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A CORÇA

A cena se passou há uns seis anos atrás mas, no entanto, continua impressa em minha memória como se tivesse sido ontem. Andava eu com uns amigos pelo sertão de Alto Paraíso de Goiás em busca de trilhas antigas, quando, a partir de um certo momento nós decidimos dividir o grupo. Alguns seguiram em direções paralelas por entre capões, e a mim coube continuar no sentido oposto, ou seja, adentrando-me cada vez mais na mata do lado de um pequeno rio que mal se via. O dia acabara de nascer e a natureza em redor parecia ainda dormir. Eu comnecei a seguir uma trilha natural que serpenteava ipês e buritís, quando, de repente, estanquei. Ali diante de mim, uma corça me olhava fixamente sem mexer. À primeira vista, eu achei que fosse um veado, mas depois percebi que era uma fêmea mesmo. Meu primeiro reflexo foi o de tirar o fusil do ombro e me preparar para uma eventual carga do animal em mim. A corça, porém, continuou parada me olhando fixamente, sem se mexer. Eu jamais atiraria em um animal, mesmo selvagem, sem precisão, por isso continuei tranqüilo. No entanto, não pude deixar de estranhar que um bicho tão assustadiço como são os veados e os demais cervídeos, pudesse ficar ali, naquele ermo selvagem, frente a frente a um ser humano e, ainda por cima, sustentando-lhe o olhar. De forma serena, eu a saudei e lhe falei que eu era apenas um inofensivo intruso neste pedaço de natureza, que não buscava fazer-lhe mal. Após um instante, a corça me voltou as costas e se afastou alguns metros, hesitante. Depois, parou e continuou a me olhar fixamente mais uma vez. Eu jamais vira antes um cervídeo ter um comportamento daqueles, e matutava com minhas idéias sobre o que estaria acontecendo ali, naquele cerrado àquela hora do dia, quando uma forma em disparada, vinda detrás de mim, passou como uma flecha, raspando o meu corpo. Assustado, ergui o fusil mas sem saber aonde apontar. Logo baixei a arma e compreendi. Fôra o filhote da corça que passara por mim, como um raio, em direção à mãe. Em busca de algum pasto mais apetitoso, ou apenas com a rebeldia típica que tem as crianças, ele se desgarrara da mãe. E como eu me interpusera involutariamente entre ele e a mãe, deve ter levado um tempo nas imediações até tomar coragem de vez, e correr de novo para ela. Os dois juntos, mãe e filhote, ficaram ainda ali por um instante a me observar. Depois, deram saltos e se afastaram. A uns cinquenta metros, mais ou menos, a corça ainda parou e me olhou fixamente, ainda uma vez. Estático aonde eu sempre estivera, eu lhe falei, tranqüilamente: "Até um dia, quem sabe." E ela desapareceu, de uma vez por todas.

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Atualizado em: Dom 31 Jan 2010

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