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Naquele sonho, lugares e mulheres

Foi em um sábado de calor (num daqueles que se pede pra fugir da mesmice), dia em que escolhi a casa dos avós paternos, na fazenda, para repousar e meditar.
Sentei-me no terraço. Os Rouxinóis, que se apossaram da caixa do contador de energia, pulavam para dentro e para fora dela e produziam um barulho não muito aborrecedor – ao ponto de não me fazer levantar da cadeira de balanço. O barulho dos rouxinóis se misturou com o choro do recém-nascido, na sala, e com o os roncos da vovó, num quarto mais distante.
Concentrei-me nos barulhos em vez de perder paciência; deixei de meditar, encostei minha nuca no rebordo da cadeira e, com o corpo inclinado pára trás, fechei os olhos. Depois de vários minutos de desocupação, pairou um silêncio: na verdade, havia eu adormecido, era um sono pesado.

Iniciou-se um sonho:
Imagens de pessoas e lugares faziam uma dinâmica numa velocidade absurda, que, demoradamente, perdia a rapidez. A celeridade descomedida das imagens que se alternavam me causou vertigens: era-me estonteante a procura por conhecê-las. Aos poucos, as imagens, enquanto desacelerava-se a dinâmica, eram-me cada vez mais familiares. Até que, depois da tardança, no instante em que as imagens já se moviam lentas, enfim, pude reconhecê-las por completo: Os lugares eram ruas de cidades por onde andei; as pessoas eram as mulheres da minha vida, pessoas que me fizeram relembrar muitas coisas do meu passado. Não consegui relembrar alguns nomes, mas as imagens eram-me inconfundíveis.
Diante de mim, encontravam-se cenários e pessoas dos grandes episódios da minha desconhecida história, figuras que jamais pensei que reencontrasse, mesmo que em sonho.
Quando, por fim, as imagens sumiram e deram, por alguns momentos, lugar a uma sediciosa escuridão (instante este que chamei ócio), interroguei-me da seguinte forma: “Qual das mulheres da minha vida será a mulher da minha vida?” Uma curiosa questão que não hesitei em responder-la: “Tomara que não seja àquela mulher da vida”.
Prevaleceu o negrume, e, pra minha tristeza, não voltaram os personagens do meu sonho. O sonho, sem as ruas e mulheres, era penumbra. Mas havia esperança em mim, pois esperava pacientemente um retorno que não aconteceu (não teria eu acordado se um feixe de luz do sol, que entrava por uma brecha no telhado, atingisse meu rosto, aquecendo-lho).
Despertado, enfim, pude eu ouvir novamente o barulho dos rouxinóis, que, incansáveis, continuavam a sinfonia desordenada de outrora; o bebê havia cessado o choro; a Vovó – meu Deus, a Vovó – continuava a estrondar roncos.

Levantei-me da cadeira, sonolento, e fui-me dali pra outro lugar qualquer; sentindo uma estranha euforia que me dividia entre a tristeza e o contentamento (triste porque uma mulher que teve no sonho já não se encontra mais no meio dos vivos; contente porque as lembranças dos lugares e das pessoas me despertaram agradáveis saudades).
Remédio nenhum poderia curar minha “deleitosa aflição” daquele momento, pois funcionaria a contragosto do meu desejo.
Depois de dar voltas pela casa, sonolento, meio trôpego, notável ao vovô, que tomava chá e lia jornal na sala de estar, resolvi dar fim a caminhada. Acabei voltando à cadeira de balaço. Meditei um pouco sobre o sonho que acabara de sonhar, com um lápis e um bloco de notas por sobre as pernas, e servido de uma xícara de café.

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Atualizado em: Ter 9 Mar 2010

Comentários  

#5 Kokranne 08-07-2010 12:41
Paraéns...gostei.Estrelas. Abrazos.
#4 tania_martins 15-03-2010 15:08
Gostei.
#3 Cerson 15-03-2010 10:28
Muito boa a narrativa. Parabéns, abraços.
#2 Arcofi 12-03-2010 23:22
Texto bem escrito. Gostei.****
#1 Abreu 09-03-2010 23:01
Amigo, isso não foi um sonho, foi um longa-metragem....

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