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JOGANDO COM A VIDA
A vida é um jogo, você diz. Sim, a vida é um jogo. E você tem duas maneiras, apenas duas, de jogá-lo. Na primeira, você se municia de todas as armas como quem se prepara para uma guerra. Então, todos que não estejam ao teu lado serão teus inimigos, e mesmo daqueles que estão ao teu lado, você deve desconfiar. Você apaga da tua mente e do teu coração, toda virtude moral e se pauta apenas nos teus interesses e na forma mais eficiente de buscá-los, ainda que isso exija de você passar por cima das pessoas com a mesma repugnância e indiferença como quem passa por cima de um monte de estrume de cavalo. Isso talvez o faça poderoso, temido, rico de dinheiro e feliz, conforme o seu conceito. Mas, tal um império, isso durará por um tempo. Um dia, porém, inevitavelmente acabará, embora, nem o tempo apagará o rastro de destruição que você certamente terá deixado na vida das pessoas e dos lugares por onde passou.
O outro modo de jogar é mais simples, mais demorado, mais trabalhoso, porque exigirá de tua parte o nobre sentimento de amor à você mesmo, ao teu semelhante e ao teu trabalho. Exigirá estudo, aprendizado, experiência, que, muitas vezes, só vem com a dor e os erros. Exigirá a observância e a prática das virtudes morais, tão difíceis de serem compreendidas e aceitas. Exigirá de você a renúncia, em favor do outro, mais merecedor e mais necessitado, mesmo que isso contrarie os seus interesses, os seus objetivos, pelos quais, você tanto lutou. Talvez você passe pela vida jogando esse jogo e perceberá com o tempo que ele não tem fim. E que aos olhos humanos, você não passa de um perdedor. Um eterno perdedor. Mas os teus olhos humanos um dia você os fechará. E quando despertar do lado de lá, o outro lado da vida, o verdadeiro, você ficará surpreso e até confuso, em princípio, porque terá compreendido de que na verdade você venceu. E aqueles que você deixou, os lugares por onde passou, começarão a vê-lo com outros olhos, e incrivelmente o descobrirão, na verdade, um vencedor. Essa é a vida espiritual. A vida de todos nós. Ela também é um jogo. Mas um jogo onde não há vencidos. Apenas vencedores, porque somos todos filhos do mesmo Pai, e irmãos do mesmo Irmão. Que nunca vestiu paletó e gravata, faixa presidencial, avental ou coisa que o valha. Andava muitas vezes descalço, comia com os doentes e dialogava com as prostitutas e os criminosos, porque via em cada um deles, um irmão jogando o jogo da vida com as cartas e a inteligência de que dispunha, e com as possibilidades de que então eram merecedores.
O jogo da vida não escolhe os seus participantes. Estes sim é que escolhem a maneira de jogá-lo.
Comentários
Sempre um prazer ler vc.
Abraços.
Também prefiro o caminho, sem terno e gravata, gosto do simples, a mão amiga, o amor doador e perdoador.
Parabéns por tão bela e reflexiva crônica.
Um abraço.
Abraço
abraço anarquista