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A surpresa da jornalista.
Uma jornalista baiana vinda de Salvador para trabalhar na meteorologia de uma emissora de São Paulo, surpresa e escandalizada, disse que quando chegou e fincou residência na paulicéia todos na redação recomendaram que ela não deixasse de conhecer e freqüentar o Parque do Ibirapuera:
- Só evita de ir aos domingos porque tem muito baiano.
Completou a recomendação a turma do Tralli e do Tramontina, seus companheiros da TV paulista, , referindo-se, eu acho, às pessoas que vivem em Sampa e são pouco educadas, falam alto, usam sandálias brancas em dias fechados ou chuvosos, são barulhentas, comem salgadinhos de saquinho, pegam ônibus errado, vão trabalhar com roupa de festa, gostam de axé e música sertaneja, atravessam fora da faixa, e jogam lixo na rua. Vindos de qualquer parte.
Passagem de tempo.
Era uma vez uma senhora líder política de um país do coração da Europa que em Outubro de 2010 pela TV, declarou em uma coletiva à imprensa, que:
- A experiência de uma sociedade multicultural fracassou.
Se essa jornalista da TV brasileira estivesse na coletiva teria levantado a mão e perguntado:
- Por que isso aconteceu?
Ministra tedesca: - Minha cara jornalista, essa história é antiga. Para ficar no caso brasileiro você precisa ler o livro do antropólogo Darcy Ribeiro “O Povo Brasileiro”, que é imprescindível para quem quer uma explicação sobre a origem do que acontece agora no Brasil e em alguns lugares do mundo. Basta ler o livro do professor Ribeiro para saber as causas desses conflitos culturais dentro de sociedades de um mesmo país. - e a ministra continuou.
Vamos começar do começo.
Navegadores portugueses descobriram uma terra nova cheia de mulheres nuas, como todo mundo sabe, como eram “descobridores” passaram a ser donos da terra e de tudo que nela estava: fauna, flora, habitações, edificações, costumes, populações..., incluindo as pecadoras.
Para esses descabelados lusitanos, que não viam uma desejada havia muito tempo, por culpa do transtorno da rota, foi como descobrir o paraíso na terra.
Esses argonautas iam defender essa terra com unhas e dentes até a morte. E passaram a não permitir que nada alterasse esse privilégio.
As Iracemas e Cecys eram, de agora em diante, sua propriedade, não eram?
Como a colônia era muito grande, geograficamente, e os Franceses e Holandeses estavam de olho nessas naturalistas, vieram ordens da coroa portuguesa:
- Dom Manoel I - o venturoso (conhecido também por autorizar a instalação da Inquisição em Portugal) ordenou: – Caros súditos, colonizadores da Ilha de Vera Cruz, ordeno que de agora em diante seja dado muito trabalho para os índios e os negros..., e chibata nas índias e nas negras!
Esse Rei criativo foi quem deu de presente para o Papa Leão X um elefante, como contou no livro – A Viagem do Elefante -, de forma hilária, o divertido e querido José Saramago.
E, como os gajos sempre gostaram de namorar, foram produzindo milhares de novos brasileiros dos seus cruzamentos com índias e, durante a escravatura, dos seus cruzamentos com as negras.
Em outros lugares do mundo foram iguais os cruzamentos dos invasores com outras aborígenes inaugurando já no mundo antigo sociedades multiculturais.
Esses senhores colonizadores mais antigos aprenderam a arte de dominar os povos com os religiosos. Da renascença em diante receberam no berço como primeiro livro de leitura “O Príncipe”, que é o manual de procedimento do que viria ser conhecido como maquiavelismo. Essas foram as duas cartilhas em que eles se educaram, desde a infância.
Dessa experiência de miscigenações surgiu no Brasil uma combinação de duas culturas distintas, e, em outros lugares também. E elas, essas novas etnias, recém fundadas, infelizmente, foram e são renegadas, na real, tanto do lado colonizado quanto do lado colonizador.
Você acha que as pessoas respeitam-se mutuamente, independentemente da cultura, religião e classe social, por viverem no mesmo país?
Na sua terra – disse a política - os novos brasileiros filhos do homem branco com mulheres silvícolas ou africanas, não eram bem-vindos na casa grande e nem nas senzalas, mais adiante. Salvo as exceções.
Ser meio “branco” não adiantava. E ficaram também a serviço do Sinhô Coroné, que era seu pai, mas não era seu pai, para o trabalho igual ao de outros trabalhadores escravos. Eram discriminados pela origem bastarda.
Esses déspotas de ontem e de hoje e suas corriolas nunca se interessaram pelo povo, a não ser para servirem de lacaios ou mão de obra barata e descartável, quando adoecem ou envelhecem.
Os livros de história e literatura sabem das vilanias de que são capazes esses senhores, páginas onde estão impressos os seus mais hediondos personagens.
Os portugueses foram os últimos no mundo civilizado a abolir a escravidão.
- Olha que negra porrêira, Pá? – disse o Edmundo para o Antonio, dando-lhe um cutucão com o cotovelo, quase babando pela beleza escultural de ébano que ia passando.
- Não vem não, ô Murruga, você não é mais meu dono! – disse, toda faceira, a negra forro brasileira.
Depois da chegada (1850?) dos primeiros colonos europeus, nasceram os primeiros novos brasileiros filhos de europeus com européias, e orientais com orientais, porque não se misturavam, no início. Os novos brasileiros de uma origem mais antiga tiveram que suportar mais esses novos brancos novos que continuaram a descriminação como nos séculos anteriores. No geral.
Os senhores de engenho do vosso canavial e as oligarquias: da borracha, cacau, fumo, política..., impede o progresso e educação desses descamisados para não perder as suas freguesias herdadas dos seus pais e avós e bisavós e tataravós. Mantiveram o controle - vendendo refeições baratas - sobre a força de trabalho, servidores, dependentes, e jagunços fiéis- quando era preciso -, mesmo depois da abolição da escravatura e no novo século que se seguiu até hoje.
Em passagem amena, nesse livro fascinante, o Antropólogo Darcy Ribeiro fala de um fenômeno natural que aconteceu e acontece com os que se destacam intelectualmente - novos ou velhos brasileiros – que se destacam em relação aos seus conterrâneos nas regiões menos desenvolvidas aqui e no mundo: o fenômeno consiste em emigrar para regiões mais desenvolvidas que as de suas origens. Esses intelectuais, cientistas, técnicos e artistas não ficam na terra pra ajudar a desenvolver a região e educar a sua gente - fadada a viver na ignorância. Os descolados decidem apenas se ver livre dos coronéis e de sociedades tacanhas, o feudalismo social. E acabam deixando o seu rincão natal para a dança macabra das aves de rapina*.
Virou um fenômeno corriqueiro.
Minha cara jornalista, não esqueça que já no século XVII Salvador e outras cidades do norte nordeste brasileiro já eram opulentas e ricas, enquanto São Paulo era uma pobre vila. Tá no livro do professor. Leia.
No seu país descolaram-se para o Rio de Janeiro os artistas e intelectuais; pintam, fazem músicas e escrevem livros inspirados nas lembranças do sertão querido. Ganham dinheiro com o talento da sua arte e só voltam à terrinha para posar para a TV Globo nas festas religiosas regionais.
Para Brasília mudaram-se definitivamente os últimos herdeiros das sesmarias, dos latifúndios e certos mamelucos mais fiéis, escolhidos pelos senhores da terra, para eternizar a defesa dos seus interesses e privilégios nas câmaras federais.
Para São Paulo deslocaram-se os mais chegados ao trampo pesado, às áreas executivas, industriais e cientificas e de negócios da propaganda. – disse terminando a explicação, inventada.
- Meu, eu não entendi nada! Qual é? – disse a jornalista para os seus botões.
*Expressão usada pelo guatemalteco Nobel Miguel Angel Astúrias no famoso livro “O Presidente”.
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