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CONVERSA DE CASAL ENTREOUVIDA EM BARZINHO
Numa sexta-feira, já de há muito passada, marcara eu um encontro com o Dimas Peixoto, um colega de trabalho, em um barzinho da orla marítima de Salvador. Cheguei lá por volta das seis e meia da tarde e me instalei em uma das mesinhas no terraço. Chamei o garçom, pedi um chope gelado e uns salgadinhos, depois tirei o paletó e dei uma olhada em volta. Àquela hora, o barzinho ainda estava meio vazio, porém, na mesinha ao lado da minha já havia um casal. Ela, bonitona do tipo « papai-sacode », nos seus trinta e tantos, óculos de grau da moda, fumando cigarrilhas e tomando um campari. Ele, do tipo quarentão eclético do tipo "mamãe-passa-minha-camisa", bem apessoado, blazer azul-marinho e gravata fantasia, dedo cheio de anel, tomava um uísque com gelo, o olhar perdido entre céu e mar, como Johnny Alf nos anos 50. Pouco depois, o garçom me trouxe o chope e os salgadinhos e eu fiquei ali mordiscando e bebericando tranqüilamente, esperando o meu colega. E também, sem querer, ouvindo o papo que se desenrolava na mesa do casal ao lado.
Ela: – ...eu sei e você sabe que a distância pode separar você de mim. Sei lá, fico pensando, Santa Catarina é muito longe, eu não vou poder lhe ver todos os dias. Nem mesmo todas as semanas como gostaria, meu amor.
Ele: – Certo...
Ela: – Rodrigo, você tem certeza que me ama mesmo ?
Ele: – Pode crer.
Ela: – Sei lá, às vezes eu fico pensando, será que você não poderia ter arranjado um emprego em uma cidade mais perto daqui ? em Ilhéus, por exemplo...ou em Vitória da Conquista. Até mesmo no Espírito Santo, ficaria mais perto.
Ele: – Pois é...
Ela: – Sabe, amor, quando penso nisso, meu coração vai se apertando, se apertando e eu vou entrando numa angústia que só Deus sabe.
Ele: – Deus é bom.
Ela: – É, mas eu queria que Ele fosse bom para mim. Outro dia, Ana Cláudia me contou que o marido dela também foi trabalhar no Sul, em Porto Alegre. No início era só por um semestre apenas. Terminou ficando lá dois anos e meio, você acredita ? combinaram que um mês ele viria vê-la aqui, e no outro ela iria até lá. Os três primeiros meses foi uma maravilha, tudo empolgação, tudo novidade. Num mês ele vinha, no outro ela ia. Aí matavam as saudades e ela me disse que, tanto aqui como lá, foram verdadeiras luas-de-mel. Mas, o que era doce só durou seis meses. Depois ele começou a dizer que não poderia vir naquele mês porque tinha trabalho extra e coisa e tal. Aí ela dizia "então eu vou". Mas aí ele respondia que não ia dar porque ia estar muito ocupado, que não teria tempo para ficar com ela, etc e tal, e que o melhor mesmo era ela não ir.
Ele: – Sei.
Ela: – Aí em julho, ele veio passar um fim de semana aqui. Só que ficou mais com a filha e com o namorado dela do que com a mulher. Depois viajou dizendo que só viria no final do ano porque queria economizar. Veja você, economizar… final do ano…e isso ainda em final de julho, não é estranho ? principalmente pelo fato de que ele tinha passagem de avião, ida e volta, paga pela empresa. Agora, economizar o que, me diga?
Ele: – Economizar é bom.
Ela: – Quando foi em novembro, num dia de sábado, Ana Cláudia tomou um avião e voou até Porto Alegre. Assim, de repente, sem dizer nada a ninguém. Desceu no aeroporto, pegou um táxi e foi até o edifício onde o marido estava morando. Como ela tinha uma cópia da chave do apartamento dele, ela entrou sem tocar a campainha, preparada para, no caso do marido perguntar o porque daquela visita inesperada, de lhe dizer que ela estava morrendo de saudades dele e que pensara em lhe fazer uma visita-surpresa e coisa e tal. Uma visita-surpresa daquelas, recheadinha de amor.
Ele: – Sei.
Ela: – Pois você nem imagina, Rodrigo, o quiprocó que ela encontrou lá. Mal entrou no apartamento e já foi ouvindo umas vozes alegres, sentindo um cheiro estranho no ar, mas muito estranho mesmo.
Ele: – Maconha…
Ela: – Não, não era maconha não. Sei lá, um cheiro estranho, de coisa safada, ela disse….pois bem, já na porta do quarto, a cena que Ana Cláudia viu a deixou completamente desencontrada, totalmente abilolada, pinelzinha da silva. Veja você, a pobre levou um choque tão grande, mas tão grande, que perdeu até a fala. Você nem imagina a cena.
Ele: – Sei.
Ela: – Olhe, Rodrigo, às vezes eu acho que todos os homens são iguais mesmo, sabe, são todos muito falsos, juro por Deus. Homem tem um jeito de enganar o coração de uma mulher que mulher nenhuma faz a menor idéia que está sendo enganada. E olhe você que eu conheço homem muito bem, hein, mas muito bem mesmo.
Ele: – Com certeza.
Ela: – Fiquei pensando até, se me acontece uma coisa dessas, hein?… meu Senhor do Bonfim, não quero nem pensar, acho que eu morria ali mesmo, na hora, durinha de tristeza, de vergonha, ou de sei lá o que. Ver o homem da gente ali se atracando com duas zinhas que nem um pedaço do braço da gente podem ser, olha, é duro, viu ? duro demais.
Ele: – Durão.
Ela: – Ana Cláudia me falou que o que ela viu parecia mais um filme pornô. Tinha até uma câmera filmando tudo o que eles faziam, você acredita? uma pouca vergonha daquelas, Nossa Senhora, esse mundo está mesmo perdido, totalmente perdido. Nas novelas a gente só vê libidinagem, só sexo, olha, a gente está entrando de corpo e alma em um bueiro de imoralidade que não tem mais fim, aonde é que vamos parar, Deus do Céu, é uma tristeza só, minha Mãe de Deus… (fez uma pausa, deu um longo suspiro, deu uma tragadinha na cigarrilha, depois continuou) Pois bem, aí Ana Cláudia me disse que o marido dela estava dando em cima de duas louras, mas duas louras daquelas. O pior é que uma delas era homem, ainda por cima, ou por baixo!, Deus do Céu! como é que pode, hein?
Ele: – Eh, eh, eh!
Ela: – Ria não, amor, ria não que foi uma coisa triste. Uma coisa dessas quando acontece e da maneira como aconteceu, marca a pessoa para o resto da vida, fique sabendo. Ana Cláudia quis que o chão se abrisse e que a levasse com tudo que estava ali, até o inferno que fosse, mas que a levasse para bem longe dali naquela hora. Ela estava horrorizada com aquilo tudo que via. Coitada, largou a mala no chão e pôs-se a chorar...
Ele: – Acontece...
Ela: – Mas homem é mesmo um bicho safado, né? pois você não acredita que o marido dela foi se chegando, se chegando, tentando suavizar a coisa, dizendo que agindo assim "ela agia como uma mulher antiquada", e que ela não estava sendo "politicamente correta", veja só! e pior ainda : não é que ele a convidou para participar da orgia também?
Ele: – Beleza...
Ela: – Ela ficou tão revoltada com aquilo tudo que quis até bater nele, dar de murro na cara dele, de cuspir naquela cara sem vergonha em nome do pai, dos filhos e do Espírito Santo, mas aí ele começou a pegar nela, a acariciá-la aqui e ali, querendo que ela tirasse a roupa… veja só! uma das programistas, uma tal Giselle, não sei se a que era mulher ou a que era homem, essa chegou mesmo a querer dar um beijo na boca chorra, quero dizer, na boca dela, e começou a puxá-la para o quarto, passando a mão aqui e ali nela … aí
foi a gota de fel que fez transbordar a taça! Ana Cláudia fez um escândalo daqueles, xingou o marido de todos os nomes que sabia e começou a gritar bem alto, mas tão alto, que as duas programistas, apavoradas, disseram "Vamos embora, tchê, que essa mulher aí é louca", enfiaram a roupa correndo e saíram na maior disparada.
Ele: – Eh, eh, eh, eh, eh...
Ela: – Pois é, quando a quenga e o travecão deles lá sumiram, o safado do marido se ajoelhou e começou a pedir perdão a Ana Cláudia, chorando, dizendo que a vida dele era um caminho de cruz, uma tortura militar, e que vivendo longe dela ele sofria mais do que um esquimó no deserto, e que a solidão estava acabando com ele, que já não agüentava mais de chorar todas as noites com saudades dela, que a solidão era um açoite e que quando chegava em casa e não via a santa esposinha esperando por ele, com o avental todo sujo de ovo, ele morria duas vezes antes de dormir, que já estava até juntando um dinheirinho para comprar um carro novo para ela, no Natal, mas que não dissera nada para não estragar a surpresa, enfim, encheu tanto a cabeça dela com aquele sarapatel de caroço mole, foi até buscar agüinha com açúcar e com afeto para ela, tirou o sapatinho dela, o casaquinho...
Ele: – Vestido ou nu ?...
Ela: – Ah, isso ela não me falou não. Acho que não, né?
Ele: – Nuzão.
Ela: – Quer dizer, não sei. Acho que, com aquele cinema todo, não deve ter dado nem tempo para ele se vestir não. Ou então passou só uma toalha na cintura, sei lá. O fato é que com aquela história toda, Ana Cláudia foi retomando o fôlego e parou de chorar, com o maridinho afagando os cabelos dela, dando beijinho na mão, no rosto, fazendo mil e uma promessinhas de amor, jurando que não ia mais fazer aquilo, que estava arrependido, que as orações que tinha feito a Santo Antonio tinham dado certo, porque a santa mulherzinha tão adorada estava ali, naquela noite de sábado, um verdadeiro milagre do santo, e bã-bã-bã, caixa de fósforo, nesse jeitinho safado que homem tem, porque homem é mesmo um bicho muito, mas muito safado…
Ele: – Com certeza.
Ela: – ...aí ele foi indo, foi indo e indo que, quando ela viu, já tava com ele na cama, pelada, e fazendo o maior amor, você acredita ? E me ainda disse que gostou tanto, mas tanto, que só raríssimas vezes ela tinha gostado tanto com ele como daquela vez. Tá vendo só, que homem é mesmo bicho safado e que, quando quer, sempre consegue o que quer ?
Ele: – Pode crer.
Ela: – E você, amorzinho, fala prá mim que não vai viajar mais não, fala. Fala que vai ficar comigo aqui, no nosso ninhozinho de amor, me fazendo muito amor, todo dia, toda noite, a noite está tão fria, chove lá fora, e aí você diz que me ama, que eu sou a mulher da sua vida, sua superstar, mulher do brilho farto, e que sempre hei de brilhar no palco do seu quarto, fala. Fala, fala que amanhã vai ser outro dia....
A partir daí não deu para ouvir mais nada do que falavam pois o Peixoto acabara de chegar e a gente passou a falar de negócios. Ficamos conversando ali no barzinho até as oito, mais ou menos. Depois pagamos a conta e nos levantamos para ir embora. Na saída, porém, ainda dei uma olhadinha no casal. A mulher continuava lá, falando, fumando e tomando os camparizinhos dela. Rodrigo só ouvindo e tomando o uisquinho dele, o olhar perdido entre o céu e o mar, o pensamento, quem sabe, já visitando algum apartamentozinho lá por Santa Catarina...