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Os 8 Vértices da Minha Tristeza - 2. Depressão

A depressão é como um câncer, lúpus, seu próprio corpo te atacando, matando cada parte da sua alma, cada palmo de esperança, de felicidade, de força e de energia, até não sobrar nada, até você ser apenas uma casca vazia, um zumbi perambulando pelas vielas da consciência, esperando a misericórdia do Destino, das divindades para que ele deixe esse vida e que seu corpo apodreça em paz. Um dia é um pandemônio, no outro é um silêncio terrível, em um dia doe como seu faca rasgasse a alma e em outro a dor é tragável a depressão é assim e ela nunca acaba por mais que você tenha alguns dias bons ela sempre volta para te lembrar quem manda, as vezes vem por querer, outras vezes e puxada de volta pela conjuntura, pelos atos, pela realidade, mas ela sempre volta, pelo menos para aqueles como eu, que parecem tê-la no cerne da sua personalidade, que parecem tê-la como parte de quem você, ela esta sempre lá, ocupando mais espaço até que mate tudo, até que não sobre nada.
A depressão não começa do nada, pode até parecer que sim, mas se analisar melhor antes de se manifestar ela estava lá, a espreita, sorrateira, esperando para se apossar de você. No escuro do meu quarto esvaziado, com apenas uma cama e um guarda roupa, cheio de traças e teias de arranha, lembro dos tempos passados, lembro-me do inicio de toda essa história, onde tudo começou e como se deu. Desde de criança algo estava errado em mim, eu sempre soube, mas nunca sabia o que era, onde estava o erro e o quanto isso me afetava e sendo um criança interiorana e tendo uma infância padrão para época, tudo isso ficou encoberto pelas brincadeiras com os primos, pelos cansaços das corridas, pela distração das conversas e das brigas efêmeras, mesmo sofrendo bullying, mesmo tempo um medo, um incomodo que eu nunca soube e nunca entendi de onde vinha, nada disso tinha uma influencia considerável na minha vida, tudo era a vivacidade da infância e nada disso tinha espaço naquele mundo de imaginação que me mergulhava totalmente e me desligar desse mundo até quando podia, até o quanto era possível e isso me salvou por muitos e muitos anos. Entretanto, no fundo, bem no fundo, no horizonte distante, eu podia ver as nuvens chegando, eu podia ouvir os trovões e pouco a pouco podia sentir o cheiro da tempestade.
Olhando agora, do fundo do poço, do fracasso total, tudo foi tão lento que quando realmente notei já era tarde, pouco a pouco, a infância foi ficando para trás e as obrigações da vida adolescente foram chegando, os protocolos, os relacionamentos e uma necessidade profunda de me encontrar no mundo, quem eu sou? Nunca consegui responder essa pergunta e estou muito longe de fazê-lo, e quanto mais o tempo passava mais incomodo ficava, mais me sentia desintegrado do mundo, da realidade, um forasteiro, como se aquilo não pertencesse, não fizesse parte da minha realidade e quanto mais tentava me adequar mais difícil ficava, quanto mais tentava me distanciar da infância mais o mundo perdia cor e o fim da história é que eu nunca me adequei, nunca fui um adolescente, sempre estive em um intenso estresse por não conseguir suportar o mundo externo e as mudanças dele, não conseguir suportar as novas personalidades que me cercavam e suas demandas cada vez mais fúteis, cada vez mais distantes e quanto mais procurava refúgio mas longe ficava da paz, como se o inferno da minha nova realidade ocupava todos os espaços da minha vida, não sobrando nada, nem se quem uma fresta para que eu respirasse longe de tudo aquilo e por fim tudo desmoronou, andar por andar, tudo veio abaixo, no momento em que percebi que não conseguiria nunca me adequar aquela realidade.
O início é barulhento, muito choro, muita dor, muito caos e destruição, tudo acontece rápido mas ao mesmo tempo é um processo relativamente reversível e foi nesse momento que um contradição se impôs perante mim, eu precisava de ajuda externa, mas não a queria, não queria ninguém perto de mim, dentro do meu mundo, do meu caos, dos meus problemas, não quero ninguém dentro da minha realidade mesmo sabendo que isso pode ser mortal para o meu processo de cura, como sair desse inferno sozinho, sem ajuda e paguei para ver e obviamente deu errado. Chorava copiosamente todas as noites, até o sono chegar e me livrar da realidade, implorava por ajuda divina, implorava por um alívio, por uma absolvição de seja qual for o meu crime, só para que ela dor passasse e que pudesse ter um pouco de paz, mas tudo era sempre em vão, sempre foi em vão e a dor era tão forte que as vezes era como se saísse de dentro de mim e fosse para outro lugar, como se o meu corpo desligasse por alguns instantes por não aguentar aquilo. Tudo era motivo para chorar, acordar, dormir, comer, sair de casa, tomar banho, tudo poderia gerar uma crise terrível de choro e obviamente, eu, um adolescente imaturo não sabia lidar com isso e mergulhava em espiral rumo ao um buraco tão fundo e escuro que não tinha ideia do que poderia acontecer.
É difícil as pessoas entenderem os seus problemas, era a década passada e em um interior conservador tudo se resolve com Deus, mesmo implorando por ajuda ninguém veio, então decidi agir sozinho e pedi ajuda para os meus pais que reagiram entre a indiferença e o desespero o que não me ajudou em nada , já que, nenhum dos dois tem muito tino para se comunicar comigo, era como a Torre de Babel, por mais que quisessem não sabiam como. Depois que revelei o meu sofrimento para algumas pessoas, 2 novos fatores entraram em cena, a vergonha e a cobrança. Vergonha das pessoas descobrirem que eu era diferente, que eu fazia terapia, que eu era triste, que não gostava de viver, que tinha audácia de recusar a maior dádiva do universo, a vida, e a vingança era ser comentado pelas línguas cortantes das cobras provincianas que sem nada para fazer passam o tempo a julgar os outros. A cobrança é fruto na verdade do desconhecimento, pelo fato das pessoas não conhecerem as doenças psiquiátricas, não entenderem que não é como uma gripe que simplesmente passa depois de um tempo, que o tratamento de algo assim dura muito tempo e requer muita paciência, mas depois de 2 ou 3 sessões eu era bombardeado de perguntas e cobranças sobre o meu estado, por que eu não melhorava e isso vinha acompanhado de uma certa desconfiança de que na verdade era por falta de vontade de voltar a normalidade. Hoje sei que isso tudo era motivado pela ignorância, mas na época isso gerou muito dano.
Diante disso tudo, eu coloquei na minha cabeça que o problema era o lugar, as pessoas do lugar e não a depressão e isso foi um erro, pois quando eu sai daqui e percebi que nada mudou, o simulacro de melhora que havia sobre mim desmoronou mais uma vez, só que em cima de mim e percebi que o problema era eu e onde quer que estivesse, acompanhado de quem quer que seja, tudo seria igual pois o problema era eu e não o mundo e não as pessoas nele.
Depois de um tempo todo o barulho cessa e você morre, tudo deixa de fazer sentido, tudo se acaba e murcha como uma flor seca, não há sonhos, felicidades, esperanças, alegrias, nada, tudo é escuridão, solidão, silêncio e inadequação, tudo se torna um deserto de sal, estéril e o sentido da vida começa a ser questionado e pouco a pouco aquela porta escura vai se abrindo, pouco a pouco o medo vai passando e o suicídio parece apaziguador, parece trazer esperança aquele mudo desolado e a morte é bonita, agregadora, ela perdoa tudo e todos, ela aceita a qualquer um e promete a paz, o descanso e com a mão estendida oferece a ajuda que ninguém ofereceu e de um modo que minha mente doente, que minha percepção deturpada da realidade, dos relacionamentos consegue aceitar e pouco a pouco a morte se torna mais aceitável, mais palpável, menos absurda enquanto tudo que você conhece desfalece, apodrece diante de você, o sentido das coisas se perde tão drasticamente a ponto de seu corpo se perder do tempo, jogado na cama a realidade dentro e fora do quarto são diferentes, você é uma partícula perdida no tempo, fora da realidade e por algum instantes, tudo deixa de existir e a morte aparece para te buscar. A vida é uma desgraça quando se perde o sentido dela, quando tudo que se faz não tem valor, não muda nada, não significa nada e em um desses dias, que estava de saco cheio de tudo, decidi pegar na mão fria do suicídio e abraçar a gélida morte, rumo para bem longe da carrancuda e vingativa Vida, que insiste em manter aqui, para sofrer mais um pouco, para viver mais um pouco, o que para mim soa um deboche,  um escárnio.
Não me lembro bem daquele dia, em que tudo aconteceu, está aqui em algum lugar, mas não é hora de pensar nisso, nada disso vai me ajudar nessa nova fase da minha vida, mesmo sabendo que essa cidade não é culpada dos meus problemas, tudo aqui parece mais mórbido, mais pesado, até a cama parece mais difícil de aceitar, tudo é  difícil por aqui. A depressão não foi embora quando decidi ir para a morte, ela está aqui, sempre esteve e acho que sempre estará e penso as vezes que o que me resta é me acostumar, mas como me acostumar cm isso, com o sofrimento, com a esse monstro que mora dentro de mim, com esse parasita que suga todas as minhas energias até não sobrar mais nada, é possível viver bem assim? Ela deixou uma cicatriz, tão grande e tão profunda que me afetará para sempre e como se agora ela fosse parte de mim, de quem eu sou, de como vejo o mundo e que nunca vou me livrar dela, ela matou tudo que havia dentro de mim e ocupou os espaços vazios, tudo é depressão, do chão ao firmamento, ela é o início e o fim, ela e eu somos a mesma pessoa, disputando espaços.
O meu  único consolo nesse lugar onde todos me olham com pena e desprezo pelo meu fim, onde outras secretamente comemoram minha ruína para descontar os efeitos da minha suposta arrogância em mim, o que me resta são os cachorros. Não sou apegado a nada e nem a ninguém, mas gosto deles, gosto de sentar nas cadeiras de madeira e tentar lembrar de como era a antiga vista da estrada que agora é encoberta pelo muro, olhando o trajeto do sol, perdendo o tempo vendo o balançar das folhas, tentando não pensar na minha vida, enquanto tudo isso acontece eles lambem meus pés e pedem carinho, que minhas mãos quase automaticamente lhes oferece, não vou dizer que não gosto, mas depois que esse ritual acaba a velha realidade se impõe e mesmo assim, dessa maneira, com vergonha da cicatriz que o meu ato deixou as pessoas querem vir me ver, querem que eu vá para lá e para cá como uma atração de circo, para elas apreciarem meu fracasso, evito o máximo que posso mas as vezes é inevitável e nesses casos me lembro do velho catatônico e o imito, pois é melhor olhar fixamente para o nada do que responder as perguntas indiscretas e ter que corresponder aos lamentos dessas pessoas, que nem se quer imaginam que eu sou o que mais tem a lamentar.
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Atualizado em: Dom 5 Jul 2020

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