person_outline



search

Chegadas e Partidas

Há trinta anos em dezenove de janeiro o Brasil perdeu a inesquecível “Pimentinha”. Em 1989, calou-se a voz de Nara Leão, a musa da bossa nova, coincidentemente nascida em um dezenove de janeiro. Em 2001, também em janeiro se foi Cássia Eller.

Ninguém em sã consciência é louco de dizer que a Elis Regina ficou eternizada entre nós porque morreu cedo. Perto dos 40, linda e no auge da carreira, um furacão interior que não tinha tamanho e que não conseguiu domar. Convenhamos, ela estava na plenitude e daquilo que não é perene, se pudéssemos escolher, nos retiraríamos no auge.

De comum entre essas três figuras femininas da música brasileira o fato de partirem ainda jovens, reconhecidas e amadas pelo público, o janeiro marcando suas vidas. Ao contrário de Nara Leão que faleceu em razão de uma doença, Cássia e Elis se foram de surpresa, gerando comoção nacional, deixando-nos a eterna pergunta:

— Por quê?

Junto com o ápice da nossa existência, de contrapeso, acumulam-se as dúvidas que nos afrontam na vida adulta. Na maturidade se inicia a decadência do corpo nos sinalizando a hora de partir. Por outro lado, o aguçar do espírito está ali, piscando, nos alertando para a posse da inteligência, do subconsciente, do domínio das nossas aptidões. As buscas se tornam maiores, temos cada vez menos respostas e pouquíssimas certezas. E as raras unanimidades se esfacelam no turbilhão  que o cotidiano  — com sua aparente mesmice — impõe a todos os mortais.  

Puxando a brasa para a nossa sardinha, senhoras; ousamos afirmar que o nosso quinhão de dúvidas sempre é maior que o da ala masculina.  Não podemos nos arvorar de mais sensíveis que os homens, claro. Mas que temos uma maneira peculiar de ver o mundo, ah! temos. Insegurança, mania de esmiuçar, querer coerência em tudo...

Será que não nos tornamos questionadoras recorrentes das minúcias do cotidiano? Somos exigentes, eternas insatisfeitas — dizem os rapazes — quer sejamos uma estrela ou uma cidadã anônima. Queremos tudo a que temos direito: — príncipe encantado, amor eterno? Pode ser. Porém, tem que ter beijo na boca e cafuné na nuca incluídos no pacote, quer estejamos alegres ou tristes. — E ainda por cima, sermos boas profissionais, excelentes mães e ótimas companheiras. É mole?

 Para fecharmos uma página e estarmos prontas para abrir outra, dependemos do nosso ritmo particular. Algumas de nós aparentam maior capacidade de resposta ao transpor esse limiar. Outras, sem tal prontidão partem para um enfrentamento, misto de recusa à juventude que se vai; em contrapartida à chegada da sensação de finitude. Não nos assustemos, meninas. Trata-se da fase de preparação para a outra metade das nossas vidas. É quando a mente tem mais condição de submeter o corpo já que ele e suas habilidades não são mais a nossa principal arma. Aliás, deixou de ser arma para se tornar o nosso companheiro, não o nosso fardo.

Janeiro, eterno símbolo de chegada, também o é de partidas. Seja do que não queremos mais para as nossas vidas, seja de buscar forças para a próxima etapa. Nara Leão, de certa forma, vivenciou a proximidade da partida. Quando nos sentimos no intervalo da vida — que pode ser aos trinta, quarenta, cinquenta — para nós mulheres é sinônimo de ápice.

Pois é, Elis, Cássia Eller, geniais e humanas, são exemplo do quanto é difícil enfrentar as transições. Duas estrelas que ao partirem precocemente, quem sabe, podem ter perdido a melhor parte da festa.

Pin It
Atualizado em: Qua 25 Jan 2012

Comentários  

#14 PauloJose 22-06-2014 15:41
ÓTIMA CRÔNICA,LEMBREI DO REI R&C
JÁ VELHO TANTAS SEPARAÇÔES, APAIXONADO PELA MARIA RITA
QUE O JANEIRO JÁ LEVOU.
Elis Regina. outros.
parabéns. :eek:
#13 katiadom 07-10-2012 19:50
HOJE RELENDO SEU TEXTO, ME FEZ REFLETIR,
O MOMENTO EM QUE ESTAMOS VIVENDO
DE ASCENSÃO NÃO SÓ HUMANA MAS TAMBÉM PLANETÁRIA,
UM NOVO ANO NÃO MAIS REFLETE CHEGADAS E PARTIDAS

A MORTE
...Trata-se da fase de preparação para a outra metade das nossas vidas...

UMA TRAVESSIA PARA O OUTRO LADO DO VÉU

E TODO O DIA UM RECOMEÇO

MINHA GRATIDÃO
#12 Geraldocoelho 01-09-2012 19:02
:-) A vida começa aos quarenta...
Pena que elas não chegaram a começar!...
Mas que maneira inteligente de se fazer uma crônica!...
Eu amei;parabéns;bjssss.
#11 EdLaf 10-07-2012 15:49
Parabéns.

Belo texto. Bela análise. Madura e concisa.
#10 PauloJose 30-04-2012 22:50
parabéns pela crônica!
a elis regina cantava uma música que adoro"cadeira vazia"
#9 AJO 16-04-2012 13:35
Janeiro como sendo o trem: "o trem que chega é o mesmo trem da partida - Milton Nascimento"
Hoje, mais que antes, por razões óbvias, aprecio as mulheres por sua força, força essa que algumas descobrem ter e outras usam.
Ratifico JCostaJr, seu texto está ótimo, como de costume.
Abraços de Saudade
AJO
#8 PauloJose 14-04-2012 10:04
E OS ANOS INVADE BRUSCAMENTE A NOSSA MENTE, PRINCIPALMENTE COM FILMES DE TERROR!
#7 PauloJose 14-04-2012 07:16
A MÚSICA DE MELINHA, FOI 'DEUS! que fez você,FALA SOBRE ISSO. PARTICULARMENTE, EU SINTO QUE NÃO SOU NORMAL,ESCREVÍ " VIDA TRISTE"MUITO POUCO ACESSADO.TEM UM COMENTÁRIO ESCRITO ! CREDO!!!!!,E ESTOU COM OUTRO PUBLICADO, DEFINIÇÔES DE VIDA.AINDA ME PERGUNTO O QUE FAÇO AQUÍ,DEPENDENTE QUÍMICO,HÁ 15 ANOS,TENTATIVA DE VIAGEM DESSE MUNDO.E ETC.AINDA CONTINUO SEM BASE.
PARABÉNS.
#6 Cerson 13-04-2012 13:13
O que é bom dura pouco... Pode parecer hipocrisia, mas tem sentido. Parabéns, abraços.
#5 maker52 08-04-2012 11:01
...a mulher sempre foi mais madura do que os homens, talvez , pq nos acolha, tenha tanta responsabilidade sobre o destino, tudo o que a pessoa foi ao longo da vida continuará sendo até o final, até o último instante...

Deixe seu comentário
É preciso estar "logado".

Curtir no Facebook

Autores.com.br
Curitiba - PR

webmaster@number1.com.br