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PREDESTINADA / Capítulo Três

Norman conseguiu com o diretor Wilson que eu fosse liberada. Rafael se ofereceu para me levar em casa, e eu aceitei.
Caminhamos lado a lado em silêncio. Eu queria abrir minha boca e dizer qualquer coisa, mas não tinha nada a dizer. Ou pelo menos não encontrava as palavras certas. E pude perceber que também se sentia assim. Então, propositalmente, rocei minha mão na dele. O leve contato fez meu corpo inteiro formigar, e ele olhou para mim. E ele segurou a minha mão, e continuamos caminhando de mãos dadas.
Caramba. Acabei de conhecer o garoto, nem havia se passado um dia sequer, e eu já estava caidinha por ele. O mais estranho de tudo isso é que ele era literalmente ‘o garoto dos meus sonhos’, e parecia estar caidinho por mim também.
Meu colégio nunca foi um daqueles colégios de filmes adolescentes americanos, onde existem os populares e bonitos, e os diferentes que não se encaixam num padrão de beleza pré-estabelecido e são perseguidos por isso. Muito pelo contrário. No meu colégio todos eram tratados da mesma maneira, mas existiam aqueles que se destacavam mais no quesito beleza, portanto nunca estavam sozinhos.
Eu não me achava particularmente feia, mas tinha uma beleza comum. Tive alguns relacionamentos-relâmpago desde meu primeiro beijo com o B, só que nunca antes um garoto tão bonito quanto o Rafael se interessou por mim. De repente me senti mal, com medo de ter me envolvido cedo demais e estar entendendo tudo errado. Não queria me apaixonar tão rápido assim. Como eu sou boba.
Mas tinha uma certeza naquele momento: era bom demais estar ali agora, andando de mãos dadas com ele.
Quando viramos a esquina da minha rua, percebi que tinha alguém parado diante do portão da minha casa. Continuamos caminhando e, ao chegar lá, Bernardo estava esperando. Instintivamente soltei a mão do Rafael.
“Érica, fiquei muito preocupado com você. Primeiro o Norman foi lá na sala avisar que você não estava se sentindo bem. Fui atrás dele para saber de você, e ele disse que o diretor Wilson permitiu que você viesse para casa. Você não deveria vir sozinha...”
Então ele reparou em Rafael. Percebi o olhar dele, da cabeça aos pés no garoto ao meu lado, e então em mim, confuso.
“O Rafael se ofereceu para me trazer em casa, B. Ele é sobrinho do Norman, e vai estudar conosco a partir de amanhã.”
Rafael estendeu a mão, e Bernardo apertou.
“De qualquer maneira, Érica, teria sido legal se você tivesse me avisado. Nem seu celular atendia.”
Não soube onde enfiar minha cara naquele momento. Por um instante havia me esquecido do mundo ao redor, inclusive do meu melhor amigo. Tirei o celular do meu bolso e vi cinco chamadas não atendidas do Bernardo, com aproximadamente cinco minutos de intervalo entre elas.
“Desculpa, B.”
“Estranho também eu ter chegado aqui antes de vocês.”
“A culpa é toda minha”, Rafael se manifestou. “Eu insisti que ela andasse devagar, já que ainda não estava completamente restabelecida.”
Bernardo olhou para mim e eu apenas abaixei a cabeça.
“Tudo bem. Eu teria feito a mesma coisa”, ele respondeu.
 Rafael sorriu sem graça. Bernardo não parava de olhar para ele vez ou outra, com o canto dos olhos. O clima estava estranho, e eu não consegui entender o motivo.
“Bem, agora que você está entregue, e bem acompanhada, creio que posso voltar daqui mesmo”, Rafael enfim se manifestou.
“Não, Rafa, entre. Acho que tem chocolate guardado.”
Ele sorriu alto, e eu em seguida. Bernardo permaneceu emburrado, olhando para nós dois.
“Teremos muito tempo, Érica. Tenho que ir, organizar minhas coisas. E amanhã nos vemos na aula.”
Ele também encarou o Bernardo por um tempo, como se fosse para ter certeza de que eu ficaria bem, e então me deu um beijo na testa. E eu o vi partir, com um aperto no coração. Meu real desejo era nunca mais sair de perto dele.
“Qual é a desse cara?” Bernardo logo perguntou, assim que entramos na minha casa.
“Eu disse, B. Ele é novo por aqui, só isso. Precisa de amigos, precisa conhecer a cidade e as pessoas.”
“E também precisa andar de mãos dadas com pessoas que acabou de conhecer.”
“Meu Deus, você está com ciúmes?”
“Primeiro você me diz que precisa ficar sozinha um pouco. Depois você já está andando de mãos dadas com um garoto que nem conhece. Eu sou seu amigo, Érica, e como tal, gostaria de saber o que está acontecendo com você.”
“Você disse uma coisa certa, Bernardo. Você é meu amigo. Não me leve a mal, mas não preciso te contar tudo o que acontece na minha vida; tenho o direito de guardar algumas coisas só para mim. Mais do que ninguém, pensei que você entenderia isso.”
“Juro que ainda tento entender, Érica.”
Algo se passava pela cabeça do Bernardo naquele momento, eu podia perceber isso pela expressão dele. Parecia haver um conflito interno. Mas meu melhor amigo precisava confiar em mim.
Então eu peguei a folha onde desenhei o garoto dos meus sonhos, que se materializara em Rafael. Estendi a folha para Bernardo.
“O que é isso? Você fez um desenho dele? Por que está me mostrando isso?”
“Há tempos eu sonho com esse garoto. Fiz o desenho hoje, antes do intervalo. Depois que te disse que precisava ficar sozinha, fui espairecer, e de repente encontrei o Rafael. Levei um tremendo susto, por isso não estava me sentindo bem. Só preciso entender o sentido disso tudo, por mais que pareça sem sentido. Ele é igual ao desenho que fiz, ao garoto com quem tenho sonhado, mas ao mesmo tempo eles não parecem ser a mesma pessoa.”
Bernardo olhava para mim de uma forma desconcertante, enquanto eu falava sem parar. Do jeito que ele me olhava, parecia me achar completamente louca, pelas coisas que eu dizia. E ouvindo as palavras saindo da minha boca, até eu começava a me achar louca.
“Tudo bem, isso é muito estranho. Só quero saber como surgiu o desejo de andarem de mãos dadas.”
“B, eu nunca senti isso por ninguém antes. É tão louco assim uma paixão à primeira vista?”
“Eu nunca ouvi falar de duas pessoas que, em menos de um dia, já estivessem se comportando como namoradinhos. Eu só acho que é cedo demais para qualquer tipo de envolvimento, Érica.”
“O pior de tudo é que eu também penso assim. Mas não pude evitar, não posso evitar. E pelo visto, nem ele. Você vai ficar me recriminando por isso?”
O rosto dele de repente se abriu em um sorriso.
“Claro que não, sua boba. Eu só estou chateado pelo fato de você ter se esquecido de mim por esse breve momento.”
“Te prometo que isso não vai se repetir. Agora vamos esquecer um pouco do Rafael e de tudo o que aconteceu hoje? A última temporada do American Horror Story está lá na sala nos esperando, e tem um pote de sorvete de chocolate na geladeira.”
“Já te disse que é bem melhor assistir histórias de terror quando chega a noite.”
“Deixa de ser chato, é só deixarmos a sala bem escura. Cortinas e cobertas é que não faltam por aqui.”
“Então... ATACAR A GELADEIRA!”, e ele saiu correndo em direção à cozinha.
Fui atrás, entrando no clima da brincadeira, e tentando não pensar no quanto eu queria que o Rafael tivesse ficado para nosso escurinho de cinema.
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Atualizado em: Dom 26 Jun 2016

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