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Algumas Linhas
Das Gavetas
As gavetas se fecham, mas não escondem as lembranças
Elas guardam o passado, amadurecem as impressões
Têm o dom da saudade, não a doída, massacrante, mas a jovial saudade,
Igual àquela das tardes de domingo nas praças de um tempo que não vimos.As gavetas têm olhos,
um pouco adormecidos naquele sono de início de tarde
Mas coletam sempre o cheiro do acontecer
Mesmo que entulhadas de folhas, cartas e ofícios,
engolem as últimas manchetes do cotidiano,
e arquivam o gosto dos dias
As gavetas sabem das contas, dos carnês, dos anseios, da depressão
e também do carnaval.
São como um calendário que marca épocas.
Oxigenam nosso presente,
são incubadoras de passado
Crônema
O tempo desenha os dias
E joga o pincel sujo na nossa cara
É incoerente o papel criador do momento
Que, se não criado por nós, fica isento da responsabilidade de existir.
Sutil é o minuto, nada no tempo, entre a neurose do relógio e no próprio conceito de passar... minuto a minuto...
Carregando a nossa luz e ânsia de viver um pouco mais
Dentro dele o segundo vai e se esvai...
Bom é o tempo que não se sabe
que não se espera
que vem e que faz algo
pelo possível desejo de existir mais
Presságio
Várias mortes virão
E o calendário marcará suas múltiplas e últimas formas
Em cruz, sobre o sorriso, em neve ou sem morrer.
Várias mortes virão
Todas com caras fechadas e discursos empoeirados,
Mortos, entre as mil vidas, como milhares de cortes viventes
Várias mortes, a minha vida terá
Por entre as avenidas e os edifícios, espero por elas, sozinha...
Entrarão por entre as frestas da janela como mosquitos suspensos no ar
Mais uma vez
Mais uma vez seguro as esperanças
são esperas, crenças, andanças e versos versados num tom de anil
Mais uma vez me entulho de vida e me embriago de sensitividade perante a vida
pois sem ela o mais é nada.
Mais uma vez cantam os quero-queros e sonambulizam as corujas junto ao rugir da água do rio
Então entro mais nela e a encaro frente a frente
Mais uma vez retorno à fonte, onde ontem, me contem como era, não lembro mais...
Mais uma vez quero visitar, andar pelas alamedas floridas daquele pedaço de tempo,
Para mais uma vez traduzir os diálogos, entendendo o todo do tudo que não se dissipou.
Porque a luz da ânsia da vida não se dissipa, apenas cobre de luz o olhar, cada vez mais...
Pedido
Peço o espaço aberto
Onde o sorriso germine
E que com tudo, o todo fique totalmente amarelo, em cor cósmica.
E depois, sem os cem dias de tristeza,
Espero que os calendários respeitem as vontades, os quereres, os quiseres...
E quando estivermos no mar, que as ondas desenhem os rostos, os braços, as pernas saltitantes das manhãs, sem manha, sem angustiante amanhecer.
E que se possa conversar ainda
No mesmo antigo abrigo, desencadeando as emoções em beijos claros, com olhares com gosto de abacaxi.
Sempre Serei
Venho sendo, sou, e morro sempre.
Sempre, que a calma do mundo sei, não existe
E por vezes ressuscito num fim de inverno como agora,
Falando a palavra espera longa na dança
Junto-as e logo tudo me faz prosseguir num andar só
Mesmo que estanque esteja o novo
Mesmo que o velho seja real
Somente nos resta surgir com algum fato
Para abrigar o corpo depois da chuva
E pelo fato de ser eu
Eu sou e me completo com meu ido e sei vivido
Venho sendo e sempre serei
Mesmo tendo morrido duas mil vezes, todas as mortes ressuscitarei.
Clarência
Claro torna-se, às vezes, o céu, comum em dias descontraídos,
Quando a natureza se esquece das tramas humanas insanas e suas atitudes
O homo sapiens continua evoluindo, com o seu belicoso aparato social e com o cordial sorriso breve...
Clara torna-se, às vezes, a intenção e contente o incompetente ser toma excessivas doses de amargor,
E então se distrai no suor no futebol no carnaval - o teu cabelo não nega- e carrega o preconceito para o túmulo
Clara torna-se a vida com suas promessas de um novo amanhecer coberto de mais absurdos vivenciais
Apatia
E agora o cobertor aquecia longe no frio outro braço
E agora o orvalho deitava sobre nossas cabeças a cobertura gelada de uma noite final
O canto cantava já os primeiros raios por entre os pessegueiros que ficavam mais claros,
por um luar que se ia, por um novo que não vinha
Era solo infecundo
Era manhã sem amor
E agora, gastávamos os minutos em sorrisos amarelos, ouvindo somente o barulho das folhas,
Em um final de outubro semi-primaveril
Em busca de mais um sol
Tento responder ao interrogatório desses dias
Vejo-me, então, confusa nestes planos inquietantes do sempre ir...
Louca, me solto a olhar o verde que existe entre o céu e a terra,
E vejo que, com sua cabeleira clorofilada, a árvore faz o dia ser dela, sentindo que da terra fluem os raios de sol.
Então, ou confundo-me com ela e parto em busca de mais um solo fecundo,
Ou fico a olhar os peixes em um aquário qualquer
Urbano
Quando o vento traz o som do grito do horário que não pode atrasar
Verte em gotas pequenas a pressa por uma janela onde o olhar vai e vem, sem ver o beija-flor
Na hora do trânsito louco o rosto da cidade vê mais que eu
a cor dos teus cabelos entre os automóveis correndo, correm muito sempre assim continuarão assim
Neste falso ritmo de certezas, nos limites da janela sem ver o beija-flor.
Entre o espelho e a incerteza
Quantos minutos já se foram
Eram fragmentos de horas e se foram
Não se deixaram revisar pelos ponteiros do relógio que ainda desenham o mesmo círculo eterno
Eu engulo o tempo e nada ocorre
ou vem socorrer do marasmo
entre o espelho e a incerteza
Fecho os olhos, revivo o nada
e revejo os cometas que passaram em branco
Conto as horas, reconto os dias
Já vivi mais de cem mil horas
já se foram mais de sete mil dias
Até já cansei um pouco
mas quero ainda poder ver alguns cometas
amarelos, vermelhos e azuis
e criar uma canção
Sonhamos
Sonhei sonhaste
Propuseste a aurora
aquela cheia de sabor
em praças públicas
carinho doido...
num vivendoido
já foi.
Sonhei sonhaste
com a confirmação do estrelar
prático do cotidiano
em um caracol de sentidos
sem o pensar passado
Sonhamos o poente
com o vermelho do céu
jamais visitado
sonhamos com o cabelo em cor de festa
com as unhas sem sangue
e com a dor não permitida
sonhamos, sonhei, sonhaste
e agora como sonâmbulos só tateamos a realidade
Quanto mais
Quanto mais tenho que aprender a soltar o ventre dos signos e das palavras
compartilhar os anseios da linguagem
sentir o significado sensorial do tempo
dinamizar os símbolos
compor nos seus espaços
e traduzir o canto pleno
sem prisão
Daqui a algum tempo
Talvez daqui a algum tempo a beleza venha pelas ruas, pelos becos,
cantar os versos já meio velhos
já não tão belos, mas existindo ainda
A partir disso
a mãe, a terra o chão
transformar-se-ão, piscando, ofuscando o nada
não penses que o mar vai ir pro rio
os peixes sairão cantando
poucos ficarão perplexo
Talvez, quem sabe o sonho
perfure o peito, o ferro, o concreto
Já não adianta cansar
Não venho do pó
só tenho um nó na garganta
que corta o equilíbrio
que já quase não existe
Até já é noite
E nem vejo os vaga-lumes
Acho que estão do lado de fora da porta
que separa o real deste universo meu canto individual
Mas talvez daqui a algum tempo
as vozes aumentem
e a coleção de sons vigore
para que os arcos, as mesas e os íris
conheçam a outra metade da lua na constelação
Prisões
Presos no asfalto
pés e pernas presas na mesma condição
Presos na aldeia,
Em uma mesma visão
já é noite, faz frio, faz tempo que o arco colorido se foi,
faz muito tempo, mais tempo até que esse instante
Presos, ao mesmo estado de coisas,
Presos a lugares, a luares, caminhos idos, e (talvez) vividos
Presos ao inevitável correr de dias
Presos no mesmo compasso
Presos na busca paralela de sentidos,
Na esperança de sairmos por aí sem levar a prisão
Nessinstante
Sou um não sei o que aqui
com a cabeça cheias de óculos
com lentes para olhar o novo
o que não se sabe
o que é muito a levar
Sou um em cima da cama
com uma música no ouvido
com frio não sei de onde
e é bom aqui
Queria que tu sentisses essa meia paz
sem coceira, sem pasmera
não queria rimar
mas queria ainda amar
se deixasses a porta aberta
atravessaria e entraria para um rodeio em ti
Sou aqui e ainda vivo
alguns nervos tremem
outros dormem
e o cérebro desenha fantasmas
que saem pelas venezianas
para brincar com os pingos da chuva
Marcha do Tempo
Continua sobre as nossas cabeças
a marcha linear do tempo
quase uma lesma a se arrastar
cadê o sonho que ia se enfiar
nos corredores nos interiores e nas varandas
São os mesmos incensos
porém a fumaça não ascende a criação, só entra no ar
saturado de gás carbônico
Aqui não é tão assim,
as pedreiras rompem o silêncio do bairro
Ficaram as crianças brincando de esconde e esconde
alguns acham bonito o pôr do sol
Espero que estejas feliz
Queria mesmo era ir embora
Sabor de ti
A cor do mel sabor de ti
detive o esquecimento do dia nublado
quando vinhas dançar no meu espaço
de mãos dadas com a lua
Hoje a fumaça envolve esta caneta
e por cima da folha
revejo a cor do vinho
sangrando a tua boca entreaberta
Era mais que sensorial
a presença dos teus passos na minha casa
atualidade, arte, política
a música ainda é a mesma
mesmo que o aparelho esteja desligado
Quantos anos ainda tenho
e nem penso no esquecimento
dos dias que cantavas
junto ao sol
claro que vai ser mais um
que vai sumir no tempo
um fragmento de vida
que vai deixar de ser
entre tantos dias que virão
Raro é te ver
Raro é te ver aqui
entre o céu e a boca de infinito
com os olhos mais negros que ontem
Faz tempo que o tempo não te traz
e não houve sol hoje
(sem ele não sais de casa)
Raro é te ver aqui
olhando a rua pela janela
folheando os velhos livros
sem interesse em ir embora
sem perguntar as horas
Faz tempo tudo isto
faz mais de duzentas horas que não te vejo
nem pela janela do ônibus te avistei
ou mesmo na rua da praia na correria
Estive por muitos lugares nesses dias todos
mas não vi o pôr do sol, só lembro dele quando chove ou quando choro
Fazia tempo que isso não acontecia
Raro é te ver aqui
Desaparecestes entre as semanas
ou te evaporastes em algum pingo de orvalho
não queria que nada fosse assim
não queria que estivesses triste
Nada
Faz tempo que passam os dias desde que existo
Os muros são altos
e não mostram a arquitetura interior do crânio
O ar absorve a fumaça
Que envolve o tempo
Não tenho passos, não possuo direção e não existem pedras para atirar
contra um vento que sopra para nenhum lado
Em estado de embriagues um barco não encontra o cais
Muitas aves
Muitas aves lá
e a poesia não reúne as linhas dispersas da vida
Muitas aves brancas desenham rostos no céu
e a poesia não suprime a falta de encontro com o outro
Muitas aves soltas navegam no ar
e a poesia espera que a esperança venha buscá-la pela mão
Muitas aves
Muito branco
Muito ar
e a poesia não encontra os signos e os desígnios da paz
I
Olho
Falo
Calo
quando caio
encontro algum olhar vazio no assoalho
Corto o fato
germina outro talo
disfarço
retraio a cor da face
a dor contraio
apago a luz
no olho fechado
durmo
calo
II
Aqui
agora
pequeno momento
Noite afoga
sonhos poucos
lugar aqui acorda ainda
Em tempo de matar os grilos
sem gritos
sem ecos
só um único universo
III
Acho que fez frase
para mostrar os dentes
naquela calçada ali
A lua já se ia
e os dentes mais brancos que ela
só completavam o cheiro da manhã
Ela não sabia dos suicidas, nem dos estômagos vazios
e não acariciava o ar
pensando ser feliz
Agora é a parte do dia
em que o sol está no oeste
e seus dentes amarelos brigam com as palavras
Mas o ciclo é contínuo
e talvez o ar ainda seja acariciado
pelas mãos de uma manhã
Então ela não estará mais
o lugar estará diferente
restará uma frase
feita para algum grito, para alguma paz
IV
Faz tempo que as coisas não gritam
talvez as cordas vocais estejam cansadas
e o mar não é perto daqui
para ver algumas gaivotas sorrirem
A lembrança da primeira primavera
traz os pedaços dentro da bolsa
para vivê-los em qualquer lugar e momento
Faz tempo que não sinto os raios de sol no rosto
Há uma parede de vidro entre mim e a natureza
e o pior é que tu fazes parte dela
vejo o cenário que vivo como quem olha pela janela
o mundo e suas coisas
são imagens longínquas
Queria poder gritar
V
Sempre a mesma cor
mesmo que as pessoas soem mais alto
o muro sufoca o que pode vir
Segurar o que existe
a barra toda do dia
tem que ter muita ferramenta para esculpir
Gostoso é ver um olhar novo
mas nem um ovo para divertir tem embaixo deste teto
O diálogo é quase incompreensível
nos pormenores da (i) racionalidade
Que realidade é esta?
Temos um tempo, um mundo, um isso? Ou não?
Não deveria ser dramática
A fase, a frase,
muitos vão ficando,
muitos tentam cortar os pulsos
Enquanto isso, as nuvens continuam no céu
VI
Não há mais espera
o saco encheu
e o violão pode até ser quebrado
Existem muitas setas apontando para
mil pontos abertos
como o não ver o pare em uma transversal
E elas, na sua existência de setas não possuem a paciência necessária
para esperar que o caminho seja um só
A noite é enluarada
o outono brinca com a gente
aqui em oitenta e três
não podem haver lágrimas insistentes
mesmo que elas existam
a tarefa é evaporá-las da face
com um sonoro sorriso para acordar melhor no outro dia
(imagem)
Hoje é depois de ontem
Terapia Geral
A boca procura abrir-se para entornar algum grito
mas a meia-noite atinge a consciência
e só aos gatos é permitido berrar
Se isso fosse possível para a humanidade nesta noite
talvez nem as estrelas ficassem quietas
viriam brilhantes, dançar ao som dos vocais humanos
O mar, assustado perante tanto vozerio
pediria aos peixes um minuto de silêncio
O sol sairia desde o Japão
esquentando todas as gargantas do globo
como um maestro
afinando as tonalidades
Não haveriam segredos
o meu grito
o teu grito
seriam sinceros
E quando amanhecesse
sairíamos para a rua
limpos das neuroses
procurando a primeira nuvem
para brincar de esconde-esconde
Transe
Não é só a parede que limita
a rua do olhar
a vidraça se embaça
e não vê nada
além de vultos soltos pela noite
parece que só o cigarro
agarra o oxigênio
Há mil maneiras de sair correndo
mas ficar é o ato, e acontece
Não é só o coração que não bate
não batem também à porta
o ontem foi embora
e entre a vida e o sono, o eterno não está presente
o sempre não existe mais
Mas as ruínas continuam em pé
Sementes
Andam dentro das cabeças
sementes de algum sentir bonito
que não germinadas, só espionam,
curiosas na solidão.
são cabeças que giram
em nada, andando vazias,
nos ônibus, elevadores e caminhões
cabeças com medo dos relógios
metrificadas pela eterna condição
Nos jornais sempre os mesmos fatos
agressão, violência, pão fantasma e poluição
E no ruído do amor, sempre outra conotação
As cabeças olham por atrás da vidraça
a mortalha, o pijama, a cama e o sonho
de germinar a semente em outra dimensão
Novas formas
Deixar a substância vital escorrer pelo tempo
que temos para virar o balde
não é tarde
nem tão triste
Te convido para passear um pouco
e procurar um espaço para plantar um beijo
entre as laranjeiras de algum pomar
tanto faz a hora ou o local do riso
o que importa é o matizar das cores
dos sons e das bocas
multiplicando as casas em planetas vivos
Não adianta a lástima da dor
a barra pesa, o ferro pega fogo
mas as peles resistem e impelem a mão à luta
e pode acontecer de o rio cotidiano mudar o semblante
e a vida se concretizar em novas formas
todas belas e cristalinas
Nova cor
Os quadros não são limitados
dentro das nossas cabeças
Meu olho de leão tenta ir
ao teu interior
e vê cor e sangue
em chame!
e me chama
para a vermelhidão
para um redemoinho de energia e sentidos
no plano real da nova cor
saber ser de leão
só fogo chama e sol
Brisa azul
Quero muito prosseguir
nesta estrada que me leva
e me eleva ventando
em nova condição
Quero ir a ti
até aí onde for o olhar
e ver o vento do teu suspiro
e o teu olhar na inércia
do mesmo espaço
sem contar o tempo
sem determinação
somente com o teu ser de brisa azul
Momento
O isto é um momento
Já se passaram milhões deles
pequenos baús de sensações
se encaixam nas paredes do tempo
nos guarda-roupas, nos armários, na pele, na memória
ou em uma folha de papel (como este que não terminou ainda)
Vêm ansiosos, vão ser mais um
e talvez nos levem a um poço interno
ou para fora da janela
através dos sons da noite e
da tela do dia
Alguns são divididos com um cigarro,
um copo de leite, um amor
uns são sorridentes como meninos em férias
outros, sombrios como velhos casarões
Não findam, reticentes e únicos
cada um com a sua temperatura, cor e jeito
São pedaços de vida
partículas de nós
Desejo
Este ente tão forte
que tem pernas que saltam para dentro da nossa matéria
pelas artérias solta seu vento quente
que cheira a jasmim
Vai pelos poros e musicalmente envolve o olhar
Existe sempre e, às vezes,
como larva no casulo,
espera a hora de virar borboleta,
transformando todas as flores em casos de amor
Este ente surpreende nossas noites
às vezes com medos e dores no peito
em outras, traz relâmpagos rosados aos músculos
e mel à ponta da língua
Este ente tão forte está na essência de cada gesto
gestado na primavera
Um Gato
Anda um gato sob o céu com lua
na rua coberta por ela
pérola dela
guria, luar, adentra seu céu
paisageando a noite
com brilho e gato
descalça os sapatos, corre
espia, mia, multiplica a sensação
faz a festa
nessa rua
até o amanhecer
Pelos negros, fios dourados, um gato
canal de visão que expande o sinal
oral do mio em cio
nesta noite anda a guria
sob o céu com lua
e sua cabeleira veste o luar
Viajava no canal do momento
como uma caravela colorida pelos raios de sol
Percorria a noite
sob o comando do mais intenso querer
Pele e alma dançavam
no ritmo cristalino da emoção
A ação transportava ao interior
toda a alegria do toque do enfoque à vida
na sua mais pura forma de existir
(desde ontem é primavera)
Mutantes
Somos muitos a cada instante, muitos mundos, às vezes mudos, em outros gritantes
Somos muitos a cada trilho, a cada cílio no caminho, a cada caixa de surpresas do dia,
dos vários dias, em muitas linhas livres, curvas, tristes, mas sempre móveis
Alternadamente vivos, somos muitos e em cada minuto
Sentimos outro sabor de busca, outra cor correspondente
Em cada mundo movediço, o nosso modo mutante de existir
Não importa para onde vai esse rio, ele vai e se esvai em cores
e eu irei junto com um matiz qualquer de cor quente ou fria
Fazer parte deste rio, pintando em tons de claros o lado interno,
Transformando o medo em faíscas
Desnudando o querer nublado para eternizar o beijo
Não importa se este rio é de lava
Ou de água pura, se tem a cor do céu, ou se arde em chamas,
Quero ser também o leito, a correnteza, ser mais.
Vindo à tona
Palavras que digo de mim no lugar mais escondido
Podem transformar o oceano preso nos limites da garganta em ondas explosivas e tudo ter sabor de auto tempestade
O meu medo de sentir o gosto azedo do ponto crucial
Pode sumir estilhaçado pela vertente de mim, que posso surgir de dentro, que posso vir à tona
trazendo as minhas bruxas de mãos dadas com a angústia
E deixá-las soltas expressar a rebeldia, até cansarem e não encontrarem mais a mim,
até que eu não as encontre mais.
Atualizado em: Qui 17 Mar 2022