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O Duplo

Natália podia não ter despertado, mas Virgílio sim. Ele abriu a gaveta do criado mudo, pegou o revólver, carregou-o e, vagarosamente, descendo as escadas, escutou passos.  Pelo jeito, Virgílio era a única pessoa daquela casa que acordou com o barulho. Sentindo o vulto se aproximando, acendeu a luz e deu de cara com a sua imagem e semelhança. Os dois se entreolharam, sacaram as armas e dispararam um contra o outro. Tamanho foi o susto, que Natália despertou:

- O que foi, querido? Perguntou ela.

-Nada. _Recuperando o fôlego. -Não foi nada, só um pesadelo.

Natália encostou a cabeça no travesseiro e tornou a dormir, Virgílio fez o mesmo, mas não conseguiu.   Aquele pesadelo era coisa pequena, perto do que vinha vivendo. Há tempos, o casamento e os negócios estavam em crise. Ele não dormiu, tomou banho desceu para o café e foi para o trabalho.

Natália acordou tarde e, quando foi tomar café, recebeu um telefonema da secretária de Virgílio:

- Desculpe incomodá-la, dona Natália. Aconteceu alguma coisa com o doutor Virgílio?

-Não que eu saiba, por quê?

-Até agora ele não apareceu aqui e nem deu notícias...

- Pode deixar. Vou ligar pra ele, agora.

Natália discou para o celular dele, porém estava fora de área.  Ligou para a firma querendo saber se ele havia chegado, mas nada. De hora em hora, tornava a ligar para o celular, que continuava inativo. Anoiteceu e ele não chegou em casa. Quando o telefone tocou, Natália atendeu na esperança de que fosse ele:

-Alô!

- Natália, é o Rubens, tudo bem?

-Oi Rubens!

- O que aconteceu com o Virgílio? Ele nunca faltou o trabalho e sempre foi pontual. Todo mundo aqui da firma estranhou.

-Eu também não sei. Confesso que estou preocupada, o celular dele está fora de área e ele ainda não chegou.

- Qualquer coisa, me avise.

Perto da meia- noite, ela resolveu acionar a polícia, que, por sua vez, interrogou todos aqueles que faziam parte do convívio diário dele, mas não conseguiram nenhuma pista.  Dias depois, o carro dele foi encontrado no estacionamento do aeroporto. Não havia indícios de arrombamento, os pertences (pasta, paletó, celular, notebook e a carteira com dinheiro, cartões de crédito e documentos) estavam intactos. Nenhum funcionário do aeroporto sabia explicar o aparecimento do veículo naquele local, porque o sistema de câmeras estava em manutenção, há três dias. Também não havia nenhum registro de embarque de Virgílio Montevidéu nos guichês das companhias de voo.

Delegacias, hospitais e o IML foram os pontos mais visitados pelos familiares, nas últimas duas semanas. Era difícil saber as circunstâncias do sumiço dele. Dentro de alguns dias, tiveram, finalmente, notícias do paradeiro de Virgílio Montevidéu. Um telefonema informou que ele estava perambulando pelas ruas de uma cidadezinha do interior, há vários dias.

Ninguém fazia ideia de como, e quando, ele havia chegado lá, mas sabiam que padecia de amnésia, porque desconhecia o próprio nome. Ao verem pela televisão uma reportagem falando do desaparecimento de Virgílio, os habitantes constataram que aquele andarilho apresentava traços físicos similares ao dele, apesar de aparência maltrapilha.

Acompanhada de dois policiais, Natália dirigiu-se à Santa Casa, onde o suposto marido havia sido encaminhado. Lá chegando, não teve dúvidas de que aquele homem, agora de banho tomado e barba feita, era Virgílio Montevidéu. Imediatamente, ordenou que ele fosse transferido para a sua residência. Os exames feitos por uma junta médica concluíram que a amnésia sofrida por ele era fruto de algum distúrbio psicológico, visto que não foi encontrada nenhuma lesão no cérebro. A recuperação ocorreu de forma gradual e a sua vida deu uma guinada. Tomava café com a família, comparecia ao trabalho todo sorridente e a alegria era total, quando voltava para a casa. Mas, de uns tempos pra cá, ele percebeu que um homem de uma expressão mal encarada vinha rondando o seu escritório. A priori, não deu tanta importância. Só mudou de opinião, quando o viu nas proximidades de sua residência e ele pensou nisso antes de pegar no sono.

...

Ezequiel entrou na sala do delegado e disparou:

-Não há mais dúvida de que o senhor Virgílio Montevidéu está envolvido na quadrilha responsável por roubos de carros. E não é só isso, ele ainda tem ligação com tráfico de tóxicos e armas.

-E o que você está esperando, homem? Já providenciou o mandado?

-Vou fazer isso agora. Antes que eu esqueça, o senhor já reparou que ele é muito parecido com o Jairo?

-Já. Ele é escarrado e cuspido ao Jairo.

-Seria muita coincidência, se os dois fossem irmãos gêmeos.

-E como seria! O mais inusitado é que o safado do Jairo sumiu e até agora não temos nenhuma pista dele, ao contrário do Virgílio.

-Verdade, mas, ainda hoje, não engoli aquela história do desaparecimento do Virgílio.

-Muito menos eu. Providencie já esse mandado, porque o senhor Virgílio Montevidéu tem muito que explicar.

...

O táxi chegou, por volta das seis horas da manhã, à casa de Virgílio. Visto que precisava acordar cedo, ele saiu sem tomar café e entrou no veículo. Algumas horas depois, um Santana azul metálico estacionou, há poucos quilômetros da sua residência, e três homens desceram. Dentre os quais, estava aquele que vinha acompanhando os passos de Virgílio Montevidéu e falou:

- É aqui, Pedrão. _ Apontando para a casa.

- Tá na hora da gente fazer uma visitinha.

Eles se aproximaram do portão, apertaram a campainha do interfone dizendo que era o correio e que tinham uma encomenda para entregar. Em menos de dois segundos, a empregada abriu o portão e foi rendida por eles que foram adentrando na casa até chegarem à sala de estar. Vendo tudo aquilo, Natália ficou sem saber o que dizer e Pedrão foi explicando:

-Isso aqui não é um assalto, a gente só quer conversar.

- Conversar? _   Perguntou Natália.

-Cadê ele?

- Ele quem?

-O Jairo.

-Que Jairo?

Nessa hora, tocou o interfone e todos ficaram inertes. No terceiro toque, Pedrão fez um gesto para que a empregada fosse atender. Ela lhe obedeceu e informou que era a polícia. Pedrão pediu para que ela fosse recebê-los na companhia de um dos asseclas. Esse ficou atrás do portão e a advertiu:

-Sem nenhuma gracinha, entendeu? _ Apontando a arma.

-Pois não? _ Disse a empregada ao abrir a porta para os policiais.

- O Senhor Virgílio Montevidéu? _ Perguntou o delegado.

- Ele não está.

-Podemos entrar?

O bandido saiu do esconderijo, agarrou o pescoço dela e a arrastou para dento com a arma apontada para a cabeça dela. Ezequiel e o delegado sacaram as armas e apontaram para ele que não se intimidou e disse:

-Ainda há dois lá dentro.

Os policiais insistiram para que deixasse a moça, mas ele não deu ouvidos e foi baleado na testa. Nesse momento, os outros dois algozes saíram da casa, trocaram tiros com a polícia e acabaram mortos.

Passado todo o susto, Natalia agradeceu aos policiais:

- Coincidência vocês terem aparecido por aqui! Não faço ideia, eles do que eles queriam saber de um tal de Jairo.

Os dois policiais se entreolharam, mas o delegado, disfarçando, perguntou:

- A propósito, onde está o seu marido?

- Viajou, logo cedo, para São Paulo. Viagem de negócios.

Nessa hora tocou o telefone e Natália o atendeu:

- Dona Natália, desculpe o incomodo. Aconteceu alguma coisa com o doutor Virgílio? _ Perguntou a secretária do escritório dele.

-Por quê?

- O pessoal com quem ele ia se encontrar, em São Paulo, ligou para cá querendo saber o motivo da ausência dele.

- Mas, ele embarcou hoje cedo pra lá!

- Foi o que eu informei a eles. Liguei para o celular do doutor Virgílio, mas está fora de área.

Natália desligou o telefone e tentou ligar para o celular dele, mas continuava fora de área e assim permaneceu até anoitecer

 

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Atualizado em: Ter 23 Jun 2015

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