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SONS E FANTASIAS

1

A morena bonita, de short, sorri atraindo o homem “coroa”, que também sorrindo se avizinha:

- Como é, aceita um copo de cerveja?

O sorriso de covinhas cresce no rosto jovem, de traços corretos:

- Claro! Nesse calor...

Então se sentam à mesa próxima e, erguendo o braço magro, ele acena com a mão ao garçom, pedindo bebida e, se voltando:

- Foi muito bom eu me encontrar com você: saí de casa com ar de doido, a mulher doente, numa cadeira de rodas...

A morena escuta-o. Conhece bem a humanidade. É inteligente e a “profissão” ensina cada vez mais, sabe sim, ser paciente, e conquistar o próximo freguês.

- Eu tava doido pra sair de casa! Fugir duma vida de tantos aperreios.

A mão morena, de dedos longos pousa sobre dele, no gesto de carinho, solidária. E serão lágrimas nos olhos que a fitam?

A morena baixa a cabeça, não querendo ver. Apenas se limitar a ouvir...

- A cerveja.

Diz o garçom chegando.

- Tudo bem, cara. O que se tem pra se mastigar?

- Empadinhas, agulhas-fritas, camarões.

Ele se volta para a parceira de mesa, consultando-a:

- O que você sugere?

Os olhos tristonhos. Vermelhos... Outra vez fugindo o rosto de lado, ela responde:

- Camarões.

- Traz um prato de camarões.

Em gesto com a cabeça aquiescendo, o rapaz ser retira ligeiro.

Entre o casal paira o silêncio cúmplice, acolhedor. Bebem devagarzinho.

Na calçada á frente, rapazes, moças e idosos passa de short, camisas e bonés coloridos, indo à direção ao bloco na avenida transversal, um pouco adiante. Da caixa no alto do poste, o som da marcha antiga ganha o espaço:

Enquanto eu choro

Tu vives sorrindo...

“Tu vives sorrindo”...

Repete o homem fitando outra vez o rosto mais moreno devido ao efeito da cerveja.

A jovem sorri. Inteligente. Maliciosa. A mão acena ao garçom, que também com a mão diz para aguardar um pouco.

A Neide na cadeira. Tão branca, afilada, aloirada... Resignada à enfermidade. Até quando assim? Ou...

- Você trabalha em quê?

A voz (mais rouca, sexy?) o desperta ao presente.

Responde, com o rosto voltado ao bloco que passa seguindo o carro com as adolescentes dançando ao som do conjunto que toca o frevo. Quantos desses passaram ainda há pouco por essa calçada daí?

- Trabalho como ilustrador-artístico numa fábrica de papel.

- Ah? Sim.

A mão macia que busca a sua mão, na repetida e provocante carícia da promessa do amor  de logo mais.

- Os camarões. Outra cerveja?

- Quero. Traga duas!

- OK.

Sozinhos novamente.

- E você também trabalha?

- É me “viro”.

- Sei. Entendo.

 

2

O homem está no leito. Adormecido. Ela se ergue devagarzinho, buscando não fazer ruídos, despertá-lo, e encaminha-se ao banheiro, se lavar, se lavar de tudo... pois ele já lhe pagou por os instantes que desfrutaram no delicioso jogo do amor e ela tem de voltar à rua, na luta pela própria sobrevivência e a da mãe, no leito, cancerosa, no morro do “capitão”...

- É a vida Salete.

Veste-se, tentando não provocar barulho, despertá-lo. Um cara até charmoso, mas sofredor...

Prende a correia da bolsa ao ombro, volta-se à cama, no olhar da despedida, abre a porta, fechando-a por fora e encaminha-se ao elevador, que a restituirá ao mundo, que se agitas no carnaval.

O elevador desce. A música vem da gravação antiga, a mesma...

A vida é mesmo assim

Eu choro porque te perdi

Sorris talvez porque me deixastes

“Sorris talvez porque me deixastes...”

Completa o verso, cantando baixinho.

O elevador pára. A porta se abre. E os passos nervosos a devolvem à noite alta, com a festa de sons e fantasias.

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Atualizado em: Qua 17 Fev 2010

Comentários  

#8 PMCV 07-08-2010 19:53
Abreu,
Obrigado pelo comentário rápido e inteligente.
Abraços.
#7 Abreu 07-08-2010 08:42
A vida como ela é...
#6 PMCV 10-03-2010 20:58
rodrigues,
Outra vez lhe agradeço o comentário curto, inteligente ao meu texto.
Paulo.
#5 PMCV 10-03-2010 20:49
tania,
Você é sempre poetisa e fraternal colega.
Obrigado!
Paulo.
#4 PMCV 10-03-2010 20:47
Cilas,
O autor ao escrever e depois se ver aceito por quem entende da "escrita", se sente, como é natural, ralizado.
Obrigado!
Abraços. Paulo.
#3 rodriguesdealmeida 19-02-2010 11:24
um belo retrato da vida! Tão simples e tão bonito!
#2 tania_martins 18-02-2010 21:44
Vida!
Parabéns!
#1 Cilas_Medi 18-02-2010 08:45
Simples e afetivo. Parabéns!

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