

R: Conversei.

L: Você está mentindo.

R: Não. Eu conversei, sim.

L: Vamos dançar um pouco.

R: Você não ouviu? Eu descobri um nome.

Lucas permanece calado e começa a fazer um alongamento.

R: Professor?

L: Vamos dançar um pouco.

Eles se alongam e dançam. Lucas cria mais uma seqüência. Exercício: Dançar de olhos fechados.   

L: Isso a gente não pode deixar o mundo moderno tirar de nós.

R: O que?

L: A amizade, a presença, o calor, entende? As pessoas estão se acostumando, cada vez mais, com o frio dos relacionamentos passageiros, o ar condicionado e o computador.

R: Eu deveria lhe responder que isso é não perder tempo.

L: Qual o valor da vida da Ruama? É uma razão, uma soma, uma diferença ou um produto?

R: Eita, não sei. Deixa eu ver: uma soma, minha vida se soma a outras vidas, somamos vitórias, conquistas, realizações, alegrias, momentos de prazer...

L: Eu penso que só ausência que o valor da vida pode ser percebido. Pois ele é a diferença entre a presença e a ausência. Muita presença menos um pouco de ausência dá um valor bem alto. Se fosse pouca presença menos muita ausência o valor seria muito negativo, dá pra imaginar? Uma vida muito presente com um pouco de ausência vale muito.

R: Não vale a pena não ser presente para as pessoas que ama, não é?

L: Não vale a pena estar ausente da natureza, das pessoas na rua, dos amigos, da fé, do universo... A vida é muito mais presença do que o vazio que dói no peito.

R: Mas , o que fazer quando o peito é vazio?

L: Uma revolução!

R: (risos) Somar, subtrair, dividir e multiplicar.

L: Transformar, sempre, sempre e sempre. Não parar nunca.

R: Nunca é muito tempo.

L: Nunca é a própria eternidade.

Michel e Éris chegam.

R: Vocês nem imaginam! Eu descobri um monte de coisa!

M: Foi? O que?

R: Tenho um nome!    

E: Chegou cedo, você não dormiu, menina!

R: Não deu. Olhem só o que eu trouxe. Esse cara, um tal de Jorge Martins, jornalista, escreveu muita coisa sobre o assunto. Ele foi fundo mesmo, há uns dois anos. Ninguém sabe por que ele parou, mas acho que coisa boa não foi. Ele afirma que foi procurado por quatro empresários que depois de falirem completamente, tentaram acusar um grupo empresarial e o governo de estarem envolvidos em subsídio e negócios escusos para beneficiar um grupo específico.  Vejam, o nome do Grupo é Imagem Solar, dá pra imaginar um nome desses?

E: Esse nome é muito bestinha para ser algo sério...

R: Acho que a idéia deles é mesmo parecer inofensivo no nome. Aqui diz que eles são, de primeira vista, um grupo publicitário.

E: Secreto?

R: Não, um grupo publicitário normal.

E: Sim, e daí?

M: Peraí, Éris, deixa ela concluir.

R: Obrigada. É uma empresa normal, o símbolo deles é um solzinho bonitinho, olha só. Aquele selo faz parte dos negócios secretos deles. Quando uma grande empresa abre um contrato lá, eles terceirizam o setor de publicidade dessa empresa, cuidam de tudo, desde o formato das embalagens até a campanha em si. Isso é o que dizem, mas parece que eles têm uma máfia para controlar a cidade toda. Todo mundo é constrangido a comprar os produtos deles e nem percebe.

L: Eles observam, planejam, desestabilizam e, depois, controlam. 

R: É, eu vi isso, mesmo.

E: Então eles querem dominar a cidade?

R: Se possível, o mundo!

M: E o homem lá parado me olhando?

E: Pois é, muito complicado, muito complicado mesmo!

L: O que estava acontecendo ali, no momento das fotos?

M: Bem... uma briga.

L: Por que?

E: Drogas, violência...

L: Vocês não acham que drogas é uma forma de desestabilizar uma população?

R: Sim, e está presente em todas as classes sociais.

L: E a violência também é um agente amedrontador, desestabilizador e manipulativo, desde que não atinja as pessoas que devem ser protegidas. Talvez a violência seja o jogo mais arriscado, mesmo assim, não é peça descartada.

R: Seria como controlar as pessoas por meio dos seus instintos mais profundos?

L: Sim,e também, produzindo notícias de manipulação de massa, desviando o foco. Enquanto todo mundo fala da briga, ninguém comenta sobre escola, emprego e carestia.

E: Desviando o foco que nem você falou que a gente ia fazer na dança Contraponto?

L: Como a gente vê as coisas faz toda a diferença, na nossa vida, na nossa família, na nossa comunidade. Eles sabem disso e põe no foco principal o que eles querem que a gente veja. Tem a ver com o Contraponto sim. Queremos ver as coisas de outra maneira, queremos enxergar a verdade por trás do efeito, da maquiagem da fumaça!

M: As pessoas acham que estão fazendo algo mega com suas vidas e estão, na verdade, se tornando alvos fáceis.

E: A droga atinge vários lados de uma pessoa, né? Tira dela a saúde, a família, o emprego... tem razão, a pessoa vira um alvo fácil.

R: Mas uma coisa não faz sentido. Quanto mais gente viciada e quanto mais violência, menos educação, menos dinheiro, menos trabalho...menos a sociedade poderá crescer e desenvolver-se.

L: A questão é: que sociedade precisa crescer e desenvolver-se? Eles querem mão de obra barata e muita gente para comprar. São as colunas que sustentam o desenvolvimento de um grupo determinado.

R: Mas, pessoas bem estruturadas teriam mais condição de produzir e comprar!

L: No passado, essa filosofia imperialista era bem mais descarada, tanto que, quando a Inglaterra quis dominar a China, vendeu ópio até viciar quase o país inteiro! Hoje em dia, ficam tentando disfarçar as coisas, mas continuam usando dos mesmos meios, basta a gente olhar para a África que vê um país completamente sugado.

E: África, professor, África. O que eu tenho a ver com a África?

L: Eu quero mostrar para vocês que não é impossível um esquema para alienar, desestabilizar e controlar uma população e o exemplo maior é a África, com suas guerras por diamante, ouro, marfim e com a febre dos laboratórios de medicamentos, que permitem a morte de milhares de pessoas por ano de doenças curáveis, só para desenvolverem pesquisas com aquela pobre população.  

E: Eles fazem isso? Mama-África...

R:É mesmo. E a gente vê, na África, que as próprias pessoas de lá, com seus costumes, instintos, ganâncias, sei lá o que, acabam ajudando a exploração, ao invés de vencê-la.

L: Não apenas na África, aqui é do mesmo jeito. Nossa santa ignorância acaba contribuindo para nossa própria prisão!

M: Não sei, temos muito que descobrir ainda.

L: De maneira geral, todo mundo vive sem pensar nisso e isso parece, realmente, não fazer parte da vida. Mas faz, pois há um jogo social muito forte.

M: Sim, mas e o...

E: Homem lá parado.

L: Para mim, parece que ele se aproveitou de um momento confuso em que muitas pessoas estavam na rua, mas sem prestar atenção em nada, para incutir na cabeça delas o selo. Assim, o selo pareceria algo familiar e elas se sentiriam atraídas pela familiaridade que ele causaria, mas sem uma memória formada. Uma mensagem de poder e autoridade por trás da imagem.

R: Se isso for verdade, eles sabiam dos tiros e da possibilidade de morte ali.

L: Talvez, mais que saber, eles tenham planejado tudo. 

M: Minha nossa! Não, Lucas. É demais pensar assim. Um grupo controlar o tráfico de drogas, planejar assassinatos, violência e muito mais só para induzir a venda de produtos?

L: Não é só para induzir a venda de produtos. Tudo faz parte de um conjunto, o dinheiro é alto.

E: Mas que é estranho é. Eu pelo menos penso que todo mundo só quer é sobreviver. Esse lance controle para sugar as pessoas, parece estranho.

L: Por isso que eles incutem na nossa cabeça da gente a idéia de individualidade: Vença na vida, ganhe dinheiro, seja feliz! Você, você, você... Isso bloqueia a consciência, pois consciência é pensar no coletivo: Nós, nós, a humanidade, a vizinhança, a cidade, o país! Por isso é tão doloroso ter consciência, pois você não consegue pensar mais só em você.

R: Realmente, a gente só se importa com as coisas que dizem respeito a nós, diretamente.

L: Você disse bem, diretamente, quer dizer, quase nada, pois a maioria das coisas nos atingem indiretamente, por meio da coletividade.

M: Até a religião passou a existir para o individual: Deus ama VOCÊ, VOCÊ é especial, peça bênçãos de Deus para VOCÊ! Lá em casa é assim. Dá pra perceber que é uma idéia geral, esse negócio!

R: Mas, Lucas, tudo bem que existe essa briga de mercado, mas daí, controlar as pessoas desse jeito, usar de meios tão sujos é contra a lei. Seria muito impossível alguém fazer isso e continuar impune.

L: A não ser que...?

R: A não ser que o que?

L: A não ser que muita gente poderosa receba dinheiro desse negócio e que eles eliminem todos os que forem contrários a eles, sem deixar vestígio. Entenderam o perigo do que estão fazendo?

Breve silêncio.

M: Eu tenho dificuldade de acreditar numa coisa tão ruim.

L: De qualquer modo, você tem que admitir que hoje em dia a vida de uma pessoa no consciente coletivo tem o seu valor reduzido ao dinheiro, ao que ela compra e ao que produz.

E: O que eu acho é que a gente não perde nada em fazer um zum zum zum.

R: Como assim?

E: Na dúvida se é verdade ou mentira, a gente não confirma nada, mas solta insinuações por aí, do tipo: Você sabia que seus pensamentos podem ser controlados? Sabia que existem alguns produtos com um selo e que eles estão dominando a cidade? Sabia que você pode estar sendo hipnotizado para comprar esses produtos?

L: Sabia que sua vida tem um valor muito especial, para você se deixar controlar desse jeito?

R: Sabia que você vale mais do que o que compra ou de quanto ganha?

 L: Sabia que pessoas podem estar sendo mortas só para enriquecer os bolsos de uns poucos que tomam seu dinheiro e ficam rindo de você?

M: Mortas, viciadas e prostituídas em favor de uns otários corruptos e injustos.

E: Sabia que você pode olhar para o mundo com outros olhos?

R: Você pode ler, pensar, olhar, olhar de novo, valorizar as pessoas ao seu redor.

L: E, muitos pensantes juntos, com amor e verdade, podem tentar melhorar esse mundo?

E: Por que você pensa que é livre quando liga sua televisão...

M: Quando fuma seu baseado...

R: E até quando liga o rádio?

L: Você pode não ser livre...

E: Pois eles mandam tocar no rádio só o que eles querem que você escute...

L: E ficam dizendo o que é muito bom até você acreditar...

M: Até você parar de pensar...

L: E de aceitar as diferenças. Alguém está querendo nos transformar em iguais!

M: Alguém está querendo nos transformar em produtos!

R: Em robôs sem sentimentos que vivem com emoções programadas para produzir e comprar!

E: Alguém está nos matando aos poucos...

L: Mas esse alguém não é invencível!

R: Pois ele não pode tirar da nossa alma o movimento de revolução...

M: O desejo do infinito...

E: De liberdade verdadeira!

L: Isso, pessoal, muito bom. É uma ótima campanha!

E: Um ótimo espetáculo!

M: Vocês anotaram? Ei, vamos anotar, senão a gente vai esquecer.

R: E começar logo a divulgar isso.

E: E colocar todas as idéias na coreografia. O Contraponto será uma denúncia!

L: O Contraponto será muito mais! Não é em si um evento ou espetáculo que importa, é a revolução dentro de vocês, um novo jeito de olhar o mundo.

R: Mas não é só a gente que importa, outras pessoas precisam saber o que a gente sabe.

L: Nem todos querem saber, aliás, quase ninguém quer pois saber tem um preço alto. Eu falei isso para vocês. Lembram, de tanta gente que esteve aqui, só vocês ficaram, pois só vocês tinham o real desejo de aprender? Uma morre na alma a partir do momento que ela acha que já sabe alguma coisa, tenham cuidado com isso. Também é importante que vocês, ainda que poucos queiram saber, mantenham a integridade do que são, do que aprenderam e do que pensam.

E: Ainda que tentem furar nossos olhos, continuaremos olhando, com a alma.

L: Agora vamos, vamos trabalhar, que está apenas começando!

Fim do Segundo Episódio.

Episódio 3: Um dia sempre chegará em que tudo deixará de ser importante. Aproveite esse dia Para descobrir o que mais importa.

O cenário deve estar montado como uma sala de estar padrão que se diferenciará das quatro famílias apenas por um detalhe: Rauma - um quadro de arte; Michel: um quadro bíblico; Éris: uma mesinha e um vaso de flores; Lucas: mesinha com livros e roupas usadas.

 Cena 1: Empolgação

Eles estão panfletando, fazendo uma campanha e anunciando o espetáculo.

L: Com licença. Bom dia! Você já parou pra pensar que seus pensamentos podem ser controlados? Alguma organização do tipo sociedade secreta pode estar manipulando a nossa cidade. Parece estranho? Incomum? Mas não é. Isso não é um fenômeno novo. Muitas sociedades já foram manipuladas por grupos secretos. Somos apenas mais uma.

E: A gente fica o tempo todo imitando alguém. Somos uns tontões. Então, e aí, já pensou nisso? Alguém ta sugando tua vida, brother? E você vai fazer o que? É bom pensar! Pense um pouquinho mais...

R: Nós estamos tentando enxergar coisas que, normalmente, ninguém vê. Essa nossa liberdade de sair de casa, comprar, vestir-se e tudo mais que pensamos escolher é só aparente. Nossas ações já estão determinadas e previstas e não é pelo Sr. Destino. Algumas pessoas nos estudam a ponto de saber nossas reações!

M: É bom saber que tem gente que faz sujeira e faz por que quer, assim podemos desejar justiça! Eles sabem que muitos vão ficar na pior, mas isso não tem importância, assim, se gente importante vai sair ganhando, o que importa que gente sem importância morra, ou sofra, ou fique viciada, ou passe necessidades e essas coisas ruins?

R: É isso aí. Esperamos vocês para assistir o nosso espetáculo! Parece meio maluco, mas vai ter muito movimento. Vai ser dança pra valer!

M: E muitas revelações fortes! Que caras são essas, não era pra dizer? Olha, eles não querem que eu diga, mas eu vou dizer: Você conhece esse símbolo? Deveria conhecer. Esse é o selo do grupo que está nos controlando. Não é mentira nossa! É uma revelação verídica.

L: Revelação verídica...

M: É, deu pra entender, deu? Verídica! O bicho vai pegar, mano!

E: Isso aí, e vocês não podem perder. O Contraponto! Quem vai perder aqui? Obrigada.

Todos agradecem e saem. Michel acompanha Ruama até sua casa.

R: Você é mesmo maluco, onde já se viu, mostrar o símbolo assim de surpresa? O Lucas não gostou nada.

M: É ele brigou comigo. Mas por que não era pra mostrar?

R: Nós ainda temos muitas dúvidas.

M: Eu sei mas a galera precisa saber que isso existe. Parece não ter sentido, mas existe gente pensado enquanto a gente fica dormindo.

R: Ah, só sei mesmo que estou muito feliz.  Fazendo sentido ou não, esse negócio de olhar para o mundo à minha volta me fez sair de um quarto sufocado, cheio de comparações, competições, medidas e bobagens.

M: Pra mim é diferente, eu sempre olhei, mas acho que nunca percebi como as coisas realmente eram. Sempre coloquei na vida uma maquiagenzinha de... sei lá! Assim, alegria, festa... a vida às vezes parece boa, aí você não enxerga como pode ser tudo mais complicado!

R: Parece ruim pensar em coisa complicada, mas não é. É um estranho prazer. Uma sensação de controle da situação. É bom!

M: Eu me sinto mesmo mais forte agora.

R: Olhar, dançar, repetir, repetir, repetir, mas sempre de uma maneira diferente. O compasso é o mesmo: 1,2,3,4-1,2,3,4, o passo é o mesmo, mas o tempo é diferente, ainda que por míseros segundos.

M: O espaço é diferente, ainda que por míseros centímetros.

R: O movimento inteiro de cada célula do corpo, de cada parte mínima, é diferente. Isso tudo não é idêntico a vida que repete, repete, repete, mas nada nunca é igual?

M: Você é linda, sabia?

R: Obrigada.

M: Eu estava mesmo procurando o momento pra falar contigo, assim, sozinho.

R: Ah... chegamos. Eu moro aqui.

M:Você pode conversar comigo um pouco, assim, antes de entrar.

R: Pode dizer.

M: Eu... é que..

R: Fica à vontade, menino.

M: Ta... espera aí... esses meses ensaiando juntos e preparando a campanha, tentando pensar no contraponto têm sido mesmo muito bons, como você já disse e uma das melhores coisas pra mim foi ter conhecido você. Eu queria saber se tenho alguma chance.

R: Chance de que?

M: Ai, você não podia tornar as coisas mais fáceis?

Silêncio

R: Eu pensei que você gostasse mais da Éris!

M: Não, fiquei ligado em você desde o primeiro momento.

R: Eu não sei o que dizer, Michel.

M: Se eu tenho chance.

R: Você me pegou meio de surpresa, eu...

M: Eu posso esperar, assim, você me responde depois.

R: É melhor não, que dizer... bem... é bom ser admirada, mas eu gosto de você como amigo, entende?

M: Não. Quer dizer, não é muito cedo pra responder?

R: É por que eu não quero ver você sofrer, por isso é melhor dizer logo. Eu nuca me imaginei com uma pessoa assim, não...

M: Pessoa assim como?

R: Michel, minha família nunca aceitaria você...

M: Você está falando que eu sou pobre e por isso...

R: Não é só isso, é tudo. A profissão, os estudos, o futuro...

M: Eu não acredito, assim, Ruama, você não está falando de sentimentos. Que tipo de pessoa atrai você, quem você poderia gostar? Sentimentos...

R: Não é tão simples. Olha, eu já disse que não quero magoar você e nós ainda vamos dançar juntos por algum tempo, não complica as coisas, certo? Me esquece.

M: Eu achei que você tivesse mudado.

R: Mudado o que, Michel?

M: Você falou muito bonito esses dias, mas, no fundo, continua a mesma patricinha de sempre! Não mudou nada.

R: Eu vou entender que você está constrangido, por isso...

M: Por isso nada, você continua a mesma. Como você pode falar essas coisas, assim, na maior naturalidade?

R: Deixa de ser sentimental e vê que isso nunca poderia dar certo!

M: Claro que não, eu não me visto com roupas caras e engomadinhas, não tenho um carrão do papai pra ficar me exibindo, não sou metido à inteligente e não sou fingido como você!

R: Acho que o fingido aqui é você, que está me maltratando sem motivo!

M: Inocência a minha pensar que essas experiências podiam ter mudado a gente!

R: Vai embora, Michel, já chega!

M: Eu só pensei...

R: Vai embora que eu preciso entrar.

M: Ah sei, papaizinho e mamãezinha devem estar esperando. Aliás, o que você disse a eles que vai fazer no subúrbio? Você disse que estava fazendo um teste para Hollywood, não foi?  Ah, e que vai virar uma jornalista famosa, a Ruama Bernardes...      

Michel vai embora. Ruama entra em casa e senta no sofá. A mãe, percebendo a chegada da filha, aproxima-se.

Mãe Ruama: Oi, filha! Como vão os ensaios.

R: Tudo bem, mãe.

MR: Ontem no Encontro dos Amigos do Clube eu falei sobre você. Foi até bom por que me conformei mais com essa sua escolha. Eu conheci um homem, sabe filha, elegantíssimo, muito chique mesmo, que trabalha com cinema! Eu disse a ele que você está fazendo esse curso e que talvez seja escolhida para um filme! Ele me estimulou muito, sabe. Disse que é uma ótima carreira. Eu que ficava preocupada por que sua irmã foi mais além, hoje é uma doutora, ganha muito bem com suas pesquisas... eu queria que você trilhasse o mesmo caminho dela. Tenho medo que você não seja nada na vida, filha! Mas pelo que o Amâncio me falou, o homem do Clube, pode dar muito certo, é uma bela profissão ser atriz de cinema. Ele deu a dica de mandar você para os Estados Unidos. Podemos pensar nisso, não é filha?

R: Não sei, mãe.

MR: Como não sabe? Quando sua irmã ganhou aquela bolsa e foi estudar na Alemanha... Ah, eu fiquei tão orgulhosa. Falei para todas as minhas amigas. Você não pode esquecer que seu pai não vai nos dar pensão para sempre e vocês duas precisam ganhar o suficiente para não sentir tanto quando ele parar de mandar o dinheiro, que, além do mais, é muito pouco!

R: Mãe, a senhora não cansa de falar a mesma coisa todos os dias?

MR: Eu não estou falando a mesma coisa. Eu ainda não disse que seu pai gasta o dinheiro todo sustentando os luxos bregas daquela mulherzinha sem classe. Sabia que o filho deles ganhou uma medalha de ouro, de judô, karetê, não sei bem. E não é todo dia que eu conheço um Amâncio, tão chique. Ah, inclusive, estou lembrando que o Amâncio disse que não ficou sabendo desse seu curso, dessa filmagem sobre a história da cidade, de nada, de nada... Ele achou estranho pois sabe de tudo a esse respeito.

R: O que a senhora quer dizer com isso, mãe?

MR: Que, talvez, você não tenha escolhido bem, sabe? Você pode estar se envolvendo num projeto ruim. Mas agora eu tenho todas as dicas. Já sei até onde você vai estudar nos Estados Unidos que o Am...

R: Mãe, já chega de controlar minha vida! Eu não tenho que ser igual a minha irmã, não tenho que ganhar dinheiro demais, não tenho que ser o que a senhora quer que eu seja!

MR: O que é isso, filha, eu só quero o seu melhor.

R: O meu melhor, essa pressão toda na minha cabeça é o melhor?

MR: Esqueceu que melhor é vencer, filha? Eu sabia que você estava envolvida com alguma coisa que não presta. Você nunca falou comigo desse jeito!

R: O que é que presta pra você, mãe? Eu menti mesmo, menti, e aí? Se eu dissesse a verdade você nunca ia aceitar!

MR: Filha, você está fazendo um filme... pornog...

R: Não, mãe! Meu Deus do céu, eu estou ensaiando para um espetáculo de dança e fazendo uma pesquisa sobre um grupo empresarial corrupto, mas não sei se vou ganhar muito dinheiro com esse projeto. Acho que não, mas não me importa ganhar dinheiro, pois pela primeira vez na vida eu estou fazendo o que eu gosto, eu sou livre e não preciso dar resultados! Eu não preciso ganhar, eu só preciso viver, mãe!

MR: Eu preferia que você estivesse fazendo um filme pornográfico, a Xuxa começou assim, a Madona, a Sônia Braga e outras que hoje são famosas!

R: Eu não quero mais viver competindo, não quero ser a melhor, não quero ser mais especial, eu só quero ser eu, mãe.

MR: Filha, o que estão fazendo com sua cabeça! A gente pode procurar um psicólogo. Isso! Não tem problema, a sua irmã, quando estava estudando muito também precisou de um psicólogo. É normal, é até chique...

R: Mãe, eu só quero viver...

MR: Viver como uma maluca? Você vai perder sua vida e quando se der conta vai ser tarde demais. Você quer terminar seus dias dependendo de trabalhar muito para sobreviver?

R: Seria ótimo! Se eu tiver o que eu precisar, mãe, para mim está ótimo.

MR: Onde eu anotei o número do terapeuta da sua irmã?

R: Chega, mãe! Chega.

Ruama sai de cena e a mãe fica procurando o número de telefone, pega o celular e sai discando.

MR: Alô, é do consultório do doutor Valério?

Éris está chegando em casa e seu companheiro Paulo está sentado no sofá bastante irritado.

E: Oi, amor. Eu cheguei um pouco tarde hoje por...

Paulo: Hoje? Hoje, Eriana, você está chegando um pouco tarde sempre! Você sabe que eu preciso almoçar cedo e, simplesmente, eu chego em casa e não tem almoço feito, não tem nada feito e você por aí, eu já estou ficando desconfiado.

E: Mas, Paulo, eu...

P: Fica calada. É melhor você ficar calada por que você não tem razão. Olha aqui, eu não tirei você daquele interiorzinho atrasado, não estou te dando tudo, te tratando aqui como minha mulher, como princesa, pra você ficar a bater perna por aí. Você pediu pra participar de umas aulas de dança, chorou, tudo bem, era o que você gostava de fazer, eu concordei. Eu bem que devia ter desconfiado, dança! Acho bom exagerar menos, que eu vou conferir o que você faz nesse negócio!

E: Você que devia exagerar menos pois eu faço tudo pra você e ainda é pouco! Você fica me lembrando o tempo todo que me trouxe pra cá, parece até uma humilhação. Eu pensei que você me amasse, por isso quisesse morar comigo. Mas me enganei, agora você me prende, me vigia o tempo inteiro...

P: Deixa de falação besta. Eu já fui te vigiar nesse teu trabalho, fui? Prometi que não ia e não fui. Mas agora vou, pois você está muito desobediente. Ah! Eu acho que você está é com saudades da sua família, né? Saudades daquela cambada de irmãos chechelentos passando fome!

E: Você não tem o direito de falar assim! 

P: Ah, não tenho? Quem é que paga essa conta de telefone monstruosa, cheia de ligações suas para suas irmãs? Você passa horas falando com elas todos os dias, está demais Eriane. De hoje em diante você só liga aos domingos, que meu dinheiro não é infinito.

E: Aos domingos! Paulo, você me deixa muito sozinha. Sai pra beber com seus amigos e eu fico aqui presa, esperando você voltar. Agora que estou saindo um pouco de casa você já fica reclamando. Se eu trabalhasse eu poderia pagar a conta do telefone. Deixa eu estudar, Paulo, trabalhar...

P: Mulher minha não trabalha... pra que, pra ficar me traindo por aí? Eu acho que você está me traindo, Eriana.

E: Pára de me chamar de Eriana, você sabe que eu não gosto. Eu sou Éris!

P: Éris, vai ver é seu nome de guerra no ponto, sua vadia! Eu não admito traição.

E: Eu não estou traindo você!

P: Não? E essa roupa colada, suada. E esse cheiro, hein?  De agora em diante acabou esse negócio de Éris que eu não gosto, é Eriana.

Paulo empurra Éris com violência e daí por diante seu comportamento violento aumenta, até que bate nela

E: Você sabe que não tem nada demais nesse nome, é só por que acho bonito. Eu descobri, Paulo, que é o nome de uma deusa! Eu sempre quis ser bonita, quis ser uma deusa pra você, Paulo, só pra você.

P: Você pensa que me engana. De agora em diante, nunca mais você vai chegar depois da hora do almoço, entendeu?

E: Eu sei por que você faz isso, fica desconfiando de mim, por que você me trai. Eu fico calada, mas eu sei que você me trai quando passa o fim de semana fora e eu fico aqui sozinha.

P: Cala essa boca, você não tem direito de falar assim comigo!

E: Você que não tem o direito de me bater. Quer saber, Paulo, eu não agüento mais você! Eu quero voltar, sim, para o meio dos meus irmãos chechelentos, como você diz. Quero voltar pra minha cidade. Lá eu vou poder estudar, trabalhar, dançar e viver. Nada do que você me dá é suficiente pra me fazer agüentar essa humilhação!

P: Nunca mais diga isso, sua desgraçada. Nunca mais diga isso ou eu mato você! Me dá sua chave.

E O que?

P: Me dá sua chave pois de agora em diante você só sai de casa comigo.

E: Você não pode fazer isso!

P: Você está besta demais depois que inventou essas tais de aulas. Está proibida de ir, entendeu? Passa a chave.

E: Não, Paulo. Eu não vou ficar prisioneira, você não tem o direito...

P: Quem não tem direito aqui é você.

Eles brigam pela bolsa, Paulo abre a bolsa, olha tudo de dentro, pega a chave e sai

(Enquanto Éris chora deitada no chão, ocorre uma modificação do cenário e a casa de Michel ocupa a metade do palco. Ele entra, senta no chão vizinho ao sofá e liga o som).

Mãe Michel: Baixa esse som, Michel. Você sabe que eu não gosto desse tipo de música aqui em casa.

Michel obedece. 

MM: Ô, filho, o que foi que aconteceu? Por que você está tão triste?

M: Não foi nada, mãe.

MM: Claro que foi, eu conheço você.

M: Nada de importante.

MM: Hoje nós vamos almoçar na Igreja, vai haver uma confraternização. Você prepara aí qualquer coisa se não quiser ir...

M: Vocês vivem na Igreja, não sei como não cansam disso!

MM: Cansar? A gente não cansa de estar com o Senhor, meu filho. Você que vai se cansar do mundo, um dia, e vai voltar como o filho pródigo.

M: Eu não vou voltar, mãe.

MM: Ah, vai, por que Deus é fiel e nós somos mais do que vencedores.

M: Deus nem existe!

MM: Meu filho, isso é um espírito maligno que coloca dúvidas na sua cabeça. Repreenda!


M: Mãe, eu acho que isso está errado. Vocês ficam direto dentro de uma Igreja orando, orando e não fazem nada por um mundo melhor.

MM: Isso é mentira, Michel, a gente evangeliza e a vida das pessoas que se convertem muda muito por causa do evangelho. Isso é fazer muito pelo mundo, livrar pessoas das garras de Satanás.

M: Eu não entendo. Deus não quer que ajude as pessoas que não se convertem? Deus não quer que estenda a mão a quem precisa sem ser pra se converter, só pra ajudar?

MM: Primeiro é para os filhos, depois para os cachorrinhos, disse Jesus.

M: Vocês falam tanto em Satanás, mas quem vai livrar o homem do próprio homem, das injustiças do mundo?

MM: No dia que Jesus voltar você vai ver que o reino espiritual é mais importante.

M: Deixar as pessoas com medo de ir para o inferno, pois é isso que vocês fazem, mandam as pessoas pro inferno, excluem as pessoas, não é salvar ninguém! Vocês vivem fofocando, julgando todo mundo, se achando melhores do que os outros e orando pra satanás ser derrotado, enquanto as pessoas enfrentam problemas normais da vida!

MM: Eu não vou nem ouvir, você está como um louco! Que adianta ganhar o mundo e perder a alma?

M: E o que adianta ganhar a alma e perder o mundo, mãe? O mundo que precisa de pessoas boas, de justiça, de honestidade, mas do que de ficar ouvindo gritos e nomes de demônios, e repreensões e falatórios.

MM: Não existem pessoas boas, só pelo sangue de Jesus!

M: Então, o sangue de Jesus é só para alguns? Por que a graça de Deus não seria para todos?

MM: Não se deve questionar os feitos de Deus. Você vai aprender isso, pois quem não aprende pelo amor, aprende pela dor!

M: Nada precisa permanecer igual, mãe. Tudo, tudo tem movimento.

MM: Pois bem, já vou chamar seu pai e seu irmão, não quer vir com a gente?

M: Não.

A mãe de Michel sai e ele fica parado pensando. Éris levanta e telefona para Michel, que atende.

M: Alô?

E: Oi, Michel, é a Éris.

M: Oi.

E: Você ta bem?

M: Não... falei com a Ruama como você sugeriu e foi horrível.

E: Foi?

M: Foi, pareceu que ela levou um susto, do tipo: "nunca namoraria alguém como você!" Sei não, não sei nem como vou dançar com ela agora! Eu disse umas coisas ruins pra ela, nem sei como vou olhar pra ela! Éris... Éris... você ta aí?

E: Tô...

M: Você tá chorando?

E: Não... eu...

M: O que foi que ele fez dessa vez com você? Éris... diz alguma coisa...

E: Ele me prendeu em casa, levou a chave e me proibiu de sair, eu não vou mais poder dançar, Michel!

M: Eu não acredito, mas isso é um crime, é um absurdo!

E: Eu também nem sei se quero mais continuar, mesmo, Michel. Eu acho que tudo que a gente ta fazendo nesses dias é uma grande besteira. Ficar falando de justiça, de mundo melhor, de enxergar o que ninguém enxerga... pra que? No fundo, no fundo, nada muda! Nada nunca vai mudar.

M: O que é mais importante na vida, Éris?

E: Eu não sei, não sei por que agora estou muito triste. Importante é sair dessa casa!

M: Eu vou ajudar você!

E: Não precisa. Cuide da sua vida, Michel! Cada um tem que cuidar da sua própria dor, que já é grande demais pra ficar acumulando dor dos outros. Você já chegou perto de morrer e não vai querer chegar de novo. O Paulo pode matar você.

M: Ele ameaçou você, bateu em você? Foi, Éris? Como é que você ta? Éris, você ta machucada?

E: Não importa, Michel, só que eu tô fora. Avisa para o Lucas, mas não fala o motivo, por favor, você sabe que eu tenho vergonha e ninguém lá sabe do Paulo.

M: Eu sei, Éris.

E: Ah... meu nome é Eriana. Era pra ser Ariana, mas meu pai falava muito errado e quando foi fazer o registro o rapaz do cartório escreveu do jeito que meu pai falava. Não tem nada de bonito no meu nome, nem nada de deusa, nem nada de nada. A vida é assim mesmo e chega de ilusão para mim!

M: Quem disse? Eriana também é um nome bonito e o jeito que seu pai falava faz parte da sua história. É bonito, sim!

E: Besteira, Michel. Nada mais importa, chega de sonho! Tchau, já vou desligar.

M: Não, Éris, não vou deixar você assim!

Éris desliga o telefone e sai de cena. Michel pensa um pouco e sai também! Forma-se a casa de Lucas, no cenário. O telefone começa a tocar. Lucas entra para atender.

L: Alô?

Voz estranha: Você esqueceu como podia e como não podia brincar, criança? Brincar de roleta russa é muito perigoso. Você é carta marcada. Agora, já está avisado. (Som de tone)

Lucas desliga o telefone, baixa a cabeça e fica pensativo. Depois tenta fazer uma ligação.

L: Atende, Raquel! Mas é claro que ela não vai atender... os telefones podem estar grampeados. Parece até que eu estou em liberdade condicional! Meu Deus!

Ele faz movimento de quem olha a janela.

L: É incrivelmente ruim a sensação de estar sendo vigiado. Ameaças e novas ameaças... eu preciso fazer alguma coisa, se bem que já está quase tudo escrito. A quem posso entregar isso, a quem posso denunciar? É melhor eu pensar baixo, que é capaz das paredes terem ouvidos, literalmente. Raquel, o que aconteceu com você? Ai, meu estômago, droga de vida...

Ele toma um remédio e aperta o estômago com as mãos.

Ouve-se a voz de Michel chamar.

M: Lucas!

L: Oi, Michel, entra. Ah, espera, vou abrir. Ando meio desligado, esqueci que tranquei tudo.

M: Estranho, antes você deixava aberto.

L: Loucura, né? Ninguém pode confiar de deixar a porta aberta.

M: Você está sentindo alguma coisa?

L: Não, nada demais, uns incômodos no estômago, logo passa.

M: Aconteceu alguma coisa?

L: Que tanta pergunta, rapaz!

M: É que to te achando diferente...

L: Incômodos bobos. E você, o que faz aqui?

M: Eu não estou bem. Aliás, está tudo errado. Eu vinha mesmo disposto a brigar com você, dizer uns desaforos, mas você tava assim tão amarelo que eu não tive coragem.

L: O que foi que aconteceu? Pode falar.

M: É por que... Lucas, não faz sentido.

L: O que?

M: Nada disso. É tudo bobagem. É um desejo besta de mudar o que não se muda nunca.

L: O que faz nossa sociedade se organizar como se organiza? Lembra do que a gente estudou no Contraponto, qual a base de motivação da cidade, dos homens?

M: O desejo.

L: É, tudo gira em torno do desejo, desde o desejo de ganhar um mísero pedaço de pão ao de conquistar o universo.

M: Sim, mas isso não leva a nada. Desejar é andar em círculos. Para que todo esse trabalho, então?

L: Você falou bem, Michel, desejo é coisa insaciável, não é construção. O que se tem, na prática é a ação. Particularmente, não vejo outra ação realmente construtiva, senão o amar. Se o ato de amar faz nossa alma se transferir para o outro, isso é compaixão. Só assim seu desejo vai poder ser saciado, por que ele terá um limite: o bem do seu próximo.

M: Você está mudando de discurso. Cadê aquele papo todo empolgado de justiça? Esse negócio de limite no bem do próximo parece até conversa de padre!

L: Você já parou pra pensar no bem do seu próximo, Michel? Por que não é tão simples.

M: Nada é tão simples pois não existe verdade.

L: Verdade existe, mas ela é inalcansável para nós! Nosso desafio é chegar o mais perto possível dela.  E eu nunca "cheguei pra vocês com um papo todo empolgado". Vocês escutaram o que quiseram escutar.

M: Ah, agora a culpa é nossa e você tira o corpo fora?

L: Você que tem que saber em que acredita.

M: Quer saber, eu acredito no que ta incomodando dentro de mim. Eu briguei com a Ruama e não me arrependo, ela é falsa assim como você. E a Éris, coitada... está... não posso dizer.

L: O que aconteceu?

M: Não posso dizer, mas ela não vem mais.

L: Como assim não pode dizer?

M: Ela não quer que eu diga, ... mas eu preciso de ajuda... Eu preciso ajudar ela, Lucas! ...A Éris está presa em casa pelo namorado dela, eles moram juntos pois a família dela é do interior. E agora, me diz, diante disso, o que importa em tudo que a gente ta fazendo? Não faz sentido.

L: Como a gente pode ajudar a Éris?

M: Você não tem resposta, não é? Era mesmo tudo bobagem, pois, na prática, a vida é bem mais complicada.

L: É, Michel, a vida é bem mais complicada. Mas isso não quer dizer que a melhor opção seja parar de lutar, parar de acreditar, parar de pensar. Quando a gente começa a enxergar as coisas, é impossível voltar atrás. No mundo dos homens existem muitas malas pretas, muita sujeira, muita injustiça... não dá pra seguir o rumo da maioria sem, de algum modo, ser culpado, ainda que pelo silêncio. Eu sei que não vai mudar... mas...

M: Mas o que, Lucas? Foi o que eu perguntei pra Éris, o que é mais importante, agora? O que é mais importante?

L: O mais importante é a pessoa que você está se tornando. Agora chega de chororô e vamos ver como a gente pode ajudar a Éris. Vamos, rapaz!

M: Você acha que é possível?

L: O bem não existe só para a defesa. Bem de verdade, tem que incomodar, por que o bem é um espelho. Deve haver um jeito!

M: Vamos.

L: Ah, e trate de se resolver com a Ruama.

M: Impossível!

L: Impossível, eu diria até que você está apaixonado por ela...

M: Eu? De jeito nenhum! Uma patricinha metida a rica... Ruama Bernardes... Eu não! (O professor olha com expressão de descrença) Tá, professor, eu assumo, estou mesmo!

Fim do terceiro episódio

 

Episódio 4- Revolução é ter atitude - Crescer, compreender e transformar!

Cena 1: Justiça

Cenário: Casa do Michel - mesinha com vaso de flor e bíblia.

Michel encosta-se na parede, olha para os lados como se estivesse fugindo.

Monólogo do Michel:

Droga, droga, droga! O que está acontecendo, meu Deus do céu? Será que essa é a regra? Toda injustiça será sempre impune? Será que existe justiça? Fui eu quem quase perdeu a vida, eu fui a vítima, mas ninguém me deu importância! O caso foi encerrado como... bala perdida! Bala perdida e ponto final. Eu tive que sair calado, meu Deus! Droga! Bala perdida uma ova! E, depois, essa prisão do Lucas... Não tinha droga nenhuma na sala de ensaios, nem na casa dele, ele nunca ofereceu nada de droga pra gente! Essa prisão do Lucas é mais uma prova de que eles estão atrás de nós. Foram eles que fizeram isso, desde o começo. Foram eles... Mas como provar? Droga! Ninguém vai me ouvir... Encerraram o caso, não me deram a mínima atenção, droga! Estúpidos, ladrões, injustos... Vamos morrer todos, todos nós, enquanto eles continuarão esbanjando esse lucro sujo!  Eles tapam os ouvidos dos mais fracos e calam a boca dos mais fortes! Que injustiça, meu Deus! Mas eu não sei por que estou espantado! Desde que o mundo é mundo sempre foi assim. Os injustos dominam, a maldade é que manda. Meu Deus, como eu posso acreditar em você? Não posso acreditar que exista um Deus!   Não faz sentido, não faz nenhum sentido!

(Ele olha para a bíblia que está em cima da mesinha. Abre e começa a ler. Lê. Chora.)

  "ESTAS são as últimas palavras de Davi: Diz Davi, filho de Jessé, e diz o homem que foi levantado em altura, o ungido do Deus de Jacó, e o suave em salmos de Israel.

     O Espírito do SENHOR falou por mim, e a sua palavra está na minha boca.  Disse o Deus de Israel, a Rocha de Israel a mim me falou: Haverá um justo que domine sobre os homens, no temor de Deus.   E será como a luz da manhã, quando sai o sol, da manhã sem nuvens, quando pelo seu resplendor e pela chuva a erva brota da terra"

        O sol na manhã sem nuvens... Meu Deus, nunca tinha feito tanto sentido para mim quem o Senhor é: o Justo. Como o sol da manhã é tão claro que não podemos enxergar, assim é você! É impossível enxergar detalhadamente o sol, mas também é impossível não vê-lo, assim é você. Existe uma justiça tão justa que embaça a visão como o sol, justiça tão clara como o sol. Numa terra cheia de corrupção e violência, tua justiça é nossa esperança, tua pessoa é o nosso exemplo a ser seguido. Teus valores são invertidos em relação aos nossos, temos que aprender tudo de novo, por isso, no teu reino, somos como crianças. Aprender a perder para ganhar, a entregar para receber, ser o menor para ser o maior... Mas no teu reino há justiça, por que o Senhor é justo, como o sol, como o sol na manhã sem nuvens, impossível de ser olhado, impossível de não ser sentido... (ri e chora) Perdão, Senhor.    (Michel chora ainda um pouco e sai de cena).

Cena 2: Revelações - Depoimento de Raquel

Estão em cena Raquel, o Delegado e o escrivão ou só Raquel e vozes

Delegado: Está pronta para o depoimento?

Raquel: Sim.

Delegado: Pode começar.

Rq: Meu nome é Raquel. Raquel Albuquerque, jornalista. Conheci o Lucas na faculdade, há alguns anos. Começamos a trabalhar na Imagem Solar quase ao mesmo tempo. Era uma oportunidade imperdível para quem estava em começo de carreira, mesmo sabendo que deveríamos nos submeter a diversas regras que, de certo modo, tolheriam nossa profissão. Uma dessas regras é a de não veiculação do nome dos funcionários na Imprensa em assuntos que não contribuíssem ao progresso da Imagem Solar. O Lucas sempre foi teimoso. Como no trabalho ele era conhecido como Lucas Silva, começou a usar o codinome Jorge Martins para assinar suas crônicas, artigos e denúncias. O nome completo dele é Jorge Lucas Martins Silva, então, a idéia do codinome não foi suficientemente boa como disfarce. Mesmo assim, ele passou mais de um ano escrevendo livremente sem ser percebido. A situação complicou quando ele passou a discordar dos procedimentos da própria empresa e não teve medo de cair. Eu tenho. Vou ser bem honesta, eu não tenho coragem de falar aqui e agora tudo que eu sei. Tenho medo de morrer. Eu já sei que estou perdendo o meu emprego, mas não quero perder a vida. Eu sempre quis fugir dessas informações. Eu achava que, se realizasse o meu trabalho com honestidade, não seria culpada por nenhum daqueles negócios. Eu sou apenas uma funcionária, nada mais, que culpa eu poderia ter? Lucas não, ele tentou descobrir tudo o que podia e, como Jorge Martins, denunciou vários esquemas corruptos da Imagem Solar em parceria com alguns Deputados, Senadores, Procuradores e até Juízes. É muita gente grande envolvida em muita coisa suja, até no tráfico de drogas, prostituição infantil, lavagem de dinheiro e muito mais. Eles detêm a mídia na mão, enquanto o dinheiro público subsidia alguns grupos empresariais. O Lucas ou o Jorge Martins, tanto faz, denunciou vários desses esquemas. Quando foi descoberto, teve que retirar da internet a maior parte dos seus textos. Ele havia conseguido, ainda, colocar uma nota no jornal, mas os jornais, rapidamente, viraram lixo. Eles criaram rapidamente notícias novas e, no dia seguinte, o jornal do dia anterior perdeu a significância, muito rápido. Um homem achou uma mala com quinhentos mil dólares no aeroporto e devolveu para o dono, um grave acidente de trânsito congestionou todo o centro, na periferia aconteceram assaltos e tiroteios e fechou-se um contrato com uma banda de música famosa. Quem ia prestar atenção em denúncias de corrupção? Enquanto isso, Lucas foi demitido, processado e ameaçado de morte. Tudo foi cuidadosamente abafado. Ele perdeu tudo, até seus amigos, pois todos nós que trabalhávamos na Imagem Solar fomos convencidos a cortar relações com ele, como se ele fosse um traidor que nos faria perder tudo, também.

 Depois disso ele ficou com dificuldade de arranjar emprego como jornalista. Eu sei que ele queria mesmo ser professor, mas também não consegui entrar em nenhuma escola. Gente grande queria ele calado. Ele mesmo vai entregar os nomes, mas o nosso medo é que o julgamento seja todo forjado. Eu tenho dúvidas até do senhor, delegado, não sei se esse meu depoimento é válido. Bem, voltando ao assunto, o Lucas colocou o projeto desse espetáculo que estava ensaiando e foi contemplado. Surgiu a oportunidade que ele queria como professor, no passado ele trabalhou com teatro, essas coisas de arte. Daí, não sei mais como tudo voltou, como ele começou a pesquisar sobre a Imagem Solar novamente. Só sei que, na divulgação do espetáculo, seus alunos citaram algumas coisas, não sei se ele falou, como foi, não sei.Mas sei de uma coisa, ele nunca foi envolvido com drogas, nem nos tempos de faculdade. Pelo contrário, ele sempre teve muita preocupação com a juventude, com a vida, muita sede de justiça, de verdade, ele lutava contra muitas coisas ruins do mundo. Não faria isso. Eu acredito que alguém colocou essas drogas propositalmente para incriminá-lo e aquela testemunha pode ter sido comprada. Eu falei com seus alunos, nenhum Paulo estava no espetáculo. Esse Paulo que testemunhou sobre as drogas não era aluno dele, parece tudo uma grande farsa, tudo comprado. É isso que eu tenho a dizer. Aconteceram muitas coisas nos últimos anos que precisam ser levadas em conta. Posso ir?

Delegado: Confira seu depoimento e assine.

Rq: Você não omitiu o que eu falei! Obrigada.

Ela assina e sai.

Cena 3: Força

As cortinas fecham e o cenário muda para o palco da apresentação onde estão os dançarinos, tristes e com medo. Raquel entra perguntando se o espetáculo não começou, se as pessoas ali têm alguma notícia, pois já estão atrasados. Como ninguém responde, ela decide entrar a conversa por trás das cortinas deve ser ouvida lá fora.

Rq: Pessoal, o teatro está cheio, por que vocês não começaram ainda?

M: Gente, essa é a Raquel, amiga do Lucas que veio procurar a gente quando ele foi preso.

R: Amiga do Lucas, não. Amiga do Jorge Martins. Você deve estar mentindo pra gente do mesmo jeito que ele mentiu! Eu não acredito que ele mentiu pra mim, ela ele o tempo todo!

J1: Pois é, dona Raquel, como você quer que a gente apresente nesse clima? Tem gente falando que vem até polícia atrás da gente.

R: O Lucas não tinha o direito de envolver a gente assim!

M: O Lucas foi injustiçado, Ruama, você não ta vendo?

R: Mas ele mentiu!

M: Pra nos proteger, Ruama.

R: Que mentira, Michel! Ele não quis nos proteger, nada. Fomos usados para os interesses dele!

J2: E aí, tem mesmo polícia lá fora para prender a gente?

Todos falam ao mesmo tempo e faz-se um grande barulho.

Rq: Calma, pessoal, silêncio! Psiu, por favor, deixem eu falar.

M: É gente, deixa ela falar.

Rq: Não tem polícia aí pra prender vocês. Eles querem vencer vocês pelo medo e, é claro que vocês deverão ter muito cuidado, mas, não é tão fácil assim... A apresentação, tudo o que viveram e aprenderam até agora, vale a pena mostrar. Falem, gritem essa revolta fora, rasguem a alma de vocês. O Lucas foi preso injustamente e agora eu sei que não se deve calar com a injustiça.

J1: Mas, olha Raquel, tem muita coisa que a gente não entende.

R: Eu não entendo mais nada!

Rq: Eu sei, pessoal. Existe muita complicação, muita "mala preta bem lacrada", é complicado entender tudo e não adianta vocês ficarem sabendo agora, tudo tem o seu tempo. Eu sei de muita coisa, o Lucas também, mas tudo tem seu tempo.

M: Quando a Éris estava trancada em casa, eu e o Lucas entramos em contato com muitas pessoas e conseguimos trazer os pais dela aqui para tirarem ela daquela casa. Eu vi o interesse dele, Ruama, em ajudar. Ví, também como ele conhece muitas pessoas que também podem nos ajudar.

E: É. Eu agradeço a tudo isso pois hoje sou jovem, hoje eu posso sonhar e ser feliz.

M: Aí, de repente, inventam mentiras e levaram o Lucas, foi um susto grande, mas só mais uma prova de que eles são os culpados e nós as vítimas.

J3: Vamos dançar, pessoal, a gente acrescenta no fim aquela música, até quando!

E: Massa!

M: Ruama, hoje eu acredito que vale a pena lutar pela justiça, pois ela existe, é a nossa vida, a verdadeira justiça é como o sol de uma manhã sem nuvens.

Rq: E então, vamos lá!

R: Só precisa resolver uns probleminhas, umas coisas que o Lucas fazia...

Rq: O que é, eu posso tentar fazer. Espera, deixa só eu anunciar que dentro de alguns instantes vocês se apresentarão.

Fim do episódio quatro

 

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Atualizado em: Qua 13 Ago 2008

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