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ARTISTAS, ARTEIROS E AMANTES DA ARTE
No meu tempo de criança, minha avó, a saudosa D. Odete do acarajé, vivia me dizendo: "Pare de fazer arte, menino!". Mas eu não parava; então, com voz forte e severa, ela dizia: "Mas que diabo! PARE DE FAZER ARTE, ROBENILSON!". A última frase era dita a plenos pulmões. E a chamada pelo nome indicava que era hora de parar!
Depois de um tempo, já na escola, vim saber que quem faz arte é artista. Fiquei radiante. Minha mãe, minhas tias e minhas priminhas adoravam os artistas; viviam falando deles, como eram lindos e atuavam bem. Mas aí pintou uma grande angústia: Vovó não queria que eu fosse um artista; um cara famoso; reconhecido e amado por todos.
Magoado, fui tirar satisfações com ela. "Vó! Por que você não quer que eu seja um artista?" Ela respondeu: "Que é isso meu filho... de onde você tirou essa ideia?" Cheio de autoridade, eu disse: "A professora me ensinou que quem faz arte é artista, e você não quer que eu faça arte". Ela rapidamente contra-atacou: "Não meu filho, aquele pessoal da televisão é que é artista; você é arteiro; é diferente". Aquela resposta destruiu meus argumentos. Fiquei arrasado. Mais tarde, as meninas que me chamavam de arteiro; mas aí as razões eram outras - e melhores.
Fiz essa retrospectiva artístico-existencial para falar sobre algumas dificuldades que sabemos que iremos passar neste novo/velho projeto. Tal qual no meu tempo de menino, no mundo artístico há muitos artistas, e arteiros também. A diferença não é sutil. Artistas são aqueles que realizam com efetividade o que precisa ser feito. Eles sabem que o reconhecimento é apenas uma consequência.
Os arteiros, por outro lado, são aqueles que falam idiomas que só eles compreendem e, se algo der errado, sempre haverá culpados disponíveis para serem submetidos ao altar dos sacrifícios da opinião pública. Chego a imaginar que suas avós não os alertaram para a diferença entre o ser artista e o ser arteiro. Fazem muito sucesso, também; por incrível que possa parecer.
Os arteiros infernizam a vida das outras pessoas; mas de uma forma diferente da que eu fazia com minha avó. Diria que o fazem de forma mais perniciosa. Destrutiva mesmo. Mas, o fato é que alguém contrata o arteiro. Alguém lhe dá espaço e credibilidade para "fazer arte", ou gerir a arte dos outros. Os arteiros são articulados, ocupam espaços importantes e chegam a ocupar postos de destaque no mundo profissional; são até eleitos; vejam vocês!
Mas o grande erro é darmos importância a esses arteiros corporativos. Ao atribuirmos importância, eles se sentem artistas. Mas, seguindo a teoria da avó, imagino que, quando meninos, eles não eram arteiros. Foram se tornando ao longo da vida. Uma deformação, pode-se afirmar. Uma criança arteira tende a tornar-se um adulto feliz. Se tiver talento, pode transformar-se num artista.
Todos nós conhecemos pessoas que são "máquinas de trabalhar". Atropelam os outros, não têm senso de humor e, não raro, só encontram razão de viver no trabalho. Pobres coitados; desconhecem a arte de viver. Não foram crianças arteiras; foram absolutamente recalcadas e agora estão exercendo uma vingança que mais caberia ser analisada psicólogos.
Eu não me tornei um artista. Tenho lá minhas sensibilidades para coisas que enriquecem a alma e glorificam o espírito. Estou longe de lembrar um artista. Da mesma forma, não sou mais um arteiro. Sou antes, um amante da arte. Aprendi a apreciar e reconhecer um verdadeiro artista; o que já é uma forma de arte.
A única certeza que tenho em minhas experiências existenciais é que a vida reserva, a todos, momentos que devem ser plenamente vividos quando se apresentam. Vivê-los em momentos inoportunos não é apenas errado, é triste.
Já que falei em tristeza, minha avó, em sua sabedoria pitoresca, quando via minha melancolia de criança contrariada, dizia: "Não fique triste não, meu preto; você é o artista da vovó". Isso me restituía a alegria; aí eu aproveitava o momentoe deitava no colo dela e pedia um cafuné. Arteiramente, claro.