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Ponto e vírgula

Capítulo 1
Sem igreja, sem polícia, sem chefes, sem impostos e sem governantes.
Esquecendo da vida que se levava até 2019. Agora era a vez da contenção e redução de danos.
Aproveitando dos princípios que os uniam ideologicamente, estavam agora fora da cidade, isolados no meio da Mata Atlântica desde o início da pandemia. A descrença na humanização da sociedade era a maior motivação para o isolamento.
Zími e Mila Cox encaravam cada um a seu modo a comodidade do rancho sem nome, onde o ócio que muitas vezes é feito do isolamento se transformava em músicas gravadas toscamente em fitas k7 para depois serem digitalizadas e então disponibilizadas.
Apesar de lançarem essas gravações em mídias físicas nos poucos shows que faziam juntos sob o nome de Crop Circles, e também as disponibilizarem na internet com certa regularidade, tinham agora tempo livre e não sofriam qualquer tipo de pressão, já que seu público era constituído basicamente de pessoas que eles conheciam pessoalmente e com as quais mantinham contato na rede, enquanto a mídia tradicional os ignorava por completo, pois não tinham amigos que se apresentavam social ou profissionalmente como jornalistas musicais, e quando conheciam alguma dessas pessoas, logo já sabiam se eram ou não do ramo, em termos de inteligência, informação e bom gosto.
A diferença geracional entre eles enriquecia o convívio. Nem deus, nem pátria, nem família,
Tinham em comum o fato de serem minoria. Era hora de deixar que a maioria vivesse na cidade como bem entendessem. Mila Cox não queria voltar para o bairro do Sumaré tão cedo para fazer com que Zími parasse de chama-la de fidalga, Zími era da Bela Vista, região central de São Paulo, e também não sentia saudade.
Tinham em mente que a humanidade é maior que o estado, mas era hora da maioria decidir sobre essa questão. O mais bizarro é que eles votaram para que decidissem sobre seus destinos.
Zími tinha quarenta e sete anos, aprendeu desde cedo na escola que era para sentar e calar a boca. Não o surpreendia que a essa altura do século vinte e um as pessoas da sua idade o decepcionassem tanto em todos os aspectos.
Viveu por um bom tempo as dificuldades impostas aos apreciadores de música pela indústria do entretenimento, que especialmente no Brasil castigava essas pessoas com muita falta de informação e a ausência de inúmeros lançamentos de discos importantes no país.
Mila Cox tinha dezenove anos e nasceu com a indústria musical em agonia. Nunca precisou esperar que suas músicas preferidas tocassem no rádio e comprava discos sabendo o que esperar deles e não apenas baseada no que as pessoas diziam.
Eles não tinham a popularidade como obsessão e nem romantizavam a falta dela. Havia nesse caso o benefício do retrospecto e a história do Rock para mostrar a Cox uma série de justiças e injustiças relativas à popularidade de artistas relevantes.
Fama só parecia atraente acompanhada de dinheiro e dos motivos certos para tê-la. Não havia para eles herança, latifúndio do avô, nem sonegação, lavagem de dinheiro ou exploração brutal do trabalho. E a arte não os remuneraria a ponto de transformar certo princípios.
Havia também o fato de não terem uma música exatamente palatável para os padrões das emissoras de FM e muito menos para o que era apresentado na televisão. Seus seguidores não eram números, e sim pessoas de verdade com gosto musical bastante distinto.
Cox nasceu no século vinte e um e a televisão já não significava nada para ela, enquanto Zími na sua infância nos anos setenta e início dos anos oitenta sonhava com uma programação televisiva decente, especialmente depois de ver pela primeira vez um vídeo cassete e assistir a fitas com programas antigos do Top of the Pops, com uma prima mais velha que era bem à frente das outras pessoas que conhecia.
Zími dizia que chegou onde chegou porque tudo que planejou ao longo da vida deu errado, mas por fim encontrou a paz, antes mesmo do que esperava e ainda que de uma forma estranha, com o mundo em chamas e em meio a uma pandemia.
Esperou por décadas que alguma coisa realmente louca acontecesse no planeta para que certos paradigmas que o assombravam desde os anos setenta caíssem por terra.
Mila Cox era uma jovem de dezenove anos, pressionada antes da pandemia para que decidisse sobre seu futuro acadêmico. Sabia apenas que essa seria uma trajetória ligada à arte, e já lidava com conselhos que sugeriam que esse seria um caminho de fome e insegurança financeira. O outro caminho era se tornar uma escrava agradecida pela oportunidade.
Para Zími, vinte e oito anos mais velho, a falta de perspectivas para o futuro era algo que conheceu bem durante os quarenta e sete anos que já havia vivido antes da pandemia. Décadas de incertezas impostas pelas pessoas que apoiavam o caminho torto que levou o mundo à situação bizarra em que agora se encontra o endureceram o bastante para que naquele período pudesse apenas usar seu tempo com entretenimento e alguma produção artística. Com um pouco de paciência estaria morto ou chegaria a uma condição de vida mais agradável.
Agora, a prosperidade do pomar em seu quintal lavava sua alma dos medos que tinha naquele mundo que não existe mais.
Devaneios impostos por pessoas de seu convívio e oficializados pela mídia corporativa estavam agora destruídos. Mila considerava Zími uma espécie estranha de visionário por saber com décadas de antecedência que aquilo tudo daria numa merda global sem precedentes.
Quando falava sobre futuras consequências desastrosas que a forma como o mundo era conduzido traria , Zími ouvia em resposta que contar com isso ainda em vida era como esperar que ganhasse na loteria para resolver seus problemas financeiros crônicos. No entanto, seu estilo de vida que fugia das extravagâncias materiais fez com que se adaptasse rapidamente à nova realidade do mundo.
A base oprimida da pirâmide social agora estava abandonada por aqueles que os enchiam de coragem para acreditar que valia a pena ser sugado pelo sistema, porque o futuro seria melhor. Até porque essas pessoas agora estavam com medo de um futuro que pensavam estar distante demais para que vivessem para presenciar.
Zími não carregava a mágoa de ter acreditado nisso. Sua fé sempre fora calcada na certeza de que viveria para ver a explosão de merda que viria inevitavelmente, mesmo sem saber que seria inicialmente em forma de vírus.
Quando sua vida escolar se tornou uma fraude no curso ginasial, ouvia com frequência que viraria mendigo.
A maioria das pessoas que diziam isso morreram bem antes da pandemia e não puderam ver o resultado crônico de suas convicções baseadas em mentiras, corrupção e ignorância. Gente que viveu sem pandemia e sem internet, num mundo em que o opressor oficializava o que poderia ser sabido pela massa, sob o filtro corrupto do interesse dos poucos que mandavam. Daí o seu desprezo pela mídia corporativa, esta que agora tentava sobreviver, com um passado que lhe tira credibilidade, e um presente e um futuro sob o advento da internet, algo que lhe tira a razão de existir.
Capítulo 2
O que havia em comum entre Zími e Brito era o completo desprezo por Deus, pela pátria e pela família. Algumas convergências ideológicas que não fizeram deles pessoas tão queridas um ao outro.
O resto tinha menos relevância, mas Mila Cox queria saber quem era Brito, que solicitou sua amizade numa rede social e tinha Zími como amigo em comum.
Brito era amigo de alguns amigos de Zími e seu vizinho de bairro em São Paulo por muitos anos.
Zími começou a descrevê-lo a partir de lembranças que ainda eram claras. Estavam num período próximo às eleições e Brito foi lembrado antes de tudo por também deixar de votar nos mesmos picaretas de sempre, regidos pela imundice de um sistema que até aquele momento a pandemia não havia sido suficiente para demolir.
Assim como Zími, ele havia votado uma única vez após a implantação das urnas eletrônicas, apenas para ver como funcionava e anular o voto. A partir de então nunca mais compareceram à votação, saudosos das velhas cédulas de papel, que podiam ser preenchidas com todos os palavrões que ali coubessem.
Mas havia muito mais a ser contado, como a ocasião em que Brito estava furioso e como sempre julgava ter razão. Seus monólogos eram sua válvula de escape.
_ Se eu pudesse enfatizar o quanto é grande a minha mágoa, certamente ganharia o Nobel de Literatura! Qualquer pessoa que eu não tenha precisado conhecer pessoalmente, viva ou morta, é considerada por mim alguém com classe, Só pelo fato de não ter aprontado nada comigo a ponto de me fazer tomar conhecimento de sua existência. Nada é mais importante pra mim do que privacidade e um certo isolamento. O que vem em primeiro lugar não é a família, nem Deus e nem a maioria das outras coisas que as pessoas insistem em estabelecer como prioritárias. Eu não acredito em nada dessas merdas. Jogue mais água da torneira no feijão da humanidade e você também será Deus. Beber sozinho é coisa de alcoólatra? Eu gosto de beber sozinho, e tenho a plena convicção de que um grupo de bêbados é algo muito mais nocivo. Sua irmã é carente de atenção e foi convencida de que perder para a bebida a atenção de alguém é uma derrota insuportável. Eu estou apenas fazendo um comentário sobre uma situação que você me viu passar, caso contrário eu não tocaria no assunto e não é só porque ela é sua irmã. Eu não tenho irmã mas é fácil imaginar-se tendo uma. E o Braga? Sei que você não teve culpa, mas eu o conheci através de você. O que eu fiz pra ter como encosto um agitador cultural universitário? Ele trabalha aqui do lado de casa, vive colando lá de surpresa depois do expediente. Em dias de semana às vezes eu deixo o porteiro do meu prédio avisado para que diga ao Braga que eu não estou. Algumas vezes fui pego de surpresa encontrando-o quando eu entrava ou saía do prédio em momentos em que eu já havia esquecido que ele existia. Seus amigos me chamam de burguês, mas morando aqui não se tem qualquer privacidade. É um foco de vulnerabilidade coletiva. A falta de privacidade só favorece gentalha.
Foi o que disse Brito para Galvão. (Brito disse isso porque ouviu de Vânia, irmã de Galvão, que quem gosta de beber sozinho é alcoólatra. Isso foi num domingo à tarde em que a garota apareceu de surpresa em seu apartamento quando Brito dormia.
Sobre Vânia, uma belíssima mulata de 26 anos, falaremos um pouco mais adiante e também sobre o que há por trás dessa trama infeliz e bem brasileira. )
_ O problema mesmo é com a minha irmã. É uma pessoa sem classe e só quem tem irmã sabe o quanto é difícil ter que falar uma coisa dessa. Infelizmente eu vi que ela causou um desgaste gratuito na sua vida, mas você há de convir que isso já é algo superado. Quanto ao Braga, eu não posso fazer nada. Você chegou a minha procura, ele estava lá e não havia como prevenir o encontro de vocês. Eu dou umas duras nele por muito menos do que as razões que você tem para fazer o mesmo. Se eu fosse dar uma de legal com ele, aquele paquito montaria. Se ele surgisse na minha casa eu o mandaria embora tranquilamente. Ele compra minha maconha toda semana, mas quer companhia também, porque é muito carente de atenção. Não é exatamente um mau sujeito, você sabe. Pode se tornar inconveniente se não for alertado e a minha chateação com ele se deve ao fato de eu apenas não ter vontade de tê-lo por perto. Não acho que isso seja crueldade. - respondeu Galvão.
_ É meio atrevido mesmo, mas o que me irrita é o fato dele ser um sambista indie. Duas coisas me irritam de uma maneira insuportável. Uma delas é quando ouço algum velho brasileiro ridículo falar que gostava de rock quando era jovem. Eles nunca dizem o porque de terem desistido, ou a razão que os fizeram mudar o gosto musical. Será que obrigatoriamente eles precisam ouvir bossa nova quando destroçam os outros setores de suas vidas? Será que era só a dificuldade em conseguir informações culturais vindas de outros países? Esses velhos são zumbis, almas mortas em corpos flácidos. Seus sonhos eram equivocados e foram esmagados um a um. A outra coisa que me irrita demais são esses sambistas indies jovens que acham bonito dizer que ouvem o Cartola, mas que na verdade gostam dessa nova geração de sambistas jovens de apartamento, cheios de cuidados com o barulho que pode incomodar os vizinhos em suas tumbas. Gostam de dizer que ouvem tanto Sonic Youth quanto Adoniran Barbosa para parecerem 'ecléticos'. Por essa e por outras, eu não tenho qualquer respeito por isso que chamam de viver em sociedade. Tem gente que sofre mais do que eu do ponto de vista material, mas eu sei que quando tivermos que reiniciar o modo de vida nesse planeta como se reinicia o funcionamento de um computador, todos seremos afetados de alguma forma. - disse Brito.
_Eu também penso nesse tipo de coisa, mas não tenho esperanças de que esse dia chegue logo. Queria muito que acontecesse algo, mas não fico esperando tanto por isso. Seria um otimismo exagerado achar que ainda serei jovem quando esse dia chegar. E pior ainda seria a frustração em cada amanhecer antes desse dia chegar. Seria uma espera muito corrosiva. se é isso que nós temos, vamos de cabeça. Requer culhões, mas é preciso combinar o cabelo com a estrada e olhar pra frente! - disse Galvão.
_ Eu não espero muito da vida. Quanto menos se espera dela, menos se tem a perder .A vida é como uma arara. Pode ser muito bonita, mas pode cagar na sua cabeça bem naquelas horas em que tudo parecia estar dando certo. Eu me sentia melhor quando era ingênuo o bastante pra ver alguma grandeza ou alguma virtude nos outros, ou pelo menos imaginá-la, mesmo que essa grandeza ou essa virtude não existisse. Sinceramente eu acho que sou um benfeitor de uma certa maneira, porque eu nunca apoiei nenhuma loucura que me parecesse ridícula demais pra merecer o meu envolvimento. Hoje em dia gosto do fato de isso ter sido intuitivo, pois me acontece desde os tempos em que tenho as mais remotas lembranças da minha infância, os primeiros tempos na escola, algumas coisas que aconteciam na minha casa que pareciam bizarras mesmo pra um moleque muito pequeno. Minha família é bisonha. Eu já tenho trinta e oito anos e me lembro de que quando meu pai tinha quarenta e oito era a antítese de tudo o que eu podia esperar da vida. Nessa época eu tinha quinze. Eu sabia que não podia convencê-lo a mudar e sabia que a qualquer custo eu seria outro tipo de pessoa. E ele tinha 10 anos a mais do que eu tenho hoje... Infelizmente me ensinavam que se as contas da casa fossem pagas em dia você poderia fazer o que quisesse. Essa visão distorcida da vida sempre me abalou profundamente. É claro que eu fazia ao contrário tudo o que me recomendavam, tanto em casa como na escola. Minha relutância em constituir família vem da minha própria família. Uma vez num show do Quiot Riot quando eu era adolescente, vi um professor jovem da minha época de segundo grau com uma camiseta branca em que letras pretas de forma diziam 'viver é um problema' e essa é uma das poucas lembranças relevantes que tenho da época da escola. As outras são relativas ao Rock também. E à falácia de que alguém na escola poderia oferecer drogas. Eu só via drogas na escola através de alunos mais velhos que jamais dividiriam comigo. Meus pais nunca foram discretos como poderiam e deveriam ser. Teríamos uma qualidade de vida muito melhor se eles se preservassem. Para eles a única obrigação dos pais é pagar as contas de casa e mandar os filhos pra escola. Gente assim deveria ser capada antes que pudesse ter filhos. Se eu tivesse seguido um por cento do que eles recomendavam, teria uma vida ainda mais difícil. Eu sei que você acha que a minha vida é sossegada, mas se um dia eu fosse escrever um livro sobre família, todos que lessem iam pensar que eu estou forçando. Sou totalmente descrente nos valores familiares desde criança, porque sabia desde então que se aquilo que era pregado por eles era o certo, eu teria que ao menos não me envolver. E se tivesse alguma força, teria que me rebelar. - disse Brito.
_ Se você fosse um pobre fodido com a família cheia de alcoólatras e nóias, aí talvez você tivesse mais noção de onde as coisas podem chegar. Aprender alguma coisa sobre a vida pode significar que está tarde demais pra lidar com a situação e quando se é pobre de verdade a coisa fica triste. A minha família é pobre, cheia de primos e tios vagabundos, bêbados e eternamente desempregados. Tenho também dois primos que mergulharam de cabeça no crack. Um já morreu de tanto fumar pedra e o outro está devastando o que sobrou da família. Quando eu estava começando a ficar bastante preocupado com o que viria depois, aconteceu aquela desgraça com a minha mãe. Eu não queria ficar te dizendo que você é um playboy que vive com conforto e tempo de sobra pra reclamar, mas convenhamos, meu caro... - disse Galvão.
A mãe de Galvão foi morta ao ser atropelada no calçadão da Rua XV de Novembro, no centro de São Paulo, por uma daquelas bicicletas descontroladas que carregam galões de água. O sujeito perdeu o freio quase na esquina com a Rua Direita, de onde a mãe de Galvão apareceu, às sete e meia da manhã, quando o caos já estava instalado no centro de São Paulo, no início de mais um dia na cidade. O pai de Galvão havia morrido 4 meses antes, de complicações da diabetes, que foi agravada pelo alcoolismo.
Sérgio Galvão era aos vinte e três anos um jovem e divertido mulato que tomava conta dos carros estacionados numa ponte localizada na região da Avenida Paulista, mais exatamente atrás do Masp. Essa ponte naturalmente está lá até hoje e passa por cima da Avenida Nove de Julho. Quem a atravessava seguindo o fluxo dos carros tinha o Masp à esquerda e acima, e a Avenida Nove de Julho à direita e abaixo.
Os carros estacionados ali são geralmente de pessoas que visitam os pacientes do Hospital Nove de Julho ou que trabalhavam na região. Dono de um sorriso matreiro e uma ginga compassada, Galvão se deslocava tranquilamente por entre os carros que paravam para estacionar sobre a ponte de segunda à sexta, quando cumprimentava cordial e alegremente cada um dos condutores que parassem ali.
Era figura fácil também nos bares da Bela Vista quando escurecia. Vivia com a irmã Vânia numa quitinete na Praça 14 Bis. Em alguns aspectos Galvão era invejado por José Ronaldo Brito, de 38 anos, que para alguns tinha tudo para ser feliz mas vivia insatisfeito.
Brito tinha uma bússola moral própria. Era um tipo de playboy da Bela Vista, alguns traços de descendência árabe misturada à descendência de diferentes povos europeus. Tinha um metro e setenta e sete de altura, pouca tendência para aumentar seus setenta e cinco quilos, cabelo castanho escuro, grosso e sem sinais de calvície.
A barba cerrada era feita duas vezes por semana, de modo que estava quase sempre com a barba por fazer. Seus pais viviam de renda. Não eram exatamente ricos, mas a família tinha dois bons apartamentos no mesmo prédio, na Alameda Rio Claro, a menos de duzentos metros da Avenida Paulista.
O pai de Brito havia herdado de um tio um grande terreno em Vinhedo e o vendeu para que ali fosse construído um condomínio, e com esse dinheiro conseguiu comprar mais um apartamento no prédio onde viviam e deixar o restante do dinheiro rendendo.
Brito era um solitário convicto e procurava não ser extravagante. Dirigia um Corsa vermelho de 2005, sem opcionais. Cada andar desse prédio em que viviam em São Paulo tinha dois apartamentos, sendo que um deles era frontal e virado para a Alameda Rio Claro e o outro virado para a Rua Pamplona.
Os dois apartamentos da família de Brito eram no último andar, sendo o de Brito o apartamento frontal e o de seus pais o apartamento virado para os fundos. Na prática a coisa funcionava como se Brito e os pais vivessem na mesma casa, mas com Brito ocupando uma ala mais espaçosa.
Naquele período a relação familiares entre os Britos era tranquila, mas muitos atritos tinham ocorrido nos anos anteriores, especialmente quando a família ocupava somente um dos apartamentos, antes da venda do terreno no interior. "Aqui na Bela Vista só tem gentalha. Essa gente não tem classe nenhuma". - era o que Brito nunca deixava de repetir a cada vez que entrava ou saía de seu prédio, estivesse ele sozinho ou acompanhado. Outra frase frequentemente repetida por Brito quando as coisas não aconteciam do jeito que ele achava conveniente era 'Esse planeta está todo cagado!'.
Seu pai havia exercido um mandato de síndico, fato que gerou ásperos atritos entre ambos naquele período e nos primeiros meses da gestão do síndico que assumiu posteriormente, pois Brito alegava que a privacidade da família fora prejudicada para sempre desde então. Queixava-se de sua privacidade individual, alegando que seu apartamento era nada mais do que a extensão do apartamento de seus pais.
Para ele, era na verdade como se fosse um bom quarto na mesma casa dos pais, e não uma unidade domiciliar independente. Queixava-se do fato de os outros moradores cobrarem dele sobre atitudes e gastos efetuados por seu pai no período em que este foi síndico.
Brito comprava uma maconha de boa qualidade fornecida por Galvão e passava suas tardes de chinelo em sua sacada, olhando de cima a antiga propriedade da família Matarazzo, localizada à frente de seu prédio, onde já funcionou um hospital e onde vez ou outra se agrupam mendigos da Bela Vista, até que fossem obrigados a dispersar. Um pouco mais adiante via-se a Avenida 9 de Julho. Brito ficava olhando, ouvindo música e fumando maconha.
Brito e Galvão eram amigos, mas como é de se supor, havia entre eles uma barreira invisível e quase intransponível que tinha como base a obsessão de Brito por isolamento e privacidade.
Galvão sabia muito mais sobre Brito do que o contrário. Conheceram-se num jogo do Juventus no estádio da Rua Javari, na Mooca em 2008. Tinham em comum a paixão pelo futebol das antigas e não suportavam a modernização do esporte como ela estava acontecendo. Toda a magia do semiamadorismo estava acabada para sempre. Gostavam de ver o jogo do alambrado, cuspindo nos bandeirinhas.
Nos bons tempos, os jogos do Juventus eram notórios pela presença de um público pequeno, antes que os hipsters adotassem o clube, mesmo tendo predileção por algum grande clube e fizessem com que as camisetas do Juventos fossem muito mais numerosas na cidade do que as da Portuguesa, por exemplo.
Antes de um jogo, na pequena fila da bilheteria começaram a conversar quando Galvão lembrou que conhecia aquele sujeito da Bela Vista. Parecia suficientemente amigável e então começaram a conversar e descobriram que eram mesmo vizinhos.
A vida material de Brito era tão cômoda para os padrões normais da sociedade brasileira que até mesmo os problemas mais simples do cotidiano o perturbavam de tal modo que ele pensava haver uma conspiração contra ele, principalmente por parte de seus pais. O local onde moravam era caracterizado pela incessante valorização imobiliária, mas por outro lado havia ali uma altíssima densidade demográfica.
Brito exercitava-se fazendo barras e flexões dentro do apartamento, e considerava um sacrifício sair dali, fosse qual fosse a razão para essa necessidade. Geralmente era para buscar maconha com Galvão, e descia de chinelo, olhava as feições desalmadas das pessoas que andavam na região da Avenida Paulista, e isso o entristecia profundamente.
Brito vivia imerso naquele sentimento contemporâneo de que o mundo acabaria logo e que todos à sua volta estavam fazendo um papel ridículo. Se naquele período ele fizesse qualquer menção à vindoura pandemia de Covid-19 seria ridicularizado.
Ele sentia pena do povo e sentia certa culpa por ter alguma tranquilidade na vida. Até porque ele próprio temperava essa tranquilidade com algum drama que ele imprimia à sua vida, estando sempre insatisfeito.
Apreciava Peter Hammill por seu tom paranoico e esquizofrênico.
Vivia enfatizando que sua tranquilidade se resumia ao campo material. E não chegava nem perto de ser rico, o que o limitava em algumas empreitadas, especialmente na área artística. Apenas não precisava sair para trabalhar. Precisava não ir à falência, precisava cuidar do patrimônio, e isso ele fazia. Ali onde morava ele se queixava do excesso de gente.
Se estivesse numa fazenda, reclamaria de tédio e das pessoas que habitassem o local. Às vezes ao voltar para casa depois de comprar sua maconha, punha-se a pensar como seria a vida de Galvão quando ele não estava nas redondezas.
Brito pensava nisso porque sentia que sua vida era um livro aberto para as pessoas da vizinhança, ainda que não achasse que isso fosse positivo e na tentativa de preservar como segredo alguns detalhes de sua vida, ele se afastava da realidade dessas pessoas fisicamente próximas.
Para ele isso era muito bom na maior parte do tempo. E se o porteiro de seu prédio morasse num barraco não rebocado numa área ameaçada por deslizamentos? E todas as outras pessoas com as vidas destroçadas pela pobreza, pela ignorância e pela má distribuição, que sentiam cada segundo passar enquanto Brito ouvia rock alternativo e vadiava? Como era possível fazer menção a uma pobreza chamada de digna? Era um período estranho.
Independente disso tudo, sua vida também era quase insuportável, embora ele não quisesse outra. Pensar que as propagandas de margaria ainda faziam as pessoas acreditaram naquele enredo era algo surreal .
Brito pensava e pensava e pensava e concluía todos os dias que aprender alguma coisa com a vida significa que é tarde demais para lidar com a nova informação. E fosse como fosse, ao longo da semana lá estava Galvão, sempre sorrindo, guardando carros, vendendo sua maconha cheirosa e caminhando sobre a ponte, com fones nos ouvidos, ouvindo Sly and the Family Stone, ou Funkadelic, ou Parliament, e sempre caminhava gingando no compasso da música.
_ Galvão, você sabia que o Sly Stone está morando no carro dele? Perdeu a fortuna, a casa, os direitos autorais sobre as músicas e está com quase setenta anos... - disse Brito quando foi buscar fumo com Galvão.
_ Pois é... eu também sou preto e sei o que nós passamos. Ele é de outra geração, é de outro país, é muito mais famoso que eu e ainda assim sofremos de alguma forma com o maldito preconceito. - disse Galvão.
_ Você tem sofrido muito preconceito? - perguntou Brito.
_ Não é toda hora, porque hoje tento não me expor mais do que o necessário, mas saí da escola porque fui avacalhado por uma professora racista. Eu não era muito estudioso e não conseguia ficar muito tempo parado num banco escolar e numa prova eu estava com pressa de ir jogar bola e queria terminar logo. Perguntavam quem havia descoberto o avião e eu respondi que tinha sido Carlos Drummond de Andrade ao invés de responder Santos Dumont. Na semana seguinte a professora disse na frente de todos, a maioria brancos, que meu cérebro provavelmente estava tão chamuscado quanto a minha pele. Nem se falava em criminalização de racismo.- disse Galvão.
_ Não há um só dia em que eu não sinta vergonha da minha condição de humano. Se eu fosse a um médico possivelmente eu seria diagnosticado como um depressivo. Mas não me sinto exatamente assim. Assumo minha bipolaridade; quando as coisas dão certo, fico de bom humor, e quando dá tudo errado, fico deprimido. Os homens grandiosos da história também estiveram sujeitos à condição humana. Muitas vezes bebiam, fumavam, se drogavam, mentiam, eram sexistas, mas souberam intervir de maneira coerente nos contextos de suas épocas. O mundo sempre foi uma merda. Isso não é uma novidade dos nossos tempos. - disse Brito.
Capítulo 3 - Ah, é o Braga!
Brito esperava pela entrega de uma pizza à noite em seu apartamento pouco antes das vinte e três horas de um domingo de Julho de 2011. Até aquele momento, embora soubesse que no dia seguinte precisaria comprar mais maconha, não pensava que a quantidade ainda disponível se resumia apenas ao baseado que acompanharia as cervejas até que a pizza chegasse. Achava que teria o baseado da manhã seguinte. Isso lhe daria algum conforto.
Demoraria mais para sair de casa. Já estava com mais sono do que fome, mas sabia que o cheiro do queijo derretido da pizza abriria seu apetite. Dito e feito. Dormiu sem escovar os dentes, no pequeno sofá de sua sala, roncando mais que uma motosserra. Na manhã seguinte, havia um pedaço de pizza de calabresa e outro de aliche.
As latas de cerveja vazias haviam preenchido o pequeno cesto de lixo de sua sala e seria preciso esvaziá-la.
A maconha tinha acabado, e embora tivesse um café da manhã nobre para saborear, com muito polenguinho, torradas, frutas e café, além dos pedaços de pizza que sobraram, ele pensava apenas que estava com preguiça de sair e procurar Galvão na ponte para comprar fumo. Eram nove horas e trinta e quatro minutos da segunda-feira de acordo com o relógio do microondas, e o pandemônio da região da Avenida Paulista já estava instalado há horas. Mesmo morando no décimo sexto andar podia ouvir durante o dia o barulho intenso das ruas que circundavam seu prédio.
Só não dormia até o meio dia por causa do barulho, inclusive de helicópteros. Quando estivesse acostumado a dormir com aquele barulho, estaria vivendo em parte como um mendigo. Faltaria apenas aprender a dormir sob o sol, todo mijado e cagado e com fome. Nem mesmo a visão desse inferno para os outros era capaz de fazer com que Brito se sentisse privilegiado.
Ele teria condições de se mudar de São Paulo se isso lhe parecesse conveniente. Alguns fatores típicos de grandes cidades o faziam sofrer, mas gostava de olhar de sua janela e ver as pessoas que vinham de bairros distantes para trabalhar na Paulista. Muitas delas realmente sofridas, machucadas, se arrastando pelo concreto enquanto seus sonhos vão sendo diariamente esmagados como percevejos, mas ainda assim continuavam a dormir pouco e a trabalhar muito. Eram retardatários moribundos na corrida por dignidade.
Com todo esse sofrimento, essas pessoas colhiam apenas decepção e amargura, invariavelmente. A rotina era o modo com que enfrentavam o caos. Naquela manhã, assim que pisou em sua sacada para olhar para a rua, o sol começou a castigar a sua vista, a cabeça e os ombros.
Voltou para dentro do apartamento e irritou-se com a falta de maconha e com a consequente necessidade de interromper seu confortável isolamento doméstico para ir buscar mais. Tomou seu café da manhã, que naquele dia foi o que sobrou da pizza da noite anterior, uma pêra e uma caneca grande de café preto, então fumou um cigarro e foi procurar Galvão na ponte para comprar mais maconha.
Para sair, Brito vestiu uma bermuda azul escura, uma camiseta branca dos Pixies toda descascada pelo uso e pelas lavagens e que teve suas mangas cortadas e virou uma regata, exatamente a mesma roupa com a qual dormira, e calçava chinelos de borracha. A viagem de elevador do décimo sexto andar até o térreo pareceu demorada demais, principalmente pelo fato de o elevador ter parado no décimo segundo e no sétimo andar para que outros moradores entrassem. No hall de entrada sentiu como sempre o pensamento do porteiro com relação a ele, um pensamento que julgava Zé Ronaldo como um vagabundo mimado. Já na calçada do lado direito da ponte, por onde Brito descia, um cachorro vinha trotando no sentido contrário. mais adiante, algo em torno de cinquenta metros, na calçada do lado oposto, Galvão estava sentado num caixote de madeira sob a sombra que um hotel vizinho lhe proporcionava, conversando com um sujeito.
O humor de Brito melhorou um pouco com a breve saudação de Galvão que quase imediatamente lhe apresentou o sujeito com quem conversava. 'Brito, esse é o Braga. Braga, esse é o Brito' - disse Galvão.
César Braga, um sujeito de cerca de um metro e setenta de altura, cabelo raspado com máquina um , braços aparentemente curtos em relação ao tronco, que estava oculto por um blazer de lã que não combinava com os vinte e oito graus que ferviam os miolos de Brito.
Braga não precisou de mais do que um segundo para comentar a respeito da camiseta de Brito, dizendo que gostava de Pixies e que vivia imerso em projetos musicais, teatrais, políticos e tudo mais. Tão rápida quanto a tentativa de interação por parte de Braga foi a repulsa que Brito sentiu do sujeito.
Alguma coisa no aspecto geral de Braga fazia Brito pensar que alguma coisa tinha dado muito errado logo no começo da vida do cara, e isso se somava ao fato de Braga parecer ter sido levemente molestado naquela manhã.
Molestado por mais um amanhecer. Molestado pelo sopro que a vida dava diariamente naquela vaga fagulha de esperança que ainda movia as massas. Era um jovem pretensamente engajado que não iria se rebelar contra as bizarrices da vida. Braga era uma peça ainda maléfica nessa grande máquina social. Uma máquina descontrolada que trabalhava sem paixão. Brito precisava se afastar disso porque sabia o que viria a seguir.
_ O Braga trabalha na Fiesp... - disse Galvão.
_ Olha só!! - disse Brito, que imediatamente de assunto emendando: 'Então Galvão, preciso daquela paranga de vinte...'
_ Vou logo ali pegar, Britinho... - disse Galvão, deslocando-se vinte metros e removendo um tijolo que tampava um buraco na mureta que havia entre as calçadas da ponte e a faixa de asfalto entre elas.
Até que Galvão voltasse, segundos depois, Braga teve tempo de perguntar o que Brito fazia e onde morava e embora Brito soubesse que esse seria um limiar perigoso para ser transposto, foi logo dizendo: 'Moro logo ali na Rio Claro e sou escritor.'
Brito detestava quando perguntavam o que ele fazia. Braga reagiu à resposta de Brito com entusiasmo, comentando sobre sua aptidão jornalística e literária. "Eu tenho um blog!!! Hoje mesmo postei uma que escrevi sobre a banda de uns amigos meus!"
Brito já sabia disso antes que Braga falasse. Brito odiava blogueiros. Odiava agitadores culturais presunçosos, especialmente os mais jovens e 'ecléticos'. Brito realmente tinha sonhado ser um escritor de verdade, mas desistiu definitivamente por causa da ascensão dos blogueiros.
As comodidades materiais de Brito o faziam ambicionar menos por sucesso de público em suas empreitadas pessoais. Apenas não podia perder seu apartamento por causa de excesso. Esperava não sofrer acidentes que mutilassem seu corpo. Todos correm esses tipos de risco, mesmo os cautelosos.
E fora isso, Brito não tinha muito a perder. Um eventual sucesso por conta de um livro despretensioso, por exemplo, poderia lhe trazer mais chateações do que o consequente enriquecimento financeiro poderia pagar. Falaria do que? De sua vida? Assim seria chamado de burguês por universitários hippies de chinelo e barba. Era um recluso com o bônus da modéstia.
Já Braga ao falar punha ênfase em tudo que fazia. Carente de uma escuta empática, era um maldito agitador cultural. Conhecer Braga foi o único dano que maconha lhe causou. A culpa não era da maconha. A culpa era do Braga. E Braga não tinha o ônus da modéstia.
Estava tudo ali: a pretensão de ecletismo, o gosto musical equivocado, o frenesi juvenil mal direcionado. Um jovem panfletário burro e inconveniente.
.A área sombreada da ponte onde Galvão, Brito e Braga estavam reunidos naquele momento era pequena e ia diminuindo gradativamente com a mudança da posição do sol, e não havia qualquer outra coisa passando pelos pensamentos de Brito que não fosse voltar a seu apartamento o mais rápido possível.
Perto deles havia um velho morador de rua da Bela Vista jogado sem qualquer sinal de respiração e que àquela altura já tinha sido abandonado pela sombra e começava a fritar sob o sol. Os dois botões de baixo de sua camisa estavam faltando e era possível ver sua barriga peluda e suja.
A missão estava cumprida e Brito poderia sentir um sabor especial quando chegasse em casa. Esse sabor especial se devia ao fato de ele ter podido por alguns instantes sentir o clima descontrolado das ruas que contornavam seu prédio. Isso seria mais especial do que simplesmente ter tudo ao seu alcance em sua casa logo que acordasse.
O prazer de seu ócio seria realçado depois de ver tanta gente de longe que vinha trabalhar na região da Avenida Paulista. Talvez aproveitasse menos seu conforto se não tivesse que sair nem ao menos para comprar sua maconha.
"Brito, coloque um baseado do seu pra gente fumar até chegar ali na frente, no final da ponte. Eu guardei o meu na mochila e vai ser osso achá-lo agora! A seda tá na mão!" - disse Braga logo depois de se despedirem de Galvão.
Como era de se esperar, Brito não escapou da companhia de Braga até que chegassem à esquina da Alameda Rio Claro com a Rua São Carlos do Pinhal, onde Brito e Braga então rumariam cada um para um lado, o primeiro andando poucos metros para a esquerda até seu prédio na Rio Claro e o segundo no sentido contrário, em direção à Avenida Paulista, rumo ao prédio da Fiesp. Até ali andaram por cerca de duzentos metros juntos, tendo atravessado quase toda a extensão da ponte e mais a quadra lateral do antigo Hospital Matarazzo.
Foi o suficiente para que Braga descobrisse o endereço de Brito, pois este apontou para seu prédio quando chegaram à tal esquina dizendo de forma seca: "Moro ali! Até mais!" A distância entre o prédio da Fiesp, onde Braga trabalhava, e o prédio onde Brito morava podia ser percorrida em menos de cinco minutos de caminhada.
O consumo de maconha por Brito era considerado moderado por ele e essa análise era feita com a comparação do quanto era fumado semanalmente por ele com os padrões normais dos maconheiros que ele conhecia. Era apenas algo que lhe trazia algum alívio para as tensões de seu microcosmos.
Brito não tinha anseios de sucesso social, ao contrário de Braga, que tinha um grupo mambembe que misturava música improvisada com encenação teatral também improvisada. Infelizmente esse tipo de modalidade estava em voga naqueles dias de 2011 e p continuaria por muito tempo até que a pandemia varreu essa tendência.
Eram tempos em que a ânsia juvenil por divulgar qualquer manifestação 'artística' via internet era mais forte do que a vontade ou a capacidade de criar algo que pudesse realmente ser chamado de arte. Havia a possibilidade real de se ter contato com o underground propriamente dito, talvez como nunca antes.
O 'faça você mesmo' também nunca tinha sido tão mal interpretado e executado por gente que não era do ramo como naqueles tempos. Todo mundo era artista e geralmente os trabalhos apresentados eram simplesmente o jeito de ser no 'artista' em questão. Brito em muitas ocasiões assistiu a intervenções feitas por 'eus artísticos' de jovens que se julgavam talentosos e verdadeiros representantes da tal cena alternativa das artes, mas que ao mesmo tempo sonhavam com o reconhecimento no mainstream.
Julgavam-se incompreendidos e injustiçados por não conseguirem viver só de sua 'arte'. Naquele primeiro encontro, Braga não teve muito tempo para falar mais sobre esse seu projeto artístico, muito mais por ter que voltar ao trabalho na Fiesp do que por não ter tido vontade de ir à casa de Brito conhecer melhor esse potencial novo amigo.
Braga normalmente entrava às 10 horas no trabalho e naquele dia estava atrasado em 40 minutos, mas mesmo assim preferiu ir até Galvão buscar sua maconha pela manhã do que esperar até o fim do expediente e correr o risco de não encontrá-lo na ponte quando saísse do trabalho.
Do momento em que se despediu de Braga na esquina próxima a seu prédio até o começo da noite, o dia de Brito tinha sido padrão.
Fechara um grande baseado ao entrar no apartamento, fumara-o até um pouco mais da metade, ouviu o 'Closer To Home' do Grand Funk Railroad ( Brito colecionava discos de vinil desde a mais tenra infância e esse disco e essa banda em especial nunca deixavam de ser incríveis ), fez flexões e barras na sala de seu apartamento, atendeu ao chamado de sua mãe para que fosse almoçar no apartamento dela quando já eram quase três horas da tarde, voltou para seu apartamento, preparou uma grande caneca de café forte e sem açúcar, fumou a outra metade de baseado, e adormeceu para ser acordado pelo interfone às dezoito horas e vinte e um minutos. Era o horário que indicava o relógio do microondas.
O porteiro anunciou que Braga estava lá embaixo. Prontamente Brito pediu que o porteiro dissesse que não havia ninguém em casa.
Brito não havia entrado em detalhes sobre sua família, nem sobre o fato de dispor de um apartamento só para ele, de modo que Braga pode perfeitamente ter pensado que uma outra pessoa atendeu o interfone para dizer que Brito não estava. E então Brito já tinha esquecido de Braga. Achou que nunca mais o veria. Não chegou nem ao menos a alimentar a irritação que sentiu ao conhecê-lo.
Brito pensava ter sido somente uma implicância momentânea. Modesto que era, ainda pensou em seu subconsciente que Braga jamais lembraria dele, a menos que se encontrassem de novo. O fato é que no momento em que atendeu o interfone Brito demorou alguns segundos para associar o nome de Braga à sua pessoa e quando se lembrou de quem era, sentiu uma certa repulsa pelo sujeito.
Aos trinta e oito anos, Brito era para seus poucos amigos de verdade uma mistura de jovem e velho, algo típico de sua geração e de sua época. Bastava não estar estragado pelos excessos da tenra juventude e ao mesmo tempo ter bom gosto musical para ficar como ele. Também alternava ranhetice e humor ácido.
Brito ainda não lidava tão bem com o fato de sua intuição funcionar incrivelmente quando o assunto era se identificar ou não com uma pessoa assim que a conhecia. Eram raras as vezes que sua implicância inicial não se confirmava nos encontros seguintes com a pessoa em questão.
Quando dispensou Braga através do porteiro, Brito lembrou que sua vida era realmente sossegada, porque há muito tempo não sofria com uma visita surpresa. Era basicamente um sujeito solitário e avesso a extravagâncias sociais.
Definitivamente não sofria de carência afetiva, nem carência de atenção por parte das poucas pessoas que realmente o cercavam. Seu apartamento era de frente para a rua e da sacada de seu apartamento no décimo sexto andar pôde ver Braga caminhando ainda dentro do condomínio em direção ao portão da rua e dali em direção à Paulista.
A temperatura era baixa, quase fazia frio A cena lhe pareceu patética, porque Brito não compreendia bem o que poderia levar um cara jovem como Braga a sair do trabalho e ir visitar um cara mais velho e que ele não conhecia, ao invés de ir fazer o que quer que fosse. Tomar cerveja. Ir para casa. Fazer QUALQUER OUTRA COISA que não fosse visitá-lo.
Parecia que as pessoas tinham tanto medo de se verem solitárias que jogavam fora o amor próprio com muita facilidade. Isso era o resultado crônico de uma busca completamente equivocada pelos valores relativos da felicidade e do sucesso.
A falta de momentos de introspecção agravava dia após dia a condição infeliz desse tipo de gente. Brito não tinha um emprego. Não precisava de um, pelo menos no que dizia respeito à parte financeira.
Ainda assim tinha muito pouco tempo para fazer visitas para quem quer que fosse. Brito não tinha emprego mas tinha trabalho. Havia sido editor da revista Porrite, um tipo de fanzine que tratava de música alternativa e do universo masculino.
Mantinha esse projeto junto com um colega do tempo da faculdade. O sujeito tinha uma gráfica e colaborava com a infraestrutura de impressão, enquanto brito era o responsável pelo conteúdo. A revista foi importante para que Brito descobrisse que não gostava de jornalismo, especialmente quando o colega sugeriu que fizessem uma versão para a internet. Aí então Brito resolveu mandar tudo ás favas.
Com o fim da revista e a ascensão dos blogueiros que Brito tanto odiava, ele decidiu ocupar seu tempo como o faria um cara mediano, nem gênio, nem burro. Ocultando seus focos de vulnerabilidade causado pela companhia das pessoas de sua idade, que pareciam aposentadas para as atividades mais vitais, passou a se sentir mais forte.
Não gostava nem de pensar em como seria a vida de um gerente de banco ou um cirurgião, por exemplo. Seus vizinhos tinham esse tipo de emprego, viviam vidas metódicas e higiênicas.
Brito era diferente. Se precisasse de uma atividade remunerada teria uma livraria ou uma loja de discos. Pelo menos era isso o que passava por sua cabeça quando pensava no assunto, e geralmente pensava no assunto à contragosto quando algum parente comentava sobre ele não ter emprego. Era uma pessoa reservada e via essa virtude em poucas pessoas. Sua vizinhança parecia paranóica demais para preservar sanidade suficiente e viver sem alarde. Naturalmente Brito tinha um grupo de amigos que encontrava com certa regularidade, divertia-se com eles. Tinha aventuras e desventuras com mulheres que conhecia através de amigos.
As mais jovens eram sempre muito podadas pela superproteção de suas famílias e as mais velhas queriam estabelecer um tipo de compromisso que Brito sabia que não valia a pena. Ele prezava muito por sua privacidade e isolamento. Não queria fazer mais amigos e não queria fazer inimigos.
Pagava por serviços prestados e não por relações pessoais anexas a esses serviços. Vivia numa área cuja densidade demográfica era muito elevada, e isso fazia com que Brito demorasse cada vez mais a se sentir realmente só.
Mesmo quando chegava a esse ponto, bastava pensar na presença de gente como Braga para que a tristeza da solidão se convertesse em alívio por estar só.
Não gostava de mandar ninguém embora para que não parecesse deselegante. Sendo assim, as visitas inesperadas o desestabilizavam, principalmente quando eram feitas por desconhecidos ou semidesconhecidos. Braga trabalhava muito perto dali e a intuição de Brito dizia que aquele garoto não desistiria facilmente de fazer novas amizades.
Brito queria que sua reputação social se limitasse ao que pudesse fazer de bom, e por isso podava seus excessos comportamentais em público. Por exemplo: se lançasse um bom livro quando tivesse 50 anos e ficasse eternizado por isso, ótimo. Não precisava imprimir uma imagem de chato antissocial junto da imagem de bom escritor. Sua reputação social permaneceria intacta.
Braga não parecia ser exatamente um mau sujeito. Suas intenções não eram das piores; eram apenas equivocadas. Uma caricatura de bom mocismo. Era um pouco abusado na busca por intimidade e com um tipo de entusiasmo pela sociabilidade que Brito já tinha perdido havia anos, aprendendo a aproveitar a liberdade que a falta de comprometimento com gente inútil podia proporcionar.
Já Braga visivelmente ansiava por algum sucesso social. Era incompatível com Brito e não se dava conta disso. Pensava ser maduro em comparação às outras pessoas de sua idade e parecia não se cansar de tentar provar isso a quem estivesse por perto. Era do tipo que usava e abusava das redes sociais da internet para se manter onipresente em eventos e em grupos de pessoas em que ainda não havia se infiltrado.
A parte mais desagradável da situação para Brito era o fato de que caso não falasse com clareza para Braga sobre a incompatibilidade entre eles, teria que aguentar o sujeito várias vezes por semana visitando-o e tentando ser prestativo, e o problema de Brito era que ele não gostava de falar, principalmente sobre coisas que poderiam magoar as pessoas. No dia seguinte ao primeiro encontro entre eles, uma terça-feira, Brito já tinha retomado sua tranquila rotina e esqueceu de Braga e de sua visita no dia anterior.
Até a sexta-feira Brito havia gasto seu tempo com filmes na TV a cabo, futebol europeu, flexões e barras, a leitura de uma edição sebenta de 'Viagem ao Oriente' do Hermann Hesse ( a quem pensava ter uma dívida que antecediam a sexta-feira passaram rápida e agradavelmente. Por causa de seu estilo de vida calcado em relativo conforto material, as sextas-feiras não eram tão especiais para Brito como eram no tempo em que ele era um estudante do segundo grau. Não eram também tão especiais como eram para a maioria das pessoas descontroladas com quem ele tinha que conviver em qualquer setor da vida.
Ele não as aguardava com tanta ansiedade, a não ser pelo fato de que reservava naquela época os fins de semana para o consumo de álcool, pelo qual tinha uma paixão muito intensa desde a adolescência, mas que a partir dos trinta e cinco anos começou a lhe pesar significativamente no organismo.
A maconha lhe ajudava na abstinência do álcool ao longo dos dias da semana. Bebia duas ou três vezes por semana, geralmente de sexta à domingo. Brito era fã de uísque e vivia se indispondo com pessoas que falavam muito sobre uísque mas nunca bebiam. Esses geralmente tomavam só cerveja e isso irritava Brito.
Na sexta-feira, dia de uísque, Brito saiu para comprá-lo e como queria comer azeitonas, aproveitou para buscá-las. Sem qualquer preocupação que não fosse evitar o contato com os vizinhos ao sair do prédio,
Brito encontrou Braga na Paulista quando ia para um mercado na Rua Pamplona. Braga estava saindo para seu almoço. Numa fração de segundo Brito teve tempo de tentar fingir que não o viu, sabendo que já tinha sido visto e ao mesmo tempo se deu conta de sua incapacidade em lidar com surpresas.
_ Ei, Brito!!! Brito!!! E aí?? Já almoçou? - perguntou Braga, dirigindo-se a ele em meio às muitas pessoas que atravessavam pela faixa de pedestres da Paulista.
_ Ei, Braga... Ainda não almocei não, estou ocupado com outra coisa. - disse Brito.
_ Onde você está indo? - perguntou Braga.
_ Vou ao supermercado, ali na Pamplona. - disse Brito, pensando que Braga então retomaria seu trajeto original, provavelmente rumo a algum restaurante localizado na direção contrária. Isso não aconteceu.
Braga parecia ter se animado com o inesperado encontro com o recluso Brito, que havia dado ordens aos porteiros de seu prédio para que no caso de Braga aparecer procurando-o, dissessem sempre que ele não estava. Brito não sabia até então, mas Braga havia procurado-o algumas vezes depois da ocasião descrita alguns parágrafos acima. Sendo assim, Braga estava eufórico por encontrar ao acaso o misterioso Brito.
_ Ah, então eu vou com você! Estou indo almoçar, aproveito e compro algo pra comer no mercado mesmo, assim talvez eu gaste menos e aproveitamos pra conversar nesse meio tempo... Quanto tempo, hein!! Passei na sua casa algumas vezes mas você estava sempre fora.
Seguiram então ao mercado. Brito estava tomado por um tipo de tristeza que só as surpresas inconvenientes podem trazer. Não sentia raiva. Só uma certa tristeza por não ter podido estar sozinho naquele momento.
Quando entraram no mercado, que ficava numa área muito movimentada da Rua Pamplona naquele horário por causa do grande número de restaurantes, combinaram de se encontrarem na fila do caixa e partiram para buscar o que queriam. Quando se encontraram, Braga trazia dois sanduíches naturais e uma caixinha de suco de maçã. Brito trazia um Red Label e um vidro de azeitonas, sabendo que seria questionado sobre uma eventual festividade. _ Porra, Brito... Uísque? Qual vai ser o rolê hoje? - perguntou Braga.
_ Ah, não é nada de especial. Vou visitar meu pai e vamos tomar umas goladas... - respondeu Brito.
Ele não sabia que Braga já havia ouvido do porteiro do prédio que o pai de Brito era vizinho de andar de Britão.
Braga logo concluiu que a festinha seria ali mesmo na Alameda Rio Claro e passou a tarde de sexta-feira esperando que as horas passassem rápido. Definitivamente faria uma visita a Brito, pois sabia que ele estaria lá. Brito sabia que não tinha muito controle sobre o que os outros pensavam ou faziam e não tinha controle sobre o que os porteiros falavam, ainda que estivessem atendendo a um pedido seu.
Brito tinha consciência de que não era exatamente uma boa companhia para quem ainda não o conhecesse bem ou mesmo para algumas pessoas que o conheciam desde o seu nascimento. Ele simplesmente não gostava de conversar e não via nenhum crime nisso.
Ao mesmo tempo, Brito era incapaz de mandar alguém como Braga ir procurar outra coisa para fazer. parecia algo maldoso demais. Brito achava que deveria ter paciência nessas horas. Isso lhe causava um tipo de sofrimento que não conseguia explicar para seus poucos amigos realmente próximos.
Nem ao menos mencionava isso a seus amigos, porque nessas horas eles sempre lhe diziam que Brito era mal acostumado e um vagabundo boa vida. Brito também não via nenhum crime nisso.
Capítulo 4- Academia do Barro Marrom
Brito morava no último andar de seu prédio, o décimo sexto. Gostava de deixar a TV ligada no canal que filmava a portaria de seu prédio. Costumava se referir àquele canal como TV POVINHO.
Gostava de ver seus vizinhos entrando e saindo do prédio enquanto podia sentir-se isolado deles. O áudio não podia ser captado, mas as imagens eram suficientes para que concluísse que não tinha nenhum tipo de vínculo afetivo com aquela que era sua vizinhança desde criança.
Gostava de algumas comodidades relativas à localização de seu apartamento, nada além disso. Se fosse por outras razões, teria ido embora dali sem olhar para trás. Quase sempre que pegava o elevador para descer ao térreo, mesmo de madrugada, a probabilidade de o elevador parar em alguns dos quinze andares abaixo antes de chegar ao térreo era grande. Ele havia se habituado a descer pela escada.
Por ali também podiam surgir inconvenientes. Um dos mais comuns se davam quando Brito ouvia o barulho da porta de algum apartamento se abrindo um ou dois andares abaixo daquele em que estava. Em algumas dessas ocasiões a pessoa que abriu a porta estava apenas entrando ou saindo do apartamento, mas em muitas outras vezes a pessoa em questão vai colocar o lixo para fora. e invariavelmente se deparava com Brito descendo rapidamente e se assustava de uma maneira bisonha.
Em outras dessas ocasiões a coisa era engraçada, mas na maioria das vezes era constrangedora. Pelo menos por duas vezes ao longo de cada semana Brito ouvia coisas como 'Que susto, meu filho!!!'.
Isso muitas vezes era mais desagradável do que encontrar um morador no elevador, digamos, no décimo quarto andar, com a garantia de que a viagem seria longa até o térreo, principalmente por causa do efeito da maconha, que somada á companhia indesejável dava a impressão de que a viagem era mais demorada. E então ali estava Brito com um velho senhor conservador e Brito não está muito à vontade.
Esse velho e anti-séptico senhor vai puxar conversa, porque afinal de contas é um morador antigo do prédio e conhece Brito desde que ele era um garotinho inquieto, que sabia que já odiava sua vizinhança, mas que não tinha como direcionar aquele sentimento em ações práticas e nem transformá-lo em palavras.
Um não gostava do outro, mas Brito podia argumentar para si mesmo que ele procurava evitar a interação e que por isso era melhor como humano do que aquele velho senhor. E antes que o elevador chegue ao térreo ele pararia em outro andar para recolher mais um morador ou moradora, que saberia que Brito fumou maconha porque sentiria a marófa em sua roupa ou porque Brito não era fã de colírios e saía com os olhos vermelhos. Havia o dentista que parecia o Richard Carpenter, extremamente conservador quando o assunto era relacionado a valores familiares e morais.
Ele morava no terceiro andar, mas preferia esperar que o elevador descesse do último andar para buscá-lo do que descer três andares de escada. Em meio a esse tipo de encontro, Brito parecia ser sempre o único a não se sentir confortável, seguro ou tranquilo. Era sempre o único que parecia não se importar se nunca mais visse qualquer uma daquelas pessoas que viviam fisicamente tão próximas dele.
Naquele período o condomínio havia trocado o zelador. Haviam substituído Seu Augusto , um senhor distinto que trabalhava ali havia dezesseis anos. Quem ficou em seu lugar foi Cleitom, um carioca bem mais jovem e descontraído. Era um tanto abusado.
Seu Augusto tinha classe e sabia lidar com Brito e com os outros moradores. Isso rendia uma série de benefícios a todos. Mas eis que num dia Seu Augusto se aposentou e Cleitom entrou em seu lugar, rapidamente se tornando íntimo de Britão, e com muita carioquice, logo teve para si um panorama do que era a vida naquele prédio.
Mulato claro de estatura mediana e bastante magro e com óculos com armação redonda de arame, parecia muito com o Escadinha.
Enquanto Brito procurava não dar confiança para que Cleitom criasse intimidade, Britão conversava com ele diariamente, às gargalhadas, falando sobre moradoras do prédio, sobre futebol e sobre assuntos do condomínio.
Quando Cleitom passou a se sentir familiarizado com São Paulo e com os moradores do prédio, passou a tratar Brito como sendo parecido com seu pai, alguém disposto a interagir aleatoriamente, o que era um equívoco e tanto. Cleitom exagerava nas brincadeiras e se atirava numa intimidade que nunca teria. Isso causava chateação em Brito, que atribuía tal comportamento não somente à falta de classe, mas à burrice do sujeito. Era o tipo de situação que provavelmente só poderia ser resolvida com uma conversa, e a princípio isso era tudo que Brito queria evitar.
Esse tipo de conversa para remediar algo que não tem cura, como era a falta de classe de gente que exagera na irreverência, sempre causava mal estar e deixava sequelas no ambiente. A imposição de Cleitom por sociabilidade teria como resposta a resistência de Brito, que por sua vez iria impor sua antissociabilidade.
Só o tempo poderia neutralizar as investidas de Cleitom, que quase clamava por intimidade. Uma coisa que deixava Brito realmente intrigado era o fato de Cleitom não agir da mesma forma com outros moradores do prédio. Alguns desses moradores visivelmente permaneciam distantes das abordagens irreverentes de Cleitom, e aparentemente não precisavam fazer qualquer esforço para que isso fosse possível. Cleitom tinha a vantagem de ter acesso à sala onde os monitores exibiam o que as câmeras filmavam.
Brito sempre se mostrava imóvel e impassível quando estava sendo filmado no elevador, enquanto outros moradores faziam todo tipo de cena, desde coçarem órgãos genitais até fumarem escondidos em áreas do prédio onde isso era proibido. As abordagens de Cleitom eram feitas a Brito começando sempre pelo jargão 'fala, pessoa !!!'. Brito entrava ou saía do prédio e sabia que iria ouvir de Cleitom: "Fala, pessoa !!!'. Um paulista azedo e ranzinza sendo chamado de 'pessoa' por um carioca irreverente. Às vezes era até engraçado, dependendo do humor de Brito, mas geralmente soava como provocação gratuita. Era difícil para ele entender o porque de ter sido escolhido.
O perfil desses moradores daquele prédio era genérico. Era um grupo homogênio típico de classe média. Pessoas cinzentas que tem como maior medo o de perder tudo e não ter mais onde morar. Vidas metódicas que funcionavam com a regularidade de um relógio.
Tinham seus empregos e suas famílias e eram apáticos e letárgicos para todas as outras funções vitais. Havia muitos exemplares humanos daqueles que realmente são inconvenientes em todas as ocasiões em que surgem.
No décimo segundo andar do prédio, ocupando o apartamento virado para o portão da rua, viviam duas mulheres, mãe e filha. A filha, Joice, era uma quase cinquentona ainda boa de corpo que desde que concluiu a faculdade tinha um escritório de contabilidade. Solteira e boa gente, ela abriu mão de constituir uma família própria para que pudesse se dedicar exclusivamente a cuidar da mãe e de seu escritório.
Era velha demais para que algum homem que a interessasse pudesse se interessar por ela, e jovem o suficiente para que sofresse assédio sexual de velhos caquéticos que deveriam estar fazendo companhia à sua mãe.
A velhinha, Dona Dalva, era jogo duríssimo. Tinha noventa e um anos e havia passado os últimos quinze vivendo de um vago sopro de energia vital, mas que não se esgotava definitivamente.
Tinha sérios problemas respiratórios e há muito não saía de casa. A partir dos oitenta e oito anos passou a usar permanentemente um tudo de oxigênio para respirar. Deslocava-se no máximo até o corredor de seu andar no prédio.
Esse era um dos pólos que a velhinha podia alcançar. O outro era a sacada do apartamento, de onde via diariamente o mesmo pandemônio que alimentava a paranóia de Brito.
Olhava para a rua e sabia que só passaria por ali de novo quando estivesse indo para a cova. Toda terça-feira e todo sábado a velhinha e sua filha Joice esperavam pela entrega de mais oxigênio. Um caminhão fazia a entrega de tubos cheios e levavam embora os vazios. Dona Dalva era completamente alucinada por causa da falta real de contato com o mundo exterior e a consequente solidão e tédio.
Era de se esperar que àquela altura da vida já não fosse mais conseguir aproveitar a parte boa dessa situação. Vivia ralhando por qualquer razão: os cachorros dos vizinhos, as faxineiras do prédio, crianças que brincavam no corredor. A única coisa que a infeliz ainda tinha condições de fazer era acumular amargura e rancor, sem jamais canalizá-los adequadamente.
Depois de mais de nove décadas de vida essa pobre criatura tinha como certo o fato de que jamais seria lembrada por quem quer que fosse, a não ser por sua filha, que mesmo assim se sentiria aliviada quando ela partisse. Não era do tipo que deixaria saudades por coisas belas que fazia em vida, como cookies de aveia com pedaços de chocolate meio amargo, ou por tocar boas canções ao piano ou mesmo por criar gatos.
Quando Brito tinha quinze anos e a velhinha ainda não estava tão decrépita, pôde ouví-la dizer a uma vizinha:
'Meu marido era um homem-galo. Quando trepava comigo era pra gozar logo e dormir ou voltar pra bebida. A bebida sempre falou mais alto. Eu estou enlouquecendo porque não sei se devo aconselhar minha filha a tentar arrumar um home que preste ou se é melhor deixá-los de lado. É ruim com eles, é péssimo sem eles, e são todos uns vigaristas. Eu sei que ela precisa foder, e por isso sempre digo a ela que nessas horas o melhor é pegar um garotão, e levá-lo ao motel e foder bastante. Nunca trazê-lo pra casa. É preciso voltar pra casa com a cabeça no lugar.'
Definitivamente a privacidade não é algo que existe de fato nesses prédios de apartamentos, e por isso pessoas reclusas e reservadas como Brito sofriam mais que as outras. Haviam pessoas que ao contrário de Brito gostavam do contato social e às vezes faziam de propósito com que suas saídas de seus apartamentos ocasionassem encontros com outros moradores.
Muitas vezes Brito voltava para casa vindo da Paulista durante a noite, quando o movimento estava quase encerrado e havia um carro com os faróis acesos em frente ao seu prédio. E Brito sabia que se tratava de alguma garota do prédio sendo bulinada por algum cara. E quando Brito chega ao portão do prédio, a porta do carro se abre e a tal garota sai. Elas sempre precisam sair do carro desses sujeitos bem a tempo de subir o elevador com Brito.
As coincidências desse tipo pareciam sempre acontecer em momentos inoportunos e não havia muito o que Brito pudesse fazer. E ele estava geralmente cheirando a bebida e maconha e sem vontade ou motivo para conversar. E geralmente não havia mesmo conversa alguma. Apenas aquela sensação de ter o efeito da maconha cortado abruptamente. Já mencionamos anteriormente que o pai de Brito havia sido síndico. Era conhecido como Britão e sua administração durou dois anos.
Não chegava a ser um mau sujeito, mas não primava pela discrição. Era uma espécie de Brian Ferry, mas nada elegante. Falava alto, era sociável, dava gargalhadas altas, debatia sobre gastos e necessidades do condomínio com outros moradores. Como também já foi mencionado anteriormente, Britão vivia de renda por causa dos rendimentos da venda de imóveis da família anos antes. Pai e filho tinham enfoques diferentes na vida e somente com o passar de muitos anos conseguiram um certo equilíbrio na relação.
Esse equilíbrio era calcado no fato de que Brito não havia realmente saído de casa, mas ao mesmo tempo, pelo menos tecnicamente, morava em outra casa, por serem vizinhos de andar. Sendo assim, Brito conseguia viver sem ter um emprego e Britão conseguia se distrair com atividades relacionadas à conservação do lugar em que vivia. Numa ocasião Brito chegou a seu prédio e ainda na parte descoberta da entrada viu seu pai conversando com uma vizinha. Brito sabia que seria terrível subir com os dois no mesmo elevador e assim que entrou no hall ouviu o que Britão dizia á tal vizinha: 'Ah, minha senhora, hoje sou um homem aposentado, mas não é por invalidez!!!' , e caiu numa gargalha da histérica, que foi interrompida quando viu o filho se aproximando.
Brito não podia acreditar no que tinha visto e ouvido, e em seguida Britão disse à vizinha: 'Esse é meu herdeiro!!' O constrangimento diminuiu um pouco quando a mulher desceu no nono andar e os dois seguiram sozinhos e em silêncio no cubículo até o décimo sexto andar, quando se despediram secamente e entraram cada um em seu apartamento. Não havia como controlar o comportamento do velho.
As tentativas de Brito de fazê-lo agir com um pouco mais de categoria e ser menos desajeitado socialmente gerou uma série de atritos ao longo de sua vida. Seu pai não conseguia admitir a hipótese de ter atingido uma idade matura e precisar seguir conselhos de seu filho sobre como agir. Afinal era ele quem pagava as contas e dava vida boa para a família. A ignorância de quem quer que fosse nunca primou pela modéstia. Isso se aplicava à família de Brito e ao próprio conceito que eles tinham do que deveria ser uma família.
Quando Brito entrava ou saía de seu apartamento, seus pais podiam ouvir o barulho da porta. Do apartamento vizinho também era perceptível a seus pais a chegada de visitas no apartamento de Brito, especialmente se fossem visitas barulhentas. Tanto as visitas mais barulhentas como as mais discretas sempre falavam no corredor quando chegavam. Nunca esperavam para entrar no apartamento.
Como a a variedade de pessoas que Brito levava para casa era pequena, seus pais quase sempre podiam saber quem estava chegando. Talvez a visita mais barulhenta que Brito se permitia receber fosse a de Vânia, a irmã de Galvão, sobre a qual falamos brevemente no começo dessa história.
A mulata jovem, bonita, alegre e engraçada, mas muito brava quando algo ou alguém a tirava do sério. Com Vânia por perto Brito, se sentia mais à vontade do que com a maioria das pessoas que conhecia. Muitas vezes Brito bebia bastante quando a encontrava e isso às vezes o tornava um cara sentimental demais e em outras vezes isso fazia dele um homem com pensamentos bestiais.
Vânia não tinha muitas esperanças de um relacionamento tão sério com brito, embora gostasse de estar com ele, pois podia se manter afastada por algum tempo da vida atribulada que levava. Ela sabia que Brito repudiava a falta de sossego na vida e tentava aprender algumas coisas com a convivência com o rapaz.
Ela tinha apenas vinte e um anos mas era um mulherão. Gostava das músicas que ouvia na casa de Brito. Sempre que ela elogiava a sequência de músicas que ele escolhia para fumarem maconha, beber ou trepar, ele dizia: 'Ah, minha filha... se eu tivesse um emprego, talvez fosse o de programador musical de uma emissora indie. Eu faria uma mistura perfeita entre as músicas velhas e as novas. Como não tenho programa de rádio, você é praticamente a única pessoa que ouve as de ontem e as de hoje na mistura musical da minha cabeça.' Quando bebia, Brito também costumava dizer a Vânia que tinha por ideal 'uma vida mais bêbada e inconsequente'.
Ela invariavelmente respondia que repudiava a ideia de se envolver com um bêbado vagabundo com quase quarenta anos de idade. Numa dessas ocasiões em que tarde da noite Brito já tinha quase liquidado uma garrafa de uísque e estava imprestável de tão bêbado, seu pai bateu á sua porta para anunciar que tinha voltado de um show com a mãe de Brito. Vânia havia atendido. O velho Britão também estava um pouco embriagado e contava aos berros como tinha sido espetacular um show de uma banda cover dos Bee Gees enquanto olhava a espetacularidade do corpo de Vânia.
Brito ouvia aquilo e por causa da embriaguez não conseguia saber ao certo se tratava-se de um pesadelo grotesco ou se seu pai tinha perdido definitivamente o juízo.
_ Meu Deus, você pagou caro pra ver banda cover dos Bee Gees? Podia ter ido a uma churrascaria! Várias delas tem bandas cover de Bee Gees... - disse Brito ao pai.
_ Porra, mas essa era uma banda australiana incrível!! Se você fechasse os olhos podia jurar que aqueles falsetes eram feitos pelos integrantes originais!! - disse Britão.
_ Isso é uma picaretagem caça-níqueis! - disse Brito _ O que você entende de música, moleque? Eu vivi a época de outro da música, inclusive do Rock! - disse Britão. _ E hoje você acha que uma banda cover dos Bee Gees algo fascinante... - disse Brito.
Capítulo 5 - Sambadrome: A Nação Paranga
A parede do banheiro do apartamento de Brito começou a ser quebrada numa manhã de quinta-feira para o conserto de um cano. Na noite anterior seu pai foi avisar-lhe da necessidade desse reparo, causando grande chateação a Brito. Ele precisava fazer com que o dia do conserto do cano do banheiro passasse o mais rápido possível. Reformas em casa o deixavam realmente triste.
Na época em que era estudante e estava sempre atrasado e o banheiro que sobrava tinha que ser dividido, essas reformas eram tão repugnantes quanto um procedimento cirúrgico nos olhos. Mas Brito cresceu ouvindo que a vida era dura mesmo para quem não tinha um casa e muito menos um banheiro e também para pessoas que não tinham o que comer. Enfim, era algo desagradável, mas ele tentaria viver aquele dia sem lamúrias.
Ele podia cagar e tomar banho no banheiro da empregada, que estava desativado. Os caras terminariam o serviço ás dezessete horas e seu pai acompanharia tudo até que fossem embora. O velho Britão gostava de cuidar de seu patrimônio. Gostava dessas reformas na mesma proporção que Brito as odiava. Brito foi tomar café com sua mãe a partir das nove horas, quando os encanadores chegaram acompanhados de Britão.
Ele via sua mãe todos os dias, mas naquele momento, na cozinha dela, a velha parecia ainda mais velha. Rosa tinha 65 anos e Brito achou triste que ela tivesse vivido toda sua vida num casamento tão farsante. Teria sido mais digno e mais humano fazer um contrato de moradia com o velho Britão, que levava o sustento financeiro da família a sério, mas que deixava todos os outros setores da vida familiar no descaso.
Rosa se sujeitava às grosserias e à falta de jeito de Britão para lidar com as pessoas. Rosa tinha sido criada para isso. Nunca esboçou qualquer tipo de rebelião contra o machismo do marido.
Era como se tivesse aceitado desde muito cedo um triste destino que se cumpriu com a formação de sua própria família. Uma família nos velhos moldes. Aquela estrutura familiar era tão débil e antiquada que Brito que fez de Brito um sujeito completamente avesso aos valores familiares tradicionais, mesmo sendo ele uma pessoa não tão questionadora e rebelde. Quer dizer, ele tinha seu próprio modo de se rebelar e de questionar o que lhe era imposto.
Eis uma semelhança ideológica entre Zími e Brito, seguidos mais tarde por Mila Cox.
Bastava fazer tudo ao contrário. O fato de Brito chegar à beira dos quarenta anos sem qualquer indício de que casaria um dia já fazia com que seus pais ficassem intrigados. E Brito procurava não dar motivos para que houvessem atritos por causa dos direcionamentos de vida diferentes dos de seus pais. ...
No muro do antigo Hospital Matarazzo, na frente do prédio de Brito, alguns mendigos paravam para descansar por algum tempo, antes de serem escorraçados pelos seguranças ou policiais. Havia um em particular que alcançara os sessenta anos de idade e que era uma figura lendária da Bela Vista. Desde que Brito era criança, aquele homem era um morador de rua e cachaceiro.
O velho homem parecia Hemingway na fase madura de sua vida. Um velho Hemingway depois da guerra. Aquele mendigo em especial já não abusava tanto da bebida como na época em que era mais jovem e conseguia comida suficiente.
Podia ser visto regularmente comendo uma farta refeição num prato de papel alumínio. Vez ou outra aparecia barbeado e com banho tomado, depois de passar uma noite no albergue da Avenida Nove de Julho, quando a sujeira já não o deixava relaxar nas calçadas da Bela Vista. Era um homem relativamente alto, cerca de um metro e oitenta e três, e acima do peso, algo em torno de 120 quilos. Perambulava pela Bela vista e podia ser visto em vários pontos, mas era no muro do Hospital Matarazzo que passava mais tempo mendigando. Vestia sempre uma calça cinza de moletom encardida e camisetas de propaganda.
_ Me dê um Toddynho! - era o que dizia o velho homem para quem quer que passasse por ele.
No dia do conserto do encanamento de seu banheiro, Brito precisou matar o tempo até que pudesse ficar sozinho em casa novamente. Havia passado toda a mnhã no apartamento de seus pais ouvindo as marteladas vindas de seu banheiro, que fazia divisa com o banheiro do apartamento de seus velhos.
No começo da tarde saiu para ver so na rua o tempo passava mais rápido. No momento em que saía da padaria de sua rua, onde comprara cigarros, a menos de cem metros de sua casa e que era localizada em frente ao muro de onde um dia funcionou o hospital, Brito viu o que parecia ser um ajudante de turnê do Lynyrd Skynyrd ou do Allman Brothers Band. Estava conversando com o velho mendigo da Bela Vista. Parecia que aquele sujeito ainda vivia em 1972 ou que estava fantasiado a caráter para algum evento de rock sulista americano.
Tinha cerca de quarenta e cinco anos, um metro e setenta de altura, magro, um volumoso cabelo preto comprido preso num rabo de cavalo e coberto na parte de cima por um chapéu. O bigode era grande como de David Crosby, só que preto. Usava botas, uma calça jeans desbotada mas limpa e uma camisa de manga comprida de um material que parecia ser seda preta. Usava anéis, fumava Hollywood e tinha só um dente visível na boca, na parte superior, que se mexia quando ele falava..
Brito viu o sujeito dando um cigarro ao velho andarilho e acendendo-o para ele. Era uma tarde quente de uma quinta-feira e a padaria já começava a receber os primeiros bancários da região que saíam do trabalho para tomarem cerveja e comerem sanduíches de salame.
Brito abriu seu maço de Dunhill e retirou dali o primeiro cigarro enquanto olhava com o canto dos olhos para aquele sujeito que parecia completamente deslocado no tempo e no espaço, enquanto ele ainda conversava com o andarilho. Já era uma figura curiosa antes mesmo que Brito visse que atrás dele e do andarilho havia uma sacola de discos de vinil encostada no muro do hospital. A sacola era vermelha e transparente, de modo que do outro lado da rua Brito pode identificar o primeiro disco.
Era um belo exemplar do álbum 'Arbet Macht Frei' da banda italiana de rock progressivo Area. Brito era um fanático por lp's a ponto de deixar de lado sua relutância em interagir quando surgia algum disco que lhe interessasse. Como geralmente conhecia as pessoas que lhe vendiam discos há muitos anos, não sofria tanto com cerimônias sociais quando ia comprá-los, fosse em lojas ou feiras de discos.
Aquela situação era diferente, pois Brito não sabia se o sujeito de bigodão queria vender os discos ou mesmo deixar que Brito os examinasse. Mesmo assim ele atravessou a rua e antes de dizer qualquer palavra ao sujeito cabeludo de bigode e ao andarilho, parou na frente deles e fitou a sacola com discos. Por um segundo pensou que nunca mais teria o direito de reclamar de ser um para-raio de malucos. Havia na sacola algo entre vinte e vinte e cinco discos.
_ Fala, meu jovem!! Você tem cara de roqueiro!! - disse o sujeito cabeludo de bigodão, com uma voz grossa e engraçada que parecia estar satirizando a si mesmo
_ Ah, sim, eu gosto de rock. Gosto de vários gêneros musicais. Cheguei mais perto por causa dos discos que você tem aí. Fiquei curioso, também sou colecionador.
_ Então é uma feliz coincidência o que está acontecendo aqui, jovem. Eu não sou mais colecionador, já me desfiz de vários belos discos, alguns realmente raros. Já tive quatro mil discos ao mesmo tempo, e no total, cerca de sete ou oito mil passaram pelas minhas mãos. Por problemas financeiros e também por falta de espaço me desfiz de milhares de discos. É doloroso, mas de qualquer forma a música nunca vai se perder de mim. Esses discos que estão na sacola eu ia vender, mas esses lojistas estão completamente loucos. Queriam pagar muito menos do que eu poderia aceitar. Em alguns casos ofereciam menos do que o valor do que valeria o xerox das capas. Eu naturalmente já salvei o conteúdo musical desses discos e também a arte das capas. Eu os reproduzo em cd e vendo. Sou um pirata, mas um pirata que dá valor ao trabalho artístico dos caras que fizeram essas obras primas. Meu nome é Ademar, mas pode me chamar de Dema. - disse Dema, o bigodudo.
_ É melhor vender esses discos pra mim, Dema. Se você vendesse quase de graça pros lojistas, amanhã seus discos estarão nas prateleiras por preços altos. Esse disco do Area é sensacional. Eu não o tenho em casa. Meu nome é José Ronaldo, mas pode me chamar de Brito. - disse Brito.
_ Dê uma olhada nos outros discos! - disse Dema a Brito.
(Brito pegou a sacola que estava encostada no muro e arregalava os olhos a cada disco que via naquele pequeno lote. Edições originais americanas, inglesas, alemãs e japonesas de artistas importantes, mas esquecidos do grande público, inclusive do público do rock. Bandas como as italianas Acqua Fragile, Area e Banco Del Mutuo Soccorso; bandas alemãs como Eloy, Nektar e Amon Duul; bandas francesas como Magma, Ange e Gong, além de outras mais obscuras do Hard Rock e do rock progressivo inglês e americano. Havia também uma edição original do disco As crianças da Nova Floresta, da banda brasileira de rock progressivo Recordando o Vale das Maçãs, e isso fez com que as palmas das mãos de Brito começassem a suar.
_ Faça um preço razoável que eu vou comprar todos. Alguns desses discos eu tenho, mas não em edições tão legais como essas. Eu não ligo de ter discos repetidos nesses casos. - disse Brito para Dema.
Logo em seguida o velho andarilho falou pela primeira vez: _ Pensei que nunca mais veria algo assim na minha vida. Esse tipo de negociação me emociona. Vocês vão me pagar um Domecq? Meu nome é Guido! - disse o mendigo que parecia Hemingway.
_ Sim, a garrafa do Domecq vai estar incluída no preço do pacote de discos. Nós três vamos dividir a bebida. - disse Brito. Brito contou 23 discos naquele pequeno lote, e para o caso dele querer levar todos, Dema estipulou o valor de mil reais.
Individualmente aqueles discos podiam custar duzentos reais ou mais do que isso em feiras de discos e em cotações de vendedores de discos raros em sites na internet, o que fazia com que a compra de todo o pacote fosse um ótimo negócio para Brito. Venderia pela internet alguns deles, os que fossem repetidos em sua coleção, pelo preço do mercado, e com isso recuperaria pelo menos metade do dinheiro investido.
Guido sugeriu que Brito e Dema fossem fazer a operação bancária o mais rápido possível e voltassem com o conhaque. Enquanto Guido esperava ali mesmo com um Dunhill fornecido por Brito e um Hollywood fornecido por Dema, a transação foi feita num banco da Paulista. Ainda precisavam pegar o Domecq de Guido e o fizeram no mercado da Rua Pamplona, o mesmo lugar onde Braga pode conversar mais tempo com Brito poucos dias antes.
Quando finalmente voltaram para encontrar Guido, este reclamou da demora mas alegrou-se muito com a chegada da bebida. Foram tomar o Domecq na ponte. Brito tinha trazido copos descartáveis e também tinha um baseado.
Dema também tinha um baseado. Dema já tinha liquidado um maço de Hollywood e abriu outro maço. O sujeito realmente fumava muito. As horas passaram rápido, e durante aquele período os três foram socialmente iguais, humanamente diferentes e até certo ponto, livres. Dema fez um desabafo emocionado quando servia para si mesmo a segunda dose;
_ Todo mundo que me vê associa a minha imagem a um sonho hippie, àqueles ideais dos anos sessenta que aqui no Brasil se estenderam até os anos setenta. Mas muito pouca gente sabe dos meus sofrimentos. Tive uma série de problemas de saúde, principalmente por causa da bebida. Hoje me vejo vivo e com mais de cinquanta anos e tomando conhaque com um cara mais velho e outro mais novo que eu. O que eu tinha pra perder por causa de bebida, eu já perdi. Tive e ainda tenho uns problemas no fígado, mas o pior foi a trombose hemorroidária e as doenças venéreas. Foram tantas que elas resultaram em um cãncer no meu pênis. Isso só pode ser curado com castração. Minha próstata também estava bastante comprometida. Meus amigos, eu sou eunuco e uso uma saqueira pra disfarçar. - disse Dema, levantando-se na sequência e fazendo uma pose para mostrar aos amigos que sua saqueira cumpria o papel de disfarçar o desfalque físico.
Brito e Guido se olharam chocados. Foi a primeira vez que Guido pareceu abalado com algo dito desde o instante em que Brito se juntou a eles. Naquele momento, aos olhos de Brito, Dema parecia-se muito com David Byron, o primeiro vocalista do Uriah Heep, só que mais velho. De fato a saqueira de Dema era discreta. Depois de alguns segundos de um silêncio gelado e reflexivo dos três, Dema voltou a falar;
_ Quando eu era jovem, dividíamos lendas, mitos e ideais. Hoje os jovens dividem a própria burrice no Facebook. É bem verdade que aquele velho idealismo ceifou a vida de muita gente e daquele sexo livre dos velhos tempos antes da aids, me sobrou somente a possibilidade de fazer sexo oral com as garotas, mas elas enlouquecem com meu bigode em suas vaginas.
_ Eu já cheguei a pensar que a miséria em estado puro ia me enlouquecer, mas ela vai me salvar. Nas ruas e na vida não basta correr pra não ser engolido. É preciso ser indigesto. Quando os poderosos forem donos de toda a água potável do mundo a coisa vai azedar e essa classe média asquerosa que me despreza vai pagar caro! - disse Guido, que deu o último gole da garrafa de Domecq.
Então Guido se levantou e atirou acintosamente a garrafa vazia contra o asfalto que estava atrás dele enquanto estava sentado na mureta que separava a calçada da ponte e a via para os carros, causando certo estardalhaço, mesmo levando em conta que naquele momento cada carro passasse apenas a cada cinco minutos.
_ Não faça isso!!! - gritou Dema enquanto levava as mãos à cabeça.
_ Caiu, porra!!! - respondeu Guido em voz alta.
Capítulo 6
Quando voltou para casa naquela noite, Brito não estava tão bêbado. O conserto em seu banheiro tinha sido efetuado com sucesso.
O conhaque tinha sido dividido por três caras que gostavam de bebida e por isso a quantidade de álcool ingerida até então tinha sido insuficiente para que a embriaguez de Brito chegasse ao ponto em que ele se considerava satisfeito. Brito tinha pego um cartão de Dema, com seu endereço e o número do telefone fixo e o do celular. Dema morava no centro da cidade, na Rua do Boticário. É uma viela imunda, cheia de nóias, próxima ao Largo do Paissandu.
No cartão dizia que Dema tinha um grande catálogo de rock e música em geral e que gravava cds piratas com encartes fiéis aos originais. Saber que aquele sujeito era eunuco fazia com que Brito se sentisse na obrigação de rever certas coisas em sua vida, especialmente aqueles setores em que se considerava infeliz, ou pelo menos, insatisfeito. Seu ego era tão colossal que esmagava a sua razão. Tinha passado uma tarde na companhia de outros dois homens que lhe expuseram suas agonias e seus pesares e que continuavam vivos.
Brito pensou que Guido talvez ainda estivesse com vontade de beber depois que os três se despediram. Só depois é que pensou que Guido não tinha nem ao menos onde dormir. Brito então serviu-se de um copo grande de uísque com uma pedra de gelo. Ainda estava chocado com as revelações de Dema sobre a castração e a saqueira.
Foi tomar o primeiro gole em sua sacada e olhou para baixo, Guido não estava lá. Um motoqueiro entregador de pizzas passou pela rua. Brito deixou o copo no chão da sacada, entrou no apartamento, pediu pelo telefone uma pizza de aliche e uma de provolone. Acendeu um cigarro e voltou para o uísque na sacada.
Terminada a dose ele pensou que mais um pouco de uísque seria o suficiente para que ficasse bêbado e realmente com fome, e quando terminasse de beber a pizza chegaria, o que de fato aconteceu e então o dia terminou sem mais desdobramentos. Eram dez horas e quarenta e três minutos no relógio do microondas de Brito quando ele acordou na manhã seguinte e havia muita pizza para o café da manhã. Não havia reformas para serem feitas em seu banheiro. Ele liquidou a pizza e começou a ouvir os discos que tinha comprado de Dema.
O plano era ficar à toa ouvindo aquele material para em seguida guardar os discos que ainda não tinha e em seguida separar os repetidos e dar início às negociações pela internet, visando vender os álbuns que ele já tinha.
Na verdade Brito venderia as edições que ele já tinha em casa, pois os discos repetidos que comprara de Dema eram edições importadas, melhores e mais caprichadas. Parecia ser um bom dia para não beber e não sair de casa. Seria bom ouvir música e fumar maconha. Quando Brito terminou de comer a pizza do dia anterior era quase meio dia e só teve fome de novo quando eram sete da noite, quando finalmente comeu sanduíches de atum com fatias de provolone e uma goiaba vermelha depois de ter fumado alguns baseados nesse intervalo, além de ter feito barras e flexões e também de ter se masturbado.
A leveza dos bagos era para ele a receita contra a melancolia causada pela solidão. Brito não sofria dessa melancolia. Via e ouvia tanta gente reclamar da solidão que se sentia ainda mais deslocado socialmente. Naquela noite Brito enviou um email a Dema pedindo que lhe fosse enviada a lista de discos que podiam ser copiados em CD com o encarte fiel ao original. Fez o pedido porque queria prestigiar o trabalho do novo amigo. Talvez houvesse naquela lista algum álbum que Brito não tivesse ouvido, mas que já tivesse ouvido falar
. Afinal são muitos os discos que são comentados demais pelos especialistas e ouvidos de menos por todos.
Enviou a Dema alguns arquivos antigos que tinha guardado de sua antiga revista PORRITE, e no dia seguinte recebeu como resposta a tal lista de discos e também a manifestação do interesse de Dema em relançar os exemplares antigos da revista e elaborar novas edições.
Combinaram por email de se encontrarem no apartamento de Dema.na noite seguinte ao email de resposta de Dema, Poderiam então conversar novamente e tomar cerveja enquanto Dema trabalhava na confecção de CD's piratas anteriormente encomendados por seus clientes.
Na Avenida Ipiranga havia um estacionamento bem na esquina com a Rua do Boticário, onde Dema morava. Brito deixou seu carro no estacionamento e procurou pelo prédio de Dema. Vestia uma camiseta do Juventus da Mooca, calça jeans e all star azul escuro de cano baixo.
O local sempre parecia um circo de horrores, especialmente quando escurecia, mas Brito já sabia disso. Como andava naturalmente despojado não se preocupou. Os usuários de crack que não estavam empenhados em suas cachimbadas se deslocavam debilmente e mancando muito atrás da próxima pedra.
Chegou ao prédio de Dema, que ficava do outro lado da Avenida Ipiranga sem ser tão importunado pelos nóias.O prédio era um meio termo entre cortiço e edifício residencial. Parecia haver todo tipo de gente vivendo ali. Resquícios de estrutura familiar padrão diluída numa bruma de agonia, abandono e desespero.
O interfone na parte externa não estava funcionando e no instante em que surgiu senhora que possivelmente morava ali com sacolas de supermercado tentando abrir a porta do prédio, Brito a ajudou e aproveitou e perguntou a ela se conhecia Dema.
"Ah, sim, jovem... Conheço o Dema há mais de 20 anos. Quando vim pra cá ele já morava aqui com a mulher dele. Você também é roqueiro, né? Entre comigo que te mostro onde ele mora." Brito e a velha senhora subiram dois lances de escada. Cada andar tinha dez apartamentos cujas portas alinhavam-se apenas do lado direito do corredor que começava ao final de cada lance de escada. A velha senhora agradeceu pelo fato de Brito tê-la ajudado a carregar as sacolas quando chegaram ao número vinte e três, que era o apartamento dela, que indicou o apartamento vinte e oito como sendo o de Dema.
Despediram-se brevemente, Brito a agradeceu pela informação e foi até a porta de número vinte e oito e tocou a campainha. _ Mas que grande satisfação tê-lo aqui, meu caro! Frequentando o centro sujo da cidade, não é? Não se preocupe com esses nóias, porque na volta eu te escolto até uma avenida segura! - disse Dema ao abrir a porta.
Dali Brito pode ver a mulher que supôs ser a esposa de Dema. Era uma mulher muito hippie, com cerca de 40 anos, morena, magra, cabelos lisos muito pretos e compridos.
Muito quieta e serena, pediu que Brito não reparasse na bagunça. Ela estava sentada no chão e recortava encartes de CD's piratas e os colocava nas caixinhas. Dema os apresentou e contou a ela superficialmente a forma como conheceu Brito. O nome da esposa de Dema era Joice.
Extremamente simpática e educada, pediu que Brito deixasse sua mochila no sofá de dois lugares cujo forro imitava couro preto. Brito não conseguiu deixar de pensar nas modalidades sexuais alternativas às quais eles tinham que recorrer pelo fato de Dema ser eunuco. O apartamento era uma quitinete com cerca de trinta metros quadrados cuja janela para a rua se estendia por entre as duas paredes laterais. Essa janela era virada para a Rua do Boticário e podia se ouvir nitidamente o movimento dos usuários de crack. Sentia-se o cheiro das pedras sendo queimadas ali embaixo.
Brito pôde constatar que Dema estava com a mesma roupa que vestia na ocasião em que se conheceram. Ou talvez Dema tivesse dentro do seu armário várias camisas pretas de seda iguais. Dema abriu a geladeira alcançou uma cerveja long neck para ele e outra para Brito, que abriu sua garrafinha e dirigiu-se para a janela, da qual já estava a poucos metros. O ascender contínuo dos isqueiros para se queimar as pedras de crack cerca de dez metros abaixo proporcionava um show de pirotecnia que naquele momento parecia ser equivalente a um show do Kiss.
Dema então comentou:
_ A cidade está infestada de nóias, meu amigo. Moro aqui desde 1983, numa época em que o centro já era decadente, mas o crack ainda não tinha feito tanto estrago. Muitos desses garotos que estão aí fumando pedra moram aqui mesmo pela região desde que nasceram. Alguns aqui nesse prédio. De vez em quando entram drogados aqui e cagam no corredor, causando um dano terrível. Deixam barradas colossais. Outros desses vieram pra viver na rua e ter acesso às pedras. Nós tentamos nos adaptar da melhor maneira. O centro inteiro já está repleto de nóias. Até mesmo na Santa Cecília e Higienópolis que são partes mais burguesas do centro. Aqui é meio baixo astral, eu sei. vamos sair um pouco. Tenho um vizinho que você precisa conhecer. O nome dele é Djalma. - disse Dema com seu dente frontal superior mole e solitário balançando a cada palavra dita, para a alegria de Brito. Antes de saírem, Brito pediu a Dema para usar o banheiro. Precisava urinar e já tinha deduzido que a única porta fechada naquele pequeno apartamento, que ficava muito próxima da porta de entrada, era o banheiro.
Brito foi alertado por Dema para que não apertasse a descarga, porque isso faria com que ela disparasse e não parasse mais. Brito urinava e pensava que depois Dema ou Joice logariam baldes d'água na privada para que a descarga não disparasse. Joice ficou em casa terminando seu trabalho.
Dema e Brito saíram em meio aos usuários de crack. Andaram por cinco quarteirões até a rua Vitória, entre as ruas Guaianazes e Conselheiro Nébias. Na parte térrea do prédio de Djalma funcionava uma academia de musculação. Dema conhecia o porteiro. Conversou brevemente com ele enquanto esperava pelo elevador. O porteiro apenas confirmou que Djalma estava em casa e que eles podiam subir.
O elevador era um velho modelo Atlas. Subiram até o quinto andar. Havia oito apartamentos em cada andar. Djalma morava no 504. Do corredor podiam ouvir um certo agito vindo lá de dentro. Djalma era um sujeito de quarenta e um anos, mas assim como Brito, aparentava ter menos idade.
Não era alto, tinha um metro e setenta de altura e era magro mas com músculos salientes e definidos. Tinha um cabelo castanho claro , liso e comprido até os ombros. Era uma cabeleira vasta e bem cuidada, com alguns fios brancos começando a surgir. Usava uma camiseta regata preta e aparentemente não tinha tatuagens.
Quando Djalma atendeu à campainha, deu um abraço em Dema, cumprimentou Brito com um aperto de mão e disse aos dois que estava se divertindo. O apartamento de Djalma tinha cerca de cem metros quadrados divididos entre uma sala, um quarto, um banheiro e uma cozinha. Havia uma certa rotatividade de pessoas na festa, mas com uma média constante de quinze pessoas. Algumas pessoas saíam e logo voltavam com mais latas de cerveja.
_ Trouxemos uísque, cocaína, maconha, cerveja... O único problema até agora foi com aquele cretino desmaiado no sofá. Não aguenta beber e faz esse papel ridículo na frente das meninas... - disse Djalma apontando para o sofá onde
Braga estava deitado todo vomitado e quase dormindo. Gemia algumas palavras que não podiam ser compreendidas. Haviam maquiado o infeliz com batom e jogado o que parecia ser serragem para que seu vômito grudasse. Por um instante Brito chegou a sentir certa compaixão de Braga, quase ao mesmo tempo em que soube que Dema também já o conhecia.
_ Ah, é o Braga! Esse rapaz é um idiota! É um paspalho! Já o conhecia de outras festas aqui mesmo. Ele gostaria de poder estar onipresente. Não há nada que ele não faça pra chamar a atenção. Ele nunca conseguiu o respeito de ninguém. Esse cretino é blogueiro! Olhe, Brito, nós somos da velha escola, precisamos retomar a produção da sua antiga revista! É preciso fazer oposição a esse tipo de gente com a máxima urgência! Eu tenho um livro pronto que está na gaveta! Chama-se 'O LIVRO DOS FILHOS DA PUTA'. Fique tranquilo que não se trata de um livro de poesia. É qualquer coisa menos isso, Eu estava esperando um momento oportuno pra lançar, e hoje esse material está mais atual do que época em que foi escrito! Eu considero que tanto a sua revista como o meu livro são pedidos de socorro! - disse Dema.
_ Vamos lançar seu livro sim! Já que você falou nisso, devo dizer que por ironia do destino eu parei com a revista justamente por causa dos blogueiros... Esse engajamento mala me enoja de uma forma tão pesada que não consigo nem enfatizar o desespero que eu sentia quando essa gente começou a despontar na internet. E se eles acharem que estamos falando mal da inclusão digital e do direito de expressão, ouviremos ladainhas e certamente surgirá uma rodinha de violão com a música do Geraldo Vandré sendo cantada em coro.. - disse Brito _ Descobri recentemente que o Guido é um poeta incrível, totalmente contrário a essa bundice mole desses poetinhas de internet que escrevem sobre borboletas campestres e passarinhos e flores. Poderíamos fazer uma coletânea do Guido no embalo dos nossos relançamentos. Ele rima Denise com marquise, rima Deise com rio laser e o contexto geral é sempre cafajeste e extremamente incorreto politicamente. Seria mais um reforço pra combater a frouxidão dos blogueiros juvenis. A urgência que esses moleques idiotas tem de impor a própria burrice em blogs com atualizações diárias me deixa nervoso. O Braga representa toda essa geração. A única razão pela qual eu ainda não dei na cara dele tem a ver com o fato de que toda vez que o encontro ele está sendo ridículo por iniciativa própria. E também tem a ver com o fato de ser apenas um moleque frouxo e bunda mole. Às vezes eu quase sinto pena, mas ele merece ser essa figura patética mesmo. - disse Dema.
_ Essa geração bunda mole existe porque esses moleques foram criados com mertiolate que não arde e com toddy de morango. Esses pequenos insetos foram criados com tv a cabo e são adeptos do politicamente correto. Eu odeio muito essa juventude... - disse Brito.
Brito não disse a ninguém que o conhecia, mas gostou de ver através de outras pessoas o reconhecimento pela paspalhotice de Braga quando a fagulha de compaixão que chegou a sentir por ele desapareceu. Agora ele parecia ainda mais ridículo do que antes.
De uma certa forma Braga conseguiu a onipresença que parecia buscar. Ele estava onde Brito não imaginou que ele fosse estar, e num momento em que Brito já tinha esquecido dele. Mas Braga falhou em todo o resto. Seria fácil se o garoto quisesse ser ele mesmo. A sensação íntima de sermos o que somos não é algo que pode ser mudado. Havia na festa um sujeito que só tinha o tronco e a cabeça.
Não tinha pernas nem braços, e uma garota ruiva lhe ajudava a fumar cigarro e baseado, tomar cerveja e ir ao banheiro, empurrando a cadeira de rodas do cara. A garota ruiva era belíssima. Uma beleza sensual e delicada ao mesmo tempo. Magra mas com seios grandes para seu porte físico. Tinha um metro e sessenta e cinco de altura e cerca de cinquenta e dois quilos. Apenas uma tatuagem cujo desenho era uma cereja estava vísível sob a alça esquerda do sutiã preto, que surgia debaixo de uma camiseta regata também preta com a estampa do disco 'Cure for Pain', do Morphine. A garota tinha um cheiro delicioso que lembrava iogurte. Brito ficou ali por duas horas.
Conversou com Djalma, que lhe contou sobre o fato de estar se despedindo do centro da cidade. Mudaria para o bairro da Saúde, porque sua namorada de longa data ficou grávida. A mãe de Djalma gostava da garota e da idéia de ser avó, então convenceu-os de se mudarem para uma casa que ela tinha alugado e cujo contrato do aluguel havia terminado, sem que houvesse interesse do inquilino em renovar.
Braga não havia aprendido isso. Não haveria de aprender tão cedo, afinal não sabia que Brito tinha o visto naquela situação ridícula. Braga talvez deixasse de lado aquele grupo de amigos do centro por causa da vergonha, mas para ele Brito não esteve lá. Sendo assim, Braga poderia ressurgir a qualquer momento, e estaria ainda mais confuso.
Djalma, Dema e Brito conversaram e beberam até Brito sentir cansaço e uma embriaguez comprometedora para dirigir de volta para casa. Saiu dali acompanhado de Dema, que já cambaleava, mas que estava perto de sua casa.
Capítulo 7
Brito pediu enfaticamente a Vânia para que fosse discreta na sua chegada ao prédio dele. Tinha pedido com antecedência ao porteiro que quando Vânia chegasse ela subisse sem a necessidade de interfonar. Isso só para que seu pai não ouvisse o interfone do outro apartamento.
As cozinhas dos apartamentos de Brito e de Britão eram dividias apenas por uma parede e de um lado era possível ouvir o interfone do outro apartamento caso houvesse algum silêncio. A mãe de Brito havia viajado no dia anterior para o casamento de uma sobrinha. Era prima de Brito e tinha trinta e um anos.
Brito havia perdido o contato com todos os seus primos, mas lembrava de quando essa garota nasceu. Manteve algum contato com ela e suas irmãs até a época em que essa que se casaria tinha doze anos.
Deixou de frequentar festas de família. Naquele momento em que Brito esperava por Vânia, ele tinha se desfeito de parte da família original sem que tivesse montado uma só sua. Já não conhecia mais sua prima que ia casar e ela também não o conhecia mais.
Já Britão havia usado a desculpa de dor nas costas e sonolência por causa dos remédios para ficar em casa sozinho no fim de semana. Vânia disse que chegaria ás 22 horas e Brito ficou em sua sacada fumando e olhando para baixo até às 22 horas e 26 minutos.
Havia adiado a primeira dose de uísque para que pudesse beber depois de transar, mas a demora de Vânia o fez queimar a largada. A garota chegou às 23 horas e 11 minutos e subiu sem que o porteiro interfonasse enquanto Brito estava ouvindo o disco .Revenge of the Goldfish, dos Inspiral Carpets.
O som estava razoavelmente alto, e ainda assim Vânia bateu à porta errada. Estava fumando maconha na ponte antes de ir à casa de Brito. Então ela bateu na porta errada e Britão, já completamente alcoolizado e esperando por uma pizza, achou que era o entregador.
Vânia só usou a campainha quando já havia dados vários cascudos na porta de Britão, e ele já estava muito próximo da porta, bêbado e perplexo com o abuso de quem ele pensava ser um garoto que tinha uma moto e entregava pizzas.
Britão abriu a porta e uma boa parte de sua embriaguez baixou quando viu o nível de espetacularidade de Vânia naquela noite.
Alguns segundos de silêncio de ambos foram interrompidos com Britão quebrando o gelo, enquanto Vãnia não tinha nem ao menos assimilado o tamanho da vergonha que começou a sentir. _ Ah, minha filha!! Vou apresentar uma peça hoje à noite! Uma grande peça! Pode entrar... Vânia desmaiou e caiu para trás, com a cabeça batendo diretamente na porta de Brito.
Naquele momento, Britão teve seu grau de embriaguez ainda mais reduzido. _ Não faça isso, minha filha! Meu Deus! - gritou Britão, enquanto Brito acordou de seu exercício de melancolia dentro de seu apartamento.
Os segundos que levou para se levantar e correr até a porta foram suficientes para que Brito se perguntasse porque as pessoas com quem convivia precisavam se comportar de modo que ele ficasse triste e constrangido, mesmo que naquele momento ele ainda não soubesse exatamente o que estava acontecendo. Bastava saber que seu pai e Vânia estavam envolvidos naquilo.
Brito não podia evitar ser filho de Britão, mas podia desistir de conviver com quem não fosse obrigado. Esse tipo de situação o expunha diante da vizinhança e seus esforços para se manter afastado dos comentários iam por água abaixo exatamente quando começava a se alegrar por sentir que estava começando ser esquecido pelos vizinhos. Brito abriu a porta e antes que visse Vânia desacordada, deparouse com Britão, que naquele momento teve empalidecida sua face rosada.
O sangue parecia ter simplesmente sumido da sua cara. Os olhos esbugalhados faziam Britão parecer convencido, pelo menos por alguns segundos, do quão bizarra tinha sido sua existência burguesa até então.
_ O que essa cretina está fazendo caída, pai? Eu não sabia que vocês se conheciam, mas há uma lógica pra isso. Vocês conseguem descer cada vez mais baixo... - disse Brito antes de fazer com que Vânia ficasse esticada no chão.
_ Veja como fala comigo, moleque! Você é um vagabundo que só serve pra encher a privada de merda! - disse Britão.
_ Você constituiu uma família, e disso eu jamais poderei ser acusado! Eu jamais vou contribuir pro aumento da população! Você deveria ser capado antes que pudesse ter filhos, e então eu seria poupado disso tudo! Você é um burguês porco que se mistura com essa gentalha da Bela Vista! Todo o esforço que eu faço pra ser discreto é jogado fora por sua causa! Sou oposição a tudo que você faz, pensa e representa! - disse Brito Eles discutiam e Vânia continuava inconsciente no chão. Ela jazia entre um pai bêbado e um filho que não podia acreditar que aquilo estava acontecendo.
Quando os dois silenciaram ao mesmo tempo houve uma preocupação de ambos com o estado de Vânia e com o que os vizinhos podiam pensar. Como só haviam dois apartamentos por andar e ambos pertenciam ao clã dos Britos, então o risco era menor. Vânia tinha um metro e setenta e três centímetros e pesava sessenta e três quilos, e foi levada com alguma dificuldade por Brito até seu sofá, observada por Britão, que de tão bêbado, mal conseguia se lembrar de como aquilo havia começado. Brito esticou-a no sofá e voltou para a porta, de onde Britão ficou parado olhando sua ação,
. _ Vou dormir! - disse Brito. _ Antes disso você deveria dar uma boa galada nessa morena. Provavelmente ela veio aqui pra isso... - disse Britão com a voz pastosa de bêbado, e em seguida virou-se, entrou em seu apartamento e fechou a porta.
Depois de devidamente acomodada no sofá, Vânia não demorou para acordar. E acordou só para chamar Brito de alcoólatra por ele estar tomando uísque sozinho. Ela nem ao menos perguntou o que havia acontecido antes.
Dormiu na sequência, virando o rosto para o encosto do sofá e sua bela bunda envolta por uma calça jeans que parecia ter sido feita sob medida para o olhar de Brito, que já devidamente alcoolizado, foi dormir no quarto.
Naquele momento, o fato dela querer dormir ali por contra própria era mais importante que sexo para Brito.
Capítulo 8- Coexistência
Os moradores mais velhos do condomínio viviam apáticos em seus microcosmos, cheios de medo na fase final de suas vidas. Se pudessem imaginar o que aconteceria com o mundo a partir de 2020 estariam mais tranquilos por terem certa longevidade garantida antes da pandemia.
Tinham medo do dia seguinte. As crianças descontroladas viviam sofrendo com a falta de espaço e estavam sempre cheias de energia ruim por causa do excesso de açúcar no organismo.
A repressão sobre elas vinha das câmeras instaladas nos elevadores, nas escadas e no hall de entrada do prédio. Através do canal de TV que transmitia o que essas câmeras captavam, Brito assistia de seu apartamento a essa movimentação sufocada e lembrava que em seus tempos de criança as coisas eram diferentes.
Mesmo sendo ele um cara que também foi criado num prédio de apartamentos. Uma cidade dormitório. As imediações da Avenida Paulista não eram apropriadas para nenhum deles. As ruas ali em volta poderiam ser perigosas demais tanto para os octogenários e nonagenários, quanto para as crianças. Tanto à noite como durante o dia.
Alguns dos velhinhos resistiam à idéia de mudarem para cidades menores, pois pensavam que a assistência médica supostamente superior a que tinham acesso em São Paulo poderia lhes dar mais alguns anos de vida. Mal sabiam onde isso tudo isso chegaria,
Outros continuavam a viver perto da Avenida Paulista por não terem opções práticas de mudança.
Teoricamente poderiam vender o apartamento bem valorizado daquela região e comprar uma casa agradável no interior e investir o que sobrasse do dinheiro. Assim estariam mais preparados para a vindoura pandemia, com a qual ninguém nem ao menos sonhava naquele tempo.
Seu Ciro era um senhor de oitenta e dois anos a quem Brito conhecia desde as suas primeiras lembranças, na mais tenra infância. Eram os anos setenta e aquele mesmo prédio não tinha nem ao menos um portão que isolasse a calçada dos canteiros da parte frontal. Não havia a guarita externa para o porteiro. Não se sonhava com câmeras de segurança, naturalmente. E seu Ciro ainda era um cinquentão robusto, com muito cabelo, todo ele tingido de um preto quase azulado. Foi síndico do prédio muito antes de Britão ocupar o cargo. Sua esposa era Dona Michele, uma senhora muito religiosa a quem Brito só via sair de casa para ir à igreja e para levar pedaços de pizza para os porteiros do período noturno.
O casal nunca teve filhos. Fã de Vicente Celestino e Ataulfo Alves, Seu Ciro foi uma influência para que Brito se interessasse por música. A coleção de discos de Seu Ciro era sensacional. Nesse e em outros aspectos, Brito era muito mais influenciado por ele do que por seu pai. Seu Ciro era aposentado e saía de seu apartamento pela manhã para fumar seus cigarros sentado num banco na frente do prédio. Dona Michele não o deixava fumar dentro do apartamento.
Seu Ciro já não tinha tanto cabelo na parte de cima da cabeça, mas também não era muito careca. Havia desistido das tinturas muitos anos antes e isso melhorou muito sua aparência, mesmo com a idade mais avançada. Tinha um bigodinho branco aparado e óculos de Buddy Holly. Era baixinho e troncudo. Setenta e cinco quilos para um metro e sessenta e cinco de altura. Não andava curvado nem tinha um aspecto cansado. A janela do apartamento de Seu Ciro era voltada para os fundos do prédio, de modo que ele não precisava se preocupar com o fato de sua mulher o vigiar de casa.
Quando alguma garota que o agradasse visualmente entrava ou saía do prédio, ele a acompanhava com o olhar e quando ela estivesse próxima, dizia: "Sou um seresteiro da velha guarda, minha filha!" Seu Ciro, assim como Brito, fumava Dunhill. Numa ocasião em que ele cochilou e roncou no banco próximo ao jardim da parte da frente do prédio, um garoto matreiro, sobrinho de Cleitom, substituiu parte do recheio do último cigarro de seu Ciro por maconha.
O pobre velhinho fumeta acordou do cochilo e resmungou ao tirar o último cigarro e jogar fora a caixinha vazia. Teria que ir até a padaria comprar mais cigarros. Ele sempre ficava nervoso quando o maço chegava ao fim. Acendeu o cigarro e nem percebeu o cheiro diferente. Apenas tragava e resmungava palavras incompreensíveis.
Enquanto isso, Brito sem perceber desfrutava de alguma paz, porque naquele momento já tinha feito o que considerava necessário para que começasse a tomar uísque sem ter mais preocupações pelo resto do dia.
Estava livre dos inconvenientes da urgência. Exercitava sua solidão e seu desprendimento social através do piloto automático. Ouvia o disco Argus, do Wishbone Ash.
Sua relação com o pai estava abalada por causa da última briga. Isso acontecia de tempos em tempos. Havia um lado bom nesses períodos, porque caso Britão cometesse alguma trocidade, Brito poderia simplesmente aproveitar o simples fato de ser oposição automática ao fato. Jogaria isso na cara do velho caso fosse necessário ,
Por outro lado, sua reclusão não permitia que sua vizinhança soubesse das divergências com o pai, ou pelo menos das razões das divergências, ainda que elas se resumissem ao comportamento e estilo de vida de Britão.
As brigas não aconteciam o tempo todo porque Brito não as alimentava. Seria burrice fazê-lo. Tentar mudar seu pai seria como querer mudar o resto do mundo.
Britão era a parte mais próxima do resto de um mundo que Brito repudiava. Então ele foi fumar na sua sacada e lá de cima viu Seu Ciro gesticulando no que parecia uma alegre conversa com Guido.
Ambos estavam sentados encostados no muro do hospital em frente ao prédio. Brito desceu para saber o que acontecia. Podia evitar, mas não parecia uma situação normal e ele estava curioso. Desceu rapidamente pela escada achando que até o momento em que chegasse ao térreo a cena já poderia estar desfeita.
Lá embaixo era Cleitom quem estava na portaria. Brito foi novamente chamado de 'pessoa' por Cleitom, mas não se aborreceu porque bem naquele momento que constatou que Seu Ciro e Guido ainda estavam na frente do prédio, sentados do outro lado da rua. Brito rapidamente saiu do prédio e se aproximou, sendo imediatamente saudado por Guido: _ Brito!!! O vovozinho fumou um cigarrinho de carnaval!! - disse Guido.
_ Que doidice é essa? Seu Ciro, o senhor conhece o Guido? - perguntou Brito ao mesmo tempo em que constatava que a roupa de Seu Ciro já estava de tal forma suja que a cena lhe parecia quase inacreditável.
_ É o filho do Britão!!! - gritou Seu Ciro, antes de se acabar numa bela gargalhada.
Capítulo 9
Então Zími contou a Mila Cox que naquele momento Brito em sua lembrança era apenas o filho do Britão, que é um tipo de pessoa que não se enquadra no que se espera de um mundo renovado depois da pandemia.
Pelo que podiam saber através de seu perfil na internet, Brito parecia estar bem e não ter tido qualquer problema com o fato de se manter em isolamento. Estava à beira dos cinquenta anos e provavelmente estava em seu apartamento vendo o mundo em chamas pela televisão, ironizando o fato de que as pessoas votam para isso.
Zími pensava então em como estariam os outros dos quais lembrou para poder situar Brito em seu passado. Provavelmente não os reconheceria na rua, por trás da máscara e do tempo que passou. Passaria muito tempo ainda para que isso pudesse acontecer, mas Zími disse a Cox que adicionasse Brito à sua página para que assim tivesse algumas notícias e para que ela o conhecesse e tirasse suas próprias conclusões sobre ele.
Poderiam até fazer uma música sobre ele. Certo mesmo era que jamais apoiariam qualquer político, sob quaisquer que fossem as circunstâncias.
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Atualizado em: Qua 7 Out 2020

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