- Prosa Poética
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Opus 13
Já não tinha clara a lembrança exata de quem a gerou. Ainda menos do caminho até ele.
Clara imaginava, tanto sonhava, que acreditou que se negasse o fato ele não mais existiria.
Mas aceite, pobre exemplo da imaturidade, ele não vive no céu, tampouco conhece o Criador.
Ele reside na terra, num lote padrão enumerado tendo como quintal a campa eterna,
e na entrada uma bela, velha e ainda lustrosa cruz azul; delicado enfeite póstumo.
Alegre-se Clara, este homem que sempre gostou da vida e de suas manifestações
certamente irá apreciar o calor úmido dos vermes quando estes lhe percorrerem o corpo.
Sentirá as irônicas cócegas da morte em seus tecidos quando isso acontecer, há de animar-se.
Será que ele vai sorrir, querida? Até mesmo tu, que tão pouco o conheceu poderá dizer-me
Que não será fácil fazê-lo a princípio, mas afirmo que o deveria, se avesso à ingratidão.
Traga-me um ser humano que não desejaria ardentemente receber belas flores de plástico
e velas derretidas pela ocasão de seu aniversário, ou em respeito ao dia dos mortos.
Todos precisam de um pouco de solidão, e ele terá o privilégio da eternidade para pensar.
Provavelmente não terá muitas opções de reflexão, mas estará em plena segurança.
Jamais conseguiria romper os cadeados desse caixão; veja, Clara, são dourados como seus olhos.
Por que choras, se o mundo é tão generoso contigo, dando o paraíso a teu pai?
Se foi este quem lhe deixou, quem perdeu a vida e lhe fez perder o chão?
Quem te fez ficar sozinha e se perder a borrar de lágrimas tua vida?
Não chore, criança, há de ser bom.
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