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Hinderman - Capítulo 2

Capítulo 2

(    Continuação do capítulo 1. Para ler o capítulo anterior acesse:  )

 - Ah. Como esperado, esse café é o melhor de todos. – Disse o Gary enquanto ele dava o último gole em seu macchiato.
 - É mesmo. - O Boe concordou.
 Nós estávamos no Ivory Beans, na rua principal do Glen Meadow.
- Quer dizer então que não deu certo, Spike? – O Gary dirigiu-se a mim – O Jeffrey acabou sendo pego?
 - Parece que sim. – Eu respondi. - E ele vai ficar preso um bocado, porque aconteceu um assassinato...
 - Eu ouvi falar do assassinato. Foi em Marshmoore. – O Boe disse enquanto tomava um gole da água com gás que vinha junto do expresso – Fiquei surpreso quando ouvi dizer que ele tinha comido um ser humano justo no dia do trabalho.
 - Muito burro, mesmo. – Observou o Gary.
Eu me inclinei na cadeira e pus os braços atrás da minha cabeça. Me lembrei do que o chefe tinha me dito sobre o tal do Jeffrey:
 - O chefe disse que queria ele no time. Se ele tivesse conseguido juntar o dinheiro no tempo estabelecido, era capaz que ele se juntasse ao grupo.
 - Está brincando? Se juntar a nós? Ao Spikey-Gary-Boe? Um zumbi desengonçado?
 - É o que ele disse.
 O Gary deu de ombros.
 - Bem... Não sei exatamente o quanto o chefe compreende sobre as habilidades dos mercenários. Devia saber que não é qualquer um com uns Newtons a mais de força no braço que vai conseguir fazer os trabalhos que a gente faz.
 Eu adicionei:
 - E o pior de tudo é que um zumbi recém-nascido como ele não só não sabe o que está fazendo como não sabe nem esconder o poder que tem, também. Roubou o dinheiro de uma joalheria, acredita?
 - Pbbbbt! – Boe cuspiu um gole de seu café e desatou a rir.
 - Parece cômico, mas estou falando sério.
 O Gary fez uma expressão interrogativa, com a mão sobre o queixo e o corpo inclinado para frente. Perguntou:
 - Mas por que será que o Verde pediu para ele devolver o dinheiro? Se ele queria o dinheiro devia ter pedido para a gente...
 - Acho que... Porque foi o irmão dele, sabe, o Alex... Foi o próprio Alex quem perdeu o dinheiro?
 - Mesmo assim. Ninguém nunca tinha recebido uma chance antes. O Verde é bem metódico nessas coisas. Se alguém perde o dinheiro depois do prazo... -Gary passou o dedo sobre a garganta e fez um barulho.
Éramos o grupo de mercenários: Spikey-Gary-Boe. Nenhum usando seus verdadeiros nomes, óbvio. Meu nome por exemplo não tem nada a ver com Spikey, eu me chamo Ethan Doyle.
Dos três, o Gary era o mais magro de barba ligeiramente por fazer. Era alegre e presunçoso. Era parecido comigo, com o mesmo corte de cabelo, isto é, curvo em cima e reto nas costeletas, e tinha também cerca de minha idade.
Já o Boe era o mais encorpado e de cabeça redonda. Também o mais velho e realizado. Tinha uma mulher e um filho quase crescido. Eu não sei por que ele insistia em trabalhar ali.
E aquele que chamávamos de Verde era o nosso chefe. Não éramos contratados exclusivos de um só empregador, mas apenas acontecia que naquela ocasião estávamos trabalhando sob as ordens dele.
Acho que eu devo a vocês um panorama da situação que era a atual naquele ano. Serei breve, eu prometo:
Sproustown sempre foi conhecida por ter diversas gangues, envolvidas com tráfico de drogas. Antigamente era um problema que a polícia civil conseguia dar conta. Isto é, mais ou menos... O tráfico era considerado trabalho deles porque eram apenas gangues relativamente pequenas e inexperientes. Começaram vendendo drogas ilícitas na beira da praça de skate e coisas assim.
À medida que os empreendedores foram vendo que o negócio funcionava, começaram a se estruturar melhor, e eventualmente os mesmos cabeças, aqueles que tinham ou mais conhecimento ou mais recursos para se esconder devidamente da polícia acabaram ficando com monopólios.
Como estes monopolizadores eram espertos, qualquer concorrência nova que aparecia era rapidamente dedurada, capturada pela polícia, ou encontrada misteriosamente morta no dia seguinte. No entanto por mais que a polícia trabalhasse para capturar estas mentes por trás destes feitos, sempre acabavam capturando os capangas e meros mercenários, mas nunca chegando na raiz do problema.
Querem saber a razão principal pela qual eles nunca eram pegos pela polícia? Porque em tudo o que faziam, fosse para organizar seu trabalho: datas de entrega, transporte de mercadoria, acertos de contas, etc... Em tudo o que faziam eles empregavam seres “paranormais”. Como seres paranormais fazem as coisas de maneira diferente com a que os seres humanos estão acostumados, quando as coisas aconteciam, os policiais – que eram também seres humanos – não entendiam como o negócio foi feito, entende?
Para dar um exemplo: após aquele ataque na Club Jewel que o Jeffrey fez, o jornal não conseguia explicar como o vidro tinha sido quebrado com um murro só. Na manhã seguinte estavam querendo entrevistar o dono da loja, e não acreditavam nele de forma alguma. Não queriam publicar a matéria do jeito que ela realmente aconteceu. Os jornais não acreditam em seres paranormais.
E estes seres “paranormais” somos nós. Nada temos de tão diferente, somos normais, mas os humanos classificam-nos como paranormais porque não querem aceitar a nossa existência. Eu poderia expor a opinião que tenho sobre isso, mas vou deixar para outra hora. Enfim, um fato que eu não posso negar é que essa falta de consideração facilita o nosso trabalho.
Desta forma, o panorama atual do esquema de gangues era o seguinte: havia três gangues principais que disputavam o negócio das drogas ilegais em Sproustown: os dragões, que são uma gangue de verdade, mesmo. Do tipo do Yakuza... Inclusive fazem tatuagem e tal, o que eu acho ridículo. Havia também os que trabalhavam para o Wilkinson. E por fim o pessoal do Verde. E era para o Verde que o Spikey-Gary-Boe estava trabalhando já fazia algum tempo.
A região do chefe era a do sul. Se alguém começasse a vender mercadoria no sul de Sproustown nós rapidamente descobríamos a fonte e dávamos um jeito. Nem mesmo os dragões ou os Wilkinsons ousavam pisar em nosso território. Não porque fôssemos os maiorais. Se fôssemos os maiorais nós simplesmente eliminávamos os Wilkinsons e os dragões e ficávamos com o monopólio sobre a cidade toda. Mas é que esses três grupos tinham uma influência similar. Era preciso gente defendendo o território e era preciso mais gente para fazer o trabalho. Se um grupo quisesse arriscar enviar ainda mais gente para invadir o território de outro acabaria enfraquecendo o seu pessoal e sendo assim, a terceira parte se aproveitaria da situação e provavelmente acabaria ganhando vantagem sobre as duas equipes que tinham engajado em luta a princípio.
Era uma situação difícil. Estávamos os três grupos de mãos atadas. Desta forma, cada um ficava em seu pedaço e cada um não deixava ninguém mais pisar em seu próprio pedaço.
De qualquer forma, após esta paráfrase carregada de informações provavelmente desinteressantes, chego ao ponto principal: o caráter do Verde. O chefe não era do tipo que perdoava facilmente. Tudo o que ele conquistou é baseado na confiança entre comprador e vendedor. Ele trabalha duro para sempre encontrar a mercadoria, garantir o transporte adequado, a qualidade do produto e fazer a transação na hora marcada pelo procedimento correto, tomando todas as medidas para que não haja interrupção de parte da polícia ou qualquer outro imprevisto que prejudique o consumidor. Em troca, tudo o que ele pede são duas coisas: um, que o pagamento seja feito da forma adequada; dois, que o consumidor evite referenciar qualquer coisa relacionada a ele para quem não esteja envolvido.
Outro dia nós tivemos que lidar com um cara que tinha dado o calote, por assim dizer, no chefe. Era um empregado de alto posto de uma rede de móveis, acho que subgerente geral ou algum nome parecido... Fez a transação e entregou só um terço do combinado. E depois sumiu do mapa. De Sproustown. O chefe ligou para ele uma vez.
Uma vez.
Ele não atendeu.
Depois ele chamou o Spikey-Gary-Boe e demos um jeito na situação. Não recuperamos o dinheiro, mas a dignidade do chefe está a salvo. Que sirva de exemplo para os próximos: saberão que ninguém passa a perna nos verdes.
 E na noite passada era a vez de um tal de Alexander Sprohic. Um cara só. Ele não é filiado a nenhum distribuidor nem empresário rico nem nada do tipo. É apenas um consumidor solitário. E devedor. Não pagou o combinado.
O que chefe faz? Nos chama novamente? Seria o esperado, mas não foi o que ele fez. Ao invés disso chamou o irmão de Alexander, o Jeffrey, que era literalmente um cadáver ambulante e pediu para ele recuperar o dinheiro de forma que conseguisse. Só posso dizer que eu achei esquisito. Numa transação de grande porte, o chefe não se importou em tirar a vida do cliente devedor, e agora que é um só...
Enfim, retomando aos acontecimentos daquele dia, Gary disse:
- Mas mesmo assim. Ninguém nunca tinha recebido uma chance antes. O Verde é bem metódico nessas coisas. Se alguém perde o dinheiro depois do prazo... - Gary passou o dedo sobre a garganta e fez um barulho.
E o Gary tinha razão, aquela atitude era realmente esquisita.
 - Talvez então por causa do que eu disse antes? Lembra que ele disse que talvez quisesse recrutar o Jeffrey?
 - É mais fácil fazer ele trabalhar em troca de dinheiro ao invés de pedir para ele roubar de qualquer lugar – contra-argumentou o Boe com um gesto condescendente com sua mão livre – O garoto não tinha experiência.
Apoiei minha mão sobre o queixo, cujo braço estava com o cotovelo apoiado na mesa.
 - Pois é, esse teste é um tanto profissional demais para se dar a alguém que acabou de nascer. O Jeffrey, como zumbi, tinha acabado de nascer, não?
 - Não é bem assim, ele devia ter já uns dois, três anos... Mas é que ele passou todos eles na prisão, pois encontraram ele já quando ele nasceu na forma zumbi. Apenas como solto é que era o seu primeiro mês. Tinha acabado de sair da penitenciária e o Alex já me perde o dinheiro... Aí o chefe já entra em contato com ele e acontece tudo aquilo.
 - O que já é estranho – interrompi – Reparem que ele é um zumbi. Desta forma tem que se alimentar de carne. Eles não podem simplesmente soltá-lo como se ele tivesse pagado a pena dessa maneira. Normalmente a polícia o teria aniquilado já após o nascimento, inclusive.
O Gary fez um “hum” e então contribuiu:
 - Não sei... Parece que deve ter muita política envolvida por aí. Quem sabe o que se passa na cabeça desses humanos policiais? O que eu acho esquisito mesmo é a mudança repentina de comportamento do Verde, sabe? Qual é? Somos o grupo do Verde! Ninguém fica devendo para nós... Amigos... Acho que eu vou pedir outro café. – Gary preparou para se levantar.
 - Então vá lá... – Encorajou o Boe.
 O Gary se dirigiu até o balcão.
Olhei para o Boe durante uns instantes no que veio um pensamento me veio à mente:
 - Já sei! E se não é só que o chefe queria recrutar o Jeffrey, mas ele queria substituir um de nós? Ou todos nós? Por isso queria ver se ele já aguentava com os desafios maiores logo de início?
 - Ei... Está falando sério? Substituir nós três? Por um zumbi burro daqueles?
Verdade... Não fazia sentido.
 O Boe terminou sua água com gás e empurrou o pires com a xícara e o copo para o centro da mesa.
 - Ele pode até ser um ser paranormal, mas tudo o que ele tem é força. Não teria método para fazer nada. Mesmo se não fosse a polícia civil, mais cedo ou mais tarde os caras do DCAE pegariam ele.
 - Os policiais do DCAE são durões, não? Se não tiver cuidado com eles...
 - Ouviu falar que um deles venceu o irmão do Alex em um soco só?
 - O Jeffrey?
Gary já estava voltando do balcão.
 - Bam! Um soco só. O cara caiu no chão.
 Olhei firmemente para o Boe. Uma coisa era vencer o zumbi. Relativamente fácil. Qualquer um de nós conseguiria. Outra coisa era fazer com um golpe só...
 - Tá... E quem te disse isso? Eles não teriam colocado isso no jornal ou nem nada do tipo.
 - Ouvi direto do Verde. Ele tem os contatos... Ele sabe tudo o que acontece no DCAE.
Era verdade que o chefe conseguia informações de diversos locais em Sproustown aparentemente do nada. E o DCAE era um desses locais. Mas dizer que ele sabia “tudo” o que acontecia lá dentro era um pedaço de exagero. Às vezes o Boe podia se passar por exagerado. Resolvi não comentar nada. Olhei para o Gary puxando a cadeira para se assentar novamente.
- Agora eu também quero mais um expresso. – Disse e fui até o balcão.
“Substituir nós três? Por um zumbi burro daqueles?”
O Spikey-Gary-Boe tinha realizado grandes feitos não só apenas em Sproustown sob as ordens do chefe, mas desde antigamente quando fazíamos parte de um grupo mercenário no norte do Canadá. Comparar nossos feitos com um roubo malsucedido de um recém-nascido era um insulto. Mas faria sentido se o chefe estivesse almejando cortar gastos. Apesar de estar trabalhando para ele naquele momento não fazíamos parte do grupo oficialmente. Poderia ser que ele estivesse à procura de verdadeiros seguidores paranormais? Que ele desejasse pessoal de confiança ao invés de ter que pagar estranhos por cada trabalho? Poderia ser até que ele já tivesse contratado um ou dois? Nós não passávamos muito tempo com o nosso empregador e não sabíamos muito dele a não ser quando ele nos chamava para conversar sobre um ou outro caso em específico. Sabe lá o que ele escondia para si mesmo.
Eu não sou apegado a ninguém, mas não podia negar que se este fosse o caso eu estaria sim em um pouco de apuros até que pudesse encontrar outro empregador na mesma área. Isto é, um outro empregador de mercenários paranormais que inspirasse confiança... Por isso não podia evitar em ficar preocupado com aquele pensamento.
Com meu expresso em mãos voltei à mesa e ouvi o Boe contando algo que eu não sabia entusiasticamente para Gary:
 - Sério, Gary! Ele que me falou! Tudo foi arrumado para que o Alex perdesse o dinheiro no dia.
 - Não entendi... Mas o que o Verde ganha perdendo o dinheiro?
 - Então... Ele ganha que recruta o Jeffrey, isto é, se ele não tivesse sido pego pela polícia no primeiro roubo que tenta.
 - O que vocês dois estão dizendo de perder dinheiro? – Perguntei enquanto dava um gole no melhor expresso quente da cidade.
 Eles se entreolharam.
 - Diga para ele, Boe.
 - Então... Eu estava dizendo... O irmão do Jeffrey, o Alex, não perdeu o dinheiro aquele dia... Ele foi roubado.
 - Ah sim, isso eu já sabia. Foram dois caras com uma van. Um cabeludo e um parrudo. Bateram nele, levaram a mala e deixaram ele jogado no meio fio – Me sentei a bebericar meu cremoso café quente.
 - Sim. E foi o próprio Verde que contratou os ladrões.
Quase cuspi meu expresso.
 - Que?
 - Estou dizendo. Ele contratou os dois justamente para fazer o Alex ficar devendo... E daí ele foi direto conversar com o Jeffrey dizendo que o irmão dele estava devendo dinheiro. Dizem que foi por isso que ele fugiu da prisão.
 “O Jeffrey... Fugiu da prisão?”
Esse era um bom compilado de informações que eu não sabia, esse que o Boe estava revelando. Primeiro que eu achei que o Jeffrey tinha saído da prisão “antes” de Alex ter perdido o dinheiro, e só havia coincidido do chefe ter dado a chance para ele conseguir o dinheiro de volta. Segundo havia aquela parte de o próprio chefe ter armado tudo desde o contrato dos ladrões. Terceiro, eu nunca havia parado para pensar no porquê, mas eu apenas supus que ele tinha sido solto e não fugido. Mas agora o Boe me diz que ele não foi liberado da prisão mas fugiu; e o fez justamente porque seu irmão perdeu o dinheiro e ele precisava conseguir de volta.
 - E Boe, me diz uma coisa... De onde você ouviu isso?
 - Estou falando... Ouvi tudo do próprio Verde.
 - Ele falou isso... Para você?
 - Não, não... Eu estava lá após aquele dia do cara dos móveis, lembra? Eu esqueci os Tar Lights lá e voltei buscar. Depois do trabalho ele estava falando com um velho gordo com pinta de rico. Aquele lá é um patrocinador do negócio dele. E daí por acaso eles estavam discutindo...
 Sempre que o Gary dava um gole me parecia que o macchiato era mais gostoso que o expresso. Quase quis pedir mais um naquele momento.
 - Tá... Você estava bisbilhotando a conversa do chefe quando voltou para buscar os cigarros.
 - Por acaso, Spikey... Por acaso...
Desta forma se o que o Boe dizia não era mais um de seus exageros isso devia confirmar minha teoria de que o chefe estava procurando mais poder paranormal para seu grupo, o que não necessariamente significava que ele queria se livrar de ter que pagar pelos nossos serviços, mas poderia significar. Devido à qualidade de nossos serviços não éramos exatamente o grupo profissional do ramo mais barato que se tem... Com esta preocupação, resolvi partilhar minha opinião com os dois:
 - Se o que ele conversou com o gordo aquele dia é verdade... O chefe pode estar querendo se ver livre do Spikey-Gary-Boe, não? Quer dizer... Pode estar querendo salvar dinheiro... Tempos difíceis. O que vocês acham? Isso seria ruim porque dificilmente vamos achar outro empregador aqui em Sproustown que não o Dragão ou o Wilkinson... E eles provavelmente já devem saber que temos algum envolvimento com o Verde...
 O Boe não respondeu imediatamente e nem me olhou diretamente quando o fez. Pensou um momento e só então decidiu:
 - Acho que não... Para o chefe trocar três seres “paranormais” assim de uma hora para outra... A simples comparação entre a gente e o irmão do Alex é ridícula. Ele sabe que somos profissionais. E não bastasse isso somos três. Se ele quiser se livrar de três do grupo ao mesmo tempo... Digo... Ele tem que ficar muito enfraquecido se comparado ao poderio dos grupos do Wilkinson ou do Dragão.
 - É... Você deve estar fazendo tempestade em copo de água – complementou Gary –
 - Além do mais, se ele realmente quisesse cortar relação... Como nosso chefe ele teria avisado previamente, não teria porque manter segredo.
Aqueles argumentos também faziam sentido.
Eu provavelmente estava imaginando coisas e o chefe estava pensando em alguma outra coisa que não isso. Não podia deixar de achar o comportamento dele estranho, entretanto... Contratando ladrões e incitando zumbis a escapar da prisão daquele jeito...
O Gary já tinha quase acabado o café dele e eu nem tinha começado o meu expresso.
 - Amigos... Acho que vou pedir mais um.
- Vá lá. – Encorajou o Boe.
 Fiquei na dúvida entre se eu deveria pedir o macchiato típico da Ivory Beans ou me dar por satisfeito. O Boe só bocejou e começou:
 - É... Está acabando o horário de almoço... Vamos ter que voltar...
 - Tive uma ideia! E se telefonássemos para o chefe e perguntássemos? – Bati com a xícara na mesa.
 - Perguntássemos o que?
 - O que ele queria quando contratou os ladrões para roubar o próprio Alex. Temos o direito de saber, não? Afinal poderia dar a entender que ele estava querendo substituir a gente... Mesmo que tenhamos acabado de concluir que não. Mas se poderíamos concluir que estávamos perdendo nosso cargo temos o direito de exigir a verdade!
 Por algum motivo eu precisava ter certeza.
 - Você está louco, rapaz? Eu apenas ouvi a conversa do Verde e do gordo aquele dia por acaso. Ele não disse isso diretamente para mim.
 - Hum, tem razão... Mas então nesse caso, para ter certeza... Poderíamos inventar que ficamos intrigados que ele deu uma chance a mais para o irmão do Alex e daí tivemos essa ideia que ele não queria mais os nossos serviços. Que tal? Poderíamos formular a pergunta com esse pretexto!
O Boe me fitou um momento e por fim concordou:
- Acho que sim... A melhor ideia deve ser perguntar direto para ele ao invés de ficar especulando... Mas por que tanto interesse, Spikey? Com medo de perder o trabalho?
 Nisso meu celular tocou. Para a minha surpresa era o chefe.
 - Falando no diabo...
 - É o Verde?
 - Oi... – Atendi.
 - Oi Spikey. Onde vocês estão?
 - Chefe... Estávamos indo. Só acabando aqui e já vamos para aí.
 - Tudo bem, à vontade. Só que eu tenho que falar uma coisa para vocês... Pessoalmente.
 - É sobre o Jeffrey?
 Um silêncio.
 - Não... É outra coisa. O do Sprohic já foi decidido.
 - O senhor não vai ficar com ele então?
 - Ficar...? Com ele? Como assim?
 - É que estávamos especulando, sabe... O senhor estava dando uma chance para ele conseguir o... A mercadoria de volta. Ele tinha pisado na bola e tudo... E como ele é, sabe...
 Verde interrompeu com uma piadinha de mau gosto
 - Ei, ei, Spike... Não coloque frases como “vai ficar com ele” quando se trata a meu respeito... Pega mal haha.
 - Haha. Ha!
 Um silêncio.
O Verde retomou o tom de seriedade:
 - Sim... Eu queria ele, mas não deu certo... Você deve ter visto o jornal...
 - Pois é, é que na realidade estávamos pensando... Eu, o Gary – O Gary, aliás, estava chegando novamente à mesa com seu novo macchiato – O Boe... Estávamos pensando... Se o senhor está disposto a recrutar novos... Sabe... Novos trabalhadores... Então será que está... Pensando em se desfazer de nossos serviços?
 Acho que eu falei diretamente demais. Ele não respondeu. Tentei amenizar um pouco:
 - Digo... Não que tenhamos algo a ver... Digo, não queremos dizer ao senhor como trabalhar, mas... Gostaríamos de ser avisados se... Enfim estávamos pensando se fosse o caso, se o senhor poderia avisar-nos com uma antecedência. E se possível... Se...
 - Vocês pensam demais não? Vocês três? Você, o Gary... – Verde bocejou – O Boe...
Ele fez uma pausa e emendou:
- É o seguinte: eu só queria ver a qualidade de um... De alguém como o Sprohic. Nada mais.
 - Ah sim...
 - Pode deixar, eu aviso vocês se estiver pensando em qualquer coisa. Questão de boa política eu sei. Não perco nada avisando vocês previamente quando eu não quiser mais os serviços, então se um dia eu quiser cancelar o serviço eu vou avisar, ok? Podem ficar sossegados... Eu ainda “vou ficar com vocês”, haha.
 - Ha...
 Mais um momento de silêncio.
 - Mas então... Só liguei para avisar... Temos que conversar sobre uma coisa... Não posso falar no telefone, você entende...
 - Sim, sim...
 - Então até mais.
 Eu ia responder, mas ele mesmo respondeu a si mesmo em outra entonação, como que se me imitando:
 - Até mais, tchau.
 E desligou.
 Olhei para eles dois.
 - E aí? – Perguntou Boe.
 - O chefe disse que está tudo bem entre a gente... Ele quer que façamos um novo serviço.
 O Boe palitava os dentes e Gary por incrível que pareça estava nos últimos goles de sua terceira xícara.
 - Bom... – Começou Gary- Se o chefe disse que está tudo bem... Então não deve ter por que se preocupar.
 - Eu falei para você – emendou Boe – Está pensando demais. O Verde não faria isso com a gente. A essa altura o Spikey-Gary-Boe é essencial no trabalho dele.
 - É... Tem razão.
 Por algum motivo tinha alguma coisa me incomodando que eu não conseguia dizer exatamente o que, e por mais que o chefe e os dois me dissessem que estava tudo normal... Algo naquela história toda dos irmãos Sprohic não fazia sentido.
Finalmente o Boe levantou-se, espreguiçou-se e convidou-nos:
 - Vamos então? Se o Verde quer que façamos um novo serviço é melhor se apressar para se preparar. Sabe lá se ele vai querer que isso seja resolvido até quando.
 - Verdade – concordei – Melhor irmos o quanto antes.
 - Esperem, amigos...
 - Hã?
 - Acho que vou pegar mais um último cafezinho...
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Atualizado em: Seg 30 Set 2019

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