- Pelos olhos de Pessoa por Edson Tavares
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MORTE E VIDA
Eis o eterno diálogo: a vida com a morte. A tênue fronteira entre as duas é responsável por reflexões mil - como se dá a relação entre as duas?
As vezes em que, em vida, nos aproximamos da morte, inspiram-nos uma pseudo-certeza de que conhecemos os segredos de morrer. Como um alto precipício, de cuja margem nos aproximamos a furto e ousadamente, contemplamos a escuridão do invisível e, por minutos, julgamo-nos senhores de todos os seus segredos.
Mas falta-nos coragem para prosseguir. A dúvida do incerto é muito forte. O pulo no escuro faz-se demais tenebroso, eterno demais, muito sem possibilidade de reconsideração.
Daí que, se em momentos de desespero, chegamos a desejar o salto fatal, a razão - ou a emoção, quem o sabe? - priva-nos de concretizar o desejo. Voltamos, ansiosos, para o lado seguro - porque conhecido - da luz, jogando nossas fichas em novas chances, novas tentativas de melhora. E assim se dá o ciclo da vida, um sempre subir e descer, qual gangorra sobre a qual escrevi, anos atrás, quando pensava que era poeta.
Outra coisa que nos faz familiares da morte é quando o corriqueiro das ações que a envolvem criam a ilusão de banalidade. Resolução de questões burocráticas ligadas à morte de parentes, questões que exigem mais a razão das providências que a emoção da perda, traz-nos uma sensação estranha de trivialidade, acentuada pelo impessoalismo de agentes funerários, cartorários, legistas, coveiros - essa gente que lida com a morte cotidianamente, com a indiferença de quem precisa ser assim, para ser eficaz no que faz.
É interessante, também, como Bernardo Soares vê a morte, numa permuta curiosa de conceitos, que nos faz pensar:
Somos morte. Isto, que consideramos vida é o sono da vida real, a morte do que verdadeiramente somos. Os mortos nascem, não morrem. Estão trocados, para nós, os mundos. Quando julgamos que vivemos, estamos mortos; vamos viver quando estamos moribundos.
Aquela relação que há entre o sono e a vida é a mesma que há entre o que chamamos vida e o que chamamos morte. Estamos dormindo, e esta vida é um sonho, não num sentido metafórico ou poético, mas num sentido verdadeiro.
[...] O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais em nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.
E essa busca incessante de ver Deus, de encontrar Deus, na qual transformamos nossa vida, alimentados pela esperança de que o encontraremos quando morrermos, confunde ainda mais essa fronteira.
Na verdade, Deus é o trunfo mais complicado, nessa guerra interior. Tentador demais conhecê-lo pessoalmente, mas a um preço muito alto, porque com ares de irreversibilidade.
E se o Deus que nos dizem não existir na morte? E se a vida não suportar a morte e morrer com ela? E se a morte for um eterno planar num vazio sem fim? E se a morte for, de fato, o fim? Pior: e se essa história de vida eterna for mais uma jogada ideológica castradora da única vida que realmente existe? Complicado demais, para quem desconfia até da própria sombra.
Nunca encontrar Deus - reflete Soares -, nunca saber, sequer, se Deus existe! Passar de mundo para mundo, de encarnação para encarnação, sempre na ilusão que sempre acarinha, sempre no erro que afaga. A verdade nunca, a paragem nunca! A união com Deus nunca! Nunca inteiramente em paz, mas sempre um pouco dela, sempre o desejo dela."
Acho que é esse desejo de paz, essa vontade nunca concretizada de Deus, que nos mantem equilibrados entre esses dois mundos: felizes pela vida, curiosos pela morte... e novamente felizes pela constatação de que estamos vivos.
As vezes em que, em vida, nos aproximamos da morte, inspiram-nos uma pseudo-certeza de que conhecemos os segredos de morrer. Como um alto precipício, de cuja margem nos aproximamos a furto e ousadamente, contemplamos a escuridão do invisível e, por minutos, julgamo-nos senhores de todos os seus segredos.
Mas falta-nos coragem para prosseguir. A dúvida do incerto é muito forte. O pulo no escuro faz-se demais tenebroso, eterno demais, muito sem possibilidade de reconsideração.
Daí que, se em momentos de desespero, chegamos a desejar o salto fatal, a razão - ou a emoção, quem o sabe? - priva-nos de concretizar o desejo. Voltamos, ansiosos, para o lado seguro - porque conhecido - da luz, jogando nossas fichas em novas chances, novas tentativas de melhora. E assim se dá o ciclo da vida, um sempre subir e descer, qual gangorra sobre a qual escrevi, anos atrás, quando pensava que era poeta.
Outra coisa que nos faz familiares da morte é quando o corriqueiro das ações que a envolvem criam a ilusão de banalidade. Resolução de questões burocráticas ligadas à morte de parentes, questões que exigem mais a razão das providências que a emoção da perda, traz-nos uma sensação estranha de trivialidade, acentuada pelo impessoalismo de agentes funerários, cartorários, legistas, coveiros - essa gente que lida com a morte cotidianamente, com a indiferença de quem precisa ser assim, para ser eficaz no que faz.
É interessante, também, como Bernardo Soares vê a morte, numa permuta curiosa de conceitos, que nos faz pensar:
Somos morte. Isto, que consideramos vida é o sono da vida real, a morte do que verdadeiramente somos. Os mortos nascem, não morrem. Estão trocados, para nós, os mundos. Quando julgamos que vivemos, estamos mortos; vamos viver quando estamos moribundos.
Aquela relação que há entre o sono e a vida é a mesma que há entre o que chamamos vida e o que chamamos morte. Estamos dormindo, e esta vida é um sonho, não num sentido metafórico ou poético, mas num sentido verdadeiro.
[...] O próprio viver é morrer, porque não temos um dia a mais em nossa vida que não tenhamos, nisso, um dia a menos nela.
E essa busca incessante de ver Deus, de encontrar Deus, na qual transformamos nossa vida, alimentados pela esperança de que o encontraremos quando morrermos, confunde ainda mais essa fronteira.
Na verdade, Deus é o trunfo mais complicado, nessa guerra interior. Tentador demais conhecê-lo pessoalmente, mas a um preço muito alto, porque com ares de irreversibilidade.
E se o Deus que nos dizem não existir na morte? E se a vida não suportar a morte e morrer com ela? E se a morte for um eterno planar num vazio sem fim? E se a morte for, de fato, o fim? Pior: e se essa história de vida eterna for mais uma jogada ideológica castradora da única vida que realmente existe? Complicado demais, para quem desconfia até da própria sombra.
Nunca encontrar Deus - reflete Soares -, nunca saber, sequer, se Deus existe! Passar de mundo para mundo, de encarnação para encarnação, sempre na ilusão que sempre acarinha, sempre no erro que afaga. A verdade nunca, a paragem nunca! A união com Deus nunca! Nunca inteiramente em paz, mas sempre um pouco dela, sempre o desejo dela."
Acho que é esse desejo de paz, essa vontade nunca concretizada de Deus, que nos mantem equilibrados entre esses dois mundos: felizes pela vida, curiosos pela morte... e novamente felizes pela constatação de que estamos vivos.
Atualizado em: Seg 1 Set 2008