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Madame Shadow
Meu nome não importa, Madame Shadow é como sou conhecida, ou apenas lembrada.
Nesses dias tão frios o melhor a se fazer é vagar, sem destino ou rumo, pois não há raízes em quem está sempre de partida e nem sequer tem para onde voltar, mas não maldigo minha sina, está foi a minha escolha e é o meu propósito final.
Minha casa é o destino dos ventos, minha existência atemporal em si mesma, não há sombras em meu caminhar, eu sou a sombra em si, sem reflexos ou nuances, não me importo com os que se vão, nem com os que vêm, porque sei que também partirão, não me apego, não me iludo, permaneço apática e em total calmaria.
Vago na imensidão deste abismo sem fim, ora tão negro, ora translúcido, que chega ao ponto de me ofuscar os olhos, não me importo com a inércia dos meus dias, são vagos como as minhas noites. E minhas mãos despercebidas tocam as notas secas e curtas em velho piano amaldiçoado.
Se minhas vestes tocam o chão, qual a diferença entre revelar o que já não existe e o que pode ser descartado? Entre as folhas secas trilho meu caminho que tão sorrateiramente o vento desfaz e refaz a seu bel prazer. Não, não me canso em seguir assim, porque não há uma próxima nota na pauta, o compasso permanece e não se altera, não me importa o dia, o ano, é tão indiferente, porque não me causa mais nenhuma emoção do que virá ou do que se foi, tudo permanece igual
E voltando mais uma vez ao velho piano, o velho insistente, corroído pelo tempo e cupins, feio, sem brilho, torto e desafinado, esse mesmo que apesar de tamanha desavença tem me sido o único consolo em meio a tantas avenidas andadas na contramão, em noites chuvosas, no meio do caos de tantos sentimentos.
Sim, vou terminar estas vagas linhas por aqui, não preciso de um começo, um meio e nem um fim, pensamentos são aleatórios, rotativos às vezes, tão letais quanto sarin e suaves como uma nuvem lentamente se desfazendo em um lindo céu azul numa tarde quente de verão.
Que aqui seja dado não meu ponto final, porque me apóio em reticências, então seja aqui mais um relato de um breve suspiro daquela que tão melancolicamente tem seu raro momento de alegria ao olhar para aquele velho piano abandonado e ver refletido nele sua própria imagem.
Comentários
Madame Shadow se aproxima mais de uma prosa poética do que de um conto própriamente, embora
também possa ser considerado como tal.
Meu respeito e admiração.