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A escrita é apenas a ponta do iceberg

Psicomotricidade e Integração sensorial: escrever é só a ponta do iceberg!
Porque esse não é um artigo científico? Porque desejo que ele tenha um alcance maior entre os pais do que entre os estudiosos da área.
A primeira demanda dos pais ao chegarem ao consultório de Terapia Ocupacional, com seu filho pré-escolar, é: “Quero que ele fale”. Passando o tempo, com a criança verbalizando ou não, logo vem a segunda demanda: ” Quero que ele escreva”. Assim como a fala, a escrita é só a ponta do iceberg!
Fala, escrita – temos aí uma imersão no campo da linguagem. Imediatamente isso pressupõe a constituição de um Sujeito Psicomotor. E o que é isso?
O corpo imerso na clínica psicomotora, que pressupõe a significação de um sujeito, é o corpo primordialmente imerso no desejo do *Outro e na linguagem. Daí advém o termo “Psicomotricidade” – é o psiquismo que vai dar forma aos movimentos. A forma como o sujeito é cuidado, olhado e desejado, será a base dessa espiral de constituição que se inicia no momento em que esse bebê começa a ser colocado no universo simbólico através do diálogo tônico (corpo a corpo) com sua mãe ou com quem se ocupe dessa função.
A partir daí inúmeras outras aquisições vão tomando forma numa espiral de desenvolvimento crescente que, na primeira infância irá culminar na leitura/escrita como um ápice de estruturação psicomotora, que partiu da relação mãe-bebê, passou pela exploração livre do corpo no espaço de forma global e então de forma fina, para poder chegar ao universo mágico: o reconhecimento de letras e palavras! Esse é um conhecimento que pressupõe um sujeito plenamente inscrito no universo simbólico com maturação motora suficiente para segurar num lápis, desenhar e, posteriormente, escrever. A criança vai do corpo concreto ao pensamento abstrato, do Real ao Simbólico.
“Para apropriar-se do corpo, uma criança terá que realizar sucessivamente importantes conquistas, em relação ao seu espaço, seus movimentos, suas posturas, seus gestos, seus tempo, temos um corpo (órgão) que, como diz a expressão: “o próprio corpo”, terá que ser de alguém (um sujeito) justamente para ser um corpo.” (LEVIN; 1995).
O tão desejado desenvolvimento da linguagem (falada e/ou escrita) já está acontecendo desde o início da vida. Quando o bebê se move pelo espaço, rolando, arrastando, engatinhando, ele já esta construindo habilidades cognitivas fundamentais, além de perceber seu corpo sensorialmente e espacialmente, podendo assim dar continuidade a construção da sua consciência corporal e das discriminações sensoriais necessárias para melhor agir no meio, como: propriocepção – ex: que quantidade de força eu preciso usar para me arrastar pelo chão; vestibular, tátil, auditivo e visual. Quanto mais rica for a exploração do bebê nesse espaço, mais ele irá elaborar suas possibilidades cognitivas, sensoriais e psicomotoras. Desde cedo e desde sempre começa a construção da linguagem falada e escrita!
Assim é fundamental compreender que a primeira escrita da criança é a escrita do corpo no espaço e não no papel! A vivência prática e espacial desse corpo é fundamental para construir a base psicomotora e favorecer a maturação sensorial, tendo nessa constituição as bases para conquistas cada vez mais elaboradas como a linguagem, seja falada ou escrita. É importante compreender que cognição e desenvolvimento motor andam juntos, numa lógica dialética onde um alimenta o outro.
“Na idade da escola maternal, e durante os três primeiros anos (pelo menos) da escola elementar, a criança vive ainda naquele estágio de exploração do mundo através do movimento de seu corpo... que nós chamamos agitação. Querer reprimir essa agitação em nome de uma “educação” pretensamente racional (...) é privar a criança do seu desenvolvimento mais autêntico.” (LAPIERRE & AUCOUTURIER; 1986).
O desenvolvimento das aquisições básicas necessárias para a linguagem escrita está exatamente nesse estágio de exploração do mundo, pois a criança vai passar pelo prazer primitivo de agir, descobrindo suas ações no mundo, para construir uma sequencia interna de atos, realizando um processo cognitivo chamado ideação, uma das etapas da tão importante práxis. Práxis pressupõe ideação, planejamento e execução. Isso está intimamente relacionado à linguagem e à escrita, pois a linguagem é um pensamento internalizado que, sequenciado, se expressa no meio, através do simbólico.
Para concluir gostaria de esquematizar para os pais, ações que podem favorecer a tão almejada linguagem escrita!
1. Brinque: sentado no chão, sem objetivo definido! Brinque com sua criança do que ela quiser, pelo simples prazer de brincar. Isso fortalece o vínculo e a confiança dela em você. Também valida a possibilidade dela de brincar do que pode, na etapa do desenvolvimento em que se encontra. Brinque do que ela quer e lance desafios próximos ao que ela pode alcançar para que vocês superem cada etapa juntos!
2. Deixe-a correr, pular e encontrar muito prazer na exploração do espaço através do seu corpo. Crie diferentes circuitos, com obstáculos novos para que ela encontre sozinha a forma de ultrapassa-los! Tudo isso favorece a consciência corporal, lateralidade, planejamento motor, resolução de problemas e até a práxis e a cognição. Lembre: linguagem é pensamento internalizado. Agir pelo espaço e resolver problemas também é cognição!
3. Após explorar, de forma alegre e prazerosa, o corpo no espaço, você pode incentiva-la a desenhar o que viveu nessa exploração espacial (sem exigir desenho definido), do jeito que for possível. Desenhar no papel preso na parede, desenhar numa bandeja cheia de espuma de barbear ou amido de milho, pintar usando o dedo, como for gostoso e possível no momento! Assim, além de usar a coordenação motora fina, a propriocepção e o tato (requisitos fundamentais para a escrita) a criança também estará passando do concreto do corpo ao pensamento, expresso através da linguagem simbólica, o desenho.
Essas são algumas ideias que favorecem o desenvolvimento psicomotor, buscando esclarecer brevemente a importância fundamental do corpo psicomotor para a aquisição de elementos tão elaborados como a linguagem falada ou escrita.
Esse artigo foi inspirado por uma mãe que me trouxe suas angústias pela aparente dificuldade de alfabetizar seu filho de apenas (recém feitos) 4 anos. Todo meu carinho por ela e por todas as outras mães que se deixam levar pelas exigências de uma educação infantil que privilegia o cognitivo em detrimento do corpo, esquecendo que o corpo é o que constrói o cognitivo. Assim, aproveito para homenagear a escola que me deu “régua e compasso” em muito desse aprendizado que aqui compartilho: CREAR. Meu amor e gratidão a todos vocês!
*Mini currículo:
Terapeuta Ocupacional. Mestre em Psicologia (UFBA). Formação em Psicanálise (Espaço Moebius). Formação em Psicomotricidade Aucouturier (FRA) e Integração Sensorial (USC). Formação pelo ICDL no DIR/Floortime. Especialista em Autismo e transtornos do desenvolvimento.
Referencias:
Lapierre & Aucouturier; A simbologia do movimento; Porto Alegre: Artes Médicas, 1986;
Levin, Esteban; A clínica psicomotora; Petrópolis, R.J.: Vozes, 1995.
​Página 1
*Outro; Grande Outro; L’autre (psicanálise) – é a figura que se ocupa da função materna na vida do bebê.
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Atualizado em: Sex 24 Abr 2020

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