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Paixão Nacional
Será mesmo o Brasil, o pais do Futebol?
Por uma dessas “coincidências” da vida, precisei viajar durante o horário do segundo jogo do Brasil na copa, e confesso que foi uma aventura e tanto, saindo de uma cidade tranquila do interior, precisei me deslocar até a capital, duas horas antes do jogo, e tudo começou quando ao entrar no ônibus, uma passageira abordou o motorista preocupada:
- Será que chegaremos a tempo de assistir ao jogo?
Em sintonia, eu e ele trocamos um olhar de alegria e ele sorrindo e muito bem humorado, como a maioria, em geral, em virtude do tão espero evento, respondeu:
- Mas que jogo, que nada, rsrsrs...e todos, inclusive eu, caímos na gargalhada, rsrsrs...e seguimos adiante, eu instantaneamente ao me acomodar na confortável poltrona, liguei meu celular, companheiro inseparável de viagem, coloquei os fones de ouvido, e dispus a ouvir meu arsenal de musicas de diversos tipos e estilos, que me fazem sonhar e viajar “literalmente falando”, por universos infinitos de graça e magia e o tempo parece ser inexistente...
No entanto, com um olhar mais aguçado, não pude deixar de observar o cenário a minha volta, daquele hilariante e inusitada viagem..., é obvio que além do motorista, a maioria dos passageiros estavam conectados aos seus celulares a espera do inicio da partida, e a medida que o tempo passava, o cenário a minha volta ia mudando, e na rodovia vislumbrava uma fileira de carros enfeitados com bandeiras do Brasil de diversos tipos e tamanhos, a tremular nas janelas, ou até mesmo presas na janela traseira do veículo, ou na parte frontal, transvestidas no capo do carro, ou seja um espetáculo multicolorido de verde e amarelo avenida a fora, e é claro, que nem preciso dizer que a rodovia sempre lotada de veículos, nem parecia a mesma, o transito fluía livremente e tranquilo com poucos veículos a transitar tornando a viagem rápida e sossegada pra minha felicidade, acostumada a pegar diversos engarrafamentos, principalmente na saída da Rodovia Bandeirantes, uma das portas de entrada para a capital, mas que hoje, nem parecia a mesma, rsrsrs...mas, vamos em frente...
Entramos na capital, e o jogo começou, e não se via aparentemente um único ser na rua, mas ao passar cada “boteco”, estava com seus televisores conectados no jogo, com mini plateias com cervejas nas mãos, uniformizados de verde e amarelo, a reclamar ou a soltar gritos a medida que o jogo avançava, e isso me deu curiosidade, afinal, qual era o placar?, rs
Chegamos na rodoviária, e obviamente não me contive, e ao descer, novamente com um olhar cúmplice e curioso ao motorista, perguntei:
- Quanto está o jogo?
- 0 x 0...num risinho contido...
- Ah...que bom...disse, acenei em despedida, e segui a frente, afinal, ainda tinha um longo trajeto a frente, ia atravessar a cidade, de trem e metrô, e por “coincidência” passaria em frente na famosa “Arena Corinthians”, afinal Itaquera que praticamente não existia no mapa, para a maioria, é claro, agora era conhecida no mundo inteiro, através da abertura da copa.
No entanto, o que me deixou indignada, foi o fato de constatar mais uma vez a injustiça imperando nesse planeta, onde uma minoria bem abastada continua se divertindo e obtendo o melhor em tudo, como sempre, enquanto a maioria, continuava a se contentar a assistir esse espetáculo nas telas de seus televisores, mesmo estando a poucos metros de distância da famosa Arena, mas que pelo fato de serem os valores dos ingressos, preços absurdos, e os impedirem de participar de algo que teriam direito, na minha opinião, é claro, por serem os moradores da região, e que na minha opinião, seriam merecedores de ao menos um valor mínimo, ou de um desconto, talvez, mas, que como sempre, passavam desapercebidos, em meio a essa minoria abastada, e que nem ao menos, se quer cogitava, ou nem se preocupava com tal realidade, e me perdoem o desabafo, mas digo isso, não somente pelo fatos de minha família, residir nesse bairro, e estar me dirigindo a casa da minha mãe, que mora tão perto, que se quisesse, poderia ir até lá a pé, mas que como o bairro inteiro, se contentou em aplaudir o espetáculo em casa, e ainda, a se orgulhar, como a maioria dos moradores do bairro, em saber que os olhares do mundo, estavam ali voltados por aquele bairro da periferia de São Paulo, mas, que nesse dia tão especial se tornou o foco do planeta...
Claro, que sabemos que essa é a dura realidade que permeia nossa sociedade atual, hipocrisia e alienação, injustiça, e é óbvio que sabemos que esse é somente mais um dos empreendimento gigantesco que permeia o mundo do futebol, mas, que para minha felicidade, tenho a certeza, que essa mesma população, engessada e adormecida a séculos, está agora despertando desse pesadelo que turva-nos a mente e a visão, e que mesmo de forma lenta e moderadamente, estão acordando, e digo isso, pelos inúmeros protestos que eclodiram fora da Arena no dia da abertura, e perpetuaram em diversas cidades da capital, e que sabemos que muitos dos protestos que eclodiram em outros bairros mais nobres da cidade, também tinha a ver com o fato de indignação por uma parte dos cidadãos que torceram o nariz, pelo fato, de tudo estar se passando na periferia da capital, fato este que os deixavam bem descontentes, por sinal, e que para a felicidade desses mesmos esquecidos moradores da região, trouxe ao menos, uma melhor infra estrutura no tráfego, e algumas melhorias na região, diga-se de passagem, mas enfim...como sempre passam desapercebidos para a maioria...e, finalizando, e ainda falando dos manifestos contrários, destacamos a sonora vaia a digníssima Presidenta que com olhar sombrio e aspecto circunspecto acompanhava a tudo silenciosamente...
Retomando a jornada inicial, entrei na rodoviária Tietê normalmente lotada constantemente, e que novamente para minha sorte, que detestava acumulo de pessoas, estava vazia, com pequenos grupos de passageiros a espera de suas viagens, acumulados a frente aos televisores ou telões das lanchonetes, cuidadosamente preparadas para esse evento, presos no desenrolar da partida...
Cheguei a bilheteria do metrô, e mais uma vez, não existia fila alguma, somente 1 funcionário a atender, pouquíssimos passageiros que como eu, ainda não tinha o bilhete, para o metrô, comprei o meu, e entrei no metrô, cheio de placas e avisos em Inglês, e notei que a voz sonora que indicava a todos as próximas estações, agora também anunciava em duas versões, a feminina dizia em português, como de costume: Próxima Estação: Armênia, e em seguida uma voz masculina anunciava em Inglês: Next Station: Armênia...quanta atenção aos turistas, pensei, isso é bom, rsrsrs...e não pude deixar de me divertir novamente, ao acompanhar aquele centro de embarque de passageiros que como eu, atravessava a cidade num dia tão “especial”, e que na maioria, mal falavam integralmente seu idioma nativo com perfeição, mas que agora, por essa “invasão” de turistas no seu pais, tinha que conviver com essa nova realidade, mesmo não tenho a mínima noção do que economicamente representava tudo aquilo para o pais, no mínimo, hilário, e me desculpem mais uma vez a opinião...rsrsrs...
Continuando o trajeto, e, saindo do metrô, me dirigi a Estação da Luz, marco da cidade e ponto de partida para os trens urbanos para a periferia, mais uma vez, a grata surpresa, em pleno horário de pico na semana, estava totalmente vazia, e se em dias comuns, as pessoas se engalfinhavam e se apertavam na disputa de um vagão para chegarem em casa, depois de uma jornada massiva e desgastante de um dia de trabalho duro, hoje, poderíamos escolher os bancos e nos sentar tranquilamente, e isso me deixou tão feliz, que fiz questão de fotografar e enviar depois a foto para minhas filhas, registrar aquele momento incomum, e de um certo ponto, triste, porque era assim, que deveria ser a rotina daqueles milhares de trabalhadores dessa cidade pulsante que é uma das maiores metrópoles do nosso pais, e que contribui freneticamente para a riqueza desse nosso pais, mas enfim, continuei a observar e discretamente não me contive, e tirei outra foto daqueles que se sentavam a minha frente no vagão, e não entendiam o porque dessas fotos minhas, mas não se importavam, já que traziam em seus rostos, o sinal da idade, e do cansaço, e na maioria ressonavam nos bancos, alheios a tudo, até ao jogo, ou que presos em seus celulares, emitiam torpedos constantes, ou até mesmo, tagarelavam, como as amigas operárias a minha frente, que riam e se divertiam, das peripécias da jornada de trabalho do dia, e as vezes, especulavam quanto estava o jogo para uma colega do lado, que acompanhava tudo em seu celular...e que, por mais uma “coincidência”, sentou-se a meu lado, um senhor de meia idade, que ostentava seu celular, com antena de TV, e assistia on line a partida do jogo, e mantinha o olhar preso na pequenina tela, claro que isso me chamou a atenção, e óbvio que vez em quando, lançava um olhar meio que de esguio, para ver os jogadores, que faziam o seu melhor, para garantir o resultado positivo que o pais esperava, e também um outro colega que em pé e ao lado da porta, começou a se esgueirar para acompanhar o jogo, e que obviamente, tornaram-se parceiros, e como todo bom brasileiro, naquele momento, tornaram-se “técnico” e davam seus pitacos e comentários, ora felizes, e compassivos, ora arredios, e o meu colega, inconformado com a atitude do juiz, dizia que tudo era culpa dele, e não se continha quando o mesmo se aproximava de um jogador com o cartão em punho, e ele soltava aquele sonoro palavrão, que a maioria imagina, neh?...rsrs
- Juiz, seu fdp...dizia indignado, e o vagão inteiro, caia na gargalhada...rsrsrs...
Alheio a tudo isso, duas senhoras na minha direita, com celulares em punho falavam com seus filhos, maridos, ou namorados, enfim, especulavam, como estavam, ou o que faziam, se estavam bem, etc...e tal, e indiferentes a tudo, queriam mesmo era chegar em casa o mais rápido possível, independente daquela partida, que pelo que notei, foi o melhor que aconteceu a elas, pelo fato de saírem mais cedo, e estarem a caminho de casa...
Interessante, é que além desses poucos trabalhadores que voltavam pra casa, outros tantos “autônomos”, irrompiam, no meio do vagão, com pequenas caixas na mão, cheias de doces e chocolates, e começam aquele discurso em voz alta e sonora, e que as pessoas, acostumadas a extremo com esses “espetáculos” não davam atenção, mas eles, insistiam, também não se preocupando com a desatenção por parte da maioria, e corriam atrás do seu objetivo, vender e ganhar dinheiro, tive que tirar meu fones de ouvido, para ouvir aquilo, afinal, essa é a realidade de muitos, e eu em meio a tudo isso, não poderia deixar de observar, e ele dizia em voz alta:
- “Pessoal, desculpe incomodar a viagem de vocês, sei que estão cansados, mas como vocês, também continuo aqui trabalhando, eu poderia, estar roubando, pedindo, mas não estou, tenho mulher e filhos em casa que preciso sustentar, por isso, peço a ajuda de vocês para comprar esses chocolates, que é uma delicia, e por ai, pagariam o dobro do valor, mas aqui, se alguém tiver 5,00 leva os 3, então pessoal, quem vai querer”...
Ar, e constatei que caia perfeitamente para aquele momento, e continuei minha jornada...
Como fazia parte do trajeto, contemplei ao longe da janela do metrô, a Arena, num ímpeto, fotografei, e isso foi o mais perto que consegui chegar dela...e descendo na estação, teria maioria, parecia nem ouvir o que ele dizia, mas ele, sem se importar com isso, e insistente como a maioria, atravessou o vagão todo, e foi e voltou varias vezes, e por fim, mudou o discurso:
- Pessoal, não vou voltar pra casa com isso, por isso vou fazer uma promoção, quem tiver 2,00 leva 2 agora...nessa hora, esquecendo do meu colesterol, e também, querendo colaborar mesmo que com uma quantia tão pequena, acenei e tirei a nota, recebendo meus 2 chocolates, que pra minha surpresa, estavam realmente muito bons mesmo, e depois disso, fui seguida por mais um grupo de passageiros, que também compraram seus chocolates, e o “vendedor” ambulante, seguiu sua jornada trocando de vagão,e recomeçando seu discursos repetidas vezes...
Nessa hora, as colegas a minha frente, tagarelavam animadamente, e agora, comiam também seus chocolates, sendo observadas por uma enorme aut door da Coca-Cola, que ostentava duas imagens de adolescentes com rostos pintados em verde e amarelo e na face o símbolo das bandeiras de seu pais, Brasil e Inglaterra, ostentando as latinhas do refrigerante em ambas as mãos, extremamente sorridentes, e abaixo a frase em hashtag, #juntatudo...e na lateral, mais anúncios da Coca, com inúmeras latinhas de todas as cores e tamanhos no mesmo perfil...bom, cansei de observar tudo isso, e voltei aos meus fones de ouvido, que mais uma vez por uma estranha “coincidência” a frase da musica que ouvia do Tico Santa Cruz, da banda Detonautas dizia:
- Nós vivemos a verdade, que reluz do coração, somos força e coragem, enfrentando a escuridão...
Isso me emocionou, ao olhar aqueles rostos de trabalhadores a minha volta, e me deixei enlevar pela musica maravilhosa, e que com certeza foi inspirada ao seu compositor ainda um pequeno trecho que por opção, faria a pé, já que eram apenas algumas quadras, e isso foi muito interessante, pois novamente ia somente eu rua a fora, todos estavam imersos em seus televisores, ou nos bares com os olhos pregados na telinha, o melhor disso tudo, era comtemplar o colorido das bandeiras revestidas nos capôs e retrovisores dos automóveis, todas em verde amarelo, estranhamente divertido, pensei...mas não posso de deixar de concluir o quanto era belo, visualizar em cada sacada, ou até mesmo no mais belo e impetuoso edifico de São Paulo, em sua mais alta torre a Bandeira do Brasil, tremulando imponente, constantemente...simplesmente Belo !!!
Finalmente cheguei em casa, e qual não foi a minha surpresa, quando me deparei com minha mãe, que na maioria não liga a mínima pra futebol,e minha irmã, com os olhos pregados na telinha, e mais, a se emocionar e a vibrar com cada atitude dos jogadores, a soltar exclamações de Ansiedade e Felicidade a cada lance acertado, não pude deixar de pensar, hilariantemente belo, pela emoção, atenção e amor, com que visualizava aquela cena incomum, mas que sabia, ser, corriqueira em todos os lares brasileiros naquele instante, como a mídia, insistia em divulgar, “Todos juntos num só coração, ligados num única emoção”, fato !!!
Não pensem vocês, que também não me emociono, ou torço e vibro de maneira contrária, isso não, outrora agia exatamente como minha mãe e irmã, acredite !!! e ainda esse mês sentimento patriota e de amor ao pais, especialmente nessa ocasião, não mudou, o que acontece, é que o tempo passou, e de uma forma diferente para mim, talvez, e já não sinto mais prazer em compartilhar dessa “comoção nacional”, prefiro acompanhar tudo a distância, mas é lógico, que ao término de cada partida, me alegro e me emociono como a maioria dos cidadãos, especialmente se o jogo for ganho, naturalmente...rsrs
Para finalizar, nessa partida, e para nossa sorte, apesar de não ter sido uma vitoria como a maioria esperava, ou seja de goleada, vencemos, e na atual conjuntura, isso é o que importa, certo?... rsrs, e voltando ao assunto inicial, depois disso tudo, a pergunta ainda é a mesma, somos mesmo esse pais do futebol? acho que a resposta é óbvia, mas o intuito final é mesmo o de questionar, e digo isso de não somente me atentando ao nosso pais, mas de uma forma geral, um esporte que no nosso caso, virou uma mania, ou uma paixão nacional, como é divulgado, e que insemina os sonhos da maioria empobrecida e esquecida da população, que se agarra a essa única chance de vencer na vida profissionalmente falando, pode ser utilizado não somente para abastecer os cofres daqueles já tão fortemente abastados, e realizar os sonhos e desejos de alguns “sortudos e talentosos”, ou que num sentido mais amplo de fraternidade poderia mudar o rumo de uma civilização...Utopia, Inverdade, Delírio, Sonhos?
Há uma célere frase que diz: É preciso Ver para Crer, no entanto, hoje há controvérsias, creio que: É preciso Crer, para Ver, o que sempre deu certo, poderá não funcionar mais, a mudança é preciso e urge dentro de cada um de nós, mudanças de crenças e paradigmas de uma sociedade estagnada,e cansada, mas, é isso “vamos que vamos”, como diz a belíssima musica que ecoa por todos os cantos do pais:
Mostra a tua força, Brasil
E faz da nação sua bandeira
Que a paixão da massa inteira
Vai junto com você, Brasil !!!