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Parábola Antiga

- Como a vista é bela, Eva, me beija!
- Abraça-me!
- Socorre-me, a praia me leva...
- Dizias o não saber há quanto tempo fomos expulsos, Adão, ora justo tu?
- Como justo eu?! Não sei mulher, estivemos a vagar e a olhar sem um instante de sossego, como se sentíssemos as ventas de Deus na nuca, resfolegando e os lábios praguejantes do pai, babando de ódio...
- Ora como tens a coragem de dizer tal coisa?...
- Faz medo pensar que não temos pai.
- Pois agora, mais do que nunca é que temos, pai! Como fomos imprudentes e negligentes com a palavra, os votos de fidelidade para com o Criador, trancados no planeta, sem escapatória, abismos por todos os lados,
- Mais essa então, e não foste tu quem me deu a fruta deliciosa
- Farias tudo mais uma vez?...
- Eu faria quantas vezes fosse preciso, até me sair mais perfeita, e ainda mais perfeita a mordida, a mais sublime mordida, não me satisfaria: nada, a não ser pensar no passado e no teu colo me satisfaz... Mas o que estamos a dizer aqui, mulher, agora somos só eu e tu a vagar por todas as bandas da Terra. Somos só eu e tu a buscar sem encontrar, somos só eu e tu a perder sem ter trilhado qualquer caminho; Eva, beija-me!
- E não foram criadas todas as coisas para servir-nos: os peixes, os rios, as plantas, os animais pedestres e o solo e porfim as aves e os ares?
- Não sei.
- E me diz, então, meu ímpio, que estamos criando palavras para exprimir a rejeição divina. Diz-me o que hemos de pastorear, Adão, infiel?
- Eu, Eva, nunca fui pastor, nunca pastoreei rebanhos, mas é como se o fizesse, meu rebanho é meus pensamentos, querida.
- Não sejamos burros, vamos pastorear mentiras, lérias, quimeras, esfinges, enigmas, cordéis. Porque a cada mil nuvens admiradas, nasce uma chuva e uma semente se ergue.
- Colheremos o fel e o mel das salivas: tenho néctar em mente, mas somente bile na boca. Estou pensando em compor uma canção de trabalho.
- Adão, infiel, tenho fogo nos lábios.
- Ó fruto crucial, travo excruciante, este mundo é um lupanar.
- Fica pois com teus pensares e fica comigo.
- Contigo estou, meus pensares são o rio que atravessa e circula a orla. Deitemo-nos.
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Atualizado em: Qua 10 Dez 2008

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