- Diversos
- Postado em
“Cala boca incompetente!”
Resumo: Este artigo tem como objetivo discutir algumas das conseqüências que o assédio moral pode causar no indivíduo e possíveis estratégias para lidar com essa problemática.
Palavras Chaves: Medo nas organizações, assédio moral, conscientização, prevenção, mudanças, políticas saudáveis, qualidade.
É impossível combinar assédio com um clima organizacional favorável para se trabalhar. Cada dia mais as empresas buscam uma orientação mais ética e a melhoria do ambiente de trabalho, porém, encontram-se superiores desqualificando subordinados, essas situações são violentas ainda que seja indiretamente, e já se tornou tão cotidiano que nos passa despercebido.
Para FREITAS (2001, p. 9), "O agressor pode engrandecer-se rebaixando o outro, sem culpa e sem sofrimento. Trata-se da perversão moral." Essa violência perversa, consiste em destruir a individualidade do outro, nas organizações. Assim, é possível identificar, no dia-a-dia, algumas frases discriminatórias freqüentemente utilizadas pelo agressor: "É melhor você desistir! É muito difícil e isso é pra quem tem garra!! Não é para gente como você!", "A empresa não é lugar para doente. Aqui você só atrapalha!", "Se você não quer trabalhar... por que não dá o lugar pra outro?", "Lugar de doente é no hospital... Aqui é pra trabalhar.", "Pessoas como você... Está cheio aí fora!", "Não posso ficar com você! A empresa precisa de quem dá produção! E você só atrapalha!", "É melhor você pedir demissão... Você está doente... está indo muito a médicos!", "Não existe lugar aqui pra quem não quer trabalhar!", "Seu trabalho é ótimo, maravilhoso... mas a empresa neste momento não precisa de você!", "Como você pode ter um currículo tão extenso e não consegue fazer essa coisa tão simples?", "Você me enganou com seu currículo... Não sabe fazer metade do que colocou no papel.", "A empresa não precisa de incompetente igual a você!", "Ela faz confusão com tudo... É muito encrenqueira! É mal casada! Não dormiu bem... é falta de ferro!", "Vamos ver que brigou com o marido!".
O conceito de assédio moral nas organizações, segundo HIRIGOYEN (citado por FREITAS, 2001), refere-se a toda conduta abusiva que se manifesta em determinados comportamentos, palavras, atos e gestos que podem causar danos a personalidade, à dignidade, à integridade física ou psíquica de uma pessoa, colocando em risco o emprego desta ou degradando o clima de trabalho. O assédio moral no trabalho, de acordo com BARRETO (2000), pode ser definido como:
"exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego."
A autora continua sua discussão sobre o assunto colocando que, a humilhação no trabalho está relacionado à pressão para produzir com qualidade e baixo custo. O medo de perder o emprego e não voltar ao mercado formal favorece a submissão e fortalecimento da tirania. O enraizamento e disseminação do medo no ambiente de trabalho, reforça atos individualistas, tolerância aos desmandos e práticas autoritárias no interior das empresas que sustentam a 'cultura do contentamento geral'. Enquanto os adoecidos ocultam a doença e trabalham com dores e sofrimentos, os sadios que não apresentam dificuldades produtivas, mas que 'carregam' a incerteza de vir a tê-las, mimetizam o discurso das chefias e passam a discriminar os 'improdutivos', humilhando-os. A competição sistemática entre os trabalhadores incentivada pela empresa, provoca comportamentos agressivos e de indiferença ao sofrimento do outro. A exploração de mulheres e homens no trabalho explicita a excessiva freqüência de violência vivida no mundo do trabalho. A globalização da economia provoca, ela mesma, na sociedade uma deriva feita de exclusão, de desigualdades e de injustiças, que sustenta, por sua vez, um clima repleto de agressividades, não somente no mundo do trabalho, mas socialmente. BARRETO (2000).
Essas situações humilhantes, produzem baixa auto-estima e consequentemente, o medo nas organizações. Segundo BANDEIRA (2002), a auto-estima é o alvo principal, e uma vez atingida pode detonar um processo de deteriorização profissional em que impera a insegurança, o desânimo, a dispersão e o medo. Da mesma forma, o medo no ambiente organizacional é provocado em razão do clima de incerteza promovido pela situação de doença-humilhação. "O medo, presente em todas as instâncias, reprime toda e qualquer iniciativa de defesa da dignidade quando o emprego está em jogo". (BANDEIRA, 2002, p. 3)
Num artigo publicado pela Revista Veja (2001) ilustra as conseqüências que esse mal causa nos funcionários: Philippe Rouchou, 37 anos, era gerente comercial de uma grande empresa européia com sede em São Paulo. Foi demitido em 1999, depois de dez anos de casa. Hoje, é gerente de vendas da Nikon para o Mercosul. Com dez anos de casa, aparentemente não tinha motivo para maiores preocupações com a carreira. Até que, num processo de fusão, a empresa foi incorporada a outro grupo e, na troca de comando, Rouchou ficou subordinado a um chefe recém-chegado. O que poderia ser um fato normal na vida de qualquer assalariado transformou sua rotina num inferno. O novo superior o proibiu de falar em reuniões e, depois de algum tempo, passou a não mais lhe dirigir a palavra. Ao mesmo tempo, foi reduzindo sua área de atuação. Progressivamente acuado, Rouchou mergulhou num sofrimento com reflexos físicos: insônia, enxaqueca, dores na coluna, emagrecimento. Acabou demitido.
" O novo chefe assumiu e veio com uma conversa de 'estou aqui para ajudar, não se preocupe'. O cerco começou devagarinho. Um dia, numa reunião, dei uma opinião. No final ele me disse: 'Philippe, você só fala quando eu mandar'. Tentei ponderar, mas foi inútil. Depois começou a diminuir minha área de atuação. Eu cuidava do Brasil inteiro e passei a ser responsável só por Sul e Sudeste. Fui ficando cada vez mais acuado. Perdi quase 8 quilos em dois meses, tinha enxaqueca, dor na coluna, dores musculares, torcicolo. No final estava reduzido a dois clientes. Eles queriam que eu saísse por conta própria. Mas decidi não pedir demissão. Em setembro de 1999, fui chamado para uma reunião em que me comunicaram que não precisavam mais dos meus serviços. Foi um choque. Eu tinha dez anos de empresa e de repente ouvi que não me encaixava no perfil."
Existem muitos Philippe(s) sendo vítimas de humilhação e medo. Segundo FREITAS (2001) a vítima com medo de denunciar, pois depende da empresa, fica acuada se sentindo inferior e acaba se submetendo a situações desagradáveis, provocando uma baixa auto-estima.
É importante assinalar as conseqüências desse mal, levando em conta que tanto no físico como psíquico, há um sofrimento para esse sujeito. MIRA Y LÓPEZ (1998), diz que um grupo de motivos do medo pode ser classificado como negativo, ou seja, por carências. Quando o ser necessita de algo vital, busca-o e não encontra, sente frustração de seus esforços e esgota sua energia. Os sofrimentos morais provocam efeitos sobre a saúde pessoal até mais intensos que a dor física. A defesa contra a dor moral encontra-se na própria individualidade, enquanto que a dor física o indivíduo se acha sem armas. O ser humano sofre, porém se esconde no seu medo e no seu sofrimento moral, cai no esquecimento ou melhor finge que se esquece, o sentimento é que não se pode livrar das dores morais a não ser por meio de fuga, não se aprofundando em nenhuma relação afetiva, daí vão surgindo outros sofrimentos, o de não viver espontaneamente e de não satisfazer-se como pessoa.
Se o sofrimento moral é invisível a princípio, com o tempo ele vai se manifestar de alguma forma na vítima. De acordo com a Revista Veja (2001), novos estudos mostram que a perseguição feita pelo mau chefe, não afeta apenas a produtividade das empresas, mas também à saúde dos funcionários. Esse comportamento traz conseqüências graves, pois diferentemente do que acontece com os riscos físicos de determinados ambientes de trabalho, como exposições a poeiras e gases que provocam doenças pulmonares ou más condições de segurança, que aumentam os acidentes de trabalho, a pressão psicológica é invisível, portanto é impossível medi-la a não ser a partir de suas conseqüências sobre a mente e o corpo de quem trabalha. Cedo ou tarde, esse sofrimento psíquico se tornará manifesto; uma pesquisa realizada no sindicato de trabalhadores nas industrias de São Paulo, de 1996 a 2000, pela Dr.ª Margarida Barreto, professora da PUC/SP, retratou alguns dos principais sintomas do assédio moral na saúde: crises de choro, palpitações, tremores, sentimento de inutilidade, insônia ou sonolência excessiva, depressão, dentre outros. (BANDEIRA, 2002, p. 2).
Diante dessas conseqüências, é preciso pensar sobre possíveis estratégias para lidar com essa problemática. Segundo BANDEIRA (2002), o ser humano necessita de reconhecimento, ser valorizado e útil para alguma tarefa; são alguns aspectos que o faz buscar mais seu desenvolvimento como pessoa e como profissional, aumentando sua auto-estima. Se isso não acontece surge a suspeita de fracasso ou renúncia do desejado, além do indivíduo sentir tristeza e desgosto, sofrerá diretamente o medo. O primeiro ponto importante é a identificação do fator medo por parte dos funcionários, e a conscientização da existência de assédio moral por parte dos superiores. Para a autora, esse é o movimento inicial para prevenção de danos ao indivíduo e à organização. A partir disso tem-se subsídios para planejamento e implementação de mudanças para políticas mais saudáveis que orientam as práticas organizacionais.
Dentre tantas discussões sobre o assunto, a qualidade no ambiente de trabalho é uma delas. De acordo com RYAN (1993), um bom relacionamento no ambiente de trabalho é abrir mão das diferenças de autoridade e concentrar nas características do relacionamento satisfatório, a autora chama algumas qualidades de "Comportamentos Básicos", pois elas descrevem coleguismo e trabalho de equipe em sua melhor expressão: indivíduos realizando um trabalho de alta qualidade dirigindo à conquista e metas comuns, e ao mesmo tempo, obtendo satisfação pessoal. Tais comportamentos são: 1 - Ajuda, compreensão e confiança mútuas. 2 - Servir mutuamente como um ponto de referência para a realidade. 3 - Proporcionar feedback um para o outro - tanto nos pontos fortes como nas áreas que necessitam ser melhoradas. 4 - Influenciar mutuamente idéias e decisões; disposição de ser influenciado. 5 - Bom humor; apreciar a companhia um do outro. 6 - Disposição e capacidade de resolver conflitos e divergências. 7 - Comprometimento comum com as mesma meta; comprometimento com o sucesso um do outro. 8 - Um alto nível de entendimento e honestidade mútuos. 9 - Comunicação sincera e objetiva.
Uma ação preventiva que envolva esses 'comportamentos básicos", não é tão fácil como imaginamos, mas existe uma recompensa nisso: são passos para eliminar o medo nas organizações. Para RYAN (1993) as pessoas mantêm esperanças de uma realidade melhor, elas querem fazer um bom trabalho e ter orgulho dele, querem ter boas relações no trabalho e sentir-se respeitados como funcionários competentes e indivíduos de valor. Sabemos das implicações que se tem para a reversão desse quadro, mas a recompensa é certa no sentido da qualidade de vida nas relações de trabalho. Os passos sugeridos pelo autor é um início de mudança,
"Embora mudar hábitos nunca seja fácil, existe uma enorme compensação nisso. As pessoas começam a se sentir bem quanto a seu trabalho. Energia, criatividade e qualidade melhoram. Conforme o medo diminui, a confiança e a segurança encontram espaço para crescer. O tempo gasto para reclamar, preocupar-se, ensaiar e lidar com a tensão emocional pode ser redirecionado para realização de metas." (RYAN, 1993, p.109).
Este artigo propôs uma discussão sobre o assédio moral, ou seja, tentar não ignorá-lo enquanto um problema que provoca o medo nas organizações. É a partir da informação que se pode minimizar os comportamentos humilhantes, organizando e mobilizando os trabalhadores, para uma transformação do ambiente de trabalho, e isso depende do coletivo, do envolvimento e interesse de toda a empresa, para um planejamento e implementação de mudanças de políticas mais saudáveis.
Referência Bibliográfica:
BANDEIRA, Mariana Lima. A institucionalização do medo. Encontro anual CLADEA, 37, 2002, Porto Alegre (RS). Anais...(CD-ROM).
BARRETO, Margarida. Uma jornada de humilhações. São Paulo: PUC, 2000. In: www.assediomoral.org. Acesso em 3 de junho de 2003.
FREITAS, Maria Éster. Assédio moral e assédio sexual. Revista de Administração de Empresas. Abr/Jun, 2001. São Paulo, nº 2, p. 8-19.
GIL, Antônio Carlos. Como Delinear uma Pesquisa Bibliográfica. In:__. Como elaborar projeto de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1996. Cap. 5, p. 63-81.
MIRA Y LÓPEZ, Emílio. Quatro gigantes da alma. Rio de Janeiro: José Olympio, 19 ed., 1998, p. 9-71.
RYAN, Kathleen S. Construção de relacionamentos sem medo. In:__ Eliminando o medo no ambiente de trabalho. São Paulo: Makron Books, 1993. Cap. 8, p.107- 123.
SOARES, Lucila. "Cala boca, incompetente". Revista VEJA. Edição 1724 - 31 de outubro de 2001.
Palavras Chaves: Medo nas organizações, assédio moral, conscientização, prevenção, mudanças, políticas saudáveis, qualidade.
É impossível combinar assédio com um clima organizacional favorável para se trabalhar. Cada dia mais as empresas buscam uma orientação mais ética e a melhoria do ambiente de trabalho, porém, encontram-se superiores desqualificando subordinados, essas situações são violentas ainda que seja indiretamente, e já se tornou tão cotidiano que nos passa despercebido.
Para FREITAS (2001, p. 9), "O agressor pode engrandecer-se rebaixando o outro, sem culpa e sem sofrimento. Trata-se da perversão moral." Essa violência perversa, consiste em destruir a individualidade do outro, nas organizações. Assim, é possível identificar, no dia-a-dia, algumas frases discriminatórias freqüentemente utilizadas pelo agressor: "É melhor você desistir! É muito difícil e isso é pra quem tem garra!! Não é para gente como você!", "A empresa não é lugar para doente. Aqui você só atrapalha!", "Se você não quer trabalhar... por que não dá o lugar pra outro?", "Lugar de doente é no hospital... Aqui é pra trabalhar.", "Pessoas como você... Está cheio aí fora!", "Não posso ficar com você! A empresa precisa de quem dá produção! E você só atrapalha!", "É melhor você pedir demissão... Você está doente... está indo muito a médicos!", "Não existe lugar aqui pra quem não quer trabalhar!", "Seu trabalho é ótimo, maravilhoso... mas a empresa neste momento não precisa de você!", "Como você pode ter um currículo tão extenso e não consegue fazer essa coisa tão simples?", "Você me enganou com seu currículo... Não sabe fazer metade do que colocou no papel.", "A empresa não precisa de incompetente igual a você!", "Ela faz confusão com tudo... É muito encrenqueira! É mal casada! Não dormiu bem... é falta de ferro!", "Vamos ver que brigou com o marido!".
O conceito de assédio moral nas organizações, segundo HIRIGOYEN (citado por FREITAS, 2001), refere-se a toda conduta abusiva que se manifesta em determinados comportamentos, palavras, atos e gestos que podem causar danos a personalidade, à dignidade, à integridade física ou psíquica de uma pessoa, colocando em risco o emprego desta ou degradando o clima de trabalho. O assédio moral no trabalho, de acordo com BARRETO (2000), pode ser definido como:
"exposição dos trabalhadores e trabalhadoras a situações humilhantes e constrangedoras, repetitivas e prolongadas durante a jornada de trabalho e no exercício de suas funções, sendo mais comuns em relações hierárquicas autoritárias e assimétricas, em que predominam condutas negativas, relações desumanas e aéticas de longa duração, de um ou mais chefes dirigida a um ou mais subordinado(s), desestabilizando a relação da vítima com o ambiente de trabalho e a organização, forçando-o a desistir do emprego."
A autora continua sua discussão sobre o assunto colocando que, a humilhação no trabalho está relacionado à pressão para produzir com qualidade e baixo custo. O medo de perder o emprego e não voltar ao mercado formal favorece a submissão e fortalecimento da tirania. O enraizamento e disseminação do medo no ambiente de trabalho, reforça atos individualistas, tolerância aos desmandos e práticas autoritárias no interior das empresas que sustentam a 'cultura do contentamento geral'. Enquanto os adoecidos ocultam a doença e trabalham com dores e sofrimentos, os sadios que não apresentam dificuldades produtivas, mas que 'carregam' a incerteza de vir a tê-las, mimetizam o discurso das chefias e passam a discriminar os 'improdutivos', humilhando-os. A competição sistemática entre os trabalhadores incentivada pela empresa, provoca comportamentos agressivos e de indiferença ao sofrimento do outro. A exploração de mulheres e homens no trabalho explicita a excessiva freqüência de violência vivida no mundo do trabalho. A globalização da economia provoca, ela mesma, na sociedade uma deriva feita de exclusão, de desigualdades e de injustiças, que sustenta, por sua vez, um clima repleto de agressividades, não somente no mundo do trabalho, mas socialmente. BARRETO (2000).
Essas situações humilhantes, produzem baixa auto-estima e consequentemente, o medo nas organizações. Segundo BANDEIRA (2002), a auto-estima é o alvo principal, e uma vez atingida pode detonar um processo de deteriorização profissional em que impera a insegurança, o desânimo, a dispersão e o medo. Da mesma forma, o medo no ambiente organizacional é provocado em razão do clima de incerteza promovido pela situação de doença-humilhação. "O medo, presente em todas as instâncias, reprime toda e qualquer iniciativa de defesa da dignidade quando o emprego está em jogo". (BANDEIRA, 2002, p. 3)
Num artigo publicado pela Revista Veja (2001) ilustra as conseqüências que esse mal causa nos funcionários: Philippe Rouchou, 37 anos, era gerente comercial de uma grande empresa européia com sede em São Paulo. Foi demitido em 1999, depois de dez anos de casa. Hoje, é gerente de vendas da Nikon para o Mercosul. Com dez anos de casa, aparentemente não tinha motivo para maiores preocupações com a carreira. Até que, num processo de fusão, a empresa foi incorporada a outro grupo e, na troca de comando, Rouchou ficou subordinado a um chefe recém-chegado. O que poderia ser um fato normal na vida de qualquer assalariado transformou sua rotina num inferno. O novo superior o proibiu de falar em reuniões e, depois de algum tempo, passou a não mais lhe dirigir a palavra. Ao mesmo tempo, foi reduzindo sua área de atuação. Progressivamente acuado, Rouchou mergulhou num sofrimento com reflexos físicos: insônia, enxaqueca, dores na coluna, emagrecimento. Acabou demitido.
" O novo chefe assumiu e veio com uma conversa de 'estou aqui para ajudar, não se preocupe'. O cerco começou devagarinho. Um dia, numa reunião, dei uma opinião. No final ele me disse: 'Philippe, você só fala quando eu mandar'. Tentei ponderar, mas foi inútil. Depois começou a diminuir minha área de atuação. Eu cuidava do Brasil inteiro e passei a ser responsável só por Sul e Sudeste. Fui ficando cada vez mais acuado. Perdi quase 8 quilos em dois meses, tinha enxaqueca, dor na coluna, dores musculares, torcicolo. No final estava reduzido a dois clientes. Eles queriam que eu saísse por conta própria. Mas decidi não pedir demissão. Em setembro de 1999, fui chamado para uma reunião em que me comunicaram que não precisavam mais dos meus serviços. Foi um choque. Eu tinha dez anos de empresa e de repente ouvi que não me encaixava no perfil."
Existem muitos Philippe(s) sendo vítimas de humilhação e medo. Segundo FREITAS (2001) a vítima com medo de denunciar, pois depende da empresa, fica acuada se sentindo inferior e acaba se submetendo a situações desagradáveis, provocando uma baixa auto-estima.
É importante assinalar as conseqüências desse mal, levando em conta que tanto no físico como psíquico, há um sofrimento para esse sujeito. MIRA Y LÓPEZ (1998), diz que um grupo de motivos do medo pode ser classificado como negativo, ou seja, por carências. Quando o ser necessita de algo vital, busca-o e não encontra, sente frustração de seus esforços e esgota sua energia. Os sofrimentos morais provocam efeitos sobre a saúde pessoal até mais intensos que a dor física. A defesa contra a dor moral encontra-se na própria individualidade, enquanto que a dor física o indivíduo se acha sem armas. O ser humano sofre, porém se esconde no seu medo e no seu sofrimento moral, cai no esquecimento ou melhor finge que se esquece, o sentimento é que não se pode livrar das dores morais a não ser por meio de fuga, não se aprofundando em nenhuma relação afetiva, daí vão surgindo outros sofrimentos, o de não viver espontaneamente e de não satisfazer-se como pessoa.
Se o sofrimento moral é invisível a princípio, com o tempo ele vai se manifestar de alguma forma na vítima. De acordo com a Revista Veja (2001), novos estudos mostram que a perseguição feita pelo mau chefe, não afeta apenas a produtividade das empresas, mas também à saúde dos funcionários. Esse comportamento traz conseqüências graves, pois diferentemente do que acontece com os riscos físicos de determinados ambientes de trabalho, como exposições a poeiras e gases que provocam doenças pulmonares ou más condições de segurança, que aumentam os acidentes de trabalho, a pressão psicológica é invisível, portanto é impossível medi-la a não ser a partir de suas conseqüências sobre a mente e o corpo de quem trabalha. Cedo ou tarde, esse sofrimento psíquico se tornará manifesto; uma pesquisa realizada no sindicato de trabalhadores nas industrias de São Paulo, de 1996 a 2000, pela Dr.ª Margarida Barreto, professora da PUC/SP, retratou alguns dos principais sintomas do assédio moral na saúde: crises de choro, palpitações, tremores, sentimento de inutilidade, insônia ou sonolência excessiva, depressão, dentre outros. (BANDEIRA, 2002, p. 2).
Diante dessas conseqüências, é preciso pensar sobre possíveis estratégias para lidar com essa problemática. Segundo BANDEIRA (2002), o ser humano necessita de reconhecimento, ser valorizado e útil para alguma tarefa; são alguns aspectos que o faz buscar mais seu desenvolvimento como pessoa e como profissional, aumentando sua auto-estima. Se isso não acontece surge a suspeita de fracasso ou renúncia do desejado, além do indivíduo sentir tristeza e desgosto, sofrerá diretamente o medo. O primeiro ponto importante é a identificação do fator medo por parte dos funcionários, e a conscientização da existência de assédio moral por parte dos superiores. Para a autora, esse é o movimento inicial para prevenção de danos ao indivíduo e à organização. A partir disso tem-se subsídios para planejamento e implementação de mudanças para políticas mais saudáveis que orientam as práticas organizacionais.
Dentre tantas discussões sobre o assunto, a qualidade no ambiente de trabalho é uma delas. De acordo com RYAN (1993), um bom relacionamento no ambiente de trabalho é abrir mão das diferenças de autoridade e concentrar nas características do relacionamento satisfatório, a autora chama algumas qualidades de "Comportamentos Básicos", pois elas descrevem coleguismo e trabalho de equipe em sua melhor expressão: indivíduos realizando um trabalho de alta qualidade dirigindo à conquista e metas comuns, e ao mesmo tempo, obtendo satisfação pessoal. Tais comportamentos são: 1 - Ajuda, compreensão e confiança mútuas. 2 - Servir mutuamente como um ponto de referência para a realidade. 3 - Proporcionar feedback um para o outro - tanto nos pontos fortes como nas áreas que necessitam ser melhoradas. 4 - Influenciar mutuamente idéias e decisões; disposição de ser influenciado. 5 - Bom humor; apreciar a companhia um do outro. 6 - Disposição e capacidade de resolver conflitos e divergências. 7 - Comprometimento comum com as mesma meta; comprometimento com o sucesso um do outro. 8 - Um alto nível de entendimento e honestidade mútuos. 9 - Comunicação sincera e objetiva.
Uma ação preventiva que envolva esses 'comportamentos básicos", não é tão fácil como imaginamos, mas existe uma recompensa nisso: são passos para eliminar o medo nas organizações. Para RYAN (1993) as pessoas mantêm esperanças de uma realidade melhor, elas querem fazer um bom trabalho e ter orgulho dele, querem ter boas relações no trabalho e sentir-se respeitados como funcionários competentes e indivíduos de valor. Sabemos das implicações que se tem para a reversão desse quadro, mas a recompensa é certa no sentido da qualidade de vida nas relações de trabalho. Os passos sugeridos pelo autor é um início de mudança,
"Embora mudar hábitos nunca seja fácil, existe uma enorme compensação nisso. As pessoas começam a se sentir bem quanto a seu trabalho. Energia, criatividade e qualidade melhoram. Conforme o medo diminui, a confiança e a segurança encontram espaço para crescer. O tempo gasto para reclamar, preocupar-se, ensaiar e lidar com a tensão emocional pode ser redirecionado para realização de metas." (RYAN, 1993, p.109).
Este artigo propôs uma discussão sobre o assédio moral, ou seja, tentar não ignorá-lo enquanto um problema que provoca o medo nas organizações. É a partir da informação que se pode minimizar os comportamentos humilhantes, organizando e mobilizando os trabalhadores, para uma transformação do ambiente de trabalho, e isso depende do coletivo, do envolvimento e interesse de toda a empresa, para um planejamento e implementação de mudanças de políticas mais saudáveis.
Referência Bibliográfica:
BANDEIRA, Mariana Lima. A institucionalização do medo. Encontro anual CLADEA, 37, 2002, Porto Alegre (RS). Anais...(CD-ROM).
BARRETO, Margarida. Uma jornada de humilhações. São Paulo: PUC, 2000. In: www.assediomoral.org. Acesso em 3 de junho de 2003.
FREITAS, Maria Éster. Assédio moral e assédio sexual. Revista de Administração de Empresas. Abr/Jun, 2001. São Paulo, nº 2, p. 8-19.
GIL, Antônio Carlos. Como Delinear uma Pesquisa Bibliográfica. In:__. Como elaborar projeto de pesquisa. São Paulo: Atlas, 1996. Cap. 5, p. 63-81.
MIRA Y LÓPEZ, Emílio. Quatro gigantes da alma. Rio de Janeiro: José Olympio, 19 ed., 1998, p. 9-71.
RYAN, Kathleen S. Construção de relacionamentos sem medo. In:__ Eliminando o medo no ambiente de trabalho. São Paulo: Makron Books, 1993. Cap. 8, p.107- 123.
SOARES, Lucila. "Cala boca, incompetente". Revista VEJA. Edição 1724 - 31 de outubro de 2001.
Atualizado em: Dom 9 Ago 2009
Comentários
Parabéns!
Parabéns!